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Projeto de Pesquisa: Manufacturar realidades, desassossegos

artísticos em Bernardo Soares e Fernando Pessoa

Candidato: Pedro Poncioni Mota

Área de concentração: Estudos da literatura

Especialidade: Literatura Portuguesa

Palavras-chave: Arte. Realidade. Ilusão

Linha de pesquisa: Poéticas da contemporaneidade


Resumo
Neste projeto de pesquisa para doutorado sublinhamos a aspiração de refletir o
pensamento artístico de Fernando Pessoa a partir dos escritos do “Livro do
desassossego” (2015), tomando-o como uma “autobiografia” dramática ou performática
do próprio processo de escrita e dos dramas conceituais pessoanos.
Levantamos como problema a serem trabalhados as noções (instauradas
artisticamente) da realidade como uma forma de ilusão e da ilusão como uma forma de
realidade, tal qual escreve Soares-Pessoa associadas com as questões do si mesmo ou
alma, do sonho e da sensação entendidos como dramas conceituais do autor Para atingir
os objetivos propostos buscaremos fazer um exame comparativo dos textos de Fernando
Pessoa, considerando que há neles uma riqueza especulativa que nos daria condição
possibilita de refletir sobre o pensamento artístico do autor, haja vista que a poética de
Pessoa tem a potência de uma meditação reflexiva do próprio processo da criação.
Aventuramo-nos a afirmar que a análise dos textos de Pessoa permite condições para a
extração de uma metodologia própria. O que nos interessa é como essa criação artística-
especulativa se vincularia as noções que consideramos fundantes de seu ato criador, tais
como as noções de “realidade”, “ilusão” sua relação com o si mesmo, o sonho e
sensação Nesta direção, a obra de Pessoa se mostra como um arcabouço poético-
especulativo capaz de nos fornecer “instrumentos” conceituais e teóricos singulares para
os interpretar segundo o enfoque pretendido. Nosso método se confiaria se
fundamentaria/basearia no exercício da interpretação dos possíveis sentidos de seus
escritos, a partir da escuta/leitura de diferentes “afetos e olhares” sugeridos. Para tal
isso, propomos, ainda, conjuntamente, a tarefa de confrontação dos textos pessoanos
uma leitura hermenêutica e perspectivista1.

Introdução
O presente projeto de pesquisa é uma proposta de apresentação e investigação do
pensamento artístico de Fernando Pessoa, particularmente por intermédio das escritas de
seu semi-heterônimo, Bernardo Soares. Sublinhamos que este pensamento artístico,

1
Explicitaremos melhor este ponto de nossa utilização metodológica no ponto 3.f (fundamentação
teórico e metodológica). Ressaltamos, porém, sublinhamos que não estaríamos a sugerir sugerimos a
utilização de dois métodos, mas sim a conjugação coerente em de um único método de duas vertentes
interpretativas. Quanto a utilização conjunta destes dois métodos, consultar a respeito er por exemplo:
Thiago Motta, 2010 in Cadernos Nietzsche ANO???.

2
como fica evidente a partir do “Livro do desassossego” (2015), tem como característica
a inscrição de ricas e múltiplas interpretações acerca de valiosas noções para o âmbito
artístico, filosófico e teórico, e que no caso da obra de Fernando Pessoa são recolocadas
por seu pensamento artístico-filosófico. Sobre tais noções sublinhamos a interpretação
de Bernardo Soares–Fernando Pessoa (2015) sobre “ilusão” e “realidade” associada
com questões e proposições do “autor” acerca de noções como si mesmo (alma), sonho
e sensação que tal qual dramas conceituais concerniriam à seu fazer artístico. Segundo
nossa interpretação, o pensamento literário de Pessoa-Soares se apropriaria de maneira
singular especial das problematizações filosóficas e do pensamento ocidental para fazer
destesles, como gostaríamos de desenvolver, uma singularidade artística por meio de
um saber-sabor poético próprio e autônomo. Se a questão da “realidade” e da “ilusão”
remonta as origens da tradição filosófica, esta seria particularmente reinstaurada pelo
desassossego do fazer literário de Pessoa-Soares. Através Por meio da problematização
propriamente artística de Soares de “reconhecer a realidade como uma forma da ilusão,
e a ilusão como uma forma da realidade [...]”2 por meio de em que sua prosa - entendida
como uma arte que pensa, pois haja vista que “a literatura [...] é a arte casada com o
pensamento”3; “[...] um poeta impulsionado pela filosofia [...]”4 - ensejamos nos
aproximar do enigma do fazer artístico pessoano, enquanto um criar “ilusões reais”.
Portanto, o problema a ser trabalhado diz respeito as noções (instauradas
artisticamente) da realidade como uma forma de ilusão e da ilusão como uma forma de
realidade, tal qual escreve Soares-Pessoa, associadas com as questões do si mesmo ou
alma, do sonho e da sensação entendidos como dramas conceituais do autor.
A hipótese principal que pretendemos sustentar é de que ao criar “ilusões reais”
por intermédio da arte literária, Soares-Pessoa inventaria uma prosa poética tão potente
que em sua artisticidade evocaria a criação de “realidades ilusórias” estetizadas 5, assim
ele relata :
Não sabendo o que é a vida religiosa, nem podendo sabê-lo,
porque se não tem fé com a razão; não podendo ter fé na
abstração do homem, nem sabendo mesmo que fazer dela
perante nós, ficava-nos, como motivo de ter alma, a

2
Pessoa, 2015, Parágrafo 90, p.120.
3
Pessoa, 2015, Parágrafo 27, p.120.
4
Pessoa, 1966, p.????
5

3
contemplação estética da vida” (Pessoa, 2015, parágrafo1, grifo
nosso,)

De acordo com nossa interpretação fica exposto que há um singular projeto


existencial e estético de relação entre a criação de “ilusões reais”, próprias ao âmbito
artístico, como procuramos interpretar, e a vida contemplada de um modo estético 6.
“Manufaturamos realidades”7, afirma Soares. Nota-se que a contemplação seria, na
concepção de Soares, paradoxalmente, uma via de ação, ou melhor de criação8, pois o
“sonhador é que é o homem de ação.” 9 Soares é um contemplador mas sobretudo do
sonhos10. E sonhar é a ação do contemplador e o sonhador (Soares) é por excelência, o
homem que contempla criando. Nota-se que a ação praticada por Soares é por
excelência a da criação, porque é um modo de não agir11.
Não podemos deixar de explicitar, ainda, que estamos diante de um texto (do
“Livro do desassossego”) feito de fragmentos, que sequer transcorrem
linearmente tanto do ponto de vista formal quanto em relação ao conteúdo.
Desse modo, o texto de Soares resguardaria múltiplas e desassossegadas
interpretações e problematizações acerca daquilo que chamamos ordinariamente
de “ilusão” e “realidade”. Em suas considerações, nada é acomodado, pois tudo
segue um desassossegado pendor para certo espanto diante da “realidade”, que
transcende as opiniões e seus lugares comuns sobre os fenômenos. Sob o ponto
de vista teórico, sublinhamos uma de suas considerações acerca da realidade
- ????? - , mas consideramos trabalhar as ricas variantes que se apresentam nos

6
Assinalamos, como pretendemos desenvolver, que este projeto (de Soares) resguardaria relações de
afinidade com a proposta filosófica e, por que não, também artística de Friedrich Nietzsche que declara
que a vida só se justificaria esteticamente. Nietzsche afirma, em diferentes períodos de sua obra, que “só
como fenômeno estético, a existência e o mundo aparecem eternamente justificados" (GT/NT, Ensaio de
autocrítica 5, KSA 1.17). E, também, "como fenômeno estético, a existência é sempre, para
nós, suportável ainda" (FW/GC 107, KSA 3.464).
7
Pessoa, 2015, parágrafo 66, pag.10.
8
Criar “ilusões reais” parece-se com a arte do sonhar que seria para Soares uma manifestação estética.
Nota-se que se Soares nos relata que o sonhador é o homem de ação, ele paradoxalmente também
considera que “arte de sonhar é difícil porque é uma arte de passividade, onde o que é de esforço é na
concentração da ausência de esforço” (AUTOR, ANO, p. ) MANEIRA DE BEM SONHAR)
9
Pessoa, 2015, Parágrafo 90, p..
10
Assinalamos que mMais a frente adiante procuramos refletir sobre o fenômeno do sonhar.
11
Estamos diante de uma estética do paradoxo, que pretendemos analisar, como uma postura artística
própria ao pensamento artístico de Pessoa e de soares. Soares é sobretudo o homem que abdica da ação
embora fale-nos de do contemplador-sonhador como homem de ação: “Nos grandes homens de inação, a
cujo número humildemente pertenço[...] (Pessoa, 2015, parágrafo 155) e “Não agir dá-nos tudo. Imaginar
é tudo, desde que não tenda para agir. Ninguém pode ser rei do mundo senão em sonho” (Pessoa, 2015,
parágrafo 164).

4
devaneios inquietos do autor. Ressaltamos que a questão que levantamos
através do texto de Soares sobre o “real” e a “ilusão” parece aparentemente se
limitar ao campo filosófico, mas gostaríamos de defender que tal
problematização é fundante ao fazer literário/artístico do “autor”. Nesse sentido,
a perspectiva sublinhada acerca da “ilusão” e da “realidade” sugerida pela escrita
de Soares, como ensejamos analisar, é fundamentalmente artística: criar
“ilusões” reais através de sua prosa poética para então inventar novas
“realidades”. Note-se que estamos diante de uma obra que transbordaria, em um
encaminhar-se, para além dos limites tradicionais de separação entre filosofia,
pensamento e arte.
Além disto, radicalmente precursor, seus escritos operariam uma torção - ou
subversão - da presumida separação entre arte e vida ou real. Com Bernardo Soares a
criação de “ilusões” reais, que pensamos ser própria do (seu) fazer artístico, concorreria
para a criação de novas sensibilidades que, como queremos aprofundar, seriam capazes
de possibilitar outras “leituras” (e escritas) interpretativas e criativas do que chamamos
comumente de “realidade”. Assinalamos, portanto, que com a afirmação proposta por
Soares da “realidade” como “ilusão” e da “ilusão” como “realidade” nos vemos
impelidos a colocar ambos os termos, tecidos no paradoxo do “autor”, entre aspas, como
que suspensos pelo véu artístico da potência do ficcional A questão colocada acerca do
valor da “ilusão” e da “realidade” nos convoca a um labirinto de paradoxos: se a ilusão
é uma realidade o que pode vir-a-ser, através do suposto pendor artístico de trabalhar
com a realidade da ilusão, o real da ilusão do real?
Nessa direção, percebemos por meio do texto de Soares certo projeto existencial
e artístico de criar “ilusões” reais, realmente literárias, através do qual “manufactura-se
realidades” (no plural fica acentuado o fato de não haver a “realidade” num sentido
ontológico propriamente dito). Meta-narrativo, o texto de Soares apresentar-se-ia como
uma escrita da potência da “ilusão real” capaz de sensibilizar seu leitor para a realidade
da ilusão ficcional. Por tudo isso, constatamos ainda que será necessário desenvolver a
relação entre o criar “ilusões reais” e a performance poética do fingimento de Fernando
Pessoa, como a verdade que sua obra de arte resguarda. Fingir como o próprio drama da
representação poética: como a questão do doar forma, pois “onde há forma há alma”12,
ao que é realmente uma ilusão13. Dar forma em poesia e prosa seria, portanto, um doar a

12
Pessoa, 2015, parágrafo 416.
13
Mais a fente nos dedicaremos a questão da (criação) da alma.

5
alma, ou seja, (consentir) doar a própria “verdade” da “vida” do que é realmente
ilusório. Fingimento seria fazer poeticamente o ilusório aparecer como real enquanto a
verdade do (seu) fazer artístico. Fingir como um doar realidade/alma, doar forma
artística e por isto sensível ao ilusório que é tradicionalmente tratado como aquilo que
não é verdadeiramente o real, mas que de certa forma (artisticamente) vem a ser
realmente enquanto obra de arte. Soares afirma que: “fingir é amar 14. ” Em poucas
palavras Bernardo Soares diz muito e diz o próprio do (seu) fazer artístico. Pensamos e
gostaríamos de desenvolver a hipótese de que fingir é amar pois seria o consentir em
doar realidade ou alma através da forma ao que parece (ilusão) aparecendo (e
aparentando-se) como real. Amar seria então a afirmação do véu da ilusão que
resguarda desvelando e velando a verdade da vida da obra de arte. Amar como um doar
destino ao ilusório, velando o que se se vela e desvela no véu da ilusão. Amar
verdadeiramente, ou seja, fingidamente o que parece (ilusão) aparecendo como o
próprio real do fazer artístico. Poderíamos então pensar o artista (ao menos
Pessoa/Soares) como aquele que tece, ou para usar uma imagem de sua predileção, que
coze verdadeiramente, fútil e inutilmente a realidade artística do véu da ilusão.
Dentro desse amplo “projeto”, haveria um outro não menor: o de criação da
alma ou do si mesmo para que possa haver novas sensibilidades, novas sensações de
“realidades”. Pretendemos, assim, investigar como o “autor” semi-heterônimo em sua
prosa reflete uma desassossegada questão acerca do si mesmo. Orientados pela
provocação de Soares “a única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma
alma nova[...] Muda de alma. Como? Descobre-o tu” 15, apontamos que para o “autor”
somente através da construção da alma nova haveria a possibilidade da criação de novas
sensações da(s) “realidade(s)”. Uma outra hipótese que levanto acerca da criação de
almas é que está se vincularia com o drama da criação heteronômica de Pessoa. Portanto
estaríamos ao refletir em torno do “Livro do Desassossego”, de certo proto-fenômeno
da fabulação heteronímica de Fernando Pessoa. Por sua importância no contexto do
drama heteronômico do tornar-se outro, do outramento próprio do fazer artístico de
Fernando Pessoa, pretendemos desdobrar a questão da criação de almas novas ou
mudança destas como um dos eixos do processo de criar novas “realidades” (ilusórias)
atrás do ficcionalizar “ilusões” reais. Nos parece que vida (anímica) e arte se
entrelaçariam pois como Soares afirma “quero ser uma obra de arte, de alma pelo

14
Pessoa, 2015, parágrafo 260
15
Pessoa, 2015, parágrafo, p 289.

6
menos...”16. Neste sentido seu texto é radicalmente precursor, como pretendemos
avaliar, de uma questão que é fundamental para o âmbito artístico moderno: a relação
entre arte e vida.
Não podemos deixar de sublinhar a centralidade do termo “sensação” no fazer
poético de Pessoa e na prosa de Soares como o elemento que por vezes é considerado o
próprio meio do fazer artístico. Para Soares haveria apenas a realidade da sensação:
“[...] as nossas sensações são a única realidade que nos resta 17. “Recuperar” a sensação
no fazer artístico aponta para uma radical deslocamento em relação ao “projeto”
ocidental e filosófico de (de)negação do sensorial em detrimento do verdadeiro e do
conhecimento.. Soares proclama o valor das sensações mesmo que sejam ilusórias (ou
justamente por serem ilusórias elas vem-a-ser em sua realidade), afirma artisticamente
a realidade das sensações que foram (de)negadas pela tradição ocidental como causa do
erro e do falseamento. Com ele, em nome do fazer artístico, as sensações retornariam as
mãos do artífice depois de um longo recalcamento seu em nome da verdade. O artista
(ao menos Soares) teria como tarefa trabalhar com a “realidade da ilusão” sensorial, das
sensações, sentindo-as literariamente através de certa arte de “tornar puramente literária
a receptividade dos sentidos”18. Parece-nos lendo Soares que o real e a vida só são
possíveis ou dignos mediante uma contemplação estética. Contudo, nota-se que Soares
constantemente reitera a realidade do ficcional (ilusão real) em detrimento da ilusão da
“realidade”. Tal qual numa hierarquia de valores a “vida” do ficcional tivesse mais valor
do que a “vida real” que não passaria de mera ilusão. Levantamos a hipótese que apenas
contemplada esteticamente a vida teria valor justo porque esta teria o sentido de ser
uma ilusão, no sentido de algo vazio de valor em si mesmo; enquanto a arte que é uma
“ilusão” real desde o início teria seu valor por ser uma realidade ficcional. Seria então o
ficcional, o estetizar que doa valor para uma vida que sendo ilusória por si só não tem
valor sendo oca e vazia de sentido em si? Soares avaliando a “ilusão” como “real” (no
duplo sentindo de realidade e nobreza) afirmaria o ficcional da arte já que “na arte não
há desilusão porque a ilusão foi admitida desde o princípio” 19. Com Soares-Pessoa a
questão da relação entre “realidade”, linguagem e homem seria problematizada e
reinstaurada pelo fazer artístico. Assim, criação de ilusões reais através da linguagem
artística, a criação de realidades ilusórias (mundos) e a arte da criação de si mesmo,

16
Pessoa, 2015, parágrafo 114.
17
Pessoa 2015, o sensacionista,
18
Pessoa, 2015,388
19
Pessoa, 2015, parágrafo 270.

7
estariam perpassados pelo que é renovadamente mistério dramatizado na poética de
Pessoa: o seu próprio fazer artístico que convocaria e conjugaria de maneira singular as
forças da arte, do pensamento e da vida. Por tal, investigando com o auxílio das noções
de realidade, linguagem e homem/si mesmo estaríamos analisando a questão do fazer
literário como criador de sensibilidades/leituras da “realidade”.
Indicamos, ainda, que a insistência performada do sonhar, que atravessa a escrita
de Soares como um fenômeno estético (pois “sei sonhar em prosa” 20), é um importante
ponto que desejamos aprofundar. A arte de sonhar como propõe Soares: “Viver do
sonho e para o sonho, desmanchando o Universo e recompondo-o” 21 seria, em um outro
plano das diversas camadas das possíveis interpretações de seu texto, o liame, senão o
fio condutor, destes três fenômenos (linguagem, realidade e homem ou si mesmo). A
arte de sonhar apareceria como um trabalho ao mesmo tempo de escrita e leitura
(interpretação) de um real que talvez não haja, de um si mesmo que talvez não haja e
arriscaríamos dizer, de uma linguagem que talvez não haja pois “a vida é oca, a alma é
oca, o mundo é oco”22. Levantamos uma última hipótese de que por não serem
(substancialmente ou ontologicamente) estes precisem ser “inventados” através da
realidade da ilusão como esta ocorre no fenômeno do sonho. Propomos também que no
sonho estaria presente o proto-fenômeno de criação do si mesmo, do real e da
linguagem pelo reconhecimento do paradoxo de que no recôndito de nosso presumido
si mesmo íntimo necessitaríamos do da imagem do outro. Sonhamo-nos outros.
Gostaríamos, portanto, de aprofundar a percepção de que no fenômeno do sonho, tão
amplamente e diversamente presente na prosa de Soares, estaria inscrito
paradigmaticamente o mistério pessoano da heteronímia,. Com isto, delineamos e
esboçamos certas questões e uma série de hipóteses que apontam para certas direções
desde onde pretendemos desenvolver este projeto.
Justificamos a pertinência deste projeto que busca, por meio de uma leitura
criticamente interpretativa do texto de Soares (a partir de elementos que fariam parte de
seu arcabouço literário como ilusão, realidade, sensação, sonho e si mesmo),
empreender uma releitura da “poética dramática” de Fernando Pessoa que evocaria toda
uma problemática em relação ao âmbito do pensamento artístico da modernidade como,
por exemplo, a relação entre vida e arte, o outro e o si mesmo assim como a relação da
arte enquanto “ilusão” e a “realidade”, etc. Nesta direção contextualizar o pensamento
20
Pessoa, 2015 parágrafo 155.
21
Pessoa, 2015 parágrafo 413.
22
Pessoa, 2015 parágrafo 196.

8
poético de Fernando Pessoa assinalando os elementos de seu gênio inovador e
precursor, em referência as questões do pensamento artístico, é refletir sobre o topos
que sua arte alcançou. Além disto, justificamos a relevância deste projeto pois
consideramos oportuna a meditação em torno dos desdobramentos ainda por vir da
potência que seu pensamento artístico, sob o enfoque que sublinhamos, pode desvelar
(ainda hoje e sempre) e acrescer no cenário da literatura, do pensamento teórico e da
arte em geral;. pretendemos desse modo contribuir para o debate acerca da obra de
pessoa na contemporaneidade.
O que nos motiva o trabalho de pesquisar e investigar o “drama artístico” de
Fernando Pessoa, por intermédio da obra de Bernardo de Soares, é o nosso
desassossego diante de questões artísticas que nos parecem fundamentais e fundantes
para o pensamento ocidental, para o âmbito artístico, à maneira como essas questões são
elaboradas, avaliadas e deslocadas de seus sentidos ordinários no âmbito da criação
“literária-pensante” de Fernando Pessoa e particularmente de seu semi–heterônimo
Soares

Problema geral: Refletir, para interpretar a obra poética de Fernando Pessoa, em torno
dos elementos fundamentais do fazer artístico de Bernardo Soares, e apresentá-los de
uma maneira sistemática assim como examinar os dramas conceituais ou figurativos por
intermédio de noções como realidade, ilusão, si mesmo, alma e sonho que apontam para
a “realidade da ilusão” como o elemento próprio do (seu) fazer artístico literário.

Como decorrência desse problema geral inventariamos os seguintes problemas


específicos: A) avaliamos que é possível depreender do texto de Soares um impulso
artístico-especulativo que problematizaria os valores de” realidade” e “ilusão”
reinstaurando singularmente uma questão que remonta as tradições do pensamento
ocidental.
B) Compreender como Soares através da criação de “ilusões reais” propõe uma
contemplação estética da realidade e de como esta contemplação é paradoxalmente um
criar não agindo.
C) Considerar a riqueza de valores, os múltiplos sentidos e posicionamentos do autor
acerca da “realidade” ou da vida, da “ilusão” , do si mesmo ou alma, da sensação e do
sonhar.

9
D) Apontar a relevância para pensamento artístico moderno do “projeto extemporâneo”
de Soares de criação de um si mesmo que frua o “real” a partir de uma contemplação
estética desde onde haveria uma ruptura ou torção na pretensa separação tradicional de
arte e vida.
E) Refletir como a sensação que aparece como elemento central do fazer artístico de
Soares-Pessoa é tornada um fenômeno estético que se mostra paradigmático para a
criação literária de Fernando Pessoa-Bernardo Soares
F) Entender o sonho como um fenômeno estético privilegiado por Soares que seria
interpretado como uma escrita/leitura do real, da linguagem e do si mesmo e que
resguardaria relações com o outramento de Pessoa.

Fundamentação teórica e metodológica: Como leitura referencial para elaborar o


nosso tema principal acerca da ilusão e realidade por meio de noções como si mesmo,
sonho e sensação, bem como esboçar nossa metodologia indicamos que encontramos
nos próprios textos de Fernando Pessoa-Bernardo Soares um campo privilegiado de
problematizações e questionamentos acerca dos problemas levantados neste projeto..
Fernando Pessoa nos aparece como um artista que incessantemente reflete sobre o
processo criador que nos interessa, enquanto um enigma que pretendemos não resolver,
mas perscrutar. Neste sentido José Gil (1986, p.9) afirma que “talvez nunca a reflexão
sobre o processo criador se tenha tanto e tão maciçamente integrado na obra de um
autor”. “Realidade”, “ilusão” assim como si mesmo, sonho e sensação concerniriam e
apareceriam reiteradamente à reflexão performática do processo criador de Fernando
Pessoa. Como leitores de sua obra não há como ignorar esta intensa reflexão e tomá-la a
sério como fio condutor privilegiado (mas não único) para analisar o incessante
movimento vital que a linguagem e o pensamento poético-questionador assumem em
sua obra23 .
Além desta abordagem de pesquisa empreendida utilizamos como referência
para a elaboração de nossas questões a obra “A metafisica das sensações” de José Gil
(1986) que privilegia, assim como nós, o “Livro do Desassossego” como referente
artístico-reflexivo com vistas a elaborar sua questão da sensação como única realidade
passível de ser tornada em arte, como “unidades primeiras, a partir das quais o artista
constrói a sua linguagem expressiva” 24 Tomando o semi-heterônimo Bernardo Soares

23
José Gil, 1986, p. 11.
24
Idem, 1986, p. 11.

10
como “o analisador de sensações” José Gil reflete questões como a sensação, o sonho e
o problema do si mesmo (do devir-outro) que contribuíram para o desenvolvimento de
nossas questões. Neste sentindo suas reflexões se mostraram pertinentes no que tange
nossa proposta de pesquisa de pensar o drama pessoano a partir do “Livro do
Desassossego” (2015). Privilegiamos este livro ao levarmos em consideração a
afirmação de José Gil de que este “[..] é o melhor diário-testemunho que o
experimentador Pessoa nos deixou” (Gil, 1986, p. 13).. Como fonte de nossas pesquisas
o pensamento de José Gil colaborou para o material que apresentamos a partir do qual
elaboramos à nossa maneira a problemática da “realidade” e da “ilusão” na obra de
Pessoa, particularmente a partir do “Livro do Desassossego”, pois segundo o autor seus
25
escritos “esclarecem os fundamentos da estética pessoana” . Embora não haja
referência direta ao problema da “realidade” e da “ilusão” pareceu-nos que este
ampliaria e redimensionaria o debate proposto vinculando-o a questionamentos
fundamentais de nossa tradição no âmbito artístico, da filosofia e do pensamento
ocidental. Neste sentindo nos balizamos tambem em textos como “A república” (2001)
de Platão que problematizaria, assim como a tradição muitas vezes o interpretou, a
questão da “ilusão” ou aparência e da “realidade”; desse modo, acredita-se que,
podemos localizar a proposta de Bernardo Soares (ainda que de maneira oposta ou
própria) em sua afirmação da ilusão como realidade e da sensação como elemento
próprio fazer artístico. Acrescente-se, ainda, textos como “Fédon” ( 1991) e Teeteto”
(2008) que tratam do problema da aísthesis ou da sensibilidade que nos serviram de
base para refletir acerca de como a tradição ocidental se orientou para tratar o problema
das sensações, do corpo e do conhecimento. Além dessas referências, baseamo-nos em
livros de Nietzsche como “O nascimento da tragédia” ( 1992) que contribuíram para
pensar a questão do sonho como um fenômeno que se relaciona ao fazer artístico e “A
Gaia ciência” (2018) fundamental para a reflexão sobre uma série de importantes
questões como os valores da arte, da vida e da “ilusão” concernentes aos problemas e
hipóteses que desenvolvemos, como também para elaborar a questão que abordamos da
contemplação estética da existência.
Metodologicamente sublinhamos que uma leitura comparativa dos textos Pessoa
explicita que os mesmos são capazes, por seu teor poético-especulativo, de nos fornecer
o horizonte para uma atividade de leitura crítica a partir da multiplicidade de sentidos
que seus textos desvelam em torno das noções que problematizamos. A comparação do
25
Idem, 1986, p. 11.

11
utilização das noções por nós sublinhadas em diferentes textos (heteronômicos e
ortônimo) nos mostra que é preciso acolher as suas diversificadas perspectivas que
desvelam que não há um sentido uníco mas uma pluralidade destes. Nesta direção,
queremos nos arriscar no desafio de fazer um exame dos escritos pessoanos por intermédio do
pensamento artístico-literário do semi-heterônimo Bernardo Soares, ao mesmo tempo em que
procuraremos interpretar os escritos de Soares por meio do amplo horizonte textual de
pensamento artístico aberto pelos dramas conceituais da obra de Pessoa. Comparando e
interpretando assim os múltiplos sentidos que as noções sublinhadas por nós vem a
ganhar em sua obra para então desvelar as nuances e singularidades de cada
significante ressaltado em nossa pesquisa. Nesta direção assinalamos a problemática do
sentido levantada por Soares: “pelo sentindo da nota, tiramos o sentido do texto. Mas
fica sempre uma dúvida e os sentidos possíveis são muitos” 26” Nosso método se
explicitaria também nesse exercício da dúvida que permeia os escritos pessoanos e que
abriria o presumido significado do “mesmo” de um texto e de seu sentido para sua
diferença, para a multiplicidade de seus possíveis sentidos. O exercício de certa dúvida 27
acerca do significado das noções nos parece essencial para a problematização de textos
que não se esgotam em uma acepção única e verdadeira como é o caso dos escritos de
Soares mas também de Pessoa cunhados na hesitação das nuances e nos movimentos de
diferentes perspectivas que se multiplicam e enriquecem suas tramas textuais. Nosso
método confiar-se-ia na escuta/leitura do deslocamento dos sentidos que se inscrevem
nos escritos do autor. Gostaríamos de extrair de seus textos um saber-sabor capaz de nos
instrumentalizar e orientar metodologicamente nossa leitura acerca dos problemas
levantados. Para além disto o perspectivismo tal qual o formula Nietzsche em “A
genealogia da moral” nos parece um método condizente com os deslocamentos de
sentidos internos dos textos pois resguardaria uma afinidade com o próprio processo
de outramento de Fernando pessoa. Tomaremos o perspectivismo como método de
leitura/escuta dos possíveis sentidos do texto aos quais nos dirigiremos. Seria preciso
renovar olhares , permitir-se diferentes afetos para acompanhar a cadência de
movimentos dos escritos como os de Fernando Pessoa. Nesta direção levantamos a
questão de que o perspectivismo é um método coerente com a problemática dos

26
Pessoa, 2015, parágrafo 148 p. 166.
Nesta direção Zenith afirma: “dúvida e hesitação são os dois absurdos pilares-mestres
27

do mundo segundo Pessoa e do livro do desassossego(...)”.Pessoa, 2015, parágrafo ????, p.


11.

12
deslocamentos dos sentidos e da multiplicidade de perspectivas que os textos de Pessoa
suscitam. Segundo é enunciado por Nietzsche:

Existe apenas uma visão perspectiva, apenas um conhecer


perspectivo; e quanto mais afetos permitimos falar sobre uma
coisa, quanto mais olhos, diferentes olhos, soubermos utilizar
para essa coisa, tanto mais completo estará nosso “conceito”
dela, nossa “objetividade”. (NIETZSCHE, F. GM, III, §12,
p.109).

Tal exercício metódico de multiplicar e deslocar os olhares e afetos resguardaria


portanto uma relação com o motivo pessoano do outramento, pois a multiplicidade de
olhares e afetos permitiriam, a cada vez, perspectivas singulares 28 capazes de
interpretar a pluralidade de sentidos a que um texto pode abrir-se. A pluralidade de
olhares e afetos concorreria para uma interpretação capaz de acolher a riqueza
multifacetada da criação dos textos pessoanos. O perspectivismo convocaria o
interprete para uma espécie de outramento (de olhares e afetos) compreendido como
exigência e disciplina do próprio método interpretativo proposto. Tal afinidade entre o
perspectivismo e o “método” ou arte de consideração das coisas de Soares pode-se
verificar nesta passagens em que o mesmo afirma que:

Qualquer coisa, conforme se considera, é um assombro ou um estorvo, um tudo


ou um nada, um caminho ou uma preocupação. Considerá-la cada vez de um modo
diferente é renová-la, multiplicá-la por si mesma (Pessoa, 2015, parágrafo 90)

Desvelar os sentidos do texto “multiplicando-o por si mesmo” é o horizonte da


tarefa metodológica que nos propomos como forma de leitura interpretativa dos escritos.
A cada releitura empreenderemos o exercício e a disciplina da escuta da diferença dos
sentidos que se resguardariam na trama do texto.. Nesta direção, o exercício de
deslocamento de perspectivas interpretativas nos possibilitaria entrar em afinidade com
o movimento de vir a ser do texto na “multiplicidade de si mesmo” que
desassossegariam qualquer pretensão de obter a certeza e a verdade dos fatos 29. Os atos

28

29
Em torno do fato e declarando-se a favor do ato interpretativo, Nietzsche coloca-se
“Contra o positivismo, que se detém no fenômeno, ´só existem fatos‟, eu diria: não,
justamente não há fatos, apenas interpretaçõesAUTOR????? (7 [60] final de 1886/primavera de
1887 apud Marton, 2000, p. 269-270).

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interpretativos são portanto possíveis quando não se pretende a “factualidade” de um
sentido, deste modo o texto se abriria desde o movimento que lhe seria próprio como
algo que vem a ser junto a performance interpretativa do olhares que leem e dos afetos
que sentem..Tomamos o texto não como algo estável (como um fato) mas como algo
que em sua mobilidade nos convoca para interpretações de seus possíveis sentidos por
meio do olhar atento e de uma escuta sensível. Por último, julgamos que confrontar
hermeneuticamente e perspectivamente os textos de Pessoa com os de Soares e os de
Soares com os de Pessoa e seus heterônimos como pretendemos é adentrar no espaço
aberto de um universo que tem um ethos artístico forjado na polêmica. Polemizar
perspectivas é parte intrínseca do drama poético do autor e pretendemos a partir de
nossa leitura considerar e acolher tais movimentos dramáticos de sua criação poética.

Cronograma de atividades:
1º semestre: Levantamento e análise da bibliografia a partir da obra de Fernando
Pessoa acerca do tema proposto. Pesquisa e localização dos principais “dramas
conceituais” elaborados por Fernando Pessoa com enfoque nas temáticas da “ilusão”,
“realidade”, sonho, sensação e si mesmo, privilegiando seu escrito “Livro do
desassossego”(2015).
2º semestre: Pesquisa de referências bibliográficas e leitura da obra dos interpretes de
Fernando Pessoas que possam vir a auxiliar no desenvolvimento das questões
colocadas acerca do temas privilegiados e na defesa das hipóteses levantadas .
Elaboração da redação da tese.
3º semestre- Análise sistemática das obras de Fernando Pessoa procurando refletir
acerca dos problemas levantados a fim de compreender as diferentes perspectivas dos
heterônimos e do poeta ortônimo nas suas elaborações dramáticas e especulativas que
versem sobre os temas propostos. Elaboração da redação da tese..
4 º semestre- Elaboração da redação da tese. Preparação do material de apresentação
para a qualificação do doutorado
5 º semestre- Análise sistemática das obras teóricas de Fernando Pessoa que versem
sobre a temática do processo de criação poético e literária em torno dos temas e
questionamentos elaborados.
6º semestre- Redação da tese de doutorado.
7º semestre – Continuação da redação da tese de doutorado e preparação para defesa.
Reuniões finais com orientador.

14
8º semestre – Preparação para a defesa da tese de doutorado. Conclusão.

Etapa I:

Meses
1 1 1 1 1 2 2
ATIVIDADES 1 2 3 4 5 6 7 8 9 0 11 2 13 4 15 6 17 8 19 0 21 22 3 24

Levantamento
do material
bibliográfico
Exame e
fichamento do
material
bibliográfico
Participação
nas disciplinas
obrigatórias e
eletivas
Produção de
artigo referente
a pesquisa
Participação em
atividades
científicas
Releitura das
principais obras
selecionadas
Reuniões com
orientador
Revisão do
projeto de
qualificação

15
Etapa II:
Meses

2 3 3 3 3 3 4 4 4 4
ATIVIDADES 25 6 27 28 29 0 31 2 33 4 35 6 37 8 39 0 41 2 43 4 45 46 7 48

Releitura dos
principais obras
selecionadas
Redação dos
capítulos da
tese
Participação em
atividades
científicas
Preparação de
seminário para
a apresentação
dos resultados
da pesquisa
Reuniões com
orientador
Realização de
seminário
aberto
Apresentação
do projeto de
qualificação
Revisão da
Tese
Apresentação e
defesa de tese

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Referências bibliográficas:

GIL,
PESSOA, Fernando. Ficções do interlúdio 1914-1935. Edição de Fernando Cabral Martins.
Lisboa: Assírio & Alvim, 1998.
__________________ Livro do desassossego. Prefaciado por Richard Zenith. São Paulo:
Editora Schwarcz S.A. 2015.
________________ Poemas de Fernando Pessoa – Quadras. Edição de Luís Prista. Edição
Nacional – Casa da Moeda, 1993.
________________ Páginas íntimas e de auto-interpretação. Textos estabelecidos e
prefaciados por Georg Rudolf Lind e Jacinto do Prado Coelho. Lisboa: Ática, s.d.
1988.
_________________ Textos de crítica e de intervenção. Lisboa: Ática, s. d.
________________ Textos de intervenção social e cultural. Introduções, organização e notas de
António Quadros. Portugal: Publicações Europa – América, s. d.
PLATÃO. Banquete, Fédon, Sofista e Político. [Tradução José Cavalcante de Souza, Jorge
Paleikat e João Cruz Costa] Coleção Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1991.
________República. Tradução Maria Helena da Rocha Pereira. 9. ed. Lisboa: Fundação
Calouste Gulbbenkian, 2001.
______Teeteto. Trad. Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri. Fundação Calouste
Gulbenkian. Lisboa. 2008.
MOTTA,
NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. Trad. Paulo César de Souza. SãoPaulo: ED
Schwarcz S.A. 2018
_______________________________O nascimento da tragédia ou helenismo e pessimismo.
Tradução de J. Guinsburg. São Paulo: Companhia das Letras, 1992
.

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