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Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia – São Paulo, SP.
Endereço para correspondência:
Lúcia Romero Machado – Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – São Paulo, SP – CEP 04012-909
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Valvopatias
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causando espessamento de folhetos e fusão comissural. Sua tomas24,25. Para diminuir o efeito da radiação ionizante fetal,
prevalência guarda estreita relação geográfica. Conquanto a valvotomia mitral percutânea deve ser evitada no primeiro
ainda seja elevada nos países em desenvolvimento, nos de- trimestre da gestação e a gestante, protegida por aventais de
senvolvidos é a lesão valvar menos frequente, representan- chumbo abdominal e pélvico durante o procedimento. A ex-
do apenas 9,5% de doenças valvares nativas, numa avalia- posição poderá também ser reduzida pela substituição da
ção europeia recente, com predomínio do sexo feminino16. A ventriculografia pelo ecocardiograma na avaliação da in-
estenose mitral afeta, de forma predominante, as mulheres, suficiência mitral residual. A técnica de Inoue é em geral
independentemente da origem geográfica, com predomínio um procedimento mais rápido que a com duplo balão,
de mais de 70% de mulheres em todas as séries publicadas porém essa abordagem terapêutica será uma escolha do
de pacientes portadores de estenose mitral17. Entretanto, o intervencionista. Na Tabela 1 estão descritas as caracte-
motivo dessa prevalência ainda é desconhecido. Nos países rísticas de pacientes submetidos a valvotomia mitral per-
desenvolvidos, o aparecimento de sintomas ocorre entre a cutânea.
quinta e a sexta décadas da vida (média de 49 anos no estudo A mortalidade materno-fetal após o procedimento é bai-
de Iung et al.)18, enquanto naqueles em desenvolvimento os xa, diferente daquela observada após a cirurgia de comissu-
sintomas são mais precoces, como observaram Gomes et al.19 rotomia mitral a céu aberto, associada a mortalidade mater-
ao avaliar a evolução tardia de 1.241 pacientes submetidas a na de 9% e fetal de até 38%.26 Após a comissurotomia a céu
valvotomia mitral percutânea com média de idade de 38,8 fechado, a mortalidade materna é pequena, mas a fetal pode
anos. A intervenção nesse grupo mais jovem é, portanto, ne- alcançar até 17%27. A cirurgia para correção da estenose mi-
cessariamente mais precoce20. É comum que essas pacientes tral nas gestantes, portanto, deve ser reservada para aqueles
tomem conhecimento de sua doença durante a gravidez, com casos que não podem ser contemplados com a valvotomia
o aparecimento dos primeiros sintomas. No primeiro trimes- mitral percutânea (pacientes com valvas muito deformadas,
tre da gestação ocorre aumento do volume plasmático e do com escores ecocardiográficos elevados). É aconselhável que
débito cardíaco em torno de 40% do valor basal21. O incre- pacientes portadoras de estenose mitral grave sejam subme-
mento do fluxo através da mitral e o encurtamento do perío- tidas a tratamento da lesão valvar previamente à gestação.
do de enchimento diastólico elevam a pressão no átrio es- As mulheres com estenose mitral, cujo aparecimento dos sin-
querdo, provocando sintomas congestivos particularmente tomas ocorra na quinta e/ou na sexta décadas de vida, são
no terceiro trimestre da gestação, com necessidade frequen- frequentemente assintomáticas, a despeito de lesão valvar
te de internação para tratamento adequado22,23. Nos casos grave, uma vez que desenvolvem menos atividade física.
graves, refratários a terapêutica medicamentosa, a valvoto- Nessas pacientes, o teste de esforço deve fazer parte da in-
mia mitral percutânea está recomendada e é o tratamento de vestigação na avaliação da capacidade funcional, contribu-
escolha por ser seguro e eficaz, com alívio imediato dos sin- indo na decisão do melhor momento de indicação cirúrgica.
População (n = 1.321)
Idade 35,8 + 12,6 anos
Menos de 18 anos: 2,5% (34 pacientes)
– Média: 14,1 + 12,1
Mais de 65 anos: 1,9% (26 pacientes)
– Média: 73,7 + 5
Sexo Feminino: 87,2% (1.152 pacientes)
Ritmo Sinusal: 88,4% (1.169 pacientes)
Fibrilação atrial: 11,2% (144 pacientes)
Outros: 0,6% (8 pacientes)
Escore 8,7 + 1,3
Comissurotomia prévia 6,4% (80 pacientes)
Gestantes 7,5% (100 pacientes)
Hipertensão pulmonar grave 6,3% (84 pacientes)
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As mulheres idosas e os homens portadores de estenose mi- tada durante a cirurgia da valva aórtica. O risco esteve mais
tral costumam apresentar a forma mais grave da doença, com fortemente relacionado ao diâmetro da aorta corrigido para
maior acometimento do aparelho subvalvar e anatomia me- superfície corpórea que seu diâmetro absoluto. Nenhuma
nos favorável para a valvotomia mitral percutânea28. As mu- paciente do estudo de McDonald et al.35 com aorta ascen-
lheres desenvolvem mais insuficiência tricúspide e hiperten- dente menor que 3,5 cm apresentou rotura da aorta ou neces-
são arterial pulmonar provavelmente por maior resistência sidade de cirurgia precoce, para prevenir a rotura do aneu-
pulmonar29. risma.
A insuficiência aórtica incide preferencialmente no sexo As etiologias da estenose aórtica são a reumática, a con-
masculino30; portanto, os dados obtidos para decidir o mo- gênita e a calcificada do adulto. Na reumática ocorre fusão
mento ideal de indicação cirúrgica foram baseados nos estu- comissural e está em declínio nos países desenvolvidos. A
dos em que predominavam os homens31. Em ambos os se- congênita, em algumas séries, demonstra predominância do
xos, o aparecimento de sintomas, função ventricular dimi- sexo masculino e costuma estar associada a doenças vascu-
nuída ou diâmetros ventriculares aumentados está associado lares, como coartação e dilatação da aorta. Na estenose cal-
à transição para um estágio mais avançado da doença, com cificada do adulto há acúmulo de cálcio nas cúspides, e sua
descompensação cardíaca e implicações prognósticas32. De prevalência aumenta com a idade. Seu aparecimento parece
acordo com as diretrizes12, recomenda-se o tratamento cirúr- estar relacionado a fatores clínicos, incluindo idade, sexo
gico para os pacientes sintomáticos, independentemente da masculino, hipertensão, dislipidemia, tabagismo e diabetes36,
função ventricular sistólica e dos diâmetros ventriculares admitindo-se, também, associação com a disfunção endote-
esquerdos, assim como para os assintomáticos que apresen- lial sistêmica37. Frequente no adulto, tem sido considerada a
tam disfunção ventricular ou diâmetro diastólico final do principal etiologia da estenose valvar aórtica nos países onde
ventrículo esquerdo maior que 75 mm ou diâmetro sistólico houve declínio da febre reumática. Entre os pacientes ido-
final maior que 55 mm. sos, com mais de 75 anos de idade, há predominância do
Obedecendo a essas recomendações, Klodas et al.33 ava- sexo feminino, provavelmente pela maior expectativa de vida
liaram as indicações e resultados cirúrgicos de pacientes das mulheres em relação aos homens, possibilitando tempo
portadores de insuficiência aórtica, e observaram que as mais prolongado para o desenvolvimento da doença38. Exis-
mulheres desenvolvem mais sintomas pré-operatórios que te uma resposta adaptativa da estenose aórtica que cursa de
os homens. Embora a fração de ejeção fosse similar em am- modo diferente entre os sexos: as mulheres desenvolvem
bos os sexos, os diâmetros ventriculares eram menores nas maiores graus de hipertrofia ventricular, frações de ejeção
mulheres e nenhuma teve diâmetro diastólico final superior mais elevadas e têm cavidades ventriculares menores quan-
a 80 mm, enquanto houve incidência desse diâmetro de 18% do comparadas com os homens. Entretanto, quando esses
na amostragem masculina. Provavelmente esses achados se parâmetros são corrigidos para a superfície corpórea, essas
justifiquem pela menor superfície corpórea das mulheres, diferenças desaparecem, evidenciando a importância da cor-
sugerindo, portanto, ser irrelevante o critério de indicação reção da superficie corpórea nas pacientes com estenose aór-
cirúrgica baseado nas dimensões ventriculares. Dessa for- tica39,40.
ma, parece prudente, no manejo dessas pacientes, a correção Segundo as diretrizes do ACC/AHA12, considera-se este-
dos diâmetros ventriculares para superfície corpórea. Foi tam- nose aórtica grave a diminuição da área valvar de aproxima-
bém observado que as mulheres tinham idade mais avança- damente 0,6 cm/m² ou menor que 1 cm². Douglas et al.41
da no momento da indicação cirúrgica, e necessitaram mais registraram que as mulheres desenvolvem mais disfunção
frequentemente de correção concomitante de aneurisma de diastólica e os homens, sistólica. Legget et al.42 observaram
aorta. A despeito de a mortalidade operatória ser semelhante que, quando submetidas ao teste de esforço, as mulheres com
em ambos os sexos, a sobrevida na população feminina é graus de estenose aórtica semelhantes aos dos homens tole-
menor34. Há uma proporção maior de mulheres que morrem raram menos o exercício, tiveram mais comprometimento
tardiamente por rotura de aneurisma da aorta. da capacidade aeróbica, e apresentaram menores elevações
Segundo McDonald et al.35, os fatores de risco mais con- do débito cardíaco após o esforço. Estudos recentes demons-
sistentes para a ocorrência desse evento são a idade mais tram que o desenvolvimento de calcificação é mais intensa
avançada e a presença de dilatação da aorta que não foi tra- no sexo masculino que no feminino43,44. Os diâmetros dos
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anéis aórticos nas mulheres são, habitualmente, menores que rável está indicado, quando possível, alargamento da raiz da
os dos homens. Desse modo, as próteses valvares implanta- aorta, com implante de próteses maiores. Quando compara-
das são usualmente de tamanhos menores, propiciando o de- das com os homens, as mulheres apresentam mortalidade
senvolvimento de desproporção prótese/paciente (afterload operatória mais elevada após a troca valvar aórtica, em espe-
mismatch), elevação dos gradientes transprotéticos e reapa- cial se forem concomitantemente submetidas a revasculari-
recimento de sintomas45. Para evitar essa evolução desfavo- zação do miocárdio46.
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