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BIOMECÂNICA DO MOVIMENTO HUMANO

APOSTILA I

Carlos Gomes de Oliveira

Dentre as ciências que compõem o universo da educação física, a biomecânica é aquela


que relaciona o indivíduo com as grandezas da física, de um ramo em particular: a mecânica.
A biomecânica pode ser definida como a ciência que aplica os conceitos da mecânica aos
seres vivos. A biomecânica, portanto, tem um vasto campo de atuação, uma vez que qualquer
sistema, vivo ou não, tem respostas mecânicas próprias, intrínsecas a ele. Um estudioso pode,
por exemplo, dedicar-se às respostas do caule de uma planta às forças e torques gerados pelo
vento, buscando compreender quais os fatores físicos que afetam seu crescimento. Outro pode
avaliar a resposta mecânica que a força de contração do coração, gerando o fluxo sangüíneo,
tem sobre a parede das artérias, ou mesmo tentar compreender qual a influência da força de
reação do solo na velocidade de saída de um saltador em distância. As três áreas de pesquisa se
referem à biomecânica.
Mesmo em se tratando de biomecânica aplicada ao corpo humano, diversas são as áreas
de interesse, tais como a biomecânica aplicada à marcha, ao desporto, à reabilitação, às
articulações, aos músculos esqueléticos etc. Para os interessados na atividade física, qualquer
uma destas áreas poderia ser abordada aqui neste capítulo.
Considerando que o objetivo deste capítulo é apenas de introduzir alguns conceitos
utilizados na biomecânica, aqui serão abordados alguns tópicos básicos, relacionados à
produção do movimento humano com vistas ao desenvolvimento de ferramentas que visem
analisar sua influência sobre o desempenho e à potencialidade de desenvolvimento de lesão
articular.
Neste sentido, o autor chama a atenção de que os músculos, motores principais do
desempenho do homem na realização da atividade física, ao realizarem o trabalho a que se
propõem, em contrapartida, também são responsáveis pelo aumento do estresse que é
desenvolvido nas articulações. Isto se dá principalmente devido a uma característica muito
peculiar das alavancas musculares do corpo humano, que são bem pequenas quando
comparadas às alavancas promovidas pelas forças externas, gerando um sistema de pequena
vantagem mecânica, que exige uma intensa força muscular para suprir a demanda externa.
Como a biomecânica implica no estudo da mecânica, não é possível compreendê-la sem
o conhecimento dos conceitos da mecânica clássica. A mecânica clássica é subdividida em
estática, cinemática e dinâmica. A cinemática trata do movimento, seja ele translação
(deslocamento de um corpo em uma linha reta) ou de rotação (deslocamento de um corpo
segundo uma trajetória circular), sem se preocupar com a fonte que o produziu. A estática trata
da análise das forças em sistemas parados e a dinâmica em sistemas em movimento. A
biomecânica tem sido dividida em cinemática e cinética. A cinemática trata do movimento
simplesmente e a cinética das outras características mecânicas como a força, o torque, a energia
e a potência. A cinética trata então tanto das ações isométricas quanto das dinâmicas (isotônicas,
isocinéticas etc.).
Particularmente, este capítulo será dedicado aos conceitos que podem ser aplicáveis à
mecânica dos corpos rígidos (não deformáveis). Para isto será necessário assumir que não há
deformação significativa dos segmentos corporais durante o movimento. A deformação de um
segmento teria efeito em suas propriedades inerciais tais como o momento de inércia e a posição
do centro de gravidade. De fato, esta deformação tem sido ignorada na maioria das análises
biomecânicas pelo fato de produzem efeitos pouco importantes quando comparada à amplitude
dos movimentos em si.

1
1) As três Leis de Newton

Isaac Newton enunciou as três leis básicas da mecânica, amplamente difundidas. Apenas
para recordar as mesmas são apresentadas a seguir de uma maneira simplificada:
1ª Lei: Nenhum corpo sai de seu estado de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme
sem que uma força atue sobre ele. Também conhecida como lei da inércia, sua interpretação
pode ser simplificada e usada de uma outra forma: se um corpo estiver parado ou se estiver
andando em uma linha reta com uma velocidade constante - movimento retilíneo e uniforme
(MRU)-, a soma de todas as forças que atuam sobre ele é nula.
2ª Lei: Ao se aplicar uma força sobre um corpo, o mesmo tenderá a sofrer uma aceleração
inversamente proporcional à sua massa. Esta lei nada mais é do que um complemento à
primeira, e implica que se um corpo não está na situação apresentada na 1ª lei, a soma das forças
não será igual a zero e, portanto, o corpo está sendo acelerado, e sua aceleração dependerá da
força aplicada e da massa do corpo da seguinte maneira:

F = ma (1)

3ª Lei: Para toda força de ação existe uma força de reação com a mesma intensidade mais
com o sentido contrário. É preciso entender que ação e reação ocorrem sempre em corpos
opostos. Se um corpo A exerce uma força em B, A receberá uma reação de B. Portanto, existe
uma ação em A e uma reação em B.
As leis de Newton envolvem então força e movimento. Força é um agente capaz de mudar
o estado de repouso ou de movimento retilíneo e uniforme de um objeto. Portanto, a força pode
existir sem que exista o movimento. Em mecânica, existem três tipos de força, a gravitacional,
a força de contato e a força inercial.
A força gravitacional é aquela que existe como resultado da atração dos corpos. Aqui na
terra é a força da gravidade terrestre. A força de contato é aquela que pode existir em função
do contato entre dois corpos. Por exemplo, um livro sobre uma mesa está sobre efeito da força
da gravidade que é o seu peso. O contato do livro com a mesa fará com que ele exerça uma
força (ação) sobre ela, e que vale seu peso. Como resultado, o livro receberá uma reação em
sentido oposto (o livro fica parado, pois tem duas forças iguais e de sentidos contrários atuando
sobre ele: o peso e a reação da mesa). Forças de contato estarão associadas ao par ação X reação.
A força inercial é a força (fictícia), que é resultado da aceleração de um corpo. Na
verdade, a força inercial é aquela apresentada pela expressão 1, relacionada à 3ª lei de Newton.
As forças podem produzir movimento, mas também podem gerar estresse mecânicos nos
materiais. Estes estresses também são conhecidos como tensão. De maneira simplificada, os
principais tipos de tensão são os de:

Tração – Solicitação que tende a alongar o corpo (Figura 1a);


Compressão – Solicitação que tende a encurtar o corpo (Figura 1b);
Cisalhamento – Solicitação que tende a cortar o corpo (Figura 1c);
Flexão - Solicitação que tende a envergar um corpo (Figura 1d);
Torção – Solicitação que tende a torcer o corpo (Figura 1e).

A tensão (T) gerada em um material dependerá não só da força (F) mas da área da seção
transversal (A) do corpo em que a força está sendo aplicada ou T = F/A. Quanto maior for a
área, menor será o estresse.

2
Figura 1 – Diferentes tipos de tensão que são gerados por uma força F.

2) Grandezas físicas:
As grandezas físicas são classificadas em escalares e vetoriais (ver tabela 1 para algumas
grandezas). As grandezas escalares são aquelas que ficam caracterizadas apenas pela sua
quantidade (ou intensidade) e sinal. Grandezas escalares de mesma natureza podem ser somadas
ou subtraídas e o resultado é simplesmente a soma ou subtração das mesmas.

Tabela 1 - Exemplo de grandezas escalares.


Grandeza Símbolo Unidade no SI
Tempo T Segundos (s)
Massa M Quilograma (kg)
Energia E Joule (J)
Potencia P Watts (w)
Trabalho W Joule (J)
SI – Sistema Internacional de medidas.

10g + 30g = 40g


25J – 5J = 20J

Vetores (figura 2) são grandezas físicas que são caracterizadas por três atributos,
intensidade (ou módulo), direção e sentido. Várias grandezas físicas só são perfeitamente
caracterizadas através de vetores. A tabela 2 apresenta alguns exemplos de grandezas vetoriais.

Tabela 2 - Exemplo de grandezas escalares.


Grandeza Símbolo Unidade no SI
Força F Newton (N)
Torque ou Momento de Força t ou M Nm
Posição s m
Deslocamento x m
Velocidade v m/s
Aceleração a m/s2

3
Figura 2 – Ilustração de um vetor que é caracterizado por módulo, direção e sentido.

Como o que caracteriza o vetor é o módulo, a direção e o sentido, eles podem ser
transportados na mesma direção (linhas paralelas) sem que seja alterado o seu efeito (figura 3).

Figura 3 – Ilustração de vetores iguais (vetores que produzem o mesmo efeito).

Observe que a velocidade e a aceleração são vetores. Se um corpo está andando em linha
reta com uma velocidade constante, sua velocidade terá módulo, direção e sentido constantes.
Para aumentar a velocidade (módulo), o corpo deverá ser acelerado e para isto de acordo com
a 2ª lei de Newton uma força deverá ocorrer. O mesmo ocorre se quiser inverter o sentido da
velocidade. Fazer uma curva significa mudar de direção e isto só será possível se uma força
atuar sobre ele e mais uma vez a 2ª lei de Newton estará presente.
As grandezas vetoriais permitem as operações de soma, subtração e multiplicação. A
soma de dois ou mais vetores produz o vetor resultante, que tem o mesmo efeito que a “soma
dos efeitos” que cada um dos vetores teria individualmente.
Se os vetores têm mesma direção, o módulo será a soma dos módulos e permanecerá com
a mesma direção. Se as direções forem diferentes, a regra será outra. Para a solução pelo método
gráfico, o vetor resultante é a diagonal do paralelogramo formado a partir dos dois vetores
originais (figura 4). Analiticamente, a resultante é dada pela expressão:
R = A2 + B 2 + 2 A.B cosq (2)
!
Quanto mais agudo o ângulo maior será o seu cosseno e, portanto maior o módulo de R .

Figura 4 – Ilustração de dois vetores concorrentes e a aplicação da regra do paralelogramo para


encontrar o vetor soma dos dois, ou resultante.

Um exemplo clássico da aplicação do conceito de soma vetorial na biomecânica é o que


ocorre com a força de compressão patelofemoral, conforme ilustrado na figura 4. A força do

4
quadríceps (FQ) é exercida na patela através de seu tendão inserido no ponto Q (parte esquerda
da figura 5).

Figura 5 – Ilustração da aplicação do conceito da soma vetorial na determinação da força de


compressão patelofemoral. Observe que à medida que o joelho flete, o ângulo fica mais agudo,
!
aumentando a intensidade do vetor R .

Como resultado, uma força será transmitida à tíbia através da patela (FP) pelo ligamento
patelar inserido em I. Embora alguns estudos têm demonstrado que a força do quadríceps não
é exatamente igual à que é transmitida ao ligamento patelar (Herzog & Read, 1993; Van Eijden
et al., 1986), esta diferença é pequena e, portanto, considere-se que o são, somente para efeito
de análise.
Se o ligamento patelar exerce uma força na tíbia, esta exercerá uma reação com sentido
contrário na patela (3ª lei de Newton). Tem-se então o resultado mostrado na parte central da
figura 5, que ilustra a patela e cada uma das duas forças. Como os vetores podem ser
transportados sem alterar seus efeitos, desde que mantenham a intensidade, direção e sentido,
!
tem-se como resultado a força resultante R , ilustrada na parte mais à direita da figura 5. A
!
resultante R nada mais é do que uma força que a patela exerce no fêmur e que receberá com a
!
mesma intensidade do fêmur como reação ( R e a reação em sentido oposto é o que manterá a
patela em equilíbrio estático), gerando uma tensão de compressão entre o fêmur e a patela.
Quanto mais agudo for o ângulo (maior flexão) maior será a força de compressão, o que tem
sido observado (Cohen et al, 2001). Posteriormente, este tema será novamente abordado, com
a introdução de um novo fator que fará aumentar esta força de compressão.
A subtração de dois vetores é relativamente simples. Basta lembrar que A – B = A + (-B).
! !
Por exemplo, imaginem-se os vetores A e B da figura 6. O sinal negativo de B define um
vetor com mesmo módulo e direção, mas de sentido contrário ao de B. Portanto, basta somar
! !
os vetores A e - B .
Os vetores também podem ser multiplicados, produzindo dois resultados distintos, um
escalar e outro vetorial. O produto vetorial será abordado nos tópicos de trabalho e torque.

! !
Figura 6 – Vetor A - B obtido a partir da regra do paralelogramo.

5
2.1) Decomposição de vetores

Uma ferramenta de extrema utilidade nas análises biomecânicas é a decomposição de


vetores em eixos ortogonais (figura 7). Decompor um vetor em eixos ortogonais nada mais é
do que encontrar os vetores orientados em eixos perpendiculares entre si que, quando somados,
resultam no próprio vetor a ser decomposto.

! ! !
Figura 7 - Ilustração da decomposição do vetor u em suas componentes ortogonais ut e u v
segundo as orientações das retas t e v respectivamente.

Observando a figura 7, e verifique que as componentes podem ser expressas


matematicamente em função do vetor original como:
! !
ut = u senq
! !
uv = u cosq

Na prática, em biomecânica, a decomposição vetorial é muito útil na identificação das


forças que geram o movimento angular na articulação, que será discutido posteriormente, e as
que geram tensão na articulação (tração, compressão etc.). Como exemplo, observe a figura 8
que apresenta dois ângulos diferentes para a articulação do cotovelo em uma contração
isométrica. Pode-se decompor o vetor da força muscular e da resistência que está sustentando
segundo componentes ortogonais, sendo uma delas na direção do eixo do antebraço. Verifica-
se então que as componentes das forças na direção do antebraço, tanto a muscular, quanto a da
resistência, produzirão efeito na articulação, contrário de A em relação a B. Enquanto em A, a
componente tende “empurrar” o antebraço contra o braço do braço, em B tende a separar os
segmentos. Isto implicará em estresses articulares diferenciados na articulação entre as duas
situações.

Figura 8 - Ilustração de duas situações em que a força gerada pelo o tríceps (Fm) sustenta
isometricamente uma carga de peso M. Em azul têm-se as componentes ortogonais das forças
sendo que uma delas tem a direção do antebraço.
6
Para efeito de análises futuras, considerem-se os eixos ortogonais como que tendo a
direção paralela e perpendicular ao segmento que se deseja analisar, como apresentado na figura
seguinte, em que o índice e será utilizado para a componente perpendicular e o índice a, para o
paralelo à direção do segmento.

Podemos também pensar para uma dada articulação, que é formada por dois segmentos, na
decomposição vetorial para ambos os segmentos, conforme ilustrado a seguir.

EXERCÍCIOS DE DECOMPOSIÇÃO VETORIAL

As figuras de 1 a 8 referem-se a modelos de dois segmentos articulados em um ponto e os


vetores aplicados a um deles, segundo as direções sentidos e intensidades indicados. Decompor
os vetores em suas componentes ortogonais, considerando que um dos eixos é: 1) O do
segmento proximal ao vetor; 2) O do segmento distal ao vetor.

7
Decomponha graficamente os vetores em
eixos ortogonais em relação ao antebraço.

Decomponha graficamente e
analiticamente os vetores em eixos
ortogonais em relação ao antebraço.

Decomponha graficamente e
analiticamente os vetores em eixos
ortogonais em relação ao eixo da barra
cinza.

Decomponha graficamente e
analiticamente os vetores em eixos
ortogonais em relação ao eixo do pé.

8
Decomponha graficamente e
analiticamente os vetores em eixos
ortogonais em relação ao eixo da coxa.

3) Cinemática da translação

Quando o ser humano caminha, corre, salta etc., o corpo está sofrendo um movimento de
translação. Os movimentos de translação do corpo humano existem graças aos movimentos de
rotação dos segmentos em tornos das articulações, os quais dependem do trabalho mecânico
realizado pelos músculos esqueléticos.
A translação pura pode ser vista em uma partícula. Em corpos rígidos geralmente a
translação é acompanhada de rotação.

3.1) Posição, trajetória e deslocamento

Ao se movimentar de um ponto A para um ponto B, percorre-se uma trajetória. Esta


trajetória pode ser reta ou não. Os pontos A e B que um ponto ocupa no espaço são chamados
! !
de posição é são perfeitamente definidos por um vetor, ou s A e s B respectivamente. Chama-se
! ! !
deslocamento ao vetor da diferença entre os vetores de posição ou x = sB - s A. (3)

3.2) Velocidade e aceleração


! !
Se um indivíduo sai de uma posição s A para outra s B , certamente estava nestes lugares
em instantes diferentes. A velocidade é definida como a razão entre o vetor de deslocamento e
o intervalo de tempo gasto, ou:
!
! x
v = (m/s) (4)
t
!
Para o movimento retilíneo uniforme a posição s a cada instante de tempo é definida pela
expressão:
! ! !
s = s0 + v t , (5)
!
onde v é a velocidade e s0 é a posição inicial.

As tarefas diárias implicam em mudanças de velocidade. Por exemplo, o indivíduo que


caminha em uma velocidade qualquer, partiu do repouso, quando a velocidade é nula. Se parar,
sua velocidade irá novamente para zero. Para que a velocidade seja alterada tem que ocorrer
uma aceleração. Quanto mais rápido se muda a velocidade, maior será a aceleração. A
aceleração é definida então como a razão entre a diferença entre duas velocidades e o tempo
gasto para que esta diferença ocorra ou:

9
!
! Dv
a= (m/s2) (6)
t
Uma aceleração de 1m/s2 implica no aumento da velocidade de 1m/s a cada s.

Se o indivíduo se desloca em linha reta e a aceleração é constante, diz-se que o mesmo


está em movimento retilíneo uniformemente variado. Para este tipo de movimento, as
! !
expressões que definem a posição s e a velocidade v a cada instante de tempo são,
respectivamente:
! ! ! ! t2
s = s0 + v0t + a (7)
2
! ! !
v = v0 + at , onde (8)
! ! !
v é a velocidade, v0 a velocidade inicial e a a aceleração.
Existe ainda uma outra expressão útil para este movimento que é:
v 2 = v02 + 2ax , onde (9)
x é o deslocamento.

A aceleração da gravidade (g) é uma aceleração de importância particular. Ela existe como
resultado da força que a terra exerce sobre todos os todos os corpos que nos cercam, e vale g =
9,81 m/s2. É importante ressaltar que g independe da massa do corpo, então independentemente
do valor da massa, o corpo cairá com a mesma aceleração. Além disso, como g é constante,
sempre direcionada perpendicularmente à terra e com sentido para baixo, produzirá no corpo
um movimento em linha reta com aceleração constante, conhecido ou retilíneo uniformemente
variado.
Como exemplo de aplicação prática da cinemática em biomecânica pode-se ter a análise
cinemática de saltos. Vejam as seguintes perguntas:
1) Por que quanto mais alto um indivíduo salta, maior o impacto que sofrerá?
2) Qual a relação entre a altura que um indivíduo salta e o tempo que ele fica no ar (conceito
utilizado em instrumentos que medem o salto vertical)?
3) Para um saltador em distância, que fatores influenciarão na distância atingida?

Para se responder às questões, pode-se lançar mão das equações do movimento


apresentadas acima e da 2ª lei de Newton.
1) Ao saltar estritamente na vertical a trajetória será vertical. Apenas a força da gravidade atua
sobre o corpo e a sua aceleração valerá g. Considerando o sentido do movimento para cima
como positivo, g será negativo. O indivíduo terá uma velocidade de saída do solo v0. Pela
expressão 9 tem-se que:
v 2 = v02 - 2 gx
Observe-se que x é a altura atingida. No ponto mais alto, a velocidade será nula para que o
indivíduo caia e, portanto, pode-se escrever:
0 = v02 - 2 gx
v 02
então x = . Como g é constante, conclui-se que a altura atingida depende somente da
2g
velocidade de saída.
Quando iniciar a queda g terá o mesmo sentido de v e a velocidade inicial é nula. Logo,
v 2 = 0 + 2 gx .
Até chegar no solo, terá percorrido a distância x. Portanto,
v2
v 2 = 2 g 0 ou v 2 = v02e
2g
10
v = v0 .
Conclusão: A velocidade de chegada no solo é a mesma da saída. Independentemente de se
conhecer qualquer conceito que explique, é fato que quanto maior a velocidade de choque entre
dois corpos, maior será a força de impacto. Portanto, quanto maior a velocidade de saída, maior
será a de chegada e maior a altura atingida.
2) Para responder a esta questão, pode-se pensar que o tempo de subida (ts) é igual ao de descida
(td) ou o tempo total (tt) vale 2.td. Pode-se analisar então a descida. Lançando-se mão da equação
5, tecendo as mesmas considerações da resposta anterior e fazendo-se v0 = 0 tem-se que:
t2
s = s0 + v0t d - g d
2
t d2
s - s0 = - g . Mas s0 - s nada mais é do que a altura (H). Portanto pode-se escrever:
2
2
td g (tt / 2) 2
H=g . Como td = tt /2, H= .
2 2
t2
H=g t
8
3) Para responder à terceira pergunta pode-se fazer a ilustração do problema conforme
apresentado na figura 13. O indivíduo salta com uma velocidade v0 com um ângulo de saída,
representado pelo ângulo q formado entre o vetor velocidade e a horizontal.

Figura 9 – Ilustração da saída e da trajetória do indivíduo saltando em distância.

As componentes da velocidade inicial serão:

v0 x = v0 cosq
v0 y = v0 senq

Como não existe força agindo na horizontal uma vez que o indivíduo não tem mais contato com
o solo (desprezando a resistência do ar), tem-se um movimento retilíneo e uniforme. A equação
! ! !
seria s = s0 + v t .
x = x0 + v0 x t , como x0 = 0, a distância valerá:
d = v0 cosq .t
Resta saber o valor de t. Este será o tempo que o indivíduo fica no ar, que será duas vezes o
tempo de subida e dependerá da velocidade de saída. Para saber o tempo de subida tem-se que:
v y = v0 y - gt . Mas vy no ponto mais alto vale 0. Logo,

11
t = v0 y / g , ou t = v0 senq / g . O tempo no ar será t ar = 2v0 senq / g Substituindo este último
resultado na equação que determina d tem-se:
d = 2v0 cosq .v0 senq / g . Existe uma relação trigonométrica que mostra que
2 senq cosq = sen2q . Logo, pode-se escrever a distância como:
d = v02 sen2q / g
O resultado mostra que a distância alcançada depende do ângulo de saída. Como o valor
máximo do seno de um ângulo é 1, que corresponde a um ângulo de 90º , tem-se que, fixado
um valor para a velocidade, o valor máximo da distância ocorre para um ângulo de 45º. E por
que eles não adotam o ângulo de 45º. Observe que a distância também depende do quadrado da
velocidade. Saltar em um dado ângulo de saída demanda dos músculos um trabalho que
compromete a velocidade e, portanto, existe um compromisso entre o ângulo e a velocidade de
saída que permita uma distância máxima. O ângulo de saída de saltadores ótimo, que considera
este compromisso tem sido estimado entre 19 e 26º, enquanto que o ângulo que saltadores
realmente saltam estão entre 31 e 39º (Wakai & Linthorne, 2005; Linthorne et al. 2005), mais
próximos dos 45º.

De qualquer maneira, é importante ressaltar que a performance do atleta é a mesma que


de qualquer outro objeto lançado como um projétil. A distância alcançada dependerá apenas
destas duas variáveis. A estratégia de movimentar o corpo durante o salto não é capaz de
modificar a distância, a não ser se isto for feito ainda no solo. De fato estudos têm demonstrado
que o movimento dos braços no solo aumentam a distância alcançada, mas isto se dá graças ao
aumento da velocidade de saída promovido por este movimento, que aumenta a energia cinética
(de velocidade) ao corpo (Ashby & Delp, 2006; Ashby & Heegaard, 2002). O movimento dos
braços durante a fase aérea do salto serve para evitar excessiva rotação para frente e garantir
uma boa aterrissagem

3) Cinemática da rotação

Qualquer ponto que gira em torno de outro, seja ele fixo ou móvel, estará sofrendo
um movimento de rotação. Para o corpo humano, toda vez que um segmento faz um movimento
em torno de uma articulação, em qualquer um dos três planos, um ponto qualquer deste
segmento estará girando em torno da articulação, que será o centro de rotação do sistema.
Portanto, aos movimentos do corpo humano deve-se associar um movimento de rotação.
Observe-se que o objetivo do ser humano com seus movimentos é, na maioria das vezes,
de translação, como caminhar, correr, mover um objeto de um ponto a outro etc.
Independentemente do objetivo, para que o mesmo seja alcançado, será necessário que haja
uma rotação de um ou mais segmentos em torno de uma ou mais articulações. Portanto, em
biomecânica, é difícil desvincular a translação da rotação. Talvez, esta seja uma das maiores
dificuldades do aluno que se depara com a biomecânica, uma vez que os conceitos relacionados
à rotação lhe parecem ser mais complexos que os da translação.
Para melhor compreender este tópico, imagine um segmento qualquer (Figura 10) que
pode realizar um movimento em torno de sua articulação O. A distância de um ponto A qualquer
do segmento até o centro de rotação O vale R. Para que o ponto A vá da posição 1 à posição 2,
o mesmo terá que sofrer um deslocamento angular q .

12
Figura 10 – Ilustração de um ponto A, pertencente a um segmento que pode girar em no sentido
horário ou ante-horário, em torno de uma articulação cujo centro de rotação está em O.

Se fosse possível à articulação realizar um giro completo (360o), a distância que


percorreria seria de 2pR, que é o perímetro de uma circunferência com raio R. O valor 2p nada
mais é do que o ângulo de 360o medido em outra unidade de ângulo, o radiano (rad). Portanto,
ao tomar um ângulo qualquer q, medido em radianos, o comprimento de seu arco será de q.R.
Isto quer dizer que o ponto A terá sofrido um deslocamento linear equivalente a:
x = q .R (10)
A velocidade angular e vale:
q
w= Portanto a
t
velocidade linear equivalente é:
x q .R , ou
v = \v =
t t
v = w.R (11)

A aceleração será angular e vale:


w
a=
t
Portanto a aceleração linear equivalente é:
n w.R
a = \a =
t t
a = a .R (12)

A tabela 3 resume a relação entre as grandezas cinemáticas linear e angular, já


estudadas. Observe que o deslocamento, a velocidade e a aceleração lineares são diretamente
proporcionais à distância entre o ponto que sofre o deslocamento angular e o seu centro de
rotação (articulação). Portanto, quanto mais distante estiver o ponto do centro de rotação,
maiores serão os deslocamentos, velocidades e acelerações lineares equivalentes.

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Tabela 3 – Variáveis cinemáticas da translação (linear) e rotação (angular) e equivalente linear
do movimento angular.
Linear Angular Equivalente linear do angular
Grandezas
Deslocamento x x = q.R
Velocidade (m/s) v = x/t w = q/t v = w.R
Aceleração (m/s2) a = v/t a = w/t a = a.R

A relação entre o ângulo de rotação e o deslocamento linear equivalente é de extrema


relevância em termos da demanda muscular para o movimento. Pense que se um segmento girar
de um ângulo q, qualquer um dos os pontos pertencentes ao segmento girará o mesmo ângulo
q. Entretanto, o deslocamento linear de cada ponto será diferente e será tão maior quanto mais
distante estiver do centro de rotação.
Ao encurtar ou alongar, o músculo se movimenta, e o faz ao longo de um eixo que
tem a direção de seu deslocamento, o que resulta em um movimento que pode ser considerado
linear. Na maior parte das vezes, a carga que se necessita movimentar está bem mais distante
do centro de rotação do que o ponto onde o músculo se insere (figura 11). É fácil então observar
que o deslocamento linear sofrido pelo músculo será menor do que o da carga e, portanto, o
músculo não necessita encurtar ou alongar muito para movimentar a carga. Da mesma maneira,
sua velocidade e aceleração de encurtamento ou alongamento, na mesma proporção que o
deslocamento, deverão ser menores do que os sofrido pela carga. Então, a demanda do músculo.
em termos de deslocamento, velocidade e aceleração é menor do o movimento da carga que ele
tem que movimentar.

Figura 11 – Ilustração do deslocamento dos pontos onde são aplicadas as forças da resistência
(ponto A) e muscular (inserção do músculo – I). Os deslocamentos lineares equivalentes dos
pontos A e I serão, respectivamente x A = q .Rce x I = q .Rm . Logo a relação entre os
deslocamentos será x A / x I = Rc / Rm. Como Rc é maior do que Rm, o deslocamento do ponto
de aplicação da força da resistência será maior do que o do ponto de inserção do músculo.

O fato de a demanda do músculo em termos de deslocamento, velocidade e


aceleração serem menores do que os que ele proporciona à carga é um aspecto positivo que terá
uma contrapartida, como será visto posteriormente. O músculo terá de executar uma força maior
do que a carga que tem que carregar.

14
4) Cálculo de Forças Articulares

Este tópico será dedicado a apresentação de modelos que permitem estimar as forças de
estresse nas articulações. Estes modelos serão simplificados, considerando apenas as forças da
resistência sustentada, a força muscular e a força gravitacional (peso) do segmento envolvido.
Em princípio, todas as situações analisadas serão em isometria ou em um dado ângulo para um
exercício com velocidade angular constante, quando a 1ª lei de Newton poderá ser aplicada. A
1ª lei de Newton implicará em que a soma das forças que atuam sobre o corpo é nula ou
å F = 0. Além disso, o valor da força muscular será sempre dado no problema.
Posteriormente, com o aprendizado sobre o torque, as forças musculares deverão ser calculadas
antes dos cálculos das forças articulares.
Antes de iniciarmos, é preciso apresentar um método que será incorporado, que é a da
construção do Diagrama de Corpo Livre (DCL). Imagine a situação abaixo em que se quer
conhecer, por exemplo, as forças que o corpo D exerce no corpo B, desprezando-se o atrito,
para simplificar. Suponha que os pesos dos corpos A, B, C e D sejam respectivamente, 10N,
10N, 20N e 20N.

Veja que não é fácil resolver o problema, pois existe uma interação entre os corpos.
A solução é separar cada corpo e aplicar sobre ele todas as forças que agem no mesmo, como
ilustrado para o corpo A, no lado direito da figura. Veja que para todos os corpos que fazem
contato com A tem-se que supor uma força de contato, que inclui a força entre A e da parede
FPA.

Exemplo 1: Determinar as força de reação nas articulações (círculos pretos) das seguintes
situações nos eixos paralelos (Ra) e perpendiculares (Re) aos eixos da barra A. Os valores
inscritos nas barras correspondem às suas massas. Utilizar sen30=0,5 e cos30=0,8; sen30=
cos60, sen60= cos30

Comecemos com o exemplo da figura à esquerda. Observe que existem quarto corpos
envolvidos, a barra A, a barra vertical, a articulação, que liga as duas barras, e o cabo que
sustenta. O que nos interessa são as forças na articulação. Vamos construir os DCL da barra A
e da articulação.
15
As forças que atuam na articulação são as ações que as barras A e B (vertical) fazem nos eixos
paralelo (A) e perpendicular (E).
Agora, deve-se aplicar a primeira lei de Newton para resolver o problema. Olhando para o DCL
da barra, fazemos:

åF A =0

Teremos então:
R A - 500. cos 60 = 0
R A = 250 N ®

O valor positivo encontrado para RA significa que o sentido arbitrado para o mesmo foi correto.

Fazendo agora åF = 0 teremos:


E

R E - 500.sen60 + 200 = 0
R E - 400 + 200 = 0
R E = 200 N ¯

Observe que estas são as forças de reação da articulação no segmento. As forças que
atuam na articulação têm sentido contrário. Por exemplo, a componente paralela tende a
empurrar a barra contra a articulação, gerando uma compressão na mesma. A componente
perpendicular tende a empurrar o segmento contra a articulação, gerando uma compressão
também. Este modelo é bem semelhante, por exemplo, à articulação do cotovelo. A barra
vertical corresponde ao braço (que está fixado no ombro), a horizontal ao antebraço, o cabo de
sustentação ao músculo e a articulação à articulação do cotovelo.
Para resolver o da direita, basta acrescentar a força externa da carga.

åF A =0
R A - 500 cos 30 = 0
R A = 400 N ¬
åF E =0
RE - 500sen30 + 300 + 400 = 0
RE - 250 + 300 + 400 = 0
RE = -450 N
RE = 450 N ­
Observe que o valor negativo implica em que o
sentido de RE foi arbitrado ao contrário do verdadeiro.

16
Exemplo 2: Determinar as reações no cotovelo, paralela (Ra) e perpendicular (Re) ao eixo do
antebraço, desprezando seu peso. Dados: M =10kg; Fm=600N; q =30º.

Solução: Construindo o DCL do antebraço com todas as forças que atuam nele, teremos as
nossas incógnitas, que são a reação paralela e a perpendicular ao antebraço. Aplicando a 1ª Lei
de Newton para cada eixo teremos:

åF A =0
R A - 600 cos 60 - 100 cos 60 = 0
R A - 300 - 50 = 0
RA = 350N

åF E =0
RE - 600sen60 - 100sen60 = 0
R A - 480 - 80 = 0
RA = 560N

EXERCÍCIOS DE CÁLCULOS DE FORÇAS ARTICULARES

1) Determinar as força de reação nas articulações (círculos pretos) nos eixos paralelos (Ra) e
perpendiculares (Re) aos eixos das barras A, identificando quando há tração/compressão ou
cisalhamento. Utilizar sen30=0,5 e cos30=0,8.

17
2) Determinar as forças de reação no cotovelo, paralela (Ra) e perpendicular (Re) ao eixo do
antebraço (desprezar seu peso), identificando o tipo de estresse, sendo M = 10kg e Fm = 600N.

3) Determinar as reações paralela e perpendicular no


tornozelo (T) em relação ao eixo do pé (linha
tracejada), onde RS é a força de reação do solo e Fm a
força do gastrocnêmio.

4) Para o Indivíduo da figura ao lado, considere quo eixo da


coluna (C) seja o mesmo do tronco, que encontra-se
flexionado em 30º. O indivíduo tem 60kg e 70% de seu peso
está acima da articulação L5/S1, conforme ilustrado na figura.
Se a força da musculatura paravertebral (Fm), necessária para
manter a postura do indivíduo é de 1400N, quais as forças de
compressão (Rcm) e de cisalhamento (Rci) que estressa o
disco intervertebral L5/S1?

18
5) A figura ao lado mostra a posição do fêmur durante um instante
da caminhada em que a perna está em contato com o solo. As
forças de reação do solo (350N) e da musculatura abdutora de
quadril (500N), necessárias para manter a estabilidade, estão
apresentadas. Sabendo-se que o peso da coxa é de 70N, determinar
as forças de reação no acetábulo, que tenderão a comprimir a
articulação do quadril e a quebrar (força de cisalhamento) o colo
do fêmur. (R.: Fco = 497N; Fci = 647N)

6) Para o esquema ao lado, FQ representa a ação do


quadríceps e vale 1000N e FP a força do tendão patelar,
que vale 1000N, necessárias para resistir a carga FT de
350N. Determinar a força de compressão patelofemoral,
a força de escorregamento da patela sobre o fêmur (eixo
vertical) e as forças entre a tíbia e o fêmur nos eixos
paralelo e perpendicular à tíbia. Despreze os pesos da
coxa e da perna e considere FP paralela à tíbia. (R.:
1400N; 0; Ra = 1245N e Re = 245N).
Sen45=cos45=0,7.

4) Torque ou Momento de força

Como enfatizado em tópicos anteriores, qualquer movimento que ocorra no corpo humano
implica no movimento relativo de dois segmentos em torno de alguma articulação. Portanto,
compreender o que produz o movimento de “giro” (rotação) é de suma importância, e o torque
se torna um dos conceitos da mecânica mais importante em biomecânica, uma vez que a força
que um músculo faz sempre vai gerar torque.
!
Imagine que uma força F é aplicada no ponto A, distante do ponto O, e que a posição de
A em relação a O seja definida pelo vetor posição x! (figura 12). Esta força pode ser decomposta
em suas componentes ortogonais que, graficamente, resultarão nos vetores com módulos
definidos, conforme ilustrado na figura 13.

!
Figura 12 – Ilustração de uma barra onde é exercida uma força F é exercida no ponto O.
19
Figura 13 – Ilustração da decomposição do vetor de força em eixos ortogonais, sendo que um
deles tem a direção do eixo longitudinal da barra.

Atendo-se à componente perpendicular à direção do eixo longitudinal da barra, pode-se


observar que esta tende a girar a barra em torno do ponto O. Diz-se então que esta força gera
um torque em torno do ponto O, que será denominado de centro de rotação. O torque é definido
!
como o produto vetorial entre a força F e a posição x! .
O torque é o resultado do produto de dois vetores e seu resultado é um vetor. A direção
do torque é perpendicular ao plano formado pelos vetores que foram multiplicados. O módulo
do torque é definido segundo a expressão:
M = F . sen q .x
(13)
O sentido do torque, em biomecânica, muitas vezes não é bem definido. Por exemplo, em
análise de marcha, no plano sagital, define-se o torque positivo como sendo o extensor do
joelho, o flexor plantar e o extensor de quadril. Em alguns trabalhos os sentidos do torque são
diferentes. O mais importante é que se defina a priori o sentido do torque para que não haja
confusão.
Para garantir que um corpo esteja parado, apenas a 1ª Lei de Newton ( å F = 0) foi
suficiente até o presente momento. Entretanto, observando a figura 14, verifica-se que a soma
de duas forças que atuam sobre um corpo pode ser nula, mas o corpo não estar parado, mas
girando. Portanto, para que o corpo esteja parado (ou não sofra aceleração) tanto em termos de
translação como em termos de rotação, é preciso estabelecer uma outra condição, e esta será a
de que a soma dos torques que atuam sobre ele tem que ser nula ou,
åM = 0
(14)

Figura 14 – Duas forças de mesma intensidade e sentido contrários agindo em uma barra em
pontos diferentes. A força resultante é nula, o que fará com que a barra não sofra aceleração na
vertical. Entretanto, não é difícil verificar que a barra irá girar.

Como exemplo à aplicabilidade do conceito do torque à biomecânica, suponha uma


situação de isometria como a apresentada na figura 14. Uma carga é sustentada com o cotovelo
20
mantido a 90º. Desprezando o peso do antebraço e considerando o ângulo de inserção do bíceps
de 80º, se a distância do centro da articulação do cotovelo até o ponto de aplicação da carga for
de 30 cm, e até o ponto de inserção for de 5 cm, quais os valores das forças horizontal e vertical
que tendem a produzir tensão na articulação do cotovelo?

Figura 15 – Exemplo do bíceps braquial sustentando uma carga de 100N (10kg).

Figura 16- Diagrama de corpo livre do antebraço mostrando todas as forças que atuam nele. F
é a força que o músculo exerce, RA é a força de reação paralela e RE a perpendicular ao eixo do
antebraço.

Para que o antebraço esteja parado tem-se que:


åM = 0
Considerando os torques em relação ao cotovelo, e que os torques que giram no sentido ante-
horário são positivos e os no sentido horário, negativos, tem-se:

- 100 x0,30 + Fsen80 x0,05 = 0


- 30 + Fx0,98 x0,05 = 0
- 30 + Fx0,049 = 0
F = 30 / 0,049 \ F @ 612 N

Para calcular as forças na articulação basta aplicar a 1ª lei de Newton, como já visto:
å FA = 0
R A - F cos 80 = 0
R A = 612 x0,17
R A @ 104 N

21
Para que o antebraço não se mova verticalmente tem-se que:
å FE = 0
RE + 100 - Fsen80 = 0
RE + 100 - F .0,98 = 0
RE = 612.0,98 - 100
RE @ 500 N

Observem que as forças que agem na articulação do cotovelo valem então 500N no eixo
perpendicular e 104N no paralelo, ou um valor resultante de 511N (módulo da soma vetorial de
500N com 104N). Observe que nesta situação hipotética, para sustentar uma carga de 100N, o
músculo exerce uma força mais de seis vezes a carga e a articulação é estressada em
aproximadamente cinco vezes a carga.

EXERCÍCIOS DE CÁLCULOS DE FORÇAS MUSCULARES E ARTICULARES A


PARTIR DO TORQUE

1) Determinar as forças nos cabos de sustentação das seguintes máquinas (R.: 625N; 2550N;
480N)

2) Determinar as forças musculares e reações articulares (Reações ortogonais no cotovelo)


conforme solicitado. Dados: M =10kg; q =30º; Massa do antebraço com a mão: 1kg; Distância
de M ao CR: 30cm; Distância de Fm ao CR: 5cm;
Distância do CM do antebraço ao CR: 15cm.

22
3) Determinar a força no tendão de Aquiles. (R.:
1138N)

4) Para o Indivíduo da figura ao lado,


considere que o eixo da coluna seja o mesmo
do tronco, que encontra-se fletido em 30º, e
que 70% do peso do indivíduo de massa de
100kg esteja acima da articulação L5-S1, e
distanciado de 5cm do centro de rotação da
articulação. Considere ainda que a distância
entre o centro de rotação e o ponto de
aplicação da força muscular seja de 5 cm (ver
figura). Determinar a força da musculatura
paravertebral (Fm) necessária para manter a
postura do indivíduo e a força de compressão
estressa o disco intervertebral? (R.:
Fm=2750N. Fco=3470N. Fci=450N).

5) Para o esquema ao lado, FT representa a força vertical como


resultado da reação do solo e FQ a ação do quadríceps.
Considerando a patela como uma roldana perfeita, determinar FQ
e a força de compressão patelofemoral, para o joelho em flexão (q)
de 60º e 90º se FT=300N. R: 960N e 1536N; 600N e 780N.

23
4.1) Lei da ação e reação para torques

Na mecânica, para cada situação de translação existe um equivalente na rotação.


Por exemplo, a 1ª lei de Newton, que diz respeito à força, å F = 0, tem seu equivalente
para o torque, ou å M = 0. Da mesma maneira, existirá um equivalente da 3ª lei de
Newton para torques, ou, para cada torque que gera uma ação em um segmento, existe
um torque de reação no segmento com o qual este primeiro está articulado de mesma
intensidade e sentido contrário. Isto pode ser ilustrado pela figura abaixo. Esta lei nos
permitirá determinar o torque em mais de uma articulação.

Antes de apresentar a importância da utilização deste método, vejamos as


conseqüências que ele revela. A primeira delas é a que nos mostra que não podemos mais
pensar na função de um grupamento muscular isolado em uma articulação. Por exemplo,
olhando a figura acima, podemos verificar que a força gerada pelos flexores dorsais
também gera um torque na perna, e que é flexor do joelho. Portanto, indiretamente os
flexores dorsais são flexores do joelho, os plantares, extensores do joelho, os flexores de
quadril geram flexão no joelho, os extensores, extensão no joelho e vários são os outros
exemplos. Futuramente, veremos a importância disso no movimento.
O outro aspecto está relacionado ao que a força muscular produz efetivamente, que
é o torque. Basta verificar nos exercícios anteriores que não é fácil saber qual a força que
um músculo está produzindo, pois se têm que conhecer as características da inserção do
mesmo. Por outro lado, calcular o torque que um músculo exerce não é tão difícil, pois
precisamos conhecer apenas a resistência, a
distância desta ao centro de rotação da
articulação (facilmente estimável) e o ângulo que
esta resistência faz com o segmento. Veja-se o
exemplo da figura ao lado para o joelho.
Se considerarmos o ângulo a=60º, como
sabemos que a soma dos torques tem que ser nula
na isometria, o torque gerado pelos extensores do
joelho será o mesmo produzido pela resistência,

24
o M=100x0,8x0,5; o que dá um torque de 40Nm, exercido pelos extensores do joelho.

Uma outra maneira de se determinar o torque em uma articulação qualquer é utilizar


o modelo a seguir. Suponha o exemplo acima da cadeira extensora. Poderíamos fazer um
DCL das forças que atuam na perna e teríamos como resultado a figura ao lado. Observe
que da maneira que está, há equilíbrio para as forças,
indicando apenas que não há deslocamento angular.
Entretanto, fica claro que o segmento tenderá a girar
no sentido horário (que é o que a resistência tenta fazer
com a perna). Esta tendência ao giro é devida ao torque
produzido por este “binário de forças”. Portanto,
Podemos incluir um torque para equilibrar o segmento,
tendo como resultado a figura ao lado. MJ é o torque
produzido pelos extensores do joelho. Podemos agora
determinar o valor de através da equação do torque:

åM = 0
M J - 100sen60.0,5 = 0
M J = 40 Nm
Isto será muito útil na determinação dos torques em mais de uma articulação.
Tomemos como exemplo a cadeira extensora, conforme mostrada abaixo, em que se
deseja saber o torque exercido no joelho e no quadril. Já calculamos acima o troque
exercido no joelho, falta o do quadril. O DCL da coxa está apresentado a seguir,
obedecendo aos mesmos princípios descritos anteriormente.

O torque exercido pelo quadríceps na perna (40Nm) aparece com sentido contrário na
coxa. A força de 100N é o par ação X reação entre a perna e a coxa, no joelho, e entre a
coxa e a pelve, no quadril. Calculando o torque no quadril teremos:
åM = 0
M Q - 100sen15.0,5 - 40 = 0
M Q - 13 - 40 = 0
M Q = 53 Nm
Observem que este torque é flexor do quadril. Isto implica que para realizar a ação
isométrica pelo quadríceps para sustentar a carga, os flexores de quadril têm que produzir
um torque maior que o dos extensores do joelho.

25
EXERCÍCIOS DE CÁLCULOS DE TORQUE MUSCULAR

1) Em um exercício para o tríceps, em


que a velocidade angular é constante, o
ombro é mantido em isometria. Em um
dado instante registra-se uma
determinada posição dos segmentos
conforme mostrado na figura ao lado.
Determinar o torque concêntrico
realizado pelos flexores de cotovelo e o
torque isométrico desenvolvido pelos
adutores de ombro. R: 60Nm e 100Nm.

2) O exercício de agachamento mostrado na figura abaixo pode ser representado pelo


modelo ao lado, onde R é a força de reação do solo à metade da força peso do corpo mais
o do aparelho, e vale 300N, F é o segmento do pé, L o da perna que mede 40cm e S o
segmento da coxa, que mede 50cm. Desconsiderando-se o peso dos segmentos, determine
o torque exercido pelos flexores plantares, extensores do joelho e extensores do quadril.
Qual articulação exerceria mais e qual exerceria menos torque se a modelo mantivesse o
quadril um pouco menos flexionado? Por que é melhor manter o peso colocado às mãos
próximo à articulação do quadril?

3) O exercício de leg press mostrado na figura abaixo pode ser representado pelo modelo
ao lado. Determine o torque exercido pelos flexores plantares, extensores do joelho e
extensores do quadril considerando as mesmas medidas para a perna e coxa que do
exercício anterior?

26
4.2) Braço de alavanca

O módulo do torque foi apresentado pela expressão M = F . sen q .x . Esta expressão pode
ser reescrita como:
M = F .x. sen q
Este componente x. sen q é então chamado de braço de alavanca ou d (figura 17)
Pode-se escrever o torque simplesmente como o produto:
M = F .d (15)

!
Figura 17 - Ilustração de onde se encontra o braço de alavanca da força F .

O conceito de braço de alavanca é extremamente útil, pois simplifica a fórmula do


cálculo do torque. Além disso, como o torque é tão mais intenso quanto maior for o braço
de alavanca, se o indivíduo identificar a variação no braço de alavanca em um dado
movimento, será capaz de verificar quando o torque será maior ou menor.
È usual definir-se o termo braço de força para o braço de alavanca muscular (figura
18) e braço de resistência para o braço de alavanca da carga que o músculo sustenta.
Quanto maior for o braço de resistência maior será o torque (figura 19 e figura 20) e a
força gerada pelo músculo. Quanto menor for o braço de força, maior será a força gerada
pelo músculo.

27
Figura 18 - Ilustração do comprimento do braço de força (d) de dois músculo em relação
à articulação do quadril.

F F

Figura 19 – Braços de alavancas de uma carga externa em relação à articulação do joelho.

28
Figura 20 – Ilustração do comportamento do braço de resistência de um peso aplicado
no ponto indicado. À medida que o ângulo de abdução aumenta, o braço de resistência
aumenta. Como o peso é constante, o torque aumenta. Para o indivíduo permanecer em
isometria terá que gerar um torque muscular, que será igual ao torque da resistência. Logo,
quando maior for o ângulo de abdução, maior será o torque e a força a ser exercida pelo
músculo.

EXERCÍCIOS UTILIZANDO CONCEITOS DE BRAÇO DE ALAVANCA

1) Para a figura ao lado, a força máxima


desenvolvida pelo quadríceps de três
indivíduos A, B e C é de 3000N. Determine a
resistência máxima (R) em kg considerando
as seguintes medidas para os indivíduos: A)
dF = 8cm e dR = 40cm. B) dF = 6cm e dR = 40
cm. C) dF = 6cm e dR = 48cm. Considere
ainda que a patela é uma polia perfeita. Quais
as conclusões importantes que os resultados
traz? E em relação às forças de estresse
patelofemoral e tíbiofemoral?
R.: A) 60kg. B) 45kg. C) 37,5kg.

29
2) Desenhar os braços de resistência e de força nas seguintes situações

2 3
1 CM
CM

Peso da perna + pé
Peso da perna + pé 100 kg
30 kg
100 kg 30 kg

4
F

30
5) Centro de Massa e Centro de Gravidade

Já foi estudado que uma força pode gerar tanto a translação quanto a rotação em um corpo.
Imaginando um ponto infinitesimal com uma massa qualquer, ao se aplicar uma força sobre ele,
o mesmo só sofrerá translação, pois não existe braço de alavanca para que exista torque. O
conceito de centro de massa (CM) de um corpo está associado a esta situação particular. O CM
é um lugar geométrico onde toda a massa do corpo poderia se concentrar nele, como um ponto
infinitesimal, e o efeito de uma força sobre o mesmo produzirá somente a sua translação. Em
resumo, o centro de massa é o ponto do corpo onde se estuda o efeito da força para analisar
apenas a translação do mesmo.
Matematicamente, o CM de um corpo é definido como:
¥

åm k
j =1
j j

CM k = ¥
, onde (16)
åm
j =1
j

k é uma das três direções no espaço (x, y e z), mj é uma parte pequena da massa do corpo, kj é
a posição desta parte da massa na direção k.

Como o centro de massa é um lugar geométrico, este possui coordenadas que o definem
(Figura 22). A escolha da origem do sistema de coordenadas para definir o centro de massa
depende do interesse do estudo. Para os segmentos corporais, define-se o seu centro de massa
tomando-se como origem o ponto onde se ligará à sua articulação proximal.

Figura 22 - Ilustração da posição do centro de massa da perna em relação a um sistema de


coordenadas fixo. Observe que, em relação à geometria da perna, a posição do CM não se altera,
mas sim com relação ao sistema de coordenadas.

Se o conceito do CM está associado à translação de um corpo como resultado da ação de


uma força qualquer, esta força pode ser também a força da gravidade. Neste caso, denomina-se
o centro de massa em questão de centro de gravidade (CG). Portanto, o CG é uma
particularidade do CM quando a força em questão é a da gravidade. Apenas em objetos
extremamente altos, o CM e o CG ocupam posições diferentes no objeto. Nos objetos baixos,
incluindo os seres humanos, suas posições são coincidentes. Portanto, falar em CM e CG em
termos de biomecânica é falar da mesma posição no corpo.

31
Para determinar o CM do corpo humano é necessário conhecer a massa e o CM de cada
segmento e suas posições relativas no espaço. A posição do CM pode ser obtida em tabelas de
livros que contêm parâmetros antropométricos e/ou inerciais dos segmentos (ver Winter, 1996).
Como exemplo, pode-se calcular a posição do CM do conjunto pé e perna (figura 23) no
eixo vertical.
Pode-se lançar mão da tabela antropométrica mostrada a seguir (Winter, 1996). Esta
tabela apresenta os valores relativos da posição do CM em relação ao segmento proximal e da
massa do segmento em relação à massa corporal do indivíduo.

Tabela 4 - Dados antropométricos dos segmentos do membro inferior (Winter, 1996).

Segmento Distância do CM (P) MS/Mc


Pé 0,50 0,015
Perna 0,43 0,046
Coxa 0,43 0,100
Ms - massa do segmento. Mc - massa corporal. P – articulação proximal.

Figura 23 – Ilustração para o calculo da posição do CM do conjunto pé e perna.

A partir desta tabela, considerando-se um indivíduo de 70kg, o segmento do pé terá 1,05kg


(0,015 x 70kg), e o segmento da perna terá 3,22 kg, (0,046 x 70kg). O segmento do pé é definido
como a distância entre o ML e a cabeça da fíbula., e o da perna como a distância entre o maléolo
lateral (ML) e a cabeça do segundo metatarso. Para um pé que meça 30cm e uma perna que
meça 50 cm, tem-se o seguinte:
Considerando-se uma altura do ML em relação ao solo de 10 cm, o CM do pé estará a 5 cm
(0,5 x 10 cm) do solo. O CM da perna estará a 33,5 cm (0,47 x 50 cm) de distância do maléolo,
valor que somado à distância do maléolo ao solo dará 43,5 cm de altura em relação ao solo. A
posição do CM do conjunto em relação ao solo será obtida então como:

1,05 x5 + 3,22 x 43,5


CM y = = 34,03
1,05 + 3,22
O CM do conjunto estará então à aproximadamente 34 cm de altura do solo. Observe que o CM
do conjunto está mais baixo que o da perna sozinho.
32
A principal conclusão que se deve tirar é a de que o CG do corpo humano não ocupa uma
posição fixa no corpo. Esta posição dependerá da orientação dos segmentos corporais, um em
relação ao outro, e no espaço. Portanto, a posição do CG depende da postura do indivíduo. Por
exemplo, tomando-se um salto com piruetas de um atleta de ginástica olímpica, o CG terá uma
trajetória segundo uma parábola, como qualquer outro objeto teria. Entretanto a posição do CG
do indivíduo em relação ao seu pé ou a sua cabeça, por exemplo, se modificará à medida que o
indivíduo modificar a “forma” de seu corpo. Um indivíduo em uma postura ereta tem seu CM
em um determinado sítio. Se elevar um dos braços, o CM se elevará e se deslocará para frente
em relação à posição anterior.

6) Trabalho e Potência

Observe a figura 12, onde foi apresentado o conceito de torque. Naquele momento, não
!
foi analisado qual o efeito da componente da força F que tem a mesma direção da barra. Não
é difícil perceber que o efeito será o de deslocar a barra ao longo da direção desta componente
! ! !
de F . O trabalho executado pela força F que gera um deslocamento x é definido como:
! !
W = F cosq .x (17)

De maneira simplificada, o trabalho é o produto da força pelo deslocamento que a mesma


realiza ao longo de um eixo que tem a mesma direção da força.
Embora a força e o deslocamento sejam grandezas vetoriais, o trabalho na o é. Sua unidade
no SI é o Joule e o símbolo é J. O trabalho pode ser positivo, negativo ou nulo. O trabalho será
positivo quando os sentidos da força e do deslocamento forem os mesmos. Um exemplo é você
empurrando ou puxando um objeto. O trabalho será negativo quando a força e o deslocamento
tiverem sentidos opostos. Um exemplo é você andando e resistindo enquanto um objeto está
sendo empurrado contra você ou puxado de você.
A potência é o trabalho que é executado em um intervalo de tempo, ou:

W
P=
t (18)

A unidade de potência no SI é J/s ou Watts cujo símbolo é w.


Como W = F .x , pode-se escrever a potência como:

F .x x
P= ou P = F
t t
Mas x/t é a velocidade de deslocamento. Portanto a potência também pode ser escrita como:

P = F .v (19)

Agora, é possível compreender a afirmação de que a potência é de extrema importância


em termos de demanda muscular. Imagine um músculo inserido a 1cm de uma articulação que
movimenta uma carga que está a 10cm da mesma. O mesmo terá que gerar uma força 10 vezes
maior do que a carga, mas em uma velocidade 10 vezes menor. Por exemplo, se o músculo
33
movimentar uma carga de 10N em uma velocidade de 1m/s, terá que gerar uma força de 100N
com uma velocidade de 0,1m/s. Neste caso ele desenvolverá uma potência de:
P = 10x1, ou P = 10w.
Se movimentar uma carga de 1N em uma velocidade de 10m/s, executará uma força de
10N com uma velocidade de 1m/s. Então, desenvolverá uma potência de:
P = 1x10, ou P = 10w.
Observe que para duas situações que envolvem forças e velocidades diferentes têm-se a
mesma potência. Na prática, em biomecânica, é difícil medir a potência que um músculo
desenvolve, pois depende do conhecimento da força que o mesmo executa e de sua velocidade
de contração. Para as duas grandezas, é necessário conhecer a anatomia que envolve o músculo,
e ainda em movimento. Isto é um tanto complexo.
Um método mais simples se baseia na estimativa da potência muscular através da
medição da potência externa, ou a potência “entregue” à resistência. Desprezando-se algumas
variáveis, como o atrito na articulação, a co-contração muscular, mecanismos compensatórios
que possam auxiliar na potência da articulação que se quer avaliar, é possível determinar esta
potência com uma boa aproximação.
Em uma situação com velocidade angular constante, se é possível conhecer o torque que
é produzido pela resistência e sua velocidade angular, pode-se dizer que a potência gerada na
articulação (pelos músculos) é a potência calculada para a resistência, ou a entregue à máquina,
no caso dos isocinéticos. Para determiná-la basta recorrer às seguintes relações entre força,
torque, velocidade angular e linear.
A figura 24 mostra um ponto A se movendo ao longo de uma trajetória circular devido
à uma força F (a componente de uma força em uma direção qualquer, que gera torque, é sempre
perpendicular ao deslocamento linear do ponto que está girando. A potência desenvolvida no
ponto A vale:
P = F .v . Mas v é a velocidade linear do ponto A e que vale wR. Logo:
P = F .w.R
Ou P = F.R.w.
Como R é sempre perpendicular à força F, esta força sempre irá gerar um torque que será
M = F.R
Então:
P = M .w (20)

Figura 24 - Ilustração de uma força F gerando um torque para mostrar que a mesma será sempre
perpendicular ao raio R da circunferência que descreve a trajetória angular do ponto A.
Os aparelhos isocinéticos oferecem uma determinada resistência (torque) que é
multiplicada pela velocidade angular (constante) que ele também oferece. O trabalho rotacional
também é definido da mesma maneira:

34
W = M.q (20)

7) Mecânica Muscular

Este tópico será dedicado às características mecânicas do músculo esquelético e de que


maneira as mesmas interagem com as mecânicas externas para produzirem o movimento
humano. Neste sentido, é importante observar que as principais variáveis mecânicas são: a força
e a velocidade (ou a potência).
O que será abordado então diz respeito às características mecânicas que influenciam em
sua capacidade de geração de força e velocidade. Vale ressaltar que o que se quer tratar é da
capacidade e não da demanda. Já foi visto que, em termos de demanda, vários são os fatores
que exigem dos músculos fazer mais ou menos força e, neste caso, podem-se chamar tais fatores
de fatores extrínsecos aos músculos que demandam força. Estes seriam então: o braço de força,
o braço de resistência, o ângulo de inserção e a resistência (carga).
Já para a capacidade de gerar força, são suas características intrínsecas que ditarão em que
situações o músculo será mais ou menos forte e mais ou menos veloz. Estas características é
que serão analisadas a partir de agora, e incluem o comprimento muscular, a arquitetura
muscular, a relação entre a força e a velocidade e o tipo de contração (excêntrica, concêntrica
isométrica, dinâmica etc.). Existe ainda uma característica que tem relação com o estado de
contração precedente na capacidade de geração da força atual (excêntrico X concêntrico,
excêntrico X isométrico, concêntrico X isométrico).
Apenas para recordar, o processo de contração muscular envolve fenômenos elétricos
(potencial de ação), bioquímicos (trocas iônicas – cálcio -, ligações protéicas etc.) e mecânicos
(mudança da posição relativa entre os filamentos de actina e de miosina).
O músculo é composto por fibras musculares. As fibras são constituídas de diversas
miofibrilas. Estas últimas são formadas pelas unidades contráteis em série, que são os
sarcômeros. Envolvendo as estruturas contráteis, como os facículos, endomísio, epimísio e
perimísio, têm-se tecido conjuntivo. Este tecido também é o que forma os tendões. A presença
do tecido conjuntivo terá particular importância quando analisarmos a relação entre o
comprimento muscular e sua capacidade de produzir força.
De maneira bem simplificada, o processo de contração muscular se inicia com um
potencial de ação que vem de um comando, através do neurônio motor. Este potencial de ação
“libera” os íons cálcio do retículo sarcoplasmático. Estes íons se ligam às moléculas de
troponina que fazem parte da molécula de tropomiosina, alterando sua conformação.
Isto faz com que os pontos das moléculas de actina que têm afinidade pelas cabeças de
miosina fiquem descobertos e se “atraquem” às cabeças de miosina. Este atracamento produz
um deslizamento entre actina e miosina, cujo resultado é um movimento do sarcômero (figuras
26 e 27). O conjunto actina X miosina formam os componentes contráteis do músculo. Isto
porque, como veremos posteriormente, a força muscular não dependerá apenas da capacidade
de contratilidade do músculo mais de suas características elásticas.
Um primeiro aspecto da mecânica muscular com respeito à geração de força e
velocidade deve ser compreendido a partir do que ocorre com o sarcômero, pois o mesmo é a
unidade funcional de uma célula muscular. Observe a figura abaixo, onde está apresentado um
esquema de um grupo de sarcômeros em série constituindo uma miofibrila. Em princípio pode-
se pensar que quanto maior o número de sarcômeros em série maior a força da miofibrila e,
consequentemente, do músculo. Entretanto, imagine que cada sarcômero produza a mesma
força, por exemplo. Pela terceira lei de Newton, haverá uma reação de sentido contrário entre
cada grupo de dois sarcômeros adjacentes, o que faria com que a força de um sarcômero não
fosse somada à do outro, e a força gerada na miofibrila seria igual à de apenas um sarcômero.

35
Modela-se a força do sarcômero como a de uma mola. Tem-se assim que uma miofibrila
seria modelada como um conjunto de molas em série. Como a força produzida por uma mola
ao ser distendida (ou pressionada) é dada por:
𝐹 = 𝑘𝑥 (21)
Onde k é a constante de rigidez da mola e x o deslocamento sofrido, ao adicionarem-se várias
molas em série, teremos um único Keq, tal que 𝐹 = 𝑘!" 𝑥.

Dado um conjunto de n molas em série, tem-se que:


1 1 1
𝑘!" = + + ⋯ +
𝑘# 𝑘$ 𝑘%
Logo, o keq será menor do que o k de menor valor. Isto quer dizer que a força gerada será menor
a que seria se houvesse uma única mola. Chegamos a conclusão de que a força gerada por vários
sarcômeros em série será menor do que a gerada pelo sarcômero mais fraco.
Força muscular estará associada a sarcômeros em paralelo, ou miofibrila em paralelo,
mais ainda ao fato de se ter muitas fibras em paralelo.
A importância de sarcômeros em série reside na amplitude do deslocamento muscular,
pois o deslocamento da miofibrila será a soma dos deslocamentos dos sarcômeros, conforme
ilustrado na figura 29 para dois sarcômeros apenas.

Figura 29 – Ilustração dos deslocamentos x1 e x2 de dois sarcômeros produzindo um


deslocamento na extremidade de um deles um deslocamento que é a soma dos dois
deslocamentos.

7.1) Relação entre o comprimento e a força gerada em um sarcômero

Observando a figura 26, pode-se verificar que existe uma posição onde todos os
filamentos de actina e miosina se superpõe. Neste caso, se um potencial de ação for gerado,
haverá mais pontes cruzadas (actina X miosina) disponíveis para produzir a contração, o que
permitirá gerar uma determinada quantidade de força. Entretanto, se o sarcômero for alongado,
a distância entre os discos Z adjacentes se afastará, e haverá menos superposição de actina e
miosina e, para um potencial de ação com as mesmas características do anterior, o sarcômero
terá menor capacidade de produzir força. A mesma coisa ocorrerá se o sarcômero for encurtado.
Isto nos remete à idéia de que quando o sarcômero está encurtado ou alongado além de
um determinado comprimento (comprimento ótimo ou de repouso), terá menos grupos de actina
X miosina para se ligar. Portanto, será menos capaz de produzir força. E isto é o que ocorre
(figura 30).

36
Figura 30 – Relação entre a força tetânica e o comprimento de um sarcômero.

Observe que esta curva não é simétrica em relação ao comprimento de repouso, mostrando
maior capacidade de produzir força quando alongado que encurtado, ainda que a força
produzida ocorra somente por estimulação elétrica. Isto se deve à elasticidade intrínseca às
próprias proteínas contráteis durante o processo de contração. Mais ainda, e principalmente,
devido aos filamentos de titina, que têm uma característica elástica, imprimindo assim uma
força elástica quando o sarcômero é alongado além de seu comprimento de repouso.
Os filamentos de titina terão papel importante na produção de força muscular. Um aspecto
importante é que estes filamentos são cálcio-dependentes, o que implica que quanto maior a
concentração de íons Ca++, maior será a força elástica que será adicionada à força contrátil,
que é gerada pelos filamentos de actínia e miosina. Chamamos esta força elástica que existe no
sarcômero de força elástica de devida à força contrátil, pois ela só existirá na presença de
estimulação elétrica.

7.3) Relação entre o comprimento e a força gerada em um músculo

Como os sarcômeros se ligam em série para formar uma miofibrila, têm-se ligações em
série para a contração muscular. Ao mesmo tempo, diversas miofibrilas formam uma fibra, e
os elementos estão então ligados em paralelo. Para um músculo, ainda se tem as fibras em
paralelo. Logo, a relação entre o comprimento muscular e sua capacidade de produzir força
deverá obedecer a características similares à de um sarcômero, quando visto somente pelo
aspecto dos componentes contráteis do músculo. Como existem diversas fibras em paralelo, a
curva é suavizada, ou seja, não fica tão caracterizada por retas, como mostrado na figura acima.
Para conhecer a relação entre o comprimento muscular de qualquer músculo e sua
capacidade de produzir força em toda sua plenitude, será necessário levar em consideração
agora não só as forças contrátil e elástica do sarcômero, como visto acima. O tecido conjuntivo
que faz parte da estrutura muscular tem uma importância fundamental para se avaliar a
“capacidade” do músculo em produzir força.
É um tipo de tecido que tem um comportamento similar ao de um elástico ou, em última
análise, de uma mola. Neste caso, se distendermos um elástico a partir de um comprimento de
repouso Lo, até um ponto L, este produzirá uma força restauradora (que tende a trazer o elástico
para a posição inicial) que será proporcional à distância distendida (L – Lo), ou
F = k (L – Lo). Tal relação nada mais é do que a equação de uma reta que pode ser representada
pela figura abaixo.

37
As observações acima remetem a um raciocínio. Se além de um comprimento Lo, que
chamaremos de comprimento de repouso, um músculo é alongado, ele produzirá uma força
elástica restauradora. Por outro lado, um elástico encurtado não produz força restauradora, o
que indica que o músculo encurtado não terá esta componente a mais para produzir força. Esta
característica adicional de produção de força existe devido aos chamados componentes elásticos
do músculo como um todo.
Observe que o tecido conjuntivo ocorre paralelamente com o músculo (envolvendo
miofibrilas, fibras fascículos etc.) e também em série como o mesmo, pelos tendões. Desta
forma, pode-se modelar o a força muscular como sendo produzida por força elástica em série e
em paralelo e força contrátil.
Para conhecer o comportamento da curva de comprimento X força desenvolvido pelo
músculo, foi realizada uma experiência conforme representada na figura 31. Um músculo foi
fixado em uma de suas extremidades pelo tendão a um medidor de força, que foi acoplado em
série com um motor.
O músculo foi colocado inicialmente em uma posição bem encurtada. Com certeza,
nenhuma força elástica pode ser registrada. Em seguida, foi dado um estímulo elétrico,
produzindo contração (claro que pelos elementos contráteis apenas). Neste caso o registro de
força foi aumentando à medida que o músculo ia sendo alongado pelo motor (linha cheia da
figura). Quando o músculo passou do comprimento de repouso (Lo), o medidor começou a
registrar uma força (linha pontilhada). Esta seria devida apenas ao estiramento do músculo
(componentes elásticos). Em seguida, era dado o mesmo estímulo e o medidor registrava a força
(linha cheia). Observe que esta força era o resultado da soma da força dos componentes
contráteis com os elásticos. Este procedimento se repetiu até um nível de alongamento do
músculo. Dessa forma, obteve-se a força passiva (sem estímulo) a força total (passiva mais
ativa), e, pela subtração das curvas, a força ativa (linha tracejada).

38
Figura 31 – Esquema de um ensaio realizado para se estabelecer a relação entre o comprimento
muscular e a força gerada (acima) e a curva obtida, que forneceram as forças elástica, total e
contrátil.

Esta é então a curva característica da relação entre comprimento muscular e sua


capacidade de produzir força. Existe um comprimento em que ele pode produzir o máximo de
força, que é obtida graças à máxima superposição da actina e miosina. Abaixo deste
comprimento a força reduz, mas, acima, produz mais força do que abaixo, devido aos
componentes elásticos. Sob o ponto de vista puramente mecânico, pode-se observar, portanto,
que o músculo estirado, é mais capaz de produzir força que encurtado.
Observe também na curva da tensão ativa que há maior capacidade de produção de força
quando alongado do que encurtado. Como já foi dito, isto se deve às características elásticas da
própria estrutura actina X miosina. Atenção! A característica elástica da força passiva dos
componentes elásticos, sob o aspecto mecânico, não é regulada por neurônio motor, mas
puramente passiva (pelo que se sabe até hoje).
A figura 32 mostra a característica da relação entre o comprimento muscular e sua
capacidade de produzir força, considerando apenas os elementos contráteis do mesmo. Nela
observamos que existe um comprimento ótimo muscular, que é onde o músculo tem sua maior
capacidade de regar força. Observamos ainda que a taxa de perda de força quando o músculo
encurta é maior que a de quando ele se alonga. Para questões de entendimento da curva
comprimento tensão, chamamos o segmento da curva que corresponde à região em que está
encurtado abaixo do comprimento ótimo de segmento ascendente, e, à região em que está
alongado acima do comprimento ótimo de segmento descendente.

39
Figura 32 – Relação entre a força contrátil e o comprimento muscular. SA – Segmento
ascendente. SD – Segmento descendente.

7.4) Relação torque X ângulo em um grupamento muscular

Analisando o que foi visto acima, verifica-se que estudar a relação comprimento X força
em um músculo não é simples. Existem atualmente alguns modelos que permitem fazer uma
estimativa destas curvas baseadas em alguns parâmetros (ver lista de referência).
Lembrando agora que o encurtamento (ou alongamento) muscular implicará em
movimento de um segmento em torno de uma articulação, podemos tentar avaliar a relação
entre a força muscular e o ângulo articular do músculo em questão. Entretanto, a medição da
força muscular é complexa como já visto amplamente em tópicos anteriores. Mas a força
muscular produz torque em torno da articulação. Se a velocidade angular for constante, pode-
se dizer com boa aproximação que o torque muscular é igual ao torque produzido pela carga
externa. Medir o torque externo é simples, pois basta se conhecer as forças externas (peso do
segmento e cargas externas) e os braços de alavanca das mesmas, e estes podem ser medidos
facilmente.
Portanto, é bem mais fácil estudar a relação entre o torque muscular e o ângulo. A figura
33 ilustra uma avaliação entre o torque extensor e o ângulo do joelho para contrações
concêntricas e excêntricas. A diferença entre concêntrico e excêntrico será analisada da
posteriormente.
O que é importante observar é que a curva é bem similar à de comprimento X força
muscular em sua região fisiológica.

40
Figura 33 – Relação entre o torque máximo produzido pelos extensores do joelho e o ângulo
do joelho. O ângulo é dado em radianos (rad). 180o equivale a 3,14 (ou p) rad. O torque é
máximo um pouco acima de 2 rad ou próximo a 120o. Em torno de 1,5 rad (90o) os extensores
estão alongados, e em torno de 2,5 rad (143o) estão encurtados (o encurtamento máximo ocorre
próximo aos 180o - 3,14 rad). Observe que o torque quando alongado é maior que quando
encurtado, como esperado. Linha cheia – Torque concêntrico. Linha pontilhada – Torque
excêntrico.

Observação importante: Já foi visto que as inserções musculares ocorrem próximas às


articulações e que, como as cargas costumam ficar mais distantes das articulações, os braços de
alavanca musculares são menores que os das forças externas. Isto produz a chamada
desvantagem mecânica, que exige que a força exercida pelo músculo seja bem maior que a
carga que está sustentando. Entretanto, esta configuração permite que ocorra outra situação
compensatória. Observe a figura 33.

Figura 33 – Esquema mostrando os pontos A e B pertencentes à mesma reta, que se


movimentam de um ângulo q, cujas trajetórias são arcos de circunferências de rais R e r.

Se o raio é a medida da distância entre o centro de rotação de um segmento (o antebraço,


por exemplo) e o comprimento do antebraço, o ponto A da figura corresponde ao ponto mais
distal do antebraço. O ponto B corresponde ao ponto de inserção muscular, responsável pela
rotação do segmento em torno da articulação.

41
Para o deslocamento angular q, o ponto A terá deslocado q x R e o ponto B, q x r. Como
R é maior que r, q x R é maior que q x r. Isto quer dizer que pouco deslocamento foi necessário
existir no ponto B para produzir o deslocamento do ponto A.
Levando para o aspecto das implicações no músculo, isto implica que o músculo teve que
encurtar muito menos do que se tivesse posicionado no ponto A. Veja que para uma carga
colocada no ponto A necessitaria produzir menos força se estivesse inserido em A e não em B.
Dividindo-se os deslocamentos do ponto A e do ponto B por um intervalo de tempo Dt,
têm-se as velocidades respectivas. Como o intervalo de temo é o mesmo, o ponto que deslocou
mais terá andado em uma velocidade maior que o que deslocou menos. Portanto, a velocidade
de contração muscular terá sido menor que a velocidade do ponto A.
Tem-se então que a posição do músculo próximo à articulação, apesar de ser desvantajosa
em termos de força, permite maior amplitude de movimento e maior velocidade na carga que
se quer deslocar, com menor amplitude e velocidade de encurtamento do que teria se estivesse
mais próximo à carga.

7.5) Relação entre a força e a velocidade de contração muscular

Um músculo em contração concêntrica diminui sua capacidade de produção da força


com o aumento da velocidade de contração. A explicação provável para tal efeito é a de que
conforme aumenta a velocidade de encurtamento, mais rapidamente passam as superposições
das moléculas de actina e miosina, o que implicaria na perda de algumas pontes cruzadas,
diminuindo a capacidade de produção da força.
Se a força de contração concêntrica aumenta com a velocidade, é de se esperar que
na velocidade nula ela seja máxima. E realmente um mesmo músculo produz mais força nas
contrações isométricas que nas concêntricas. E nas contrações excêntricas? O que deve ocorrer?
Ocorre ao contrário. Até um certo ponto há um ligeiro aumento da força com o aumento da
velocidade, e, depois, a força praticamente independe da velocidade. A figura abaixo mostra a
curva característica de força e velocidade muscular, onde velocidades negativas são referentes
à contrações excêntricas e as positivas concêntricas (isométrica é nula).

Figura 34 – Curva de relação entre a força e a velocidade de contração.

As curvas que relacionam força e velocidade são tiradas de contrações máximas em


velocidades constantes. Isto significa que seleciona-se uma velocidade e produz-se a contração

42
máxima para aquela velocidade nas três situações (concêntrica, excêntrica e isométrica). Este
processo é repetido para várias velocidades.
Em princípio, pode-se pensar a razão para as contrações excêntricas produzem maior força
que as concêntricas para a mesma velocidade seja que a contração excêntrica está apenas
resistindo à carga. Isto não é verdade. Um experimento que demonstra isto está ilustrado na
figura 34.
Colocou-se um medidor de força em série com o tendão do músculo. Com a articulação
fixada em um determinado comprimento muscular, estimulou-se o músculo com uma
freqüência tetânica máxima. Observou-se então que a força isométrica era mantida (parte
central da figura). Depois, mantida a estimulação, o músculo era encurtado passivamente.
Observou-se então que quando o músculo encurtou a força medida reduziu (parte esquerda da
figura).

Figura 35 – Resposta da força ao alongamento e encurtamento de um sarcômero sob estímulo


tetânico.

Em seguida, a partir do comprimento inicial, estimulava-se o músculo na mesma


freqüência de disparos e alongava-se passivamente o músculo. Observou-se que a força
aumentou durante o alongamento (parte direita da figura). Observe que o encurtamento e
alongamento eram passivos. Isto significa que a alteração da força não dependia do indivíduo
e não havia carga, mas estímulo para produzir a contração. De fato, não se sabe exatamente por
que contrações excêntricas produzem maior força.
Se existe um compromisso entre a capacidade do músculo de gerar força e sua capacidade
de produzir velocidade, seria interessante estudar alguma variável que permita avaliar a
combinação de ambas. Esta variável existe e é a potência (P = F x v). Curvas de força e
velocidade e potência podem ser vistas na figura 36 para o gastrocnêmio e sóleo. Através desta
figura pode-se observar que embora as forças máximas exercidas por cada músculo sejam muito
diferentes, as potências máximas são relativamente próximas (menos de 30% de diferença). Isto
tem implicações dinâmicas muito importantes. Além disso, a potência máxima desenvolvida
em cada um ocorre em velocidades diferentes.

43
Figura 36 – Curvas de força de acordo com a velocidade (concêntrica) nos músculos sóleo e
gastrocnêmio de gato sob estimulação tetânica.

Como já mencionado, As curvas que relacionam força e velocidade são tiradas de


contrações máximas em velocidades constantes. Alguns pesquisadores já realizaram estudos
em condições dinâmicas. As figuras abaixo mostram a relação entre a força (eixo vertical) e a
velocidade obtida durante a caminhada durante a fase em que o pé está em contato com o solo.
Neste caso a força foi medida no tendão de Aquiles diretamente e a força diz respeito ao
gastrocnêmio e solear. Observe que a curva é ligeiramente diferente.

A figura a seguir mostra experimento similar realizado durante a marcha de dois gatos.
Observe que a curva (linha cheia) é similar à obtida com humanos. Neste estudo específico,
foram comparados os resultados com as curvas obtidas de força X velocidade constante para
contrações concêntricas (linhas finas).

44
Veja que existe um aumento na força concêntrica dinâmica com o aumento da velocidade
até certo ponto, quando comparada à investigação com a velocidade constante. Este fenômeno
que ocorre é conhecido como ciclo excêntrico, concêntrico.
Nas Curvas de potência correspondentes, pode-se ver que a potência concêntrica dinâmica
(linha cheia) máxima é maior que a realizada com velocidade constante (linha fina). Observe
que a potência concêntrica (positiva) é precedida pela potência excêntrica (negativa).
Lembrando que potência negativa está relacionada a armazenamento e positiva a produção de
energia (potência é variação de trabalho - energia - no tempo), pode-se dizer que durante a
contração excêntrica há um armazenamento de energia que é utilizado como fonte “extra” na
contração concêntrica.
Este fenômeno é importante de ser guardado. Contrações concêntricas precedidas por
contração excêntricas produzem maior potência que contrações concêntricas iniciadas a partir
do repouso.

7.6) Arquitetura muscular e seus efeitos sobre a força, deslocamento e velocidade

As fibras musculares podem estar dispostas em relação ao comprimento do músculo de


diversas maneiras, como paralelas, fuseformes, unipenadas, bipenadas multipenadas e outras.
Este conceito vem sendo ampliado a partir da introdução dos estudos da arquitetura
muscular. Uma das primeiras variáveis a serem investigadas é o ângulo de penação. Uma
definição para este é o ângulo formado entre as aponeuroses superficial e profunda e a direção
média das fibras musculares.
Uma definição mais simples pode ser dada como sendo o ângulo formado entre a direção
média das fibras e a direção do movimento ou da força muscular (figura 37).

45
.
Figura 37 – Ilustração do ângulo de penação Ɵ, formado pela direção do comprimento do
músculo (L) e do comprimento da fibra (l).

O ângulo de penação terá efeito sobre outra variável associada à arquitetura muscular, o
índice de arquitetura, que é definido como a razão entre o comprimento médio das fibras e o
comprimento do músculo. Quanto maior for o ângulo de penação, menor será o índice de
arquitetura.
A disposição das fibras terá influência sobre a força e o encurtamento muscular (por
conseguinte sobre a velocidade). Quanto maior o ângulo de penação, maior será a quantidade
de fibra que poderá ser inserida no músculo. Portanto, como o que determina a capacidade
mecânica do músculo de gerar força é a quantidade de fibras (que ocorrem em paralelo), espera-
se que maiores ângulos de penação redundem em maior força.
Entretanto, deve-se considerar outra variável da arquitetura muscular, que é a área da
seção transversal (AST) do músculo. Quanto maior for a AST, maior quantidade de fibras
poderá ser colocada. Portanto, AST e ângulo de penação, sozinhos, não são capazes de
determinar a capacidade do músculo de produzir força. Entretanto, a combinação das duas
variáveis permitirá tal inferência. Olhando a figura 36 à esquerda e no centro, observa-se que
ambos os músculos têm a mesma área de seção transversal. Entretanto, o músculo com maior
ângulo de penação tem muito mais fibras musculares. É preciso lançar mão de outra variável
que combine AST e ângulo de penação. Esta variável será a área da seção transversal fisiológica
(ASTF).
A ASTF pode ser definida como a AST determinada sobre um eixo perpendicular à
direção das fibras (Figura 38 à direita). Observe na figura que a ASTF será maior que a área da
seção transversal se tomada em um mesmo sítio do músculo. Em resumo, a ASTF é que define
a capacidade do músculo gerar força.

46
Figura 38 – Comparações entre músculos com diferentes ângulos de penação, mostrando a área
da seção transversal e a área da seção transversal fisiológica. Observe que no mesmo volume
muscular, cabem muito mais fibras musculares nos músculos com maior ângulo de penação,
resultando em, maior ASTF. O vetor deslocamento das fibras penadas está representado,
juntamente com seus componentes ortogonais.

Se quanto maior o ângulo de penação maior a capacidade do músculo em gerar força,


para uma mesma área de seção transversal, qual a vantagem de um músculo fusiforme?
Observe na figura 38 que se houver um encurtamento (ou alongamento) das fibras
musculares do músculo com ângulo de penação nulo o músculo encurtará ou alongará na mesma
quantidade, e encurtamento ou alongamento significam deslocamento. Por outro lado, se as
fibras do músculo com maior ângulo de penação encurtarem, o encurtamento muscular será
menor que o encurtamento das fibras, pois apenas a componente paralela à direção do músculo
produzirá encurtamento no músculo. Além disso, mantendo este raciocínio, a componente do
deslocamento perpendicular ao músculo tenderia a diminuir sua área de seção transversal ao
encurtar ou aumentar ao alongar, o que implicaria em o músculo ficar menos ou mais volumoso.
Na verdade, isto não acontece (existe muito pouca alteração no volume muscular) porque
durante a contração há um aumento do ângulo de penação, mantendo o “diâmetro” do músculo.
O que pode então se concluir é que quanto menor o ângulo de penação maior será o
deslocamento (encurtamento ou alongamento) que as fibras produzirão na direção que se deseja
(que é a paralela ao músculo). Como o encurtamento máximo de uma fibra muscular é de 60%
de seu comprimento, isto limitará bastante a amplitude de movimento permitido por músculos
com grande ângulo de penação, pois as fibras do músculo penado são menores tenderão a gerar
menos deslocamento longitudinal.
Pensando agora que o deslocamento dividido pelo tempo é a velocidade de encurtamento,
chegamos à conclusão de que quanto menor o ângulo de penação maior será a velocidade
impressa ao músculo para uma dada velocidade de encurtamento (ou alongamento das fibras).
Portanto, eis a vantagem dos fusiformes, encurtam mais na direção do músculo e a contração
das fibras geram maior velocidade de encurtamento muscular.
O conceito de arquitetura muscular, inserido dentro do estudo da mecânica muscular, é
bem mais amplo do que simplesmente dividir-se os músculos em fusiformes e penados. Quando
se diz que um músculo é penado, não se leva em conta a quantidade de inclinação que as fibras
possuem em relação ao eixo de deslocamento do músculo. Na verdade, mesmo para um
músculo dito fusiforme, como o bíceps braquial, por exemplo, as fibras musculares têm uma
inclinação em relação ao eixo longitudinal do músculo, ainda que pequena. Portanto, dizer que

47
um músculo é de um ou de outro tipo é muito pouco elucidativo. Isto é importante na medida
em que quanto mais inclinadas forem as fibras, espera-se que o músculo tenda a gerar maior
força e menor velocidade.
Devido às características de amplitude de movimento muscular, o ângulo de penação
influencia na curva da relação comprimento tensão, o que significa que ângulos de penação
maiores implicarão em menor faixa fisiológica (figura 39).

Figura 39 – Relação entre a força máxima e o comprimento de músculos com diferentes


ângulos de penação (Ɵ). ƟC > ƟB > ƟA. Valores das ordenadas normalizados pelo pico de força,
e das abcissas normalizados pelo comprimento ótimo (0 corresponde ao comprimento ótimo,
valores negativos abaixo e positivos acima do comprimento ótimo).

Para concluir este assunto, deve-se pensar que quanto maior for o ângulo de penação ou
quanto menor for o índice de arquitetura, maior será a capacidade de um músculo de gerar força
para uma dada AST (ou maior ASTF), e menor de velocidade. As tabelas 5 e 6 mostram as
características de alguns músculos em termos de arquitetura, e permitem avaliar que músculos
tenderiam a ser mais fortes ou mais velozes.

Tabela 5 - Área de seção transversal fisiológica (ASTF) e ângulo de penação de alguns


músculos do membro inferior.
Músculo ASTF Ângulo de penação
(graus)
Sartorio 1,9 0
Bíceps cabeça longa 15,8 0
Solear 58 30
Gastrocnemio 30 15
Reto femoral 12,5 5
Vasto lateral 30 5
Vasto medial 26 5
Tibial anterior 9,1 5

Tabela 6 - Área de seção transversal fisiológica (ASTF) e índice de arquitetura dos músculos
flexores de cotovelo. Observe que o bíceps é o menos fuseforme.
Músculo ASTF Índice de arquitetura
Bíceps braquial 4,6 0,67
Braquial 7,0 0,85
Braquio Radial 1,5 0,72

48
MÓDULO II

No módulo I desta apostila, foram vistas as questões que não envolviam aceleração
linear ou angular. A partir deste momento, estas variáveis serão inseridas, o que caracterizará a
aplicação da dinâmica. Neste sentido, várias são as atividades que o ser humano realiza que têm
características dinâmicas, ou com acelerações. Portanto, muitas seriam as atividades para serem
avaliadas sob o ponto de vista biomecânico, e portanto, apenas algumas delas serão aqui
abordadas.
Antes de iniciar, é preciso apresentar alguns conceitos físicos novos. O primeiro deles
não é tão novo assim, e é baseado na 2ª Lei de Newton que diz que:

F=m.a (1) (1)


ou, para várias forças atuando no corpo,
∑ 𝑭 = 𝒎𝒂 (2)

Observe que agora, ao invés de se fazer a soma das forças como sendo nula (condição da
estática), esta soma terá como resultado uma aceleração.
A segunda lei de Newton diz respeito à aceleração linear (translação). De forma mais
específica, esta aceleração será a do CM do corpo em questão, e em biomecânica, do CN do
segmento corporal ou do corpo como um todo. Então, quando se fala que a soma das forças
gera aceleração, esta será a aceleração do CM. E por que? Qualquer força excêntrica a este
centro produzirá rotação e não translação. Observando a fórmula 2, verificamos que quanto
maior a força resultante maior será a aceleração. Quanto maior a massa do corpo menor será a
aceleração, o que nos permite dizer que a aceleração é uma medida de inércia para a translação.
Ora se o efeito da força resultante sobre o CM de um corpo é acelera-lo linearmente,
não é difícil imaginar que o efeito do torque resultante sobre um corpo também é de acelera-lo.
Só que, neste caso, a aceleração imprimida deve ser angular, pois o torque tende a girar o corpo.
Pois bem, a 2ª Lei de Newton faz da massa do corpo a sua medida de para a translação. Então,
tem que haver alguma medida de inércia do corpo à aceleração angular sofrida pelo torque.
Tentaremos então encontra-la. Imagine um corpo qualquer, como o que é apresentado a seguir.

M2
R2
O
Mn
Rn
R1 M1

A energia cinética de um corpo é dada por:

Ec = mv 2 / 2 (3)

Tomando-se cada ponto que faz parte do corpo, sua massa correspondente e
velocidade linear, pode-se escrever a Ec de cada um, atém o n-ésimo ponto. Cada ponto está a
uma distância R do eixo de rotação do corpo. Se o corpo está girando, a velocidade angular (w)
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de qualquer ponto pertencente ao corpo fora de seu eixo de rotação será a mesma. Logo, as
energias cinéticas serão assim descritas:
1 1
Ec M 1 = M 1.v12 \ Ec M 1 = M 1w 2 R12
2 2
1 1
Ec M 2 = M 2.v 22 \ Ec M 2 = M 2w 2 R22
2 2
1 1
Ec Mn = Mn.v n2 \ Ec Mn = Mnw 2 Rb2
2 2

A energia cinética do corpo será igual a soma das energias cinéticas das partes, ou:

EcTotal = EcM 1 + EcM 2 + ... + EcMn

1 2
EcTotal = w ( M 1R12 + M 2 R22 + ... + MnRn2 )
2
Como a soma de todas as massa é igual a massa total, pode-se então escrever a energia cinética
da rotação como:

Ec = MR 2 w 2 / 2

Observe o resultado e sua similaridade com a EC translacional.

Ec = Mv 2 / 2 .

A velocidade angular é o equivalente da velocidade linear, e, portanto, o fator MR2 será o


equivalente da massa para a rotação.
Este fator é chamado de momento de inércia (I) do corpo . Observe que a inércia do
corpo para a rotação não depende somente da sua massa, mas da forma que ele assume e do
eixo em torno do qual se está girando. O fator R é conhecido como raio de giração. A inércia
aumenta como o quadrado do aumento do raio de giraç
Pode-se então tomar as diversas grandezas físicas da translação e da rotação com suas
respectivas definições físicas, conforme apresentado na tabela abaixo.
Translação Rotação
Grandeza Símbolo Definição Símbolo Definição
Deslocamento x q
Velocidade v x/t w q/t
Aceleração a v/t a w
Força F - M F.d
Inércia m - I mR2
2ª Lei de Newton - F = m.a - M = I.a
Trabalho W F.d W M.q
Potência P F.d/t ou F.v P M.q/t ou M.w

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