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Conto “ A historiadora obstinada” - Chimamanda Ngozi Adichie

Resumo do conto
- Situado no final do século XIX, no que hoje vem a ser a Nigéria, um narrador
heterodiegético (o narrador apagado) conta, em terceira pessoa, a história de
Nwamgba, que mesmo diante da imposição dos pais, escolhe o próprio marido:
Obierika. A família do esposo, entretanto, é atormentada por uma maldição, e a
protagonista sofre diversos abortos espontâneos ate, por fim, nascer o primeiro e único
filho do casal: Anikwenwa. O marido morre pouco tempo depois e deixa Nwamgba
no meio de uma disputa com a família dele, pois os primos do seu falecido esposo
exigem as posses deixadas. Nwamgba decide mandar o filho estudar com a língua
inglesa com os missionários católicos ingleses/ colonizadores para que ele possa
defender os direitos da mãe nos recém-estabelecidos tribunais dos colonizadores, O
filho toma um nome inglês, Michael e é batizado como cristão e se rende à cultura do
colonizado, Posteriormente Anikwnwa casa e tem dois filhos, Nmandi/Peter e
Afamefuna/Grace.
- A partir da leitura do conto, Chimamanda nos leva a questionar as identidades
pós-coloniais e a retomada das culturas sublimadas pelo processo de colonização.
Podemos observar também a questão da subalternidade do sujeito minoritário assim
como o sujeito femino, e a permissão dessa para falar(ou não). A autora também tece
na sua narrativa críticas ao apagamento de culturas africanas, diante do embate com
culturas cristãs ocidentais.
- Através de Nwamgba, Chimamanda dá voz/ acaba por representar os milhões de
sujeitos de centenas de etnias que acabaram por ter seus costumes e corpos dominados
pelo neocolonialismo;
- Toda a problemática do conto se inicia pelo fato da autodefesa de Nwamgba jamais ser
ouvida e ter que delegar a sua voz para o filho. O fato dela ser uma mulher negra,
viúva ( ela não tem mais o marido para falar por ela/defendê-la o que já podemos a
partir desse ponto discutir a violência simbólica do patriarcado em silenciar as
mulheres), além da questão de ser não civilizada - partindo do ponto de vista do
colonizador - ela não poderia buscar ajuda entre os ingleses pois não era civilizada , ou
seja, ela não sabia falar a língua do colonizador, portanto a voz dela não seria ouvida;
- Para compreender esse ponto do silenciamento/ do lugar de fala de Nwamgba,
acionamos um estudo em que a crítica e teórica indiana Gayatri Chakravorty Spivak,
no livro Pode o subalterno falar? questiona o lugar de fala do subalterno, isto é, do
sujeito que está à margem, como o colonial, O subalterno são, portanto, aqueles que
estão nas camadas mais baixas da sociedade e são excluídos de representação política
e legal e não podem, portanto, serem membros plenos do estrato dominante;
- Observa-se, portanto, que existia para a protagonista do conto, impedimento para se
representar diante da sociedade , sendo dessa forma, necessário o intermédio do filho
que, aprendendo a língua do colonizador poderia “falar pela mãe.” De acordo com
Spivak, o sujeito subalterno e colonizado precisa da voz de outrem para reivindicar e
ser ouvido, portanto o filho acabou por ser a voz da mãe;
- Segundo Spivak, todo e qualquer discurso que ocorre em nome do subalterno está
dentro de uma lógica de opressão e dominação;
- Spivak se alinha com a teoria crítica feminista francesa ao compreender que todo
dscurso produzido por uma lógica patriarcal estará marcado pela opressão. Logo, ao
“falar pela mãe” em um universo de esquemas masculinos, o filho estaria tão somente
reproduzindo as estruturas de poder, sem dar verdadeiramente voz à mãe/ mulher;
- O silenciamento de Nwamgba está atrelado ao gênero: o fato de ser mulher a
silenciava. Tanto ela quanto o filho podem ser considerados subalternos, uma vez que
ambos são africanos, colonizados - o outro não tem voz. Entretanto, o que fez a voz de
Michael ser ouvida pelo colonizador pelos anciões não foi apenas ele ter cedido ao
fato de aprender inglês e as regras do sistema colonial, mas, sobretudo o fato de ele ser
homem.
- Spivak observa que “o sujeito subalterno feminino está ainda mais profundamente na
obscuridade", pois além não ter voz e não ter história - como o sujeito subalterno
masculino - o feminino ainda sofre o jugo da dominação masculina, Logo, Nwamgba
é completamente silenciada, sofrendo uma dupla submissão. Outro ponto que
podemos observar isso, é quando o filho adota a cultura do colonizador e rechaça as
suas raízes/costumes, isto é, ele nega a cultura africana e ancestralidade, assim como
deixar de escutar a sua mãe, lançando-a ainda mais na obscuridade. A “transformação
“ de Anikwenka em Michael é o começo para o apagamento cultural do seu clã . Nesse
ponto, Spivak ressalta que o contato da cultura com o colonizador com o outro -
colonizado - é uma violência epistêmica que culmina na obliteração do outro.( até na
cena da cerimônia do casamento podemos observar esse apagamento da cultura
colonizada);
- Podemos pensar também nos mecanismos de exclusão propostos por Foucault, ao
compreender que Nwamgba sofreu com a interdição, pois não tinha direito
privilegiado - era mulher africana/colonizada -, com a separação, uma vez que sua
cultura, considerada primitiva e não civilizada, a aproximava do discurso dos loucos -
porquanto ela não falava inglês e não podia ser compreendida pelo colonizador - e na
vontade de verdade, uma vez que nunca se acreditava como verdadeiro o que ela dizia
- ela sempre era desacreditada pelos primos do falecido marido no conselho dos
anciões;
- É através da neta, Afamefuna - que significa “meu nome não se perderá” é quem toma
para si a missão de retomar e preservar a ancestralidade da sua família/do seu povo, ao
decidir manter viva a tradição e a cultura de seu povo vivas. O desfecho do conto
mostra o interesse da neta se volta para a história da avó e, por isso, ela segue os
estudos das tradições africanas e leva isso para o meio acadêmico. Em resumo,
podemos compreender que a neta, uma mulher, é quem de fato abre um lugar de fala
para a avó, permitindo que a voz dela possa finalmente ser ouvida.

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