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Explicitaremos melhor este ponto de nossa utilização metodológica no ponto 3.f (fundamentação
teórico e metodológica) Mas sublinhamos que não estaríamos a sugerir a utilização de dois métodos
mas sim a conjugação coerente em um único método de duas vertentes interpretativas. Quanto a
utilização conjunta destes dois métodos ver por exemplo:Thiago Motta, 2010 in Cadernos Nietzsche.
Introdução
Apresentação do tema:
De acordo com nossa interpretação, mediante este trecho, fica exposto que há
um singular projeto existencial e estético de relação entre a criação de “ilusões reais”,
próprias ao âmbito artístico, como procuramos interpretar, e a vida contemplada de um
modo estético6. “.Manufaturamos realidades”7, afirma Soares. Nota-se que a
contemplação seria, na concepção de Soares, paradoxalmente, uma via de ação, ou
melhor, de criação8 pois o “sonhador é que é o homem de ação.” 9 Soares é um
contemplador mas sobretudo do sonhos10. E sonhar é a ação do contemplador e o
sonhador (Soares) é por excelência, o homem que contempla criando. Nota-se que a
ação praticada por Soares é por excelência a da criação pois é um modo de não agir11.
Não podemos deixar de explicitar que estamos diante de um texto (do “Livro do
desassossego”) feito de fragmentos que sequer transcorrem linearmente tanto do ponto
de vista formal quanto em relação ao conteúdo. Desse modo, seu texto resguardaria
múltiplas e desassossegadas interpretações e problematizações acerca daquilo que
6
Assinalamos, como pretendemos desenvolver, que este projeto (de Soares)
resguardaria relações de afinidade com a proposta filosófica e, porque não, também
artística de Friedrich Nietzsche que declara que a vida só se justificaria esteticamente.
Nietzsche em diferentes períodos de sua obra afirma que “Só como fenômeno estético, a
existência e o mundo aparecem eternamente justificados" (GT/NT, Ensaio de autocrítica
5, KSA 1.17) e ainda "Como fenômeno estético, a existência é sempre, para
nós, suportável ainda" (FW/GC 107, KSA 3.464).
7
Pessoa, 2015, parágrafo 66, pag.10.
8
Criar “ilusões reais” parece-se com a arte do sonhar que seria para Soares uma
manifestação estética. Nota-se que se Soares nos relata que o sonhador é o homem de
ação, ele paradoxalmente também considera que “arte de sonhar é difícil porque é uma
arte de passividade, onde o que é de esforço é na concentração da ausência de esforço”
(MANEIRA DE BEM SONHAR)
9
Pessoa, 2015, Parágrafo 90.
10
Assinalamos que mais a frente procuramos refletir sobre o fenômeno do sonhar.
11
Estamos diante de uma estética do paradoxo, que pretendemos analisar, como uma
postura artística própria ao pensamento artístico de Pessoa e de soares. Soares é
sobretudo o homem que abdica da ação embora fale-nos de do contemplador-sonhador
como homem de ação: “Nos grandes homens de inação, a cujo número humildemente
pertenço[...] (Pessoa, 2015, parágrafo 155)e “Não agir dá-nos tudo. Imaginar é tudo,
desde que não tenda para agir. Ninguém pode ser rei do mundo senão em sonho”
(Pessoa, 2015, parágrafo 164)
chamamos ordinariamente de “ilusão” e “realidade”. Nada em suas considerações é
acomodado, tudo segue um desassossegado pendor para certo espanto diante da
“realidade” que transcende as opiniões e seus lugares comuns sobre os fenômenos.
Para fins teóricos desta apresentação sublinhamos uma de suas considerações acerca da
realidade, mas gostaríamos de observar que pretendemos trabalhar as ricas variantes que
se apresentam nos devaneios inquietos do autor. Ressaltamos que a questão que
levantamos através do texto de Soares sobre o “real” e a “ilusão” parece aparentemente
se limitar ao campo filosófico, mas gostaríamos de defender que tal problematização é
fundante ao fazer literário/artístico do “autor”. Neste sentido a perspectiva, sublinhada,
acerca da “ilusão” e da “realidade” sugerida pela escrita de Soares, como ensejamos
analisar, é fundamentalmente artística: criar “ilusões” reais através de sua prosa poética
para então inventar novas “realidades”. Note-se que estamos diante de uma obra que
transbordaria, em um encaminhar-se, para além dos limites tradicionais de separação
entre filosofia, pensamento e arte.
16
Pessoa, 2015, parágrafo 114.
17
Pessoa 2015, o sensacionista,
18
Pessoa, 2015,388
sentindo de realidade e nobreza) afirmaria o ficcional da arte já que “na arte não há
desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio” 19. A arte seria a única ilusão
que não ocasionaria a desilusão, porque se apresenta como ilusão desde o princípio;
realmente ilusória a arte não desilude enquanto a ilusão da realidade desiludiria porque
pretende-se usualmente que seja realmente uma realidade. Com Soares-Pessoa a questão
da relação entre “realidade”, linguagem e homem seria problematizada e reinstaurada
pelo fazer artístico. Assim, criação de ilusões reais através da linguagem artística, a
criação de realidades ilusórias (mundos) e a arte da criação de si mesmo, estariam
perpassados pelo que é renovadamente mistério dramatizado na poética de Pessoa: o seu
próprio fazer artístico que convocaria e conjugaria de maneira singular as forças da arte,
do pensamento e da vida. Por tal, investigando com o auxílio das noções de realidade,
linguagem e homem/si mesmo estaríamos analisando a questão do fazer literário como
criador de sensibilidades/leituras da “realidade”.
19
Pessoa, 2015, parágrafo 270.
20
Pessoa, 2015 parágrafo 155.
21
Pessoa, 2015 parágrafo 413.
22
Pessoa, 2015 parágrafo 196.
paradigmaticamente o mistério pessoano da heteronímia, do tornar-se outro, do
outramento. Com isto, delineamos e esboçamos certas questões e uma série de hipóteses
que apontam para certas direções desde onde pretendemos desenvolver este projeto.
25
Idem, 1986, p. 11.
sentidos possíveis são muitos”26” Nosso método se explicitaria nesse exercício da
dúvida que permeia os escritos pessoanos e que abriria o presumido sentindo do
“mesmo” de um texto para sua diferença, para a multiplicidade de possíveis sentidos
m O exercício de certa dúvida como método de leitura nos parece essencial para a
problematização destes textos que não se esgotam em um pretenso sentido único e
verdadeiro como é o caso dos escritos de Soares mas também de Pessoa cunhados na
hesitação das nuances e nos movimentos de diferentes perspectivas que se multiplicam e
enriquecem de sentidos suas tramas. Nesta direção Zenith afirma: “dúvida e hesitação
são os dois absurdos pilares-mestres do mundo segundo Pessoa e do livro do
27
desassossego(...)”. Nosso método confiar-se-ia nas nuances e deslocamento dos
sentidos que se inscrevem nos escritos do autor. Gostaríamos de extrair de seu texto um
saber-sabor capaz de nos instrumentalizar e orientar metodologicamente nossa leitura
enquanto interprete afetado por seus escritos.
Existe apenas uma visão perspectiva, apenas um conhecer perspectivo; e quanto mais
afetos permitimos falar sobre uma coisa, quanto mais olhos, diferentes olhos,
soubermos utilizar para essa coisa, tanto mais completo estará nosso “conceito” dela,
nossa “objetividade”. (NIETZSCHE, F. GM, III, §12, p.109).
29
(7 [60] final de 1886/primavera de 1887 apud Marton, 2000, p. 269-270).
necessária para o olhar ver e a proximidade precisa para ouvir afetivamente o “próprio”
de um texto desvelar-se. Tomamos o texto não como algo estável (como um fato) mas
como algo que em sua mobilidade nos convoca para interpretações de seus possíveis
sentidos por meio do olhar atento e de uma escuta sensível. Por último, julgamos que
confrontar hermeneuticamente os textos de Pessoa com os de Soares e os de Soares com
os de Pessoa e seus heterônimos como pretendemos é adentrar no espaço aberto de um
universo que tem um ethos artístico forjado na polêmica. O que torna vivo o vigor e a
tensão de sua escrita, viva porque mobilizada por diferentes perspectivas que seu texto
pode doar. Polemizar perspectivas é parte intrínseca do drama poético do autor e
pretendemos a partir de uma leitura hermenêutica e perspectiva considerar e acolher tais
movimentos dramáticos dos sentidos de sua criação poética.
Cronograma de atividades:
Etapa I:
Meses
ATIVIDADES 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
Etapa II:
Meses
ATIVIDADES 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 45 46 47 48
1988.
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. Trad. Paulo César de Souza. SãoPaulo:
ED Schwarcz S.A. 2018