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Federação Brasileira de Gastroenterologia

GASTRO GERAIS
POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA

Temas de Atualização do Curso Pré-Congresso da FBG


XV Semana Brasileira do Aparelho Digestivo (SBAD)

Belo Horizonte • MG • 2016


TRATAMENTO
COM PRECISÃO 1

O PRIMEIRO E ÚNICO BIOLÓGICO COM AÇÃO SELETIVA


NO TRATO GASTROINTESTINAL APROVADO PARA TRATAMENTO
DA DOENÇA DE CROHN (DC) E RETOCOLITE ULCERATIVA (RCU).¹

Mecanismo de ação que permite atuação


seletiva no local da inflamação intestinal,
diferente das terapias anti-TNFα.1
EM O
G EM LUÇÃ Remissão duradoura em 51,5% dos pacientes
A
IM RESO virgens de tratamento anti-TNFα com DC e
IXA 45,8% dos pacientes virgens de tratamento
BA anti-TNFα com RCU em 52 semanas vs. placebo.2,3

2830 pacientes avaliados em estudo de segurança.4

Taxas de infecções graves similares ao placebo.5,6

Entyvio* - vedolizumabe. USO INTRAVENOSO USO ADULTO. Indicações: Entyvio* é indicado para o tratamento de pacientes adultos com: -Colite ulcerativa moderada a grave na fase ativa que apresentaram uma resposta inadequada, perda de resposta ou são intolerantes ao tratamento
convencional ou a um antagonista de fator de necrose tumoral alfa (TNF-α). - Doença de Crohn moderada a grave na fase ativa que apresentaram uma resposta inadequada, perda de resposta ou são intolerantes ao tratamento convencional ou a um antagonista de fator de necrose tumoral
alfa (TNF-α). Contraindicações: Entyvio* é contraindicado para pacientes com hipersensibilidade ao vedolizumabe ou a qualquer um dos excipientes do produto. Entyvio* é contraindicado na presença de infecções ativas graves, tais como tuberculose, septicemia, citomegalovírus, listerioses
e infecções oportunistas, como leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP). Cuidados e advertências: Em estudos clínicos foram relatadas reações relacionadas à infusão e reações de hipersensibilidade, sendo a maioria delas de gravidade leve a moderada. Infecções: O tratamento
com Entyvio* não deve ser iniciado em pacientes com infecções ativas graves até que as infecções sejam controladas, e os médicos devem considerar a suspensão do tratamento em pacientes que desenvolvem uma infecção grave durante o tratamento crônico com Entyvio*. Entyvio* é
contraindicado em pacientes com tuberculose ativa. Alguns antagonistas de integrina e alguns agentes imunossupressores sistêmicos foram associados com leucoencefalopatia multifocal progressiva (LMP). Nenhum caso de LMP foi relatado em estudos clínicos com vedolizumabe. Uso
anterior e concomitante de produtos biológicos:Não há dados disponíveis de estudos clínicos do vedolizumabe para pacientes previamente tratados com natalizumabe ou rituximabe. Uso durante a gravidez e a lactação - Categoria B de Risco na Gravidez - Este medicamento não deve
ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião dentista. As mulheres em idade fértil devem usar métodos contraceptivos adequados para evitar a gravidez e o seu uso deve ser mantido durante pelo menos 18 semanas após o último tratamento com Entyvio*.
Lactação: Não se sabe se o vedolizumabe é excretado no leite humano ou absorvido sistemicamente após a ingestão. Interações medicamentosas: Não foram conduzidos estudos de interação. O vedolizumabe foi estudado em pacientes adultos com colite ulcerativa e doença de Crohn
com administração concomitante de corticosteroides, imunomoduladores (azatioprina, 6-mercaptopurina e metotrexato) e aminosalicilatos. As análises da farmacocinética da população sugerem que a administração concomitante de tais agentes não teve efeito clinicamente significativo na
farmacocinética do vedolizumabe. O efeito do vedolizumabe na farmacocinética dos medicamentos comumente coadministrados não foi estudado. Vacinações: As vacinas vivas, em particular vacinas vivas orais, devem ser usadas com cautela durante o tratamento com Entyvio*. Reações
adversas: A proporção de pacientes que descontinuaram o tratamento devido a eventos adversos foi de 9% para os pacientes tratados com vedolizumabe e 10% para os pacientes tratados com placebo. Nos estudos combinados do GEMINI I e II, as reações adversas que ocorreram em ≥5%
dos pacientes foram náusea, nasofaringite, infecção do trato respiratório superior, artralgia, febre, fadiga, cefaleia, tosse. Reações relacionadas à infusão foram relatadas em 4% dos pacientes que estavam recebendo vedolizumabe. Atenção: este produto é um medicamento novo e,
embora as pesquisas tenham indicado eficácia e segurança aceitáveis, mesmo que indicado e utilizado corretamente, podem ocorrer eventos adversos imprevisíveis ou desconhecidos. Nesse caso, notifique os eventos adversos pelo Sistema de Notificações em
Vigilância Sanitária - NOTIVISA, disponível em www.anvisa.gov.br/hotsite/notivisa/index.htm ou para a Vigilância Sanitária Estadual ou Municipal. Posologia: - Colite ulcerativa A dose recomendada é 300 mg de Entyvio*, administrada por infusão intravenosa nas Semanas
0, 2 e 6 e depois a cada oito semanas. Em pacientes que responderem ao tratamento com Entyvio*, o uso de corticosteroides pode ser reduzido e/ou interrompido – à critério médico. - Doença de Crohn A dose recomendada é 300 mg de Entyvio*, administrada por infusão intravenosa nas
Semanas 0, 2 e 6 e depois a cada oito semanas. Os pacientes com doença de Crohn que não apresentarem resposta podem se beneficiar de uma dose de Entyvio* na Semana 10 (veja ADVERTÊNCIAS E PRECAUÇÕES). Nos pacientes que responderem, continuar o tratamento a cada oito
semanas a partir da Semana 14. MS – 1.0639.0271 SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. MEDICAMENTO SOB PRESCRIÇÃO MÉDICA. *Marca depositada por Millennium Pharmaceuticals. ENT_1014_0715_VPS.
Referências bibliográficas: 1) Poole RM. Vedolizumab: first global approval. Drugs. 2014;74(11):1293-303. 2) Hanauer S, et al. Vedolizumab Maintenance Therapy for Crohn’s Disease: results of GEMINI II, a randomized, placebo-controlled,
double-blind, multi-centre phase 3 trial. Am J Gastroenterol. 2012;107 (Suppl 1):A1542. 3) Feagan B, et al. Vedolizumab Maintenance Therapy for Ulcerative Colitis: Results of GEMINI I, a Randomized, Placebo-Controlled, Double-Blind,
Multicenter Phase 3 Trial. Am J Gastroenterol. 2012;107(S1):S609–S610. Abstract 1522 4) Colombel JF, et al. The safety of vedolizumab for ulcerative colitis and Crohn’s disease. Gut. 2016 Feb 18. 5) Feagan BG, et al. Vedolizumab as
induction and maintenance therapy for ulcerative colitis. N Engl J Med. 2013;369(8):699-710. 6) Sandborn WJ, et al. Vedolizumab as induction and maintenance therapy for Crohn’s disease. N Engl J Med. 2013 Aug 22;369(8):711-21.

Contraindicação: Entyvio* é contraindicado para pacientes com hipersensibilidade ao vedolizumabe ou a qualquer um dos excipientes
do produto. Interação medicamentosa: não foram conduzidos estudos de interação.
SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. Materialproduzido
Material produzidoememsetembro/2016.
agosto/2016.

Takeda Pharma Ltda. Rua do Estilo Barroco, 721 – 04709-011 – São Paulo – SP.
Mais informações poderão ser obtidas diretamente com o nosso
Departamento de assuntos científicos ou por meio de nossos representantes.
Editores
Dra. Maria do Carmo Friche Passos (MG)
Dra. Luciana Dias Moretzsohn (MG)
Dr. Ângelo Alves de Mattos (RS)
Dr. Sérgio Pessoa (CE)

GASTRO GERAIS
POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA

São Paulo • 2016


Copyright@ 2016 Federação Brasileira de Gastroenterologia - FBG
ISBN 978-85-87181-43-5
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Coordenação editorial e recepção de artigos da FBG


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Coordenadora Editorial

Edição e Produção
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Gastro gerais : Pot-Pourri em gastroenterologia /


editores Maria do Carmo Friche Passos... [et al.]. --
São Paulo : Office Editora e Publicidade, 2016.

Outros autores: Luciana Dias Moretzsohn,


Ângelo Alves de Mattos, Sérgio Pessoa
“Temas de atualização do Curso Pré-Congresso da FBG. XV Semana
Brasileira do Aparelho Digestivo (SBAD) - Belo Horizonte - MG - 2016”.
ISBN 978-85-87181-43-5

1. Clínica médica 2. Gastroenterologia 3. Gastroenterologia - Diagnóstico


4. Gastroenterologia - Tratamento I. Passos,
Maria do Carmo Friche. II. Moretzsohn, Luciana Dias.
III. Mattos, Ângelo Alves de. IV. Pessoa, Sérgio.
CDD-616.33
16-07717 NLM-WI 100
Índices para catálogo sistemático:
1. Gastroenterologia : Medicina 616.33
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POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA

Editores

Dra. Maria do Carmo Friche Passos (MG)


Dra. Luciana Dias Moretzsohn (MG)
Dr. Ângelo Alves de Mattos (RS)
Dr. Sérgio Pessoa (CE)

Temas de Atualização do Curso Pré-Congresso da FBG


XV Semana Brasileira do Aparelho Digestivo (SBAD)
Belo Horizonte • MG • 2016

Federação Brasileira de Gastroenterologia


Material destinado exclusivamente à classe médica com distribuição gratuita.

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e as opiniões dos autores.

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constitui uma garantia ou endosso da qualidade ou valor das marcas aqui anunciadas.
DIRETORIA DA FBG
Gestão 2015-2016

Dra. Maria do Carmo Friche Passos (MG)


Presidente

Dr. James Ramalho Marinho (AL)


Vice-Presidente

Dr. Ricardo Correa Barbuti (SP)


Secretário-Geral

Dra. Eponina M. O. Lemme (RJ)


1ª Secretária

Dr. Celso Mirra de Paula e Silva (MG)


Diretor Financeiro

Dra. Luciana Dias Moretzsohn (MG)


Coordenadora do FAPEGE

Dr. Flávio Antonio Quilici (SP)


Presidente Eleito - Gestão 2017-2018

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 5


Diretoria da FBG

COMISSÕES PERMANENTES/PROVISÓRIAS DA FBG


COMISSÕES PERMANENTES

FAPEGE
Fundo de Aperfeiçoamento e Pesquisa em Gastroenterologia
Dra. Luciana Dias Moretzsohn (MG) - Coordenadora
Dr. Ângelo Alves de Mattos (RS)
Dr. Sérgio Pessoa (CE)

Título de Especialista
Dr. Joffre Rezende Filho (GO) - Presidente
Dra. Esther Buzaglo Dantas Correa (SC)
Dr. Marco Antônio Zerôncio (RN)
Dr. Octávio Augusto B. Gomes de Souza Júnior (PA)
Dr. Robério Mota (CE)
Dra. Andrea Vieira (SP)

Comissão de Ética Médica


Dr. Sender J. Miszputen (SP) - Presidente
Dr. Columbano Junqueira Neto (DF)
Dr. Nestor Barbosa Andrade (MG)

Conferencista Nacional 2015


Dr. Sender J. Miszputen (SP)

Defesa Profissional
Dr. Rubens Basile (RJ) - Presidente
Dr. Justiniano Barbosa Vavas (MS)
Dr. Wilson Haig Santos (ES)

Conselho Fiscal
Dr. Adávio de Oliveira e Silva (SP) - Presidente
Dr. Fábio Gomes Teixeira (MA)
Dr. Uyapuran Torres Medeiros (PE)
Dra. Joceli Oliveira dos Santos (PI)
Dr. José Cristiano Resplande (GO)
Dr. José de Laurentys Medeiros Júnior (MG)

6 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Diretoria da FBG

COMISSÕES TEMPORÁRIAS • 2015/2016

Diretor de Comunicação e Eventos


Dr. Jaime Natan Eisig (SP) In Memoriam
Dr. Décio Chinzon

Comissão de Apoio e Atenção às Federadas


Dra. Ana Flávia Passos Ramos (MG)
Dr. Décio Chinzon (SP)

Comissão de Assuntos Digitais


Dr. José Miguel Parente (PI) - Presidente
Dr. Américo de Oliveira Silvério (GO)
Dr. Daniel Fernando Soares e Silva (SC)
Dr. Eduardo Nobuyuki Usuy Jr. (SC)
Dr. Gerson Ricardo de S. Domingues (RJ)
Dr. Luiz Eduardo Góes (BA)
Dra. Marta Mitiko Deguti (SP)

Comissão Jovem Gastro


Dra. Ana Botler Wilheim (PE) - Coordenadora
Dr. Ângelo Zambam de Mattos (RS)
Dr. Frederico Passos Marinho (MG)
Dra. Luciana Lofêgo Gonçalves (ES)
Dr. Raul Carlos Wahle (SP)
Dra. Thais Cavalcanti de Almeida (PE)

Comissão das Ligas Acadêmicas


Dra. Adélia Carmem Silva de Jesus (DF) - Coordenadora
Dr. José do Carmo Júnior (MG)
Dra. Liliana Sampaio Costa Mendes (DF)
Dr. Ricardo Cerqueira Alvariz (RJ)
Dr. Rimon Sobhi Azzam (SP)

Comissão de Ensino
Dra. Maria da Penha Zago Gomes (ES) - Coordenadora
Dr. Carlos Kupski (RS)
Dr. Guilherme Santiago Mendes (MG)
Dra. Maria de Lourdes de Abreu Ferrari (MG)
Dra. Nelma Pereira de Santana (BA)
Dr. Paulo Pimentel Assumpção (PA)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 7


Diretoria da FBG

Comissão de Pesquisa
Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho (MG) - Coordenador
Dr. José Murilo Robilotta Zeitune (SP) In Memoriam
Dr. José Pedrazzoli Junior (SP)
Dra. Lúcia Libanez Bessa Campelo Braga (CE)
Dra. Themis Reverbel da Silveira (RS)

Comissão de Relações Internacionais


Dr. Flávio Steinwurz (SP) - Coordenador
Dr. Carlos Fernando de Magalhães Francesconi (RS)
Dr. Eduardo Antônio André (SP)
Dr. Mario Reis Álvares-da-Silva (RS)

Comissão de Relações Governamentais


Dr. Ismael Maguilnik (RS) - Coordenador
Dr. Edgar Valente de Lima Neto (AL)
Dr. Gaspar de Jesus Lopes Filho (SP)
Dr. José Nonato Fernandes Spinelli (PB)

Comissão de Acervo Histórico


Dr. Laércio Tenório Ribeiro (AL) - Coordenador
Dr. Fernando Tarcisio Miranda Cordeiro (PE)
Dr. Heitor Rosa (GO)
Dr. Luiz João Abrahão (RJ)
Dr. Schlioma Zaterka (SP)
Dr. Ulysses Garzela Meneghelli (SP)
Dr. Rogério Antunes Pereira Filho (SP)
Dr. Mauro Bafutto (GO)

Comissão de Gastropediatria
Dra. Cristina Targa Ferreira (RS) - Coordenadora
Dra. Elisa de Carvalho (DF)
Dra. Gilda Porta (SP)
Dra. Irene Kazue Miura (SP)
Dra. Luciana Rodrigues Silva (BA)
Dr. Mauro Batista de Morais (SP)

Comissão de Representação na ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária


Dr. Odery Ramos Júnior (PR) - Coordenador
Dr. José Mauro Messias Franco (MG)
Dr. Orlando J. M. Torres (MA)
Dr. Roberto Luiz Silva Oliveira (RN)
Dr. Wilson Roberto Catapani (SP)

8 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Diretoria da FBG

Comissão de editores da FBG na revista da AMB


Dr. Antônio Carlos da Silva Moraes (RJ) - Coordenador
Dr. André Castro Lyra (BA)
Dr. João Galizzi Filho (MG)
Dra. Raquel Canzi Almada de Souza (PR)

Comissão de Representação na AMB


Dr. Carlos Enéas Soares Ricca (CE)
Dr. Rogério Toledo Júnior (SP)

Representante no CFM da Comissão de Cirurgia Bariátrica e Síndrome Metabólica


Dr. Alexandre Buzaid Neto (SP)

Representante na Comissão Nacional de Acreditação (CNA)


Dra. Dulce Reis Guarita (SP)

Editor da GED - Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva


Dr. José Galvão-Alves (RJ)

Editora da Revista Arquivos de Gastroenterologia


Dra. Dulce Reis Guarita (SP)

Editor da Revista FBG


Dr. Antonio Frederico Novaes Magalhães (SP)

Comissão Administrativa de Assessoria à SBAD


Dr. Áureo de Almeida Delgado (MG)
Dra. Lorete Maria da Silva Kotze (PR)

Comissão Científica de Assessoria à SBAD


Dr. Adérson Omar Mourão Cintra Damião (SP)
Dr. Joaquim Prado Pinto Moraes-Filho (SP)
Dr. José Galvão-Alves (RJ)
Dr. Luiz Gonzaga Vaz Coelho (MG)

COMISSÃO DE CREDENCIAMENTO DE CURSOS

Coordenadores
Dr. José Alves de Freitas (SP)
Dr. Júlio Maria Fonseca Chebli (MG)
Dra. Marta Brenner Machado (RS)
Dr. Paulo Lisboa Bittencourt (BA)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 9


REGIÃO CENTRO-OESTE
Dra. Daniela Mariano Carvalho Louro (DF)
Dr. Ênio Chaves de Oliveira (GO)
Dra. Liliana Sampaio Costa Mendes (DF)
Dr. Marcelo Cury (MS)
Dr. Marcos de Vasconcelos Carneiro (DF)
Dr. Rodrigo Sebba Aires (GO)

REGIÃO NORTE/NORDESTE
Dra. Adalgisa de Sousa Paiva Ferreira (MA)
Dr. Eduardo Góis Cardoso (SE)
Dr. Fábio Gomes Teixeira (MA)
Dra. Genoile Oliveira Santana (BA)
Dr. Geraldo Ishak (PA)
Dr. Gláucio Nóbrega de Souza (PB)
Dr. José Eymard Moraes de Medeiros Filho (PB)
Dr. Paulo Lisboa Bittencourt (BA)
Dr. Sérgio Murilo Fontes de Oliveira (SE)

REGIÃO SUDESTE
Dr. Ary Nasi (SP)
Dra. Cyrla Zaltman (RJ)
Dr. Eduardo Garcia Vilela (MG)
Dra. Eliza Maria de Brito (MG)
Dr. José Alves de Freitas (SP)
Dr. Júlio Maria Fonseca Chebli (MG)
Dr. Luiz Sérgio Emery Ferreira (ES)

REGIÃO SUL
Dra. Dvora Joveleviths (RS)
Dra. Eloá Marussi Morsoletto (PR)
Dra. Heda Maria Barska dos Santos Amarante (PR)
Dra. Janaína Luz Narciso Schiavon (SC)
Dr. Juliano Coelho Ludvig (SC)
Dra. Marta Brenner Machado (RS)

10 Federação Brasileira de Gastroenterologia


SOCIEDADES FEDERADAS
2016

SOCIEDADE ALAGOANA DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dr. Laércio Tenório Ribeiro

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO AMAZONAS


Presidente: Dr. Ricardo Paes Barreto Ferreira

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DA BAHIA


Presidente: Dr. Jorge Carvalho Guedes

SOCIEDADE CEARENSE DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dr. Marcellus H. L. Ponte de Souza

SOCIEDADE DE GASTROENTROLOGIA DE BRASÍLIA


Presidente: Dr. Francisco Machado da Silva

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO ESPÍRITO SANTO


Presidente: Dra. Ana Teresa Ramos Parpaiola de Mendonca

SOCIEDADE GOIANA DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dr. Oswaldo Martins C. Neto

SOCIEDADE MARANHENSE DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dra. Livia Ronise Garcia Arraes

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO DE MINAS GERAIS


Presidente: Dr. Humberto Oliva Galizzi

SOCIEDADE SUL-MATO-GROSSENSE DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dr. Justiniano Barbosa Vavas

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 11


Sociedades Federadas

SOCIEDADE MATO-GROSSENSE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO


Presidente: Dra. Elaine Moreira Ferreira

SOCIEDADE PARAENSE DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dra. Betânia da Costa Cavalcanti

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO DA PARAÍBA


Presidente: Dr. Heraldo Arcela de Carvalho Rocha

SOCIEDADE PERNAMBUCANA DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dr. Roberto Magalhães Melo Filho

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO PIAUÍ


Presidente: Dr. Jozelda Lemos Duarte

SOCIEDADE PARANAENSE DE GASTROENTEROLOGIA E NUTRIÇÃO


Presidente: Dra. Lorete Maria da Silva Kotze

ASSOCIAÇÃO DE GASTROENTEROLOGIA DO RIO DE JANEIRO


Presidente: Dr. Luiz João Abrahão Junior

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE


Presidente: Dr. Silvio José de Lucena Dantas

SOCIEDADE GAÚCHA DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dra. Gabriela Perdomo Coral

SOCIEDADE CATARINENSE DE GASTROENTEROLOGIA


Presidente: Dr. Hoiti Okamoto

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DE SERGIPE


Presidente: Dra. Simone Déda Lima Barreto

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DE SÃO PAULO


Presidente: Dr. Tomás Navarro Rodriguez

SOCIEDADE DE GASTROENTEROLOGIA DO TOCANTINS


Presidente: Dr. Jonio Arruda Luz

12 Federação Brasileira de Gastroenterologia


AUTORES

Adérson Omar Mourão Cintra Damião


Professor Assistente-Doutor do Departamento de Gastroenterologia da Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Membro do Grupo de
Doenças Intestinais da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital das
Clínicas da FMUSP. Membro Titular da Federação Brasileira de Gastroenterologia
(FBG). Presidente do Grupo de Estudos da Doença Inflamatória Intestinal do Brasil
(GEDIIB). CRM-SP 39.270.

Andrea Benevides Leite


Docente da Universidade de Fortaleza. Preceptora da Residência em
Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza. Mestrado em Hepatologia pela
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. CRM-CE 7.919.

Angelo Alves de Mattos


Professor Titular da Disciplina de Gastroenterologia e do Curso de Pós-Graduação
em Hepatologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
(UFCSPA). CRM-RS 7.089.

Ângelo Zambam de Mattos


Mestre e Doutor pelo Curso de Pós-Graduação em Hepatologia da UFCSPA.
Professor Adjunto de Gastroenterologia do Departamento de Medicina Interna
da Pontifício Universidade Católica de Porto Alegre. Médico Gastroenterologista
do Serviço de Gastroenterologia Clínica e Cirúrgica da Irmandade Santa Casa de
Misericórdia de Porto Alegre. CRM-RS 30.106.

Carlos Fernando Francesconi


Médico Gastroenterologista. Doutor, Professor Titular do Departamento de
Medicina Interna da UFRGS e Chefe do Serviço de Gastroenterologia do Hospital
de Clínicas de Porto Alegre. CRM-RS 4.579.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 13


Autores

Célio Geraldo de Oliveira Gomes


Médico Nível I do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais.
Mestre em Medicina pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
Minas Gerais. CRM-MG 48.722.

Claudia Pinto Marques Souza de Oliveira


Professora Associada da Disciplina de Gastroenterologia da Universidade de São
Paulo. CRM-SP 75.499.

Décio Chinzon
Professor Assistente Doutor e Professor de Pós-Graduação da Disciplina de
Gastroenterologia da Universidade de São Paulo. CRM-SP 49.552.

Dulce Reis Guarita


Professora Livre em Gastroenterologia da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo. Membro da American Gastroenterological Association.
CRM-SP 21.137.

Edison Roberto Parise


Professor Associado da Disciplina de Gastroenterologia do Departamento de
Medicina da Universidade Federal de São Paulo. Presidente do Instituto Brasileiro
de Fígado da Sociedade Brasileira de Hepatologia. CRM-SP 27.606.

Eduardo Garcia Vilela


Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de
Medicina da UFMG. Médico nível VIII do Hospital das Clínicas da UFMG. Assistente
Efetivo do Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital Felício Rocho.
CRM-MG 27.078.

Eponina Maria de Oliveira Lemme


Professora Associada do Departamento de Clínica médica da Faculdade
de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Chefe da Unidade
de Esôfago do Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho - Universidade Federal do Rio de Janeiro.
CRM-RJ 52. 12884-6.

Fernando Assed Gonçalves


Graduando da Universidade Estácio de Sá.

14 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Flávio Antônio Quilici
Professor Titular de Gastroenterologia e Cirurgia Digestiva da Faculdade de
Medicina da PUC Campinas. Presidente Eleito da Federação Brasileira de
Gastroenterologia (2017-2018). Ex-presidente da Sociedade Brasileira de
Endoscopia Digestiva. Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Coloproctologia.
Ex-Presidente da Sociedade de Gastroenterologia de São Paulo. Cirurgião Emérito
do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. CRM-SP 17.015.

Francisco Sérgio R. P. Pessoa


Preceptor da Residência em Gastroenterologia do Hospital Geral de Fortaleza.
Membro do FAPEGE. CRM-CE 4.848.

Guilherme Eduardo Gonçalves Felga


Gastroenterologista e Hepatologista da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo. CRM-SP 122.055.

Joaquim Prado P. Moraes-Filho


Professor Livre-Docente de Gatroenterologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. CRM-SP 13.432.

Joffre Rezende Filho


Professor Adjunto-Doutor do Departamento de Clinica Medica da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Goiás. Chefe do Serviço de Gastroenterologia
e Endoscopia Digestiva do Hospital das Clínicas da UFG. Fellow da American
Gastroenterological Association. CRM-GO 3478-5.

Jorge Carvalho Guedes


Professor Associado do Departamento de Medicina Interna da Faculdade de
Medicina da Bahia. Coordenador do Internato I em Clínica Médica da Faculdade
de Medicina da Bahia – Universidade Federal da Bahia e das Residências Médicas
em Gastroenterologia da Universidade Federal da Bahia e de Clínica Médica do
Hospital Ana Neri. CRM-BA 6.741.

José Eymard Moraes de Medeiros Filho


Professor Adjunto na Universidade Federal da Paraíba. CRM-PB 4.375.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 15


José Galvão-Alves
Chefe da 18ª Enfermaria do Hospital Geral da Santa Casa de Misericórdia do Rio
de Janeiro. Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Gama Filho e da
Faculdade de Medicina da Fundação Técnico-Educacional Souza Marques. Professor
de Pós-Graduação em Gastroenterologia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro. Membro Titular da Academia Nacional de Medicina. Presidente da
Federação Brasileira de Gastroenterologia. Doutor em Medicina pela Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. CRM-RJ 52. 26254-8.

Júlia Faria Campos


Especialista em Clínica Médica pelo Hospital Municipal Odilon Behrens e em
Gastroenterologia pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais. Médica Gastroenterologista do Hospital das Clínicas da Universidade
Federal de Minas Gerais. Especialista em Endoscopia Digestiva pela SOBED.
Mestranda do Programa Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto, Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. CRM-MG 50.858.

Lisandra Carolina M. Quilici


Cirurgiã Digestiva do Hospital da PUC Campinas e da Unigastro Campinas.
Especialista em Coloproctologia e Endoscopia Digestiva. CRM-SP 113.466.

Lorete Maria da Silva Kotze


Professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná e da Universidade
Federal do Paraná.

Luciana Dias Moretzsohn


Professora Associada do Departamento de Clínica Médica da Universidade
Federal de Minas Gerais. CRM-MG 18.575.

Luiz Gonzaga Vaz Coelho


Professor Titular do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenador do Instituto Alfa de
Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas
Gerais. Presidente do Núcleo Brasileiro para Estudo do Helicobacter pylori e
Microbiota. CRM-MG 6.666.

Maria Clara de Freitas Coelho


Assistente da Enfermaria de Gastroenterologia da Santa Casa de Belo Horizonte.
Gastroenterologia pela Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG).
Mestranda do Programa de Ciências Aplicadas à Saúde do Adulto - Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. CRM-MG 49.015

16 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria da Penha Zago-Gomes
Doutorado em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal do Espírito Santo.
Unidade do Aparelho Digestivo do Hospital Universitário Cassiano Antônio Moraes
da Universidade Federal do Espírito Santo. CRM-ES 2.724.

Maria de Lourdes de Abreu Ferrari


Professora Associada do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais. Coordenadora do Ambulatório
de Intestino do Instituto Alfa de Gastroenterologia, Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Minas Gerais. CRM-MG 18.732.

Maria do Carmo Friche Passos


Professora Adjunta do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina
da Universidade Federal de Minas Gerais e da Faculdade de Ciências Médicas de
Minas Gerais. Doutora em Gastroenterologia. Coordenadora Científica do Fundo
de Pesquisa e Aperfeiçoamento (FAPEGE) e do Site da Federação Brasileira de
Gastroenterologia. CRM-MG 18.599.

Maria Helena Itaqui Lopes


Médica Gastroenterologista. Doutora em Clínica Médica. Professora da Faculdade
de Medicina da Universidade de Caxias do Sul. CRM-RS 8.668.

Matheus Freitas Cardoso de Azevedo


Médico Assistente do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. CRM-SP 13.006.

Miriam Chinzon
Graduanda da Faculdade de Ciências Médicas de Santos.

Rodrigo Vieira Costa Lima


Preceptor da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia do Hospital das Clínicas
da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). CRM-SP
136-190.

Ricardo C. Barbuti
Médico Assistente Doutor do Departamento de Gastroenterologia do Hospital das
Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. CRM-SP 66.103.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 17


Tomas Navarro Rodriguez
Livre Docente em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo. CRM-SP 50.149.

18 Federação Brasileira de Gastroenterologia


PREFÁCIO

O Curso Pré-Congresso, que abre anualmente a Semana Brasileira do


Aparelho Digestivo (SBAD), é uma das atribuições do Fundo de
Aperfeiçoamento e Pesquisa em Gastroenterologia (FAPEGE) que tem
como objetivo principal a promoção do ensino e atualização constante de
seus associados.
À exemplo do que acontece nos grandes congressos internacionais da
nossa especialidade, o Curso Pré-Congresso pretende promover uma ampla
revisão dos principais temas da gastroenterologia moderna.
Este ano, o nosso curso intitula-se “Gastro Gerais” em alusão à diversidade
de temas e à abrangência de nossa especialidade, trazendo magníficas
revisões de assuntos do cotidiano de nossa prática profissional.
A Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG), em nome de sua
presidente Maria do Carmo Friche Passos e do grupo FAPEGE (Luciana
Dias Moretzsohn, Angelo Mattos e Sérgio Pessoa), agradece aos professores
convidados que elaboraram com primor os capítulos dessa obra.
Agradecemos, também, ao Laboratório Takeda, que mais uma vez nos
patrocina o livro do Pré-Congresso, contribuindo diretamente com a FBG/
FAPEGE em sua missão de promover a educação médica continuada para a
gastroenterologia brasileira.

Luciana Dias Moretzshon Maria do Carmo Friche Passos


Coordenadora do FAPEGE Presidente da FBG

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 19


20 Federação Brasileira de Gastroenterologia
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1
Como e quando utilizar biológicos na doença inflamatória intestinal?................ 25
Adérson Omar Mourão Cintra Damião

CAPÍTULO 2
Complicações da hipertensão portal: manuseio da
ascite e da peritonite bacteriana espontânea................................................... 37
Angelo Alves de Mattos
Ângelo Zambam de Mattos

CAPÍTULO 3
Síndrome do Intestino Irritável: abordagem e tratamento
de acordo com Roma IV................................................................................. 47
Carlos Fernando Francesconi
Maria Helena Itaqui Lopes

CAPÍTULO 4
Doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA): tratamento ........................ 55
Rodrigo Vieira Costa Lima
Claudia Pinto Marques Souza de Oliveira

CAPÍTULO 5
Anti-inflamatórios em longo prazo: proteção gástrica sempre?.......................... 63
Décio Chinzon
Miriam Chinzon

CAPÍTULO 6
Pancreatite aguda......................................................................................... 69
Dulce Reis Guarita
Guilherme Eduardo Gonçalves Felga

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 21


Sumário

CAPÍTULO 7
Tratamento da hepatite C - atualização terapêutica.......................................... 79
Edison Roberto Parise

CAPÍTULO 8
Doença diverticular dos cólons - Tratamento em 2016...................................... 87
Eduardo Garcia Vilela
Célio Geraldo de Oliveira Gomes

CAPÍTULO 9
Acalásia: diagnóstico e tratamento................................................................. 95
Eponina Maria de Oliveira Lemme

CAPÍTULO 10
Rastreamento do câncer colorretal............................................................... 111
Flávio Antônio Quilici
Lisandra Carolina M. Quilici

CAPÍTULO 11
Prebióticos, probióticos e simbióticos: atualização......................................... 117
Joaquim Prado P. Moraes-Filho

CAPÍTULO 12
Dispepsia: abordagem e tratamento de acordo com Roma IV........................... 123
Joffre Rezende Filho

CAPÍTULO 13
Manejo das lesões neoplásicas císticas do pâncreas (NCP)............................. 139
Jorge Carvalho Guedes

CAPÍTULO 14
Nódulos hepáticos: como abordar?............................................................... 147
José Eymard Moraes de Medeiros Filho

CAPÍTULO 15
Pancreatite Crônica - 2016........................................................................... 159
José Galvão-Alves

22 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Sumário

CAPÍTULO 16
Intolerâncias alimentares: o que há de novo?................................................ 183
Lorete Maria da Silva Kotze

CAPÍTULO 17
Manifestações extraesofágicas da DRGE....................................................... 193
Luciana Dias Moretzsohn

CAPÍTULO 18
Uso de inibidores de bomba protônica (IBP)
em longo prazo. É seguro?........................................................................... 201
Luiz Gonzaga Vaz Coelho
Maria Clara de Freitas Coelho

CAPÍTULO 19
Conduta nas lesões sólidas de pâncreas....................................................... 215
Maria da Penha Zago-Gomes

CAPÍTULO 20
Manifestações extraintestinais:
o perfil sistêmico da doença de Crohn........................................................... 223
Júlia Faria Campos
Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

CAPÍTULO 21
Consenso de Roma IV e doenças funcionais: o que mudou?............................ 237
Maria do Carmo Friche Passos

CAPÍTULO 22
Constipação intestinal refratária.................................................................. 251
Dr. Ricardo C. Barbuti
Dr. Matheus Freitas Cardoso de Azevedo

CAPÍTULO 23
Doenças gastroenterológicas e gravidez....................................................... 261
Andrea Benevides Leite
Francisco Sérgio R. P. Pessoa

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 23


CAPÍTULO 24
Esofagite eosinofílica: atualização................................................................ 269
Tomas Navarro Rodriguez

24 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500001

Capítulo 1

Como e quando utilizar biológicos


na doença inflamatória intestinal?

Adérson Omar Mourão Cintra Damião

Introdução

N os últimos anos temos presenciado mudanças no tratamento da


doença inflamatória intestinal (DII) e nos objetivos terapêuticos. Sem
dúvida, o arsenal terapêutico na DII aumentou consideravelmente (tabela 1).
Hoje entendemos melhor a respeito dos mecanismos de ação de drogas
tradicionalmente utilizadas na DII, como os derivados salicílicos,
corticosteroides e imunossupressores. Paralelamente, a introdução da
terapia biológica trouxe novos conceitos, como a remissão endoscópica,
hoje incorporada aos objetivos terapêuticos, remissão esta capaz de impactar
a história natural da doença (tabela 2).(1-4)

TABELA 1. Arsenal terapêutico utilizado na doença inflamatória intestinal


Derivados salicílicos (sulfassalazina, mesalazina)
Corticosteroides
Prednisona
Hidrocortisona
Budesonida
Antibióticos (ex., metronidazol, ciprofloxacina)
Imunossupressores (ex., azatioprina, 6-mercaptopurina, metotrexato, ciclosporina, tacrolimus)
Terapêutica biológica
Anti-TNFs (TNF= Fator de Necrose Tumoral) - ex., infliximabe, adalimumabe, certolizumabe
Anti-integrinas - ex., vedolizumabe

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 25


CAPÍTULO 1 - COMO E QUANDO UTILIZAR BIOLÓGICOS NA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL?

TABELA 2. Objetivos do tratamento clínico da doença inflamatória intestinal


Indução da remissão clínica
Remissão clínica sem corticosteroide
Manutenção da remissão clínica sem corticosteroide (remissão sustentada)
Remissão endoscópica/histológica
Evitar internações, cirurgia
Incrementar a qualidade de vida

Um dos maiores desafios que enfrentamos é o racional e sábio uso do ar-


senal terapêutico de que dispomos, no sentido de oferecer aos pacientes com
DII a melhor opção terapêutica.(5) Para tanto, vários fatores precisam ser con-
siderados, entre eles, a gravidade e extensão da doença, fatores preditivos de
mau prognóstico, preferências do paciente, história pregressa, idade, sexo (pa-
cientes jovens, do sexo masculino, têm risco maior de linfoma hepatoesplêni-
co com o uso de terapia combinada envolvendo um anti-TNF e um imunos-
supressor como azatioprina ou 6-mercaptopurina), vigência de gravidez e o
custo-benefício.(6,7) No presente capítulo, analisaremos as várias estratégias de
tratamento da DII, com ênfase nos trabalhos mais recentes que as avaliaram.

Estratégias de tratamento da DII

Retocolite ulcerativa (RCU)


“Step-up convencional” - A estratégia denominada “step-up convencio-
nal” corresponde ao uso inicial dos derivados salicílicos (oral e/ou tópico),
que constituem a base da pirâmide (fig. 1). É a estratégia habitualmente re-
comendada pelos consensos e diretrizes de tratamento.(8-13) Pacientes não res-
ponsivos ou que requeiram de início tratamento mais intensivo seguem para o
tratamento com corticosteroide (ex., prednisona). Caso não respondam ao tra-
tamento ou se tornem dependentes do corticosteroide, têm indicação de imu-
nossupressores (ex., azatioprina, 6-mercaptopurina) ou biológicos, a depender
da gravidade. Ciclosporina pode ser uma opção nas formas graves de RCU,
não responsivas ao corticosteroide intravenoso (terapia de resgate).

26 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Adérson Omar Mourão Cintra Damião

FIGURA 1. Abordagens convencionais no tratamento


da doença inflamatória intestinal (“step-up”)
Grave
Ciclo,Biológica TN, Biológica

Aza, 6-MP Aza,6-MP,MTX

Corticoides Corticoides

SSZ, 5-ASA SSZ, 5-ASA, Budes


Leve
RCU Crohn
SSZ = sulfassalazina; 5-ASA = 5-aminossalicilatos; AZA = azatioprina;
6-MP = 6-mercaptopurina; Ciclo = ciclosporina; Budes = budesonida;
MTX = metotrexato; TN = terapia nutricional

Doença de Crohn (DC)


1. “Step-up convencional” - na DC, ao contrário da RCU, os deriva-
dos salicílicos carecem de eficácia, exceto no caso da sulfassalazina,
que pode ter algum efeito em casos leves da doença com comprome-
timento colônico.(14) Pacientes com DC leve/moderada envolvendo a
região ileocecal e/ou ascendente podem se beneficiar com o uso de
budesonida oral, um corticosteroide de ação local rapidamente me-
tabolizado na primeira passagem pelo fígado.(9,15,16) Os demais casos
(moderados/graves) podem ser tratados inicialmente com prednisona.
Os efeitos sistêmicos com a budesonida são menos frequentes e me-
nos intensos do que os observados com a prednisona. Pacientes não
responsivos à corticoterapia, que se tornam dependentes de corticos-
teroide ou que necessitam de manutenção, podem se beneficiar com o
emprego dos imunossupressores como a azatioprina ou 6-mercaptopu-
rina ou metotrexato. Caso não haja resposta, a terapia biológica está in-
dicada. Vale ressaltar que, tanto no caso da RCU como da DC, deve-se
aguardar o tempo suficiente para ação das medicações em cada etapa

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 27


CAPÍTULO 1 - COMO E QUANDO UTILIZAR BIOLÓGICOS NA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL?

de tratamento, por exemplo, cerca de 2-4 semanas com o tratamen-


to com a prednisona, 3-4 meses com o uso de azatioprina/6-mercap-
topurina, 12 semanas com anti-TNF. Tal procedimento evita que os
pacientes permaneçam num tipo de tratamento ineficaz ou que sejam
considerados refratários precocemente, além de alertar para a mudança
de patamar de tratamento (fig. 1).(7,9,15,16)
2. “Step-up convencional acelerado” - Nesta estratégia, permite-se que,
em certas condições, uma determinada etapa possa ser pulada a depen-
der da gravidade do caso. Por exemplo, um paciente não responsivo
ao corticosteroide, após tempo adequado de uso, poderia migrar para
o tratamento combinado envolvendo um anti-TNF (ex. adalimumabe,
infliximabe) e um imunossupressor (azatioprina - AZA, 6-mercapto-
purina - 6-MP ou metotrexato - MTX). Isto porque um paciente refra-
tário ao corticosteroide, bastante sintomático, não suporta o tempo de
3-4 meses para a ação de um imunossupressor como azatioprina ou
6-mercaptopurina. Ademais, complicações da DC ou da corticoterapia
podem ocorrer nesse tempo de espera da ação do imunossupressor.(7)
3. Recentemente, na DC, a estratégia convencional foi comparada à es-
tratégia convencional acelerada, em que a terapia combinada com um
imunossupressor (AZA, 6-MP ou MTX) mais um anti-TNF (adalimu-
mabe ou infliximabe) foi oferecida àqueles pacientes não responsivos,
do ponto de vista clínico, à corticoterapia (budesonida ou prednisona,
a depender da gravidade e localização da doença, por 4-12 semanas).
O estudo, denominado REACT 1 (Randomised Evaluation of an Al-
gorithm for Crohn’s Treatment), envolveu 39 centros de tratamento
da DII no Canadá e na Bélgica (34 no Canadá e 5 na Bélgica).(17) Os
centros foram então randomizados e não os pacientes (randomização
em “cluster”). Assim, o estudo REACT 1 introduz novas modalidades
de estudo na DII: a comparação de estratégias de tratamento e a ran-
domização em “cluster”, em que os centros são randomizados e não
os pacientes. Outro exemplo de estudo comparativo de estratégias de
abordagem da DC é o estudo POCER, em que se comparou a avalia-
ção com ileocolonoscopia após 6 meses da cirurgia e o devido ajuste

28 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Adérson Omar Mourão Cintra Damião

do tratamento clínico de acordo com a gravidade dos achados endos-


cópicos (classificação de Rutgeerts) com o acompanhamento clínico
pós-operatório e ajuste terapêutico a depender da evolução clínica.(18) A
estratégia de acompanhamento e ajuste terapêutico com base nos acha-
dos endoscópicos foi superior ao acompanhamento clínico exclusivo.
Tal resultado serve de respaldo para a conduta recomendada atualmen-
te de realização de ileocolonoscopia cerca de 6 meses após ressecção
ileocólica e aplicação da classificação de Rutgeerts (atividade endos-
cópica no íleo terminal). Pacientes com índice de Rutgeerts ≥ 2 (i2, i3
ou i4) vão merecer tratamento ou otimização de tratamento já vigente.
4. No estudo REACT 1, 21 centros (1.084 pacientes) foram randomi-
zados para a estratégia de algoritmo de terapia combinada precoce e
18 centros (898 pacientes) para o tratamento convencional (“step-up
convencional”). De acordo com o algoritmo, pacientes submetidos ao
tratamento com corticosteroides (budesonida ou prednisona, a depen-
der da gravidade e localização) e sem resposta adequada (índice de
Harvey & Bradshaw - HBI ≤ 4) após 4-12 semanas receberam terapia
combinada (anti-TNF + azatioprina/6-MP ou MTX). Após 12 semanas
de tratamento, no caso de falta de resposta (HB I≥ 7), o anti-TNF era
otimizado. Mais 12 semanas de acompanhamento e, na falta de respos-
ta clínica com o tratamento combinado, o imunossupressor era muda-
do. Em caso de falta de resposta após outras 12 semanas, o anti-TNF
era mudado e, finalmente, após mais 12 semanas de acompanhamento,
no caso de falta de resposta clínica, o tratamento cirúrgico era discuti-
do (ressecção). Centros randomizados para o tratamento convencional
não tiveram acesso ao algoritmo. O objetivo primário do trabalho foi a
remissão clínica (HBI ≤ 4) em 12 meses. Os resultados em relação ao
objetivo primário foram não significantes (61,9% no grupo convencio-
nal versus 66% no grupo terapia combinada precoce, P = 0,5169). Em
24 meses, apesar da vantagem numérica da terapia combinada preco-
ce, também não houve diferença estatisticamente significante entre os
grupos (65,1% no grupo convencional versus 73,1% no grupo terapia
combinada precoce, P = 0,0829). Quando somente os pacientes em

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 29


CAPÍTULO 1 - COMO E QUANDO UTILIZAR BIOLÓGICOS NA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL?

uso de corticosteroides de base foram analisados, a taxa de remissão


clínica em 24 meses foi maior no grupo que recebeu terapia combinada
precoce, sugerindo que pacientes com doença mais grave poderiam
se beneficiar mais com este tipo de estratégia terapêutica. Os resulta-
dos referentes às taxas de complicações (abscesso, nova fístula, mani-
festações extraintestinais e eventos adversos sérios [P = 0,0005]), de
cirurgia (P = 0,0314) e de hospitalização ou cirurgia ou complicação
(0,0003), em 24 meses, foram menores no grupo terapia combinada
precoce versus terapia convencional. Em suma, a terapia combinada
precoce (“step-up convencional acelerado”) parece ser útil em pacien-
tes com DC mais grave, com impacto na história da doença (desfechos
clínicos e cirúrgicos) observado mais tardiamente (2 anos).(17)
5. “Step-up acelerado propriamente dito” - Diferentemente da abor-
dagem “step-up convencional acelerado”, em que o paciente recebe
inicialmente o corticosteroide e depois, diante de refratariedade, a
terapia combinada (ver acima), no “step-up acelerado propriamente
dito”, como inicialmente preconizado, o paciente recebe concomitan-
temente o corticosteroide mais o imunossupressor (ex. AZA/6-MP).
Dois trabalhos (AZTEC e RAPID)(19,20) avaliaram a terapia precoce
com imunossupressor (AZA). Em ambos, os pacientes apresenta-
vam DC de curta duração (menos de 8 semanas de diagnóstico no
AZTEC e menos de 6 meses no RAPID). A maioria dos pacientes
recebeu corticosteroide concomitantemente (cerca de 70% no es-
tudo AZTEC e praticamente todos no RAPID [96-97%]). No estu-
do espanhol AZTEC (AZathioprine for treatment of Early Crohns
disease in adults),(19) a introdução precoce de AZA não foi melhor
que o placebo. A taxa de remissão clínica sem corticosteroide em
18 meses (objetivo primário) foi de 44,1% no grupo AZA versus
36,5% no placebo (P=0,48). Entretanto, a proporção de pacientes
com índice de atividade da DC (CDAI) maior ou igual a 220 a partir
da semana 12 foi menor no grupo AZA (11,8%) versus o placebo
(30,2%), sugerindo que pacientes com doença mais moderada po-
deriam se beneficiar com essa estratégia. No estudo francês RAPID

30 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Adérson Omar Mourão Cintra Damião

(Rèsultat de l’Adjonction Précoce d’ImmunoDépresseurs),(20)


a proporção de pacientes em remissão clínica sem corticosteroide e
sem anti-TNF por trimestre ao longo de 3 anos não foi estatistica-
mente diferente do grupo submetido à terapia convencional.(20) No
entanto, houve menor ocorrência de lesões perianais ativas e menor
taxa de cirurgia perianal no grupo com AZA precoce. Portanto, pa-
cientes com fístula perianal simples poderiam se beneficiar com o
uso de AZA precoce.(20)
6. “Top-down propriamente dito” - Em 2008, D’Haens et al. publicaram
um trabalho em que pacientes com DC recentemente diagnosticada,
moderada/grave, receberam de forma randomizada a associação de
imunossupressor oral (AZA) e anti-TNF (infliximabe), inicialmente
versus o tratamento convencional.(21) Na época, os autores optaram por
não manter o anti-TNF periodicamente como fazemos atualmente e,
assim, os pacientes responsivos não receberam tratamento de manu-
tenção. O anti-TNF foi utilizado de forma episódica após a indução,
de acordo com a necessidade. A terapia “top down” caracteriza-se pela
não utilização da terapia com corticosteroides no início. Em dois anos
de acompanhamento, a frequência de remissão endoscópica foi de cer-
ca de 70% no grupo “top-down” versus 20% no grupo com terapia
convencional (“step-up convencional”).(21)
7. “Top-down modificado” - A modificação aqui nada mais é do que man-
ter a terapia biológica (anti-TNF) após a indução em vez da utilização
episódica como no trabalho original acima descrito. No estudo REACT
2, a terapia convencional será comparada a um algoritmo semelhante
ao do REACT 1, exceto que no REACT 2 os pacientes com DC em
atividade (clínica e endoscópica) receberão de início a terapia combi-
nada (anti-TNF + AZA/6-MP ou MTX) e corticosteroide a depender
do critério médico. Em seguida, os pacientes serão acompanhados a
cada 16 semanas por ileocolonoscopia de controle, além da avaliação
clínica. Em caso de falta de resposta (resposta = HBI ≤ 4, sem úlceras
profundas e grandes à endoscopia, sem corticosteroide), os pacientes
seguirão a otimização estabelecida no REACT 1. O estudo ainda está

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 31


CAPÍTULO 1 - COMO E QUANDO UTILIZAR BIOLÓGICOS NA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL?

em andamento (ClinicalTrials.gov NCT01698307) e deverá fornecer


importantes informações sobre o uso da ileocolonoscopia como ins-
trumento de acompanhamento e os efeitos da indução e manutenção
da terapia combinada precoce versus terapia convencional. Obviamen-
te, um grande obstáculo para o recrutamento de pacientes é o fato do
paciente aceitar a realização de ileocolonoscopia a cada 4 meses. O
trabalho está em andamento.
Quando se fala em estratégia “top-down”, a pergunta inevitável que
emerge é: quais pacientes merecem esta alternativa mais “agressiva” de tra-
tamento já no início da doença? Para tanto, torna-se necessário destacar os
fatores preditivos de doença mais grave ou “incapacitante”.(22-26) Na tabela 3,
estão listados os fatores preditivos de evolução para DC complicada. Fatores
clínicos, endoscópicos, histológicos, sorológicos e genéticos têm sido des-
critos. Na prática, consideramos os pacientes mais jovens (doença mais gra-
ve, em geral), doença perianal grave (ex. fístulas complexas), necessidade
de corticosteroide sistêmico no diagnóstico e úlceras extensas e profundas
à ileocolonoscopia.(22-26)

TABELA 3. Fatores preditivos de evolução para doença de Crohn (DC)


complicada/incapacitante
Pacientes jovens (< 40 anos no diagnóstico)
Doença perianal
Necessidade de corticosteroide no diagnóstico
Úlceras extensas e profundas à colonoscopia
Doença estenosante, penetrante
Envolvimento do trato gastrointestinal superior, delgado proximal, DC ileal extensa, DC retal
Falta de remissão endoscópica após remissão clínica
Doença agressiva, com muitas recaídas/ano
Emagrecimento importante no diagnóstico
Presença de granulomas
Obesidade, tabagismo
Altos títulos de ASCA, anti-OmpC e anti-CBir1
Mutações nos genes NOD2/CARD15, ATG16L1, MDR1

32 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Adérson Omar Mourão Cintra Damião

Diante dos avanços na compreensão dos processos envolvidos na trans-


migração de leucócitos (diapedese) para os tecidos, não causa surpresa o fato
de investigadores desenvolverem biológicos com o fim de reduzir o extrava-
samento de leucócitos e, com isso, minimizar a inflamação.(27-31)
Várias formas de interferir nos mecanismos de recrutamento leucocitário
têm sido desenvolvidas tanto para a DII como para outras enfermidades. Ve-
dolizumabe, recentemente aprovado no Brasil, é um anticorpo monoclonal hu-
manizado do tipo IgG1 que reconhece seletivamente a integrina α4 β7, portan-
to tem seletividade para o trato gastrointestinal (TGI), bloqueando a interação
entre integrina α4 β7 e seu ligante no endotélio, também específico do TGI,
MAdCAM-1.(27-31) Sua eficácia na indução e manutenção da remissão clínica
na DC e na RCU foi constatada nos estudos GEMINI(29-32) com perfil de segu-
rança satisfatório.(33) Na tabela 4, resumimos os principais agentes dentro deste
grupo de drogas que agem reduzindo a migração de leucócitos.

TABELA 4. Drogas que interferem no recrutamento de leucócitos.


DC = doença de Crohn; RCU = retocolite ulcerativa
Droga Descrição Empresa Alvo Indicações Observações
Anticorpo
Aprovado pelo
monoclonal Esclerose
Natalizumabe Biogen Idec Integrinas FDA mas não na
(mAb) múltipla
(Tysabri®) (Cambridge, MA) α4β1 e α4β7 Europa (EMA) e
humanizado e DC
Brasil
(IgG4)
mAb
Vedolizumabe Takeda Pharmaceuticals Integrina Aprovado FDA,
humanizado DC, RCU
(Entyvio®) (Deerfield, IL) α4β7 EMA, Brasil
(IgG1)
AMG-181 AstraZeneca
mAb humano Integrina
(anti-integrina (London, UK)Amgen DC, RCU Fase 2
(IgG2) α4β7
α4β7) (Thousand Oaks, CA)
Etrolizumabe
mAb
(anti-integrina Genentech
humanizado Integrinas RCU Fase 2
β7, rhuMAb β7, (South San Francisco, CA)
(IgG1) α4β7 e αEβ7
RG7413)
Anti-MAdCAM-1 mAb humano Pfizer
MAdCAM-1 DC, RCU Fase 2
(PF-00547659) (IgG2) (New York, NY, USA)
Pequena Ajinomoto Pharmaceuticals
AJM300 Integrina α4 DC, RCU Fase 2
molécula oral (Tokyo, Japan)
Vercirnon ChemoCentryx
(anti-CCR9, Pequena (Mountain View, CA)
CCR9 DC Fase 3
CCX282-B, molécula oral GSK
GSK1605786A) (Brentwood, Middlesex, UK)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 33


CAPÍTULO 1 - COMO E QUANDO UTILIZAR BIOLÓGICOS NA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL?

Conclusões

O desafio que enfrentamos no tratamento da DII é a utilização ade-


quada de todo o arsenal terapêutico de que dispomos para o tratamen-
to dos pacientes com DII. Enquanto na RCU a estratégia tradicional de
tratamento (“step-up convencional”) é a que predomina, na DC temos
várias estratégias de tratamento a depender da atividade da doença, per-
fil dos pacientes e localização/comportamento da doença, entre outros
elementos. Fatores preditivos de gravidade da DC são úteis na seleção
de pacientes que merecerão tratamento via estratégia “top-down”. Na
tabela 5, sugerimos as situações na DC em que cada estratégia pode ser
preferencialmente empregada.
Sem dúvida, os biológicos configuram um grande avanço no tratamento
da DII. Além dos anti-TNFs já em uso no Brasil, um novo grupo de bioló-
gicos relacionados com a inibição da migração de leucócitos para a mucosa
intestinal (anti-integrinas) (tabela 4) surge, incrementando ainda mais a lista
de medicamentos para o tratamento da DII. Destes, o vedolizimabe foi re-
centemente aprovado no Brasil. Tem eficácia tanto na RCU quanto na DC,
além de perfil de segurança satisfatório.

TABELA 5. Estratégias de tratamento da doença de Crohn


e sugestões de indicações
Estratégias de tratamento Estudos Sugestão de indicação

Step-up convencional pp dito REACT 1 Casos leves

Step-up convencional acelerado


REACT 1 Casos moderados/graves
(terapia combinada precoce)

Step-up acelerado
AZTEC/RAPID Casos moderados e fístulas simples
pp dito

Top-down pp dito TOP-DOWN Casos graves

Top-down modificado REACT 2 Casos graves

34 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Adérson Omar Mourão Cintra Damião

Referências

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4. Damião AOMC, Feitosa F, Milani LR. Tratamento Clínico Convencional na doença de Crohn. In: Cardozo
WS, Sobrado CW. Doença Inflamatória Intestinal. São Paulo: Editora Manole Ltda, 2015. p. 305-28.
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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 35


CAPÍTULO 1 - COMO E QUANDO UTILIZAR BIOLÓGICOS NA DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL?

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Capítulo 2

Complicações da hipertensão portal:


manuseio da ascite e da peritonite
bacteriana espontânea
Angelo Alves de Mattos
Ângelo Zambam de Mattos

A tualmente, a doença hepática pode ser rotulada como sendo a oitava


causa de óbito em nosso país, sendo a cirrose a principal causa dentre
as doenças hepáticas.(1)
A ascite é uma complicação frequente no paciente com cirrose, sendo que
em um período de 10 anos é esperado que metade dos pacientes apresentem
esta complicação.(2) Quando avaliamos uma coorte de 581 pacientes com cir-
rose em nível ambulatorial, observamos que a complicação mais frequente
na apresentação desses doentes era a presença de ascite, com uma prevalên-
cia de 32%.(3)
O seu aparecimento já traduz um mau prognóstico, com mortalidade ao
redor de 50% em três anos. Deve ser ressaltado que sua presença também
aumenta a morbidade dessa população de doentes, uma vez que há um risco
adicional de outras complicações, como a peritonite bacteriana espontânea
(PBE).(2)
Em geral, os pacientes com ascite necessitam de hospitalização, embora
aqueles com derrame peritoneal de pequeno volume possam ser manejados
em nível ambulatorial.(4)
É fundamental que seja identificada, afastada ou tratada, quando possí-
vel, a causa da hepatopatia. Assim, por exemplo, em um paciente com he-
patopatia decorrente do alcoolismo, é importante que o uso de álcool seja
suspenso.(2)
A dieta com restrição de sódio é um passo importante do tratamento,
sendo preconizado o uso de 2 gramas de sal ao dia. Em regra, é orientado

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 37


CAPÍTULO 2 - COMPLICAÇÕES DA HIPERTENSÃO PORTAL: MANUSEIO DA ASCITE E DA PERITONITE
BACTERIANA ESPONTÂNEA

somente que os pacientes não coloquem sal em sua dieta e que evitem ali-
mentos, sabidamente, com maior conteúdo de sódio.(5-7)
Quando do tratamento da ascite, é importante que o clínico esteja atento
para evitar a utilização de medicamentos que prejudiquem a função renal,
tais como os anti-inflamatórios não esteroides, inibidores da enzima conver-
sora de angiotensina, antagonistas dos receptores da angiotensina e mesmo
drogas nefrotóxicas como os aminoglicosídeos. É também importante aten-
tar para o uso de contrastes radiológicos endovenosos, uma vez que podem
induzir a uma insuficiência renal aguda.(2)
Como a resposta à dieta com restrição de sódio é pobre, o uso de diuré-
ticos deve ser considerado desde o início do tratamento. Tendo em vista a
presença de edema periférico concomitante proteger o paciente quanto ao
desenvolvimento de hipovolemia, em decorrência de sua mobilização pre-
ferencial e ilimitada, fica sugerido que o tratamento possa resultar em uma
perda média de 1 kg/dia naqueles pacientes com ascite e edema periférico e
de 500 g/dia naqueles só com ascite (reabsorção limitada).(8)
No início do tratamento são utilizados diuréticos poupadores de potássio,
preferencialmente a espironolactona, em decorrência do hiperaldosteronis-
mo existente no paciente com cirrose. A dose inicial é de 100 mg/dia, poden-
do ser aumentada a cada 3-5 dias, até um máximo de 400 mg/dia. O intervalo
de dias utilizados para a modificação da dose é baseado no fato de que o pico
de ação da droga é entre o 3º e 5º dia de seu uso. Esse regime resulta em uma
natriurese adequada em 75% dos pacientes. Como os principais metabólitos
da espironolactona, sua porção ativa, têm uma meia vida plasmática longa,
está justificada sua administração uma vez ao dia.(9,10)
Sendo o sítio de ação da espironolactona ao nível do néfron distal, a re-
tenção proximal de sódio e de água explica a falha terapêutica em alguns
pacientes. Nesses casos, associa-se um diurético de alça. A droga habitual-
mente utilizada é o furosemida, variando a dose de 40 a 120-160 mg/dia.(11)
Nos guidelines da European Association for the Study of the Liver
(EASL),(4) é sugerido que pacientes com um primeiro episódio de ascite
podem ter seu tratamento iniciado primeiramente com espironolactona de
forma isolada (as doses podem ser aumentadas e, de acordo com a resposta,

38 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Angelo Alves de Mattos • Ângelo Zambam de Mattos

deve ser acrescida a furosemida), mas pacientes com ascite recorrente de-
vem ser tratados desde o início com terapia combinada, ou seja, espironolac-
tona e furosemida em doses crescentes na dependência da resposta.
Nos pacientes com derrame peritoneal volumoso (ascite tensa), a proposta
terapêutica a ser avaliada é a paracentese com reposição de albumina.
A terapêutica através da paracentese com infusão endovenosa de 8 g de
albumina por litro de ascite drenado mostrou-se mais efetiva, acarretando
menos complicações e diminuindo o tempo de internação dos pacientes,
quando comparada com o tratamento à base de diuréticos. Ressaltamos que
a reposição com albumina tende a minorar a disfunção circulatória que pode
ocorrer após a paracentese (disfunção circulatória pós-paracentese). Recente
metanálise avaliando trials prospectivos, controlados e randomizados em
pacientes com ascite volumosa e que realizaram paracentese e reposição com
albumina, ou com outros expansores, demonstrou que a albumina diminui a
incidência de síndrome pós-paracentese, de hiponatremia e de mortalidade.(12)
Ressalte-se que, em artigo de revisão, Solà et al. recomendam reposição
volumétrica com albumina, independente do volume drenado, inclusive
enaltecendo uma saudável relação custo-benefício quando assim procedido.(¹³)
Embora a paracentese terapêutica com reposição volêmica seja o trata-
mento de eleição para os pacientes com ascite volumosa, ela não corrige a
retenção renal de sódio existente, e esses pacientes devem utilizar diuréticos
após a remoção do líquido de ascite.
É importante enfatizar que o transplante hepático é a forma de terapia
definitiva à ser ofertada aos pacientes com ascite, principalmente quando ela
for considerada refratária.(14)
Tendo em vista a PBE ser uma complicação frequente nos pacientes com
ascite, é fundamental que a paracentese diagnóstica seja realizada em todo
paciente com ascite de início recente, de volume moderado ou grande, ou
naqueles pacientes hospitalizados com piora da ascite ou com complicação
da hepatopatia.(4,5)
A PBE e suas variantes constituem uma complicação que se desenvolve
com frequência em cirróticos com ascite, principalmente quando de etiologia
alcoólica. Sua incidência oscila entre 4 e 27%. Tem prognóstico reservado,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 39


CAPÍTULO 2 - COMPLICAÇÕES DA HIPERTENSÃO PORTAL: MANUSEIO DA ASCITE E DA PERITONITE
BACTERIANA ESPONTÂNEA

com mortalidade variando de 20 a 30%.(15) Em estudo realizado no nosso


meio, entre 1.030 internações hospitalares de pacientes com cirrose e ascite,
foram documentados 114 episódios de PBE, o que correspondeu a uma
prevalência de 11,1%. A mortalidade associada foi de 21,9%.(16)
A PBE é uma infecção caracteristicamente monomicrobiana. As bactérias
mais frequentemente isoladas são bactérias gram-negativas (E. coli) e cocos
gram-positivos (estreptococos e enterococos). Os germes mais comuns na
PBE de origem comunitária são bacilos gram-negativos (isolados em aproxi-
madamente 65% dos casos), entretanto, cocos gram-positivos desempenham
importante papel nas infecções nosocomiais (atualmente estão presentes em
aproximadamente metade dos casos de PBE hospitalar).(17)
Embora o diagnóstico seja dado pelo exame bacteriológico, em decor-
rência dos resultados falso-negativos e da demora para obter seu resultado,
o grande parâmetro prático no diagnóstico da infecção do líquido peritoneal
parece ser o exame citológico do fluido de ascite, por meio da contagem dos
polimorfonucleares (PMN). Assim, quando o número de PMN é igual ou
superior à 250 células/mm3, estamos autorizados a pensar em PBE e iniciar
um tratamento.(4,5)
Classicamente, era recomendada a utilização de uma cefalosporinas
de terceira geração, mais especificamente a cefotaxima.(4,5) Após 48
horas do início do tratamento, era realizada uma paracentese diagnóstica
de controle, na qual se deve observar uma redução de pelo menos
25% no número de PMN quando o tratamento for efetivo. Caso
contrário, deverá ser considerada a possibilidade de infecção por germe
resistente à terapia inicial ou de peritonite bacteriana secundária.(18)
A despeito do uso até então “rotineiro” da cefotaxima quando da suspeita
de PBE, hoje em dia é fundamental que se avalie o papel das bactérias
multirresistentes (BMR) em pacientes com cirrose. Entre as bactérias
multirresistentes, as enterobactérias produtoras de ESBL (β-lactamase
de espectro estendido) são as mais frequentes em pacientes com cirrose e
infecção. Essas bactérias são isoladas em mais de 30% dos casos de PBE
e a mortalidade é significativamente maior do que quando outros germes
estão envolvidos.(19)

40 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Angelo Alves de Mattos • Ângelo Zambam de Mattos

Fernández et al.(17) publicaram estudo com 223 pacientes e 507 episódios


de infecção, 18% dos quais com BMR (esta foi mais frequente nas infecções
nosocomiais). Nestas infecções, é óbvia a baixa eficácia da antibioticoterapia
empírica tradicional. Em metanálise demonstraram que a origem nosocomial de
uma infecção, a infecção recente por BMR, a profilaxia com norfloxino e o uso
recente de β-lactâmicos são fatores independentes que favorecem a infecção por
BMR. Há autores que também sugerem como fator de risco uma história recente
de hospitalização (principalmente se tiver ocorrido nos últimos três meses e se o
paciente esteve em unidade de tratamento intensivo).(20)
O local de aquisição da infecção também está relacionado ao risco de
infecção por bactérias multirresistentes.(17,21,22,23) Dessa forma, tem sido su-
gerida uma nova classificação epidemiológica em relação ao local de aquisi-
ção das infecções: comunitárias, nosocomiais e associadas aos cuidados de
saúde. As infecções comunitárias são aquelas diagnosticadas nas primeiras
48 horas de internação, enquanto as infecções nosocomiais são aquelas diag-
nosticadas após esse período.
As infecções associadas aos cuidados de saúde são aquelas diagnostica-
das nas primeiras 48 horas de hospitalização de um paciente que apresen-
tou contato recente com o sistema de saúde. Bactérias multirresistentes são
causadoras de aproximadamente 4% das infecções comunitárias, 14% das
infecções associadas aos cuidados de saúde e 35% das infecções nosoco-
miais em pacientes com cirrose. O tratamento empírico com cefalosporinas
de terceira geração é eficaz em 83% das infecções comunitárias, em 73% das
infecções associadas aos cuidados de saúde e em somente 40% das infecções
hospitalares.(17) Uma mortalidade hospitalar de até 37% foi evidenciada nas
infecções nosocomiais.(17,22)
Em nosso meio, recentemente, realizamos um estudo onde avaliamos a
suscetibilidade bacteriana de 5.839 isolados de pacientes, com ou sem cirrose,
admitidos em um hospital terciário. Observamos multirresistência bacteriana
em 37,5% e 44,1% dos pacientes com e sem cirrose, respectivamente.
A E. coli foi a bactéria multirresistente mais frequente em ambos os grupos.
Aproximadamente 20% dos isolados de E. coli e Klebsiella sp eram produtoras
ESBL e 44% dos isolados dos S. aureus eram resistentes à meticilina nos

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 41


CAPÍTULO 2 - COMPLICAÇÕES DA HIPERTENSÃO PORTAL: MANUSEIO DA ASCITE E DA PERITONITE
BACTERIANA ESPONTÂNEA

pacientes com cirrose. Nos isolados dos pacientes com cirrose, 36,2% eram
resistentes à cefalosporina de terceira geração.(24)
A escolha da terapia empírica deve ser baseada no tipo, na gravidade,
na origem da infecção e nos dados epidemiológicos sobre resistência
bacteriana local.(18)
Em geral, as cefalosporinas de terceira geração continuam sendo a terapia
preconizada para as infecções comunitárias.(5,18,25) Entretanto, o tratamento
empírico de infecções associadas aos cuidados de saúde e nosocomiais
deve ser guiado de acordo com os padrões epidemiológicos de resistência
bacteriana observada.(18,26)
Devido à atual alta frequência de germes multirresistentes, um grupo es-
panhol de estudiosos implementou em sua prática clínica um novo protocolo
de tratamento empírico das infecções nos pacientes com cirrose, que con-
sistiu fundamentalmente no uso de carbapenêmicos associados ou não a um
glicopeptídeo nas infecções nosocomiais. Novas e semelhantes recomenda-
ções também começaram a ser feitas para o tratamento das infecções asso-
ciadas aos cuidados à saúde em decorrência das evidências de semelhanças
entre seus perfis microbiológicos.(26)
A Conferência Especial sobre Infecções Bacterianas da EASL(18) sedi-
mentou as novas orientações para o tratamento empírico das infecções nos
pacientes com cirrose. Nos pacientes com PBE adquirida na comunida-
de, seguem sendo recomendadas as cefalosporinas de terceira geração ou
amoxicilina-clavulanato. No caso dessas infecções serem de origem hos-
pitalar, recomenda-se o tratamento empírico com meropenem, associa-
do ou não a um glicopeptídeo ou piperacilina-tazobactam. Quando essas
infecções forem associadas aos cuidados de saúde, devem ser tratadas de
acordo com a gravidade da infecção (se sepse severa, utilizar o esquema
preconizado para as infecções nosocomiais) e com a prevalência local de
bactérias multirresistentes.
Um outro aspecto a ser considerado nos pacientes com PBE é a avaliação
da função renal. Insuficiência renal ocorre em aproximadamente um terço
dos pacientes com diagnóstico de PBE e é um forte preditor de mortalidade
durante a hospitalização. Em estudo realizado no nosso meio, no qual foram

42 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Angelo Alves de Mattos • Ângelo Zambam de Mattos

avaliados 114 episódios de PBE, houve perda de função renal em 24% dos
casos. A mortalidade associada aos pacientes com e sem insuficiência renal
foi de 36,1% e 6,3%, respectivamente.(27)
Sort et al.,(28) com base no fato da PBE poder estar associada com um
déficit da função renal e ao partirem da premissa de que a expansão do vo-
lume plasmático preveniria essa disfunção, realizaram estudo multicêntrico,
prospectivo e randomizado, com infusão de albumina endovenosa (1,5 g/
kg de peso no primeiro dia e 1 g/kg de peso no terceiro dia) na profila-
xia nestes doentes. Constataram menor presença de hipovolemia e de défi-
cit da função renal, bem como queda na taxa de mortalidade no grupo que
usou albumina, quando comparado ao grupo-controle, com o qual só foram
utilizados antibióticos.
No consenso de Síndrome Hepatorrenal do Clube Internacional de Asci-
te, por se tratar de população de maior risco, foi sugerido que a albumina
(29)

estaria indicada, fundamentalmente, nos pacientes com bilirrubina > 4 mg/


dL ou creatinina > 1 mg/dL. Entretanto, em recente revisão sistemática e
metanálise, em que foi avaliado o papel da albumina na PBE,(30) os autores
concluem ser incerto se a albumina deve ser utilizada só em pacientes de
maior risco, sendo indicada em todos os pacientes com PBE.
No que tange ao tratamento, é importante salientar que a sobrevida ob-
servada nos pacientes com PBE é substancialmente mais curta do que a re-
latada em pacientes com cirrose submetidos à transplante hepático. Assim,
o transplante hepático deve sempre ser considerado para os pacientes que
sobrevivam a um episódio de PBE.
Pacientes que sobrevivem a um episódio de PBE apresentam elevado
risco de recorrência (70% em um ano) e reduzida sobrevida (30 a 50% em
um ano). Dessa forma, pacientes cirróticos que se recuperaram do primeiro
episódio de PBE são candidatos a terapia profilática.(4,5,15)
É consenso que a profilaxia deve ser sempre realizada nos pacientes cir-
róticos com hemorragia digestiva e naqueles que já tiveram um episódio de
PBE. A droga de escolha elencada para a profilaxia foi o norfloxacino. No
entanto, em pacientes com cirrose avançada e hemorragia digestiva, a cef-
triaxona parece ser a droga mais indicada.(31)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 43


CAPÍTULO 2 - COMPLICAÇÕES DA HIPERTENSÃO PORTAL: MANUSEIO DA ASCITE E DA PERITONITE
BACTERIANA ESPONTÂNEA

Nos pacientes com proteínas baixas no líquido de ascite (inferior à 1 g/dL),


não havia consenso sobre realizar ou não a profilaxia.
O uso de antibióticos, de forma rotineira, nesses casos, poderia favorecer
o surgimento de resistência bacteriana. Quando foi avaliada a profilaxia com
norfloxacino em pacientes com níveis baixos de proteínas no líquido de as-
cite e hepatopatia grave (Child > 9; bilirrubinas > 3 mg/dL; creatinina ≥ 1,2
mg/dL; Na+ sérico ≤ 130 mEq/L), foi demonstrado uma menor incidência
de PBE, de síndrome hepatorrenal e uma maior sobrevida.(32) Metanálise de
três trials controlados e randomizados avaliou o papel da profilaxia nestes
casos e demonstrou uma menor chance de PBE e uma menor mortalidade
nesta população de doentes.(33)
Tanto o guideline da Associação Americana para o Estudo das Doenças
do Fígado (AASLD)(5) quanto o da Associação Europeia para o Estudo do
Fígado (EASL)(4) suportam a profilaxia nestas populações de pacientes.
Do que aqui foi exposto, entende-se ser fundamental um adequado trata-
mento dos pacientes com ascite, bem como daqueles com PBE, enaltecendo
aqui o papel das novas estratégias de antibioticoterapia, jamais negligen-
ciando a função renal destes pacientes.(34)

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 45


CAPÍTULO 2 - COMPLICAÇÕES DA HIPERTENSÃO PORTAL: MANUSEIO DA ASCITE E DA PERITONITE
BACTERIANA ESPONTÂNEA

46 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500003

Capítulo 3

Síndrome do Intestino Irritável:


abordagem e tratamento de acordo
com Roma IV
Carlos Fernando Francesconi
Maria Helena Itaqui Lopes

Introdução

N o mês de maio de 2016 foi tornada pública a nova versão da obra Distúrbios
Funcionais Gastrointestinais - Roma IV.(1,2) Como era esperado,
ela traz consigo alguns novos conceitos com relação a esse grupo de
enfermidades. Desde o início de sua elaboração, os seus editores já haviam
antecipado que a pesquisa nessa área do conhecimento necessariamente
levaria à renovação de conceitos, como consequência de pesquisas que
seriam produzidas no futuro.
O seu conceito original foi modificado ao se reconhecer que a palavra
“funcional” trazia consigo problemas de entendimento e compreensão
que levavam, de certa maneira, a uma estigmatização dos pacientes.
Ela foi substituída por “distúrbios resultantes das interações intestino-
cérebro”. Esta definição reconhece a relevância de uma combinação de
variáveis, como distúrbios da motilidade, hipersensibilidade visceral,
alterações da função imune e da mucosa, alterações da microbiota e do
processamento do sistema nervoso central na sua patogênese.

Distúrbios funcionais intestinais

Eles são definidos como o espectro de distúrbios intestinais crônicos


caracterizado pelo predomínio de sintomas e sinais de dor abdominal, estufamento
/empachamento, distensão abdominal e/ou alterações do padrão evacuatório

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 47


CAPÍTULO 3 - SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

(diarreia, constipação ou forma mista). Eles devem estar presentes por período
superior à 6 meses, em atividade clínica nos últimos 3 meses; com uma frequência
de sinais e/ou sintomas na média de pelo menos um dia/semana. Não podem
estar presentes manifestações clínicas com anormalidades fisiopatológicas ou
anatômicas óbvias, identificadas por exames diagnósticos de rotina.
Sua nova classificação é apresentada no quadro 1.

QUADRO 1. Classificação dos Distúrbios Funcionais Intestinais (Roma IV)


C1- Síndrome do Intestino Irritável
C2- Constipação Funcional
C3- Diarreia Funcional
C4- Estufamento (bloating*)/distensão funcional
C5- Distúrbios Funcionais Intestinais não específicos
C6- Constipação induzida por Opioides
*a palavra bloating não tem tradução estabelecida para o português. Neste texto, utilizar-se-ão as alternativas
estufamento, empachamento ou inchaço.

Uma nova entidade foi introduzida nesse grupo de enfermidades: cons-


tipação induzida por opioides. Isto deve-se ao reconhecimento de uma ma-
nifestação clínica crescentemente observada pelo aumento significativo de
analgésicos opioides na prática clínica e pelo mecanismo fisiopatológico que
envolve a ação desses produtos nos sistemas nervosos entérico e central.
A nova definição de Síndrome do Intestino Irritável (SII) é como se se-
gue: “dor abdominal recorrente, na média pelo menos um dia por semana
nos últimos 3 meses, associada à dois ou mais dos critérios abaixo:
1. relacionada à defecação;
2. associada à alteração da frequência das defecações;
3. associada à alteração no forma (aparência) das fezes”.
Com relação à definição anterior do Roma III, ocorreram as seguintes
modificações:
a. a palavra “desconforto” foi eliminada por ser pouco específica e levar
os médicos a diagnosticarem de maneira não consistente essa entidade.
Optou-se pela manifestação de dor, que deverá ser significativa para o pa-
ciente, interferindo nas suas atividades diárias e na sua qualidade de vida.

48 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Carlos Fernando Francesconi • Maria Helena Itaqui Lopes

b. alteração da frequência da dor abdominal: uma vez por dia / semana


e não três vezes por mês. Esta alteração foi o resultado de uma pes-
quisa de base populacional nos Estados Unidos, que mostrou ser esta
frequência mais apropriada como linha de corte da SII em relação à
população normal.(3)
c. a substituição de “melhora com evacuação” por “associada à
evacuação” foi consequência da observação de muitos médicos que,
em alguns pacientes com SII, a evacuação na realidade desencadeia
crises dolorosas e não necessariamente as alivia.
d. retirada da palavra “início” nos critérios 2 e 3 de Roma III. Isto se deve
ao fato que cronologicamente é muito difícil caracterizar o início dos
sintomas dos pacientes. A palavra “associada”, nesse sentido, se torna
mais lógica e próxima da realidade dos pacientes.

Abordagem diagnóstica

Em termos práticos, o primeiro aspecto a ser considerado é o reconhe-


cimento do paciente portador da síndrome. É relevante reconhecer que os
pacientes com distúrbios intestinais se apresentam dentro de um continuum
no qual existe uma grande variação dos sintomas que trazem os pacientes à
consulta. Em um determinado momento poderá existir um predomínio de
dor abdominal associada a uma alteração do padrão evacuatório, enquanto
em outro momento este mesmo paciente poderá negar a presença de dor
e referir uma outra manifestação evacuatória. O médico deverá focar sua
atenção no diagnóstico positivo da SII e atender à manifestação que ocorre
no momento mais relevante do paciente. Fatores de exacerbação (“gatilhos”)
deverão ser pesquisados: gastroenterite prévia, cirurgias, intolerâncias ali-
mentares, estresse crônico e episódio de diverticulite.
Deverão ser valorizados elementos de história (relevância de critérios
diagnósticos), exame físico (pesquisar sinais de alarme como massas abdominais,
alterações relevantes no toque retal e anuscopia, febre, emagrecimento
involuntário e sinais de anemia). Hematoquezia sem alterações proctológicas
que a explique deve ser considerada, igualmente, como manifestação de alarme.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 49


CAPÍTULO 3 - SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

Uma investigação laboratorial mínima com hemograma, Proteína C


Reativa (PCR) ou calprotectina, Exame Parasitológico de Fezes (EPF)
e coprocultura, se for justificado epidemiologicamente em pacientes com
Síndrome do Intestino Irritável- Diarreia (SII-D) ou Síndrome do Intestino
Irritável-Mista (SII-M), podem ser solicitados na consulta inicial.
A realização de colonoscopia ou outro método de imagem deve ser indi-
vidualizada em função do quadro clínico do paciente. Naquele em que diar-
reia é importante como manifestação clínica, principalmente se há suspeita
que o volume evacuatório é mais significativo (>300 ml/dia), ela deve ser
realizada para que se afaste o diagnóstico de doenças inflamatórias intesti-
nais ou colites microscópicas. Neste cenário pode ser igualmente relevante
excluir a possibilidade diagnóstica de doença celíaca. Nos pacientes com
Síndrome do Intestino Irritável-Constipação (SII-C), a realização de proce-
dimentos diagnósticos por imagem costuma ser menos relevante.
É necessária prudência na realização e utilização de testes laboratoriais que
avaliem deficiência de lactase. Com muita frequência existe superposição dos
dois diagnósticos (SII e intolerância à lactose). Vale ressaltar a mais recente de-
finição da última pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos como o
aparecimento de sintomas gastrointestinais após a ingestão de forma cega de uma
única dose de lactose, por um indivíduo portador de malabsorção de lactose, que
não são observados após a ingestão de um placebo indistinguível. Trata-se de um
conceito obviamente complexo, não factível de ser aplicado clinicamente, mas
que traduz, por outro lado, a dificuldade de atribuir unicamente à lactose os sinais
e sintomas que frequentemente estão presentes nos pacientes com SII (dor abdo-
minal, diarreia, estufamento/ empachamento, flatulência e distensão abdominal).(4)
Com muita frequência, os pacientes referem que os sintomas estão re-
lacionados à alimentação. Com mais frequência, os alimentos que devem
ser pesquisados são os lácteos, trigo, cafeína, frutas, vegetais, sucos, refri-
gerantes e goma de mascar. Permanece duvidosa a relação causal direta da
alimentação com a patogênese da SII (ver tratamento).
Nos casos mais graves, frequentemente se detectam sintomas associados,
como dispepsia, enxaqueca, fibromialgia, dispareunia, fadiga, cistite inters-
ticial, entre outros.

50 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Carlos Fernando Francesconi • Maria Helena Itaqui Lopes

Tratamento

Existem princípios gerais que são aplicados ao tratamento de todos os


pacientes com SII: o médico deve explicar a doença e apoiar o paciente com
relação à natureza benigna da enfermidade. Deve ser ressaltado o fato que a
sua cronicidade não implica em desenvolvimento de qualquer fator de risco
para doenças malignas.
Eles deverão ser educados a respeito da segurança e utilidade dos méto-
dos diagnósticos e das opções terapêuticas e, por fim, basear o tratamento no
tipo e severidade dos sintomas.
Agentes no tubo digestivo (ação periférica) são utilizados no controle do
hábito intestinal.
Quando a alteração predominante é diarreia, as melhores alternativas far-
macológicas são a loperamida e a eluxadolina. A primeira é um agonista μ
opioide que diminui o tempo de trânsito colônico, enquanto o segundo (ain-
da não disponível no Brasil) é um agonista μ e antagonista δ; ambos dimi-
nuem o tempo de trânsito colônico e aumentam a absorção iônica e de água.
A primeira não deve ser usada em doses fixas e na maioria das vezes o uso
de 1 mg (equivalente a meio comprimido) após cada evacuação diarreica é
suficiente. O risco de seu uso de forma inapropriada é o desenvolvimento de
constipação, dor e distensão abdominal.
No caso da constipação, é recomendada suplementação com fibras hi-
drossolúveis, nos casos menos graves. Laxantes devem ser prescritos, mas
infelizmente o único que foi objeto de estudos clínicos de boa qualidade
foi o polietilenoglicol. Os demais produtos disponíveis no Brasil não foram
objeto de ensaios clínicos. Produtos e dosagens deverão ser cuidadosamente
avaliados pelos prescritores.
Roma IV recomenda o uso de secretagogos que agem nos canais de cloro
do bordo em escova dos enterócitos, estimulando a secreção de água e ele-
trólitos. Os dois produtos disponíveis em outros países são a lubiprostona e
o linaclotide. Existem evidências que estes produtos funcionam modulando
a sensação dolorosa intestinal ao mesmo tempo que normalizam o hábito
intestinal dos pacientes.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 51


CAPÍTULO 3 - SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

Agentes sistêmicos que agem no metabolismo da serotonina podem ser


utilizados. Estão disponíveis no Brasil:
a. agonistas 5-HT4: tegaserode e prucaloprida. São produtos que agem
estimulando o trânsito colônico. O primeiro ainda está disponível no
Brasil e mostrou-se eficiente no tratamento da SII-C, mas foi retirado
do comércio nos Estados Unidos por possível associação com colite
isquêmica; o segundo não teve efeito benéfico demonstrado em pa-
cientes com SII-C.
b. antagonistas 5-HT3: alosetron e odansetron. Somente o segundo está
disponível no Brasil. Ele pode ser usado nas doses de 4 e 8 mg, depen-
dendo da intensidade da diarreia. Pode-se repetir até duas vezes por
dia, mas com muita atenção pelo risco de desenvolvimento de consti-
pação e fecaloma.
Outros agentes sistêmicos incluem os analgésicos antiespasmódicos e os
antidepressivos, apresentados a seguir:
a. antiespasmódicos. Apresentam tanto uma ação colinérgica como de re-
laxamento da musculatura lisa intestinal. Vários representantes deste
grupo de fármacos encontram-se disponíveis no Brasil.
b. antidepressivos: tricíclicos (amitriptilina e desipramina) e inibidores
seletivos da recaptação da serotonina podem ser utilizados. Os primei-
ros apresentam uma ação analgésica mais importante e, pelo fato de
apresentarem constipação como evento colateral mais frequente, têm
indicação preferencial na SII-D.
Moduladores do microbioma e imunológicos incluem os probióticos e
os pré-bióticos. Poucos estudos realizados indicam que os primeiros podem
ser úteis (incluindo Bifidobacterium infantis 35624 e Bifidobacterium lactis
DN- 173010). Faltam definir cepas específicas que devem ser prescritas neste
cenário e demonstraram benefícios principalmente nos pacientes com SII-C.
A rifaximina é um antibiótico não absorvível, não disponível no Brasil e que
se mostrou eficiente da SII-D.
A prescrição de exercícios pode beneficiar alguns pacientes com
SII. Recomendações dietéticas incluem a restrição de uso exagerado de
gorduras e lactose e a prescrição de fibras vegetais. Toda suplementação

52 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Carlos Fernando Francesconi • Maria Helena Itaqui Lopes

dietética não deve ser vista como uma panaceia para todos os sintomas.
Dietas FODMAPs (sigla para o inglês Fermentable Oligosaccharides,
Disaccharides, Monosaccharides and Polyols) e sem glúten podem ser
úteis para alguns pacientes com formas mais graves de SII. A primeira
não deverá ser prescrita por mais de 30 dias pelos profundos efeitos na
microbiota intestinal cujo potencial clínico é ainda desconhecido. Não está
esclarecido, até o momento, se o efeito destas intervenções é decorrente da
ação do glúten, de outras proteínas do trigo, de carboidratos de cadeia curta
altamente fermentáveis ou relacionados a um efeito nocebo destes produtos.
Quanto à Medicina alternativa/complementar, Roma IV engloba neste
grupo de intervenções terapias cognitivo-comportamentais, uso de ervas
(fitoterapia; principalmente utilizada na China), hipnoterapia, psicoterapia
psicodinâmica e terapia de relaxamento. Essas são alternativas pouco dispo-
níveis no Brasil e exigem profissionais experientes e familiarizados com as
diferentes técnicas. Para a hipnoterapia existem protocolos específicos para
SII e deve-se evitar o charlatanismo de pessoas não competentes.

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 53


CAPÍTULO 3 - SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

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DOI: 10.22288/978858718143500004

Capítulo 4

Doença hepática gordurosa não


alcoólica (DHGNA): tratamento

Rodrigo Vieira Costa Lima


Claudia Pinto Marques Souza de Oliveira

O tratamento da DHGNA tem como principal foco a modificação do estilo


de vida, sendo medida essencial em todas as fases da doença, tanto mais
efetiva quanto mais precocemente instituída. Como ainda não existe um trata-
mento específico padrão para a doença, frequentemente a abordagem se concen-
tra no controle dos fatores de risco, como obesidade e resistência insulínica.(1)
O objetivo final do tratamento, além da redução de mortalidade, é a ten-
tativa de reduzir a progressão da lesão hepática, principalmente para cirrose,
além da redução da incidência de carcinoma hepatocelular.(2)
A implementação de uma dieta pobre em lipídios e de baixo teor calórico,
assim como o incentivo à prática de atividade física, devem ser instituídos
para todos os pacientes. O principal objetivo consiste em perda ponderal e
melhora da composição corporal, com redução da massa gorda e aumento
proporcional de massa magra. A dieta do Mediterrâneo é um modelo que
pode ser seguido no ajuste da composição de macronutrientes da dieta.
O consumo de bebidas alcoólicas deve ser evitado, mas quantidades de
até 30 g para os homens e 20 g para as mulheres parecem ser seguras nos
pacientes com DHGNA.
A perda de peso é a medida mais eficaz de controle da doença. Alguns
parâmetros séricos que avaliam o metabolismo e o depósito de gordura no
fígado já podem melhorar com perda de até 5% do peso corporal, porém
apenas perdas ponderais, de pelo menos 7-10% do peso inicial, é que mos-
traram impacto na histologia da EHNA, com redução dos graus de esteatose
e inflamação, assim como redução dos níveis séricos das aminotransferases.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 55


CAPÍTULO 4 - DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA (DHGNA): TRATAMENTO

Algumas medicações, como o orlistate, podem ajudar na perda ponderal


e, dessa forma, ter efeito benéfico na evolução da doença. O mecanismo de
ação consiste em reduzir a absorção de gordura da dieta, podendo ser usado
na dose de 120 mg, até três vezes ao dia, junto às principais refeições. Ainda
não é conhecido se o orlistate poderia ter algum benefício clínico adicional
independente da perda ponderal nos pacientes com DHGNA.
Tanto os exercícios aeróbicos, como os treinos de resistência, parecem
ser efetivos no controle do depósito de gordura no fígado, porém a prática
regular e contínua é necessária para que consigamos atingir esse objetivo. A
capacidade do exercício físico em melhorar a atividade necroinflamatória no
fígado ainda não foi estabelecida.
O papel da dieta e do exercício físico não se limita à redução do depósito
de gordura nos hepatócitos, mas essa abordagem em conjunto também au-
menta a sensibilidade à insulina.
Pacientes portadores de DHGNA sem esteato-hepatite ou cirrose devem
ser tratados apenas com as modificações do estilo de vida, sendo a farmaco-
terapia desnecessária e não indicada.
Até o momento, nenhum tratamento, clínico ou cirúrgico, foi aprovado
para a esteato-hepatite não alcoólica,(3) porém existem várias alternativas, de
eficácia não completamente estabelecidas, que podem ser tentadas. Terapias
farmacológicas ou cirúrgicas tornam-se muitas vezes necessárias pela baixa
aderência às modificações no estilo de vida, que consiste na principal limita-
ção do tratamento não farmacológico.
Como não existem biomarcadores validados para avaliação de resposta
ao tratamento para EHNA, a realização de biopsia hepática torna-se neces-
sária com esse intuito. Além disso, os tratamentos farmacológicos somente
têm respaldo nos pacientes com EHNA confirmada histologicamente. Estes
fatos muitas vezes consistem em uma dificuldade, a mais, na prática clínica
na eleição dos pacientes candidatos ao tratamento e no seu seguimento.
Os principais pacientes candidatos ao tratamento farmacológico são aque-
les com doença mais avançada, com fibrose significativa na biopsia (maior
ou igual a fibrose grau 2 - F2), ou aqueles com doença menos avançada,
mas com fatores de risco para progressão da fibrose, como idade avançada

56 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Rodrigo Vieira Costa Lima • Claudia Pinto Marques Souza de Oliveira

(maiores de 50 anos), elevação persistente de transaminases, presença de diabe-


tes ou síndrome metabólica ou intensa atividade necroinflamatória na biopsia.
Os alvos da terapia medicamentosa, tanto das já existentes como das que
são objeto de muitas pesquisas, baseiam-se na patogênese da doença, com
foco na resistência insulínica, no estresse oxidativo e no processo inflamató-
rio, todos componentes essenciais para a evolução da esteatose simples para
esteato-hepatite e fibrose.
Dentre as drogas que tem propriedade antioxidante, a vitamina E está
entre as mais estudadas e utilizadas. Seu uso ganhou impulso após o estudo
PIVENS publicado no New England Journal of Medicine (NEJM) em 2010,
onde Sanyal et al. mostraram melhora do NAS com o uso de vitamina E.
A dose preconizada deve ser de 800 UI ao dia, porém seu uso deve ser
restrito aos pacientes não cirróticos e não diabéticos, pois ainda não existe
evidência, o suficiente, para indicarmos nos portadores de DM, nem nos
pacientes com fibrose avançada.(4)
Ainda não se conhece o tempo ideal de uso, porém sabe-se que o uso
prolongado de vitamina E deve ser evitado, pois foi observado aumento da
incidência de câncer de próstata em homens acima de cinquenta anos e da
incidência de acidente vascular cerebral (AVC) hemorrágico, além de um
aumento da mortalidade geral. Nos pacientes que antes do tratamento têm
enzimas hepáticas elevadas, a não redução dos seus níveis após seis meses
de uso pode ser utilizada como critério de suspensão.
O ácido obeticólico é derivado sintético do ácido quenodesoxicó-
lico, agonista natural do receptor nuclear farnesoide X (FXR). É uma
droga promissora para o tratamento da EHNA, com estudos de fase II
que já mostraram melhora histológica, com redução do NAS sem pio-
ra do grau de fibrose, além de redução nos níveis de aminotransferases.
Os principais efeitos colaterais com seu uso são prurido e elevação do
colesterol LDL (low-density lipoprotein). Entretanto, estudos de segui-
mento em longo prazo e melhor conhecimento sobre o perfil de seguran-
ça da droga são necessários para que passemos a utilizar essa medica-
ção na prática clínica diária.(5) Além disso, ainda não é comercialmente
disponível no Brasil.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 57


CAPÍTULO 4 - DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA (DHGNA): TRATAMENTO

A N-acetilcisteína (NAC) é um precursor de glutationa que leva à redu-


ção das espécies reativas de oxigênio com menor lesão aos hepatócitos pela
diminuição do estresse oxidativo. Alguns trabalhos usando NAC isolada-
mente ou em associação com outras drogas, como a metformina, mostraram
benefício na histologia hepática.(6)
As evidências atuais, entretanto, são insuficientes para recomendar ou
refutar seu uso. Diversas outras drogas com potenciais ações antioxidantes
e citoprotetoras já foram estudadas, como o ácido ursodesoxicólico e a pen-
toxifilina, com alguns trabalhos mostrando redução nos níveis séricos de
transaminases, mas nenhum demonstrando melhora histológica, sendo seu
uso, portanto, não indicado.
O uso das estatinas, ômega 3 e outras substâncias hipolipemiantes é per-
mitido nos pacientes com DHGNA e deve ser estimulado nos pacientes por-
tadores de dislipidemia. Até a presente data, entretanto, não há estudos que
mostrem benefício direto desses fármacos na EHNA.
A metformina atua inibindo a gliconeogênese hepática e reduzindo a ab-
sorção de glicose, o que leva a uma maior captação da glicose pelas células
musculares. Sua ação, portanto, diminui os níveis séricos de glicose pelo
aumento da sensibilidade à insulina.
Alguns trabalhos iniciais mostraram melhora bioquímica não susten-
tada quando usada para DHGNA, mas metanálise publicada no Hepato-
logy, em 2010, mostrou que a metformina não foi efetiva no controle da
EHNA, sem melhora histológica ou no nível das transaminases. Pode ser
utilizada como adjuvante naqueles pacientes portadores de diabetes ou
de glicemia de jejum alterada/intolerância à glicose, mas não na doença
hepática isolada.(7)
Contudo, alguns trabalhos e metanálises recentes têm demonstrado que
a metformina reduz a incidência de CHC, podendo ser associada à vitamina
E ou à glitazonas.
Outros agentes sensibilizadores de insulina são as tiazolidinedionas, sen-
do a pioglitazona o mais estudado na EHNA. A pioglitazona é um agonista
do receptor γ de peroxissomo proliferador-ativado (PPAR-γ), encontrado no
tecido adiposo, músculo esquelético e fígado.

58 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Rodrigo Vieira Costa Lima • Claudia Pinto Marques Souza de Oliveira

Quando ativados, esses receptores modulam a transcrição de genes que


alteram a sensibilização à insulina. Dessa forma, agem reduzindo a resistên-
cia à insulina na periferia, além de reduzir a produção de glicose pelo fígado.
O estudo PIVENS, já anteriormente citado, comparou o uso de pioglitazona
na dose de 30 mg ao dia, por dois anos, em pacientes não cirróticos e não
diabéticos com o placebo.
Como resultado, foi evidenciada melhora histológica, tanto na baloniza-
ção como na inflamação e esteatose, com diferença estatisticamente signifi-
cante, mas sem melhora no grau de fibrose hepática.
Efeitos colaterais relatados com o uso da droga em longo prazo são
ganho ponderal, aumento na incidência de fraturas e insuficiência cardíaca
congestiva. Em resumo, apesar de nenhuma recomendação forte poder ser
feita, a pioglitazona pode ser utilizada como alternativa, ou em associação à
vitamina E nos pacientes com EHNA, mas efeitos em longo prazo ainda são
desconhecidos e o tempo de tratamento seguro permanece obscuro.
Análogos da incretina, como a liraglutida, parecem ser terapias promisso-
ras. São agonistas do receptor GLP-1 (glucagonlike protein 1) que, quando
ativados, levam ao aumento da secreção de insulina, redução da secreção
inapropriada do glucagon, redução da velocidade de esvaziamento gástri-
co e consequente saciedade precoce. Dessa forma, está relacionado à perda
ponderal. O estudo LEAN, publicado no Lancet em 2016, mostrou melho-
ra bioquímica e histológica em pacientes que utilizaram liraglutida em um
seguimento de 48 semanas em comparação ao placebo. Novos estudos são
necessários para confirmação desse benefício.(8)
Os agonistas do PPAR alfa/delta, como o elafibranor, têm sido recente-
mente avaliados e estudos de fase II mostraram bons resultados na resolução
da EHNA, sem piora ou até com melhora do grau de fibrose. Estudos de fase
III estão em andamento e em breve esclarecerão o papel desses fármacos
como nova alternativa de tratamento.(9)
Para os grandes obesos, principalmente se portadores de diabetes melli-
tus e não respondedores às modificações de estilo de vida e à terapia farma-
cológica, a cirurgia bariátrica é uma opção de tratamento, sendo efetiva na
redução de progressão da doença, com excelentes perspectivas de melhora

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 59


CAPÍTULO 4 - DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA (DHGNA): TRATAMENTO

da atividade inflamatória, balonização e esteatose na biopsia, além de possi-


bilidade de regressão da fibrose, sendo este último objetivo raramente alcan-
çado com a terapia farmacológica.
Os pacientes que evoluem com doença hepática avançada, com cirrose
descompensada CHILD B ou C, devem ser listados para transplante, seguin-
do os mesmos critérios e indicações das demais etiologias. Apesar de um
maior risco cardiovascular em relação às outras etiologias no pós-transplan-
te, a taxa de disfunção de enxerto é menor e a sobrevida dos transplantados
por EHNA é semelhante aos transplantados por outros motivos.
A taxa de recorrência da cirrose por EHNA no pós-transplante é baixa na
maioria das casuísticas, girando em torno de 3%.

Prevenção e prognóstico

A principal medida para prevenção primária da DHGNA é a prevenção da


obesidade e do diabetes, visto que são os principais fatores de riscos associa-
dos à doença. A implementação de uma dieta saudável, pobre em gorduras sa-
turadas e carboidratos refinados e rica em frutas e verduras, associada à prática
regular de atividade física, são as principais medidas a serem adotadas.
O controle das comorbidades associadas à síndrome metabólica pode
prevenir a evolução para esteato-hepatite. A prevenção secundária, através
do rastreio de esteatose hepática nos pacientes de maior risco, principalmen-
te nos portadores de diabetes mellitus, pode levar à detecção e intervenção
precoce, melhorando o prognóstico da doença.
A DHGNA é uma doença de progressão lenta, levando muitos anos para a
evolução para cirrose hepática. Os fatores que determinam a evolução da estea-
tose para a esteato-hepatite e desta para cirrose, ainda não estão completamente
estabelecidos, porém sabe-se que provavelmente resultam da combinação de
uma predisposição genética associada à múltiplos fatores ambientais, princi-
palmente relacionados ao estilo de vida, que são potencialmente modificáveis.
A presença de hipertensão arterial não controlada, como já anteriormen-
te citado, dobra a velocidade de progressão para cirrose. Os pacientes por-
tadores de EHNA têm maior mortalidade geral que a média da população,

60 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Rodrigo Vieira Costa Lima • Claudia Pinto Marques Souza de Oliveira

porém um dado que chama a atenção é que portadores de EHNA morrem


mais de doenças cardiovasculares e câncer do que de complicações diretas da
doença hepática.
A prevalência e incidência de complicações cardiovasculares são maiores
nos pacientes portadores de EHNA e síndrome metabólica quando compara-
do com os pacientes portadores de síndrome metabólica sem EHNA, mos-
trando que a doença gordurosa do fígado parece ser fator de risco isolado
para doença cardiovascular. Isso justifica o fato de que todos os pacientes
portadores de DHGNA devem ser investigados e estratificados quanto ao
risco cardíaco para prevenção de eventos cardiovasculares.
A prevenção secundária de carcinoma hepatocelular no paciente portador de
cirrose por EHNA deve ser feita com ultrassonografia semestral da mesma for-
ma que para cirrose de outras etiologias. Os pacientes portadores de DHGNA,
porém sem cirrose, também apresentam risco aumentado de carcinoma hepato-
celular, porém a frequência de exames para rastreio ainda não está estabelecida.
A minoria dos pacientes com esteatose simples evolui para doença crô-
nica, mas cerca de 20% dos portadores de EHNA evoluem para cirrose. A
presença de fibrose é o principal fator prognóstico na EHNA, sendo pior
quanto maior for o grau de fibrose.
A DHGNA ainda se constitui em grande desafio na hepatologia, tanto do
ponto de vista do diagnóstico precoce e menos invasivo como, principal-
mente, no que diz respeito ao tratamento, que ainda é bastante limitado, face
à tamanha importância da enfermidade.

Referências

1. Schwenger KJP, Allard JP. Clinical approaches to non-alcoholic fatty liver disease. World J Gastroen-
terol. 2014;20(7):1712-23.
2. Association E, et al. EASL-EASD-EASO Clinical Practice Guidelines for the management of non alco-
holic fatty liver disease. J Hepatol 2016; 64: 1388-1402.
3. Ganesh S, Rustgi VK. Current Pharmacologic Therapy for Nonalcoholic Fatty Liver Disease. Clin Liver
Dis 2016;20(2):351-64.
4. Sanyal AJ, Chalasani N, Kowdley KV, McCullough A, Diehl AM, Bass NM, et al. Pioglitazone, vitamin
E, or placebo for nonalcoholic steatohepatitis. N Engl J Med 2010;362(18):1675-85.
5. Neuschwander-Tetri BA, Loomba R, Sanyal AJ, Lavine JE, Van Natta ML, Abdelmalek MF, et al.
Farnesoid X nuclear receptor ligand obeticholic acid for noncirrhotic, non-alcoholic steatohepatitis
(FLINT): A multicentre, randomised, placebocontrolled trial. Lancet 2015;385(9972):956-65.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 61


CAPÍTULO 4 - DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA (DHGNA): TRATAMENTO

6. de Oliveira CPMS, Stefano JT, De Siqueira ERF, Silva LS, de Campos Mazo DF, Lima VMR, et al.
Combination of N-acetylcysteine and metformin improves histological steatosis and fibrosis in pa-
tients with non-alcoholic steatohepatitis. Hepatol Res 2008;38(2):159-65.
7. Musso G, Gambino R, Cassader M, Pagano G. A meta-analysis of randomized trials for the treatment
of nonalcoholic fatty liver disease. Hepatology. 2010;52(1):79-104.
8. Armstrong MJ, Gaunt P, Aithal GP, Barton D, Hull D, Parker R, et al. Liraglutide safety and efficacy in
patients with non-alcoholic steatohepatitis (LEAN): A multicentre, double-blind, randomised, placebo-
-controlled phase 2 study. Lancet. 2016;387(10019):679-90.
9. Hossain N, Kanwar P, Mohanty SR. A Comprehensive Updated Review of Pharmaceutical and
Nonpharmaceutical Treatment for NAFLD. Gastroenterol Res Pract. 2016;2016: 7109270.

62 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500005

Capítulo 5

Anti-inflamatórios em longo prazo:


proteção gástrica sempre?

Décio Chinzon
Miriam Chinzon

A resposta direta para esta pergunta seria: depende do risco do paciente.


Este risco está relacionado, basicamente, à história clínica do paciente
e ao tipo e tempo de uso do anti-inflamatório (AINE).
Os AINES (incluindo o ácido acetilsalicílico-AAS), por sua ação
anti-inflamatória, analgésica e antipirética, estão entre as medicações mais
prescritas no mundo. De modo geral, são medicamentos seguros quando
corretamente prescritos pelo médico. No entanto, em razão da frequência
com que os AINES são utilizados, torna-se expressivo o percentual dos
efeitos colaterais no aparelho digestivo, daí o porquê do interesse cada vez
maior pela relação AINES/aparelho digestivo.
Estudos epidemiológicos sugerem que 15-40% de pacientes que utilizam
AINES apresentam algum tipo de sintoma digestivo, sendo que 10% desses
pacientes são obrigados a interromper o tratamento devido à severidade dos
sintomas. Além disso, o uso de AINES aumenta de duas a cinco vezes o risco do
desenvolvimento de úlcera gastroduodenal e suas complicações. A utilização de
AAS, mesmo em doses baixas, como às utilizadas na prevenção de fenômenos
tromboembólicos, aumenta o risco de hemorragia entre duas a quatro vezes,
sendo considerada a causa mais frequente de hemorragia digestiva alta.
Todo o tubo digestivo pode sofrer a ação lesiva dos AINES. A maioria
dos estudos da toxicidade dos AINEs no aparelho digestivo é direcionada
para a ação agressiva sobre o estômago e o duodeno. No entanto, o esôfa-
go, o delgado e o cólon são também locais das complicações decorrentes
do uso dos AINEs.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 63


CAPÍTULO 5 - ANTI-INFLAMATÓRIOS EM LONGO PRAZO: PROTEÇÃO GÁSTRICA SEMPRE?

Como referido, a história do paciente é fundamental na avaliação do


risco e, consequentemente, a necessidade que este indivíduo terá, ou
não, de utilizar medicamentos que possam proteger dos efeitos colaterais
destes medicamentos.
Um aspecto extremamente importante na história clínica deve ser observado
nesta avaliação. A presença ou não de sintomas NÃO é um parâmetro preditivo
da possibilidade de complicações com o uso destes medicamentos. Esta afir-
mação vem do resultado de alguns trabalhos que mostram que complicações
ocorrem frequentemente na ausência de sintomas. Isto pode ser observado no
quadro 1, onde entre 65 a 90% dos pacientes que faziam uso regular de AINE
eram assintomáticos por ocasião da ocorrência de complicações digestivas.

QUADRO 1. AINEs / AAS e Aparelho Digestivo

Complicações na ausência
de sintomas

Sintomático

N = 141 N = 1921

A B
Assintomático

A: Armstrong, Gut. 1987; 28: 527-532


B: Singh, Arch, Int. Med 1996; 156: 1530-1536

Como o quadro clínico não nos permite avaliar com segurança a neces-
sidade ou o risco de complicações, a resposta para isto veio dos estudos
epidemiológicos que nos possibilitaram identificar os fatores de risco que
determinam o potencial, de maior ou menor probabilidade de os indivíduos
desenvolverem lesões gastroduodenais secundárias ao uso de AINE.

64 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Décio Chinzon • Miriam Chinzon

Entre os fatores de risco, a idade é um dos mais importantes. Pacientes


com mais de 60 anos são mais sujeitos a complicações sérias como hemorra-
gia e perfuração, sendo justamente os maiores usuários desses medicamen-
tos. A mortalidade decorrente das complicações aumenta progressivamente
com o aumento de idade.
Outro importante fator de risco (provavelmente, o mais importante de to-
dos) é a história prévia de úlcera ou sangramento digestivo. Alguns estudos
demonstram que neste grupo a utilização de AINES/AAS resulta em risco de
complicação 14 a 17 vezes maior do que nos indivíduos que não usam AI-
NES/AAS. Várias observações comprovam o maior risco de complicações
decorrentes do uso de AINES nos indivíduos com antecedente de úlcera ou
de hemorragia digestiva alta.
O uso concomitante de corticosteroide e AINES resulta em maior possi-
bilidade de complicações que o uso isolado dos mesmos. Nos pacientes que
utilizam, associadamente, anticoagulantes e AINES, o risco de complicação
hemorrágica é 12 vezes maior (quadro 2).

QUADRO 2. Fatores de risco para complicações graves


em usuários de AINEs tradicionais
Risco relativo de complicação dos AINES (hemorragia, perfuração)
Identificação paciente de risco
Parâmetros Risco relativo
Idade > 60 anos 5,52
Associação com corticoide 4,40
Dose alta de AINES 3,90-8,0(1,5 a 3x)
Antecedente de úlcera prévia 4,76
Associação com anticoagulantes 12,70
H. pylori 2,74
Laine, L.Aliment Pharmacol Ther. 2010 Nov;32(10):1240-8.

Todos sabemos da relação entre a presença do H.pylori e o risco do de-


senvolvimento de úlcera gastroduodenal. Deste modo, é pertinente discutir
se existiria um incremento no risco de complicações GI nos pacientes que
utilizam AINE e são infectados por este micro-organismo.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 65


CAPÍTULO 5 - ANTI-INFLAMATÓRIOS EM LONGO PRAZO: PROTEÇÃO GÁSTRICA SEMPRE?

Metanálise realizada por Huang e cols, observou que o RR para úlce-


ra decorrente da infecção pelo Helicobacter, na ausência de AINEs, foi de
19,4. O risco de úlcera decorrente do uso de AINEs na ausência da infecção
pelo H. pylori foi de 18,1. No entanto, nos indivíduos infectados pela bacté-
ria em uso de AINEs, o risco calculado foi de 61,1; três vezes maior que nas
situações isoladas. O risco de úlcera hemorrágica é maior quando as cepas
eram CagA+ (quadro 3).

QUADRO 3. Relação entre uso de AINE e infecção pelo H.pylori


H. Pylori e AINE: Risco de úlcera e complicações
Risco relativo de úlcera Risco relativo de homorragia
H. pylori OR
AINE Negativo Positivo Só AINE 4,85
Não 0 19,4 Só H. pylori 1,79
Sim 18,1 61,1 AINES + H. pylori 6,13

Portanto: Comparado com não usuários de AINE H. pylori negativos, o risco de úlcera
em infectados que usam AINE é maior. O risco de hemorragia é aditivo.
Huang JQ, Sridhar,S, Hunt RH. Lancet 2002;359:14-2.

O segundo aspecto a ser avaliado é o tipo e o tempo de uso destes medica-


mentos. O risco intrínseco de lesão digestiva pelos AINEs está relacionado
à maior ou menor seletividade que apresentam em relação as isoformas da
COX-1 ou COX-2.
O uso dos inibidores da COX-2 está associado com um risco reduzido de
complicações do trato gastrintestinal superior, quando comparado com os
AINES não seletivos. Entre os AINES não seletivos, diclofenaco e ibuprofe-
no apresentam menor risco, mas os inibidores COX-2 e o diclofenaco estão
entre os AINES com maior risco de eventos cardiovasculares.
Por outro lado, o ibuprofeno pode interferir com o efeito anti-plaquetário
da aspirina. O naproxeno parece apresentar uma menor cardiotoxicidade,
outro fator que também deve ser avaliado na escolha do medicamento mais
adequado. O quadro 4 mostra os riscos de lesões com os diferentes AINEs.

66 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Décio Chinzon • Miriam Chinzon

QUADRO 4. Risco de complicações gastrointestinais com diferentes anti-inflamatórios


Gastropatia por AINEs/AAS
Risco de Complicações GI com diferentes AINES
AINEs VALOR MÉDIO DP VALOR MÍNIMO VALOR MÁXIMO
Ibuprofeno 1,0 0 1,0 1,0
Diclofenaco 2,3 0,5 2,0 3,0
Diflunisal 3,5 0,5 3,0 4,0
Fenoprofeno 3,5 1,2 2,0 5,0
Aspirina 4,8 0,5 4,0 5,0
Sulindaco 6,0 0 6,0 6,0
Naproxeno 7,0 0 7,0 7,0
Indometacina 8,0 0 8,0 8,0
Piroxicam 9,0 0 9,0 9,0
Cetoprofeno 10,3 0,5 10,0 11,0
Tolmetina 11,0 0,9 10,0 12,0
Azapropazona 11,7 0,5 11,0 12,0
Heny D, LA et al. Variability in risk of gastrointestinal complications with individual non-steroidal anti-inflammatory
drugs: results of a collaborative mata-analysis. Brit Med J 1996; 312:1563-6.

Cabe também um comentário sobre os COXIBs. Apesar de mais seguros


que os AINEs tradicionais, estes não estão isentos de provocarem úlcera e suas
complicações na população de risco. Chan e cols. estudaram pacientes com ante-
cedentes de úlcera hemorrágica, que após cicatrização da lesão receberam diaria-
mente celecoxibe 200 mg b.i.d. + placebo ou diclofenaco 75 mg b.i.d. + omepra-
zol 20 mg, durante 6 meses. A probabilidade de hemorragia no grupo celecoxibe
+ placebo foi de 4,9% e no grupo diclofenaco + omeprazol foi de 6,4%.
Vistos os aspectos relativos as populações, no qual é necessário proteger
o tubo digestivo continuamente dos efeitos adversos dos AINEs, vamos dis-
cutir agora qual(is) a(s) melhor(es) estratégia(s) para isto.
Em primeiro lugar, é necessário se avaliar a real necessidade do uso do
AINE. Não é infrequente a utilização destes medicamentos como analgési-
cos quando temos disponíveis outros medicamentos que poderiam ser utili-
zados para este fim. Deste modo, o uso judicioso dos AINEs, principalmente
nos pacientes de alto risco, é o primeiro passo para evitar as complicações.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 67


CAPÍTULO 5 - ANTI-INFLAMATÓRIOS EM LONGO PRAZO: PROTEÇÃO GÁSTRICA SEMPRE?

Procurar sempre a menor dose, o AINE menos agressivo ao trato GI, e


seu uso pelo menor tempo possível, também são medidas eficazes. Uso con-
comitante de mais de um anti-inflamatório ou com AAS deve ser evitado,
pois potencializa o risco de complicações.

Referências

1. Huang JQ, Sridhar,S, Hunt RH. Role of Helicobacter pylori infection and non-steroidal anti-inflammatory
drugs in peptic-ulcer diseases: a meta-analysis. Lancet 2002;359:14-22.
2. Laine L. Upper Gastrointestinal Bleeding Due to a Peptic Ulcer. N Engl J Med 2016;374(24):2367-76.
3. Yuan JQ, Tsoi KK, Yang M, Wang JY, Threapleton DE, Yang ZY, Zou B, Mao C, Tang JL, Chan FK.
Systematic review with network meta-analysis: comparative effectiveness and safety of strategies for
preventing NSAID-associated gastrointestinal toxicity. Aliment Pharmacol Ther 2016;43(12):1262-75.
4. Mo C, Sun G, Lu ML, Zhang L, Wang YZ, Sun X, Yang YS. Proton pump inhibitors in prevention of
low-dose aspirin-associated upper gastrointestinal injuries. World J Gastroenterol 2015;21(17): 5382-92.
5. Suthar SK, Sharma M. Recent developments in chimeric NSAIDs as safer anti-inflammatory agents.
Med Res Rev 2015;35(2):341-407.
6. Lim YJ, Hong SJ. Helicobacter pylori infection in nonsteroidal anti-inflammatory drug user. Korean J
Gastroenterol 2014;64(2):70-5.

68 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500006

Capítulo 6

Pancreatite aguda

Dulce Reis Guarita


Guilherme Eduardo Gonçalves Felga

A s pancreatites agudas (PA), um desafio para a prática clínica, têm como


indicadores de gravidade a idade > 55 anos, obesidade, presença de
derrame pleural ou de infiltrado pulmonar à internação, síndrome da respos-
ta inflamatória sistêmica, além de elevação de hematócrito, ureia e creatini-
na, pois sugerem complicações da perfusão pancreática.
Hematócrito > 44 à admissão e que não baixa nas primeiras 24 horas,
apesar da infusão de líquidos em grande quantidade, sugere a existência de
necrose pancreática.(1) A seguir, alguns dos pontos importantes para o conhe-
cimento das PA.

Classificação de Atlanta Revisada (2012)

O diagnóstico das pancreatites agudas (PA) se baseia na presença de dois dos


seguintes critérios: dor abdominal, dor de início abrupto e de forte intensidade,
persistente, epigástrica, irradiada ou não para a região dorsal, amilase sérica,
pelo menos três vezes o valor normal, e sinais de pancreatite aguda à TC, RM ou
ao US de abdômen.(2) Classificam-se, de acordo com a Classificação de Atlanta
revisada(2), em pancreatite edematosa intersticial, pancreatite necrotizante e ne-
crose pancreática infectada, e podem apresentar duas fases distintas:(2)
a) Inicial (até 7 dias): caracterizada por síndrome da resposta inflamatória
sistêmica (SIRS) e/ou por falência de órgão.
A SIRS se define pela presença de dois ou mais dos critérios observados
na tabela 1.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 69


CAPÍTULO 6 - PANCREATITE AGUDA

TABELA 1. Sinais de síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS)


Frequência cardíaca > 90 b/min
Temperatura < 36ºC ou > 38ºC
Leucócitos < 4.000 ou > 12.000/mm3
FR > 20/min ou PCO2 < 32 mm Hg
Banks, et al. 2013 (2)

Quando há persistência da SIRS, há maior risco de falência de órgão,


sendo esta definida por dois ou mais pontos para cada sistema (respiratório,
renal e cardiovascular) de acordo com o Sistema Marshall.(3)
Os fatores determinantes da gravidade da pancreatite aguda na fase ini-
cial são a presença e a duração da falência de órgão, ocorrendo “falência
transitória de órgão” quando a mesma se resolve em até 48 horas e “falência
persistente de órgão”, se durar mais do que isso.
b) Tardia (mais de 7 dias): caracterizada pela persistente falência de
órgão(s) e por complicações locais.
Ainda de acordo com a classificação de Atlanta revisada, constam no
quadro 1 os graus de gravidade para as PA.
Nesta revisão, procurou-se também distinguir coleções fluidas daquelas
originadas de necrose e com componente sólido (com ou sem fluido associa-
do), como observado no quadro 2.

QUADRO 1. Pancreatite aguda e gravidade


Pancreatite aguda leve
Sem falência de órgão
Com falência de órgão
Pancreatite aguda moderadamente grave
Falência de órgão que se resolve em 48 horas (falência transitória de órgão) e/ou
Complicações locais ou sistêmicas sem falência persistente de órgãos
Pancreatite aguda grave
Falência de órgão persistente (48 horas) - única ou múltipla
Banks, et al. 2013(2)

70 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Dulce Reis Guarita • Guilherme Eduardo Gonçalves Felga

QUADRO 2. Coleções pancreáticas e peripancreáticas


Coleção fluida aguda peripancreática
(acute peripancreatic fluid collection - APFC) pancreatite edematosa intersticial
Pseudocisto pancreático
pancreatite edematosa intersticial
complicação tardia (mais de 4 semanas)
Necrose pancreática
Coleção aguda necrótica (ANC) fase inicial
Walled-off necrosis (WON) encapsulada, mais de 4 semanas

Fatores etiológicos

No quadro 3 constam as causas mais comuns para as PA, bem como, ha-
bitualmente, se apresentam na prática clínica.(4)

QUADRO 3. Pancreatite aguda e fatores etiológicos


Etiologia
Litíase biliar Mais comum
Medicamentosa Supervalorizada
Hipertrigliceridemia Frequentemente não detectada
Pós-PCRE Mais evitável
Tumores Mais perigosa, se não detectada
Idiopática Mais controversa
Tenner, et al. Am J Gastroenterol, 2013(4)

Litíase biliar
A migração de cálculos biliares é causa de pancreatite aguda em cerca de
40% dos casos. O barro biliar é uma suspensão viscosa de bile na vesícula
biliar que pode conter cálculos pequenos ou microlitíase (< 3 mm) e a ultras-
sonografia, especialmente a endoscópica, permite sua identificação. A inci-
dência destes microcálculos em portadores de pancreatite aguda idiopática é
de aproximadamente 70%.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 71


CAPÍTULO 6 - PANCREATITE AGUDA

Álcool
Na literatura, o álcool é responsabilizado por 30% das pancreatites agu-
das. Estes pacientes já possuem, na maioria das vezes, evidências funcionais
ou morfológicas de pancreatite crônica, apresentando, na realidade, uma
pancreatite crônica agudizada.

Hipertrigliceridemia
Os pacientes apresentam geralmente soro lipêmico devido aos níveis de
triglicerídeos plasmáticos superiores à 1.000 mg/dl, havendo predomínio de
VLDL e de quilomicra. O mecanismo pelo qual a lesão pancreática ocorre
é pouco conhecido, decorrendo, possivelmente, da lesão direta das células
acinares pancreáticas por ácidos graxos livres.
A maioria dos adultos com pancreatite aguda por hipertrigliceridemia
tem hiperlipidemia tipo I, III, IV ou V (Classificação de Fredrickson).(5)
Deve ser lembrada a hiperlipidemia secundária à medicamentos (estrógenos,
tamoxifeno, inibidores de protease, corticoides, etc.), diabete, hipotireoidis-
mo e síndrome nefrótica.

Hipercalcemia
Trata-se de rara causa para pancreatite aguda, secundária à deposição ex-
cessiva de cálcio no ducto pancreático, com ativação prematura do tripsino-
gênio. Pode ocorrer em pacientes com hiperparatireoidismo, hipercalcemia
paraneoplásica, sarcoidose, toxicidade por vitamina D ou no intraoperatório
de cirurgias cardíacas, nas quais infundem-se altas doses de cálcio.

Drogas
Medicamentos são causa incomum para pancreatite aguda, respondendo
por aproximadamente 1,4% dos casos.(6) As principais drogas relacionadas
às pancreatites agudas encontram-se no quadro 4.

Infecções
Vários agentes infecciosos (quadro 5) são potenciais causadores(7) de
pancreatite aguda, mas a frequência com que isto ocorre é desconhecida.

72 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Dulce Reis Guarita • Guilherme Eduardo Gonçalves Felga

QUADRO 4. Drogas e pancreatite aguda


Droga e pancreatites aguda
Antirretrovirais: didanosina, pentamidina
Antimicrobianos: sulfonamidas, tetraciclinas
Diuréticos: furosemida, tiazídicos
Drogas usadas nas doenças inflamatórias intestinais: sulfassalazina,
mesalazina
Sabidamente
Imunossupressores e quimioterápicos: L-asparaginase, azatioprina, 6-MP,
associadas
corticoides, citarabina
Drogas neuropsiquiátricas: ácido valpróico

AINH: sulindaco, salicilatos


Outras: estrógenos, cálcio, opiáceos, antimoniais pentavalentes
Antirretrovirais: lamivudina
Antimicrobianos: rifampicina,
Provavelmente eritromicina
associadas AINH e acetaminofeno
Outras: octreotide, carbamazepina, inibidores da HMG-CoA redutase,
acetaminofen, interferon alfa-2b, enalapril, cisplatina, fenformina
Possivelmente Metildopa, metronidazol, clozapina e cimetidina
associadas

QUADRO 5. Agentes infecciosos como causa de pancreatite aguda


caxumba, coxsackie tipo B, hepatites B e C, citomegalovírus, varicela-zoster, HIV
Vírus
EBV, herpes simplex, rubéola, adenovírus, rotavírus
Yersinia enterocolitica, Yersinia pseudotuberculosis, Salmonella enteritidis,
Bactérias Salmonella typhimurium, Campylobacter jejuni, Mycoplasma pneumoniae,
Legionella pneumophyla, Mycobacterium tuberculosis, Leptospira
Fungos Aspergillus sp, Candida sp, Cryptococcus neoformans, Pneumocystis jirovecii
Parasitas Áscaris, clonorquíase, Toxoplasma gondii, criptosporídeo

Colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE)


A PA ocorre após 5% das CPRE diagnósticas e após 7% das CPRE
terapêuticas, e os principais fatores de risco para sua ocorrência são história
pregressa de pancreatite, sexo feminino, bilirrubinas séricas normais,
ausência de pancreatite crônica, canulação difícil, dilatação biliar por balão,
esfincterotomia, múltiplas injeções de contraste, e suspeita de disfunção do
esfíncter de Oddi.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 73


CAPÍTULO 6 - PANCREATITE AGUDA

A presença de neoplasias intraductais mucinosas (NIMPs) é também descrita


como fator de risco para a complicação, a utilização de AINEs por via retal para
evitá-la não trouxe os resultados favoráveis esperados, e o uso de “stents” pan-
creáticos permanece como único método capaz de prevenir a PA pós-CPRE.(8)

Tumores
Quaisquer tumores pancreáticos ou papilares, além das NIMPs, que difi-
cultem a drenagem do suco pancreático podem levar à PA, podendo ser esta
a primeira manifestação da neoplasia.

Outras causas
Quando o fator etiológico para a pancreatite aguda não for esclarecido,
deve ser investigada a presença de mutações nos genes CFTR (Cystic Fibro-
sis Transmembrane Conductance Regulator), relacionado à fibrose cística,
PRSS1 (Cationic Trypsinogen), relacionado à pancreatite crônica hereditá-
ria, SPINK1 (Serine Protease Inhibitor Kazal type 1), CTRC (Chymotrypsin
C gene) e CASR (Calcium-Sensing Recepting gene).(9)
Outro tipo de pancreatite é a auto-imune, rara doença fibro-inflamatória
do pâncreas, que, na grande maioria dos casos, apresenta boa resposta à te-
rapia com corticosteróides.(10)
É classificada em dois subtipos,(11) o primeiro com massas inflama-
tórias pancreáticas e irregularidades ductais nos exames de imagem,
acompanhadas de elevação de IgG4, com frequente associação com do-
enças auto-imunes, como cirrose biliar primária, síndrome de Sjögren e
colangite esclerosante.
O subtipo 2 é mais raro, limitando a doença ao pâncreas, com os níveis de
IgG4 normais. Apresenta-se, comumente, com icterícia obstrutiva e o princi-
pal diagnóstico diferencial deve ser feito com carcinoma cefálico do pâncreas.

Tratamento

A adequada hidratação venosa é crucial nas primeiras 12-24 horas e pre-


vine complicações sistêmicas, podendo a reposição volêmica com solução

74 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Dulce Reis Guarita • Guilherme Eduardo Gonçalves Felga

isotônica cristaloide ser iniciada com 250 a 500 ml/h, exceto se houver com-
prometimento cardiovascular e/ou renal associado.(4)

Analgesia
Dor abdominal é o sintoma predominante na maioria dos pacientes.(11-13)
A preocupação de que análogos da morfina aumentassem a pressão no es-
fíncter de Oddi, o que gerou preferência pela meperidina, não se confirmou
em estudos controlados.
O cloridrato de tramadol é uma alternativa, porém pode causar náuseas e
vômitos, muitas vezes já presentes nestes pacientes.

Terapia específica
Não há terapia comprovadamente eficaz para o tratamento da pancreatite
aguda. Assim, medicamentos antissecretores, como a somatostatina e seu
análogo, o octreotide, inibidores do fator de ativação plaquetária, o lexipa-
fant, e antiproteases como o gabexato, foram desapontadores em estudos
randomizados.
Não há evidências que justifiquem o uso de antioxidantes, como a
n-acetilcisteína, o selênio e a vitamina C, ou de probióticos. Corticosteroides
e inibidores do fator de necrose tumoral alfa são contraindicados pela alta
frequência de infecções bacterianas nos pacientes com pancreatite aguda.(14)

Dieta
Na pancreatite aguda leve, a alimentação oral (líquidos ou sólidos sem gordura
são indiferentes) pode ser reiniciada quando a náusea, vômitos e a dor cessam.(4)
Na pancreatite aguda grave, a recomendação é para a nutrição enteral.(4)
Ao contrário de proposta amplamente aceita, em amplo estudo controlado, a
nutrição enteral nasoentérica, iniciada precocemente (em 24 horas), compa-
rada à realimentação oral após 72 horas, não se mostrou capaz de reduzir o
índice de infecção e óbito.(12)
Tanto a via nasogástrica, quanto a nasojejunal, podem ser utilizadas, de-
vendo ser lembrado que o jejum leva à atrofia da mucosa entérica, à redução
da secreção de Imunoglobulina A (IgA), ao supercrescimento bacteriano e

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 75


CAPÍTULO 6 - PANCREATITE AGUDA

ao aumento da permeabilidade intestinal, propiciando o surgimento de trans-


locação e de infecções por organismos entéricos.(4,15)

Uso de Antibióticos
A alta morbimortalidade da pancreatite aguda grave deve-se, especial-
mente, às infecções pancreáticas e peripancreáticas, que ocorrem na segunda
ou na terceira semana de evolução em 40-70% dos pacientes com necrose
pancreática.(4,16)
O uso profilático de antibióticos reduziria a incidência de infecção e me-
lhoraria a evolução dos pacientes com área de necrose superior à 30%, mas
não há consenso na literatura sobre sua utilização.(17)
A escolha do antibiótico é empírica e baseia-se no fato de que a infecção
é polimicrobiana e causada, na maioria das vezes, por organismos oriundos
do trato gastrointestinal, que incluem Escherichia coli, Klebsiella sp, En-
terobacter sp, Proteus sp, Pseudomonas aeruginosa, Bacteroides sp, Clos-
tridium sp e enterococos; os carbapenêmicos, de amplo espectro e com boa
penetração no tecido pancreático, são a melhor opção.(16)
A infecção fúngica pode surgir com o uso prolongado de antibióticos,
sendo antifúngicos cada vez mais utilizados, apesar da necessidade de estu-
dos controlados adequados.
Nas PA graves com leucocitose e febre, devem ser realizadas culturas
com punção guiada por TC da área de necrose, sendo apropriada a terapia
antimicrobiana enquanto os resultados de tais exames são aguardados.(4)

Cirurgia
A necrose estéril é habitualmente manuseada clinicamente, porém, em
pacientes sintomáticos, com náuseas, vômitos ou persistência de dor abdo-
minal, a drenagem pode ser considerada, devendo ser postergada para a se-
gunda ou terceira semana, permitindo redução do processo inflamatório e
formação de estrutura encapsulante à volta da necrose.
Em necrose infectada, a drenagem percutânea por cateter como primeiro
passo, seguida de necrosectomia apenas se não houver melhora do paciente,
é hoje amplamente aceita.(4,12)

76 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Dulce Reis Guarita • Guilherme Eduardo Gonçalves Felga

Pseudocistos pancreáticos devem ser abordados por drenagem percutâ-


nea ou derivação cirúrgica quando sintomáticos. A colecistectomia está indi-
cada em todos os pacientes com pancreatite aguda de etiologia biliar, após a
resolução do processo inflamatório pancreático.(4)

Endoscopia
A colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) é recomenda-
da em pacientes com pancreatite aguda grave de etiologia biliar e que não
respondem ao tratamento clínico, em pacientes com colangite (até 24 horas)
ou com contraindicações para a colecistectomia, pacientes pós-colecistecto-
mia, nos quais não foi realizada exploração da via biliar no intraoperatório e
em pacientes com forte evidência de obstrução biliar persistente.(1,4)
A não ser que haja uma clara evidência de obstrução biliar, a utilização
rotineira da CPRE é desnecessária e aumenta o risco de complicações rela-
cionadas ao procedimento. Na maioria dos pacientes com pancreatite aguda
biliar, o cálculo migra, espontaneamente, para o duodeno.(4)

Referências

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2013;144:1272-1281.
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plex clinical outcome. Crit Care Med 1995;23:1638-1652.
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Acute Pancreatitis. Am J Gastroenterol 2013;108:1400-1415.
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12. Bruno MJ, Dutch Pancreatitis Study Group. Improving the outcome of acute pancreatitis. Dig Dis
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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 77


CAPÍTULO 6 - PANCREATITE AGUDA

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78 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500007

Capítulo 7

Tratamento da hepatite C -
atualização terapêutica

Edison Roberto Parise

N o Brasil, acredita-se que de 1,5 a 2 milhões de pessoas sejam portadoras


do vírus da hepatite C, mas somente 25% delas sabem de sua doença.
Até o ano passado, apenas 3 a 3,5% da população infectada havia sido curada
da hepatite.(1,2) Do segundo semestre de 2015 até julho de 2016, pouco mais de
20.000 pacientes receberam a nova geração de medicamentos de ação antiviral
direta (DAAs). Além da baixíssima toxicidade, excelente tolerabilidade e
o tempo mais curto de tratamento (a maioria com 12 semanas), impressiona
também a taxa de resposta ao tratamento (cura), que está em torno de 90% dos
casos. A despeito desse grande avanço, o número de pacientes tratados ainda é
muito pequeno para as necessidades do país. O elevado custo dos medicamentos
agora tornou-se o principal obstáculo para a massificação do tratamento.

Quem tratar

De acordo com o Protocolo Clínico de Diretrizes Terapêuticas do Mi-


nistério da Saúde (PCDT),(2) o tratamento será disponibilizado apenas para
portadores de hepatite C crônica com fibrose avançada (portadores dos graus
3 e 4 de fibrose, de acordo com a classificação Metavir) ou àqueles com bi-
ópsia hepática grau 2 com biopsia há mais de 3 anos. O tratamento também
pode ser priorizado, independentemente do grau de fibrose, nas seguintes
situações: coinfectados pelos vírus HIV, pacientes pré e pós-transplante de
órgãos sólidos e na presença de manifestações extra-hepáticas clinicamente
significativas associadas à hepatite C.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 79


CAPÍTULO 7 - TRATAMENTO DA HEPATITE C - ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA

Entretanto, para as Sociedades Médicas (SBH e SBI),(3) todos os indiví-


duos com hepatite C devem ser considerados candidatos em potencial ao
tratamento antiviral. A terapia poderá ser priorizada para os pacientes porta-
dores do vírus da hepatite C virgens de tratamento ou previamente tratados
que apresentem fibrose significativa (metavir ≥F2). Também devem ter prio-
rização, além daqueles citados no PCDT, pacientes com coinfecção HBV-
-HCV, pacientes do gênero feminino em idade fértil que desejem engravidar
e pacientes com alto risco de transmissão da doença, como hemodialisados,
profissionais de saúde, encarcerados, usuários de drogas intravenosas, ho-
mens que fazem sexo com homens, entre outros.

Combinações de Medicamentos Aprovados no Brasil

O interferon peguilado ainda pode ser utilizado junto com a ribavirina e


associado ao Sofosbuvir (400 mg), um análogo nucleotídeo inibidor de po-
limerase, por período de 12 semanas para praticamente todos os genótipos
virais, com boa tolerância e nível de resposta.(4) Tem sido utilizado especial-
mente no genótipo 3 cirrótico, para o qual poucas alternativas terapêuticas
estão disponíveis. O estudo de fase 3 BOSON(5) avaliou a segurança e eficá-
cia de PEG - IFN + RBV + sofosbuvir durante 12 semanas em comparação
a sofosbuvir + RBV durante 16 ou 24 semanas em pacientes infectados pelo
HCV genótipo 3 com e sem cirrose. Além de bem tolerado, o regime com in-
terferon foi o mais eficaz, com taxas de RVS (resposta virológica sustentada)
superiores a 90% nos não cirróticos e cirróticos virgens de tratamento e de
86% nos cirróticos experimentados (com tratamento prévio). Também pode
ser utilizado nos portadores de genótipos 1, 4, 5 e 6.
O interferon está obviamente contraindicado nos casos com descompen-
sação hepatocelular.
A associação de PEG e ribavirina com daclatasvir, um inibidor NS5A, foi
indicado no PCDT brasileiro, mas não pelas sociedades médicas.
Ribavirina (dose de acordo com peso) + Sofosbuvir (400 mg) - esse
esquema tem especial indicação para os casos de infecção pelo genótipo
2, principalmente aqueles sem cirrose.(6) Nos cirróticos experimentados,

80 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Edison Roberto Parise

esse esquema deveria ser prolongado para 16-24 semanas ou substituído pela
associação sofosbuvir com daclatasvir.(3)
Sofosbuvir (400 mg) + Simeprevir (150 mg) - análogo nucleotídeo inibi-
dor de polimerase associado a um inibidor de protease (NS3/4A). Nomes co-
merciais Sovaldi e Olysio, respectivamente, utilizados apenas no tratamento
do genótipo 1. Nos pacientes cirróticos, seu uso tem sido restrito aos classifi-
cados como Child A (cirróticos compensados). A associação com ribavirina
não parece aumentar sua potência.
O estudo mais amplo de vida real com essa associação foi realizada nos
EUA,(7) com taxas de sucesso em torno de 90% para o genótipo 1, sendo me-
nor nos pacientes com subtipo 1a que no subtipo 1b (86% x 95%) em função
da mutação Q80K, com prevalência significativa na população americana,
mas não no Brasil.
Nos pacientes com tratamento prévio com boceprevir ou telaprevir, cirró-
ticos, a RVS foi de apenas 79% dos casos.
Sofosbuvir (400 mg) + Daclatasvir (60 mg e 30 mg) - análogo nucle-
otídeo inibidor de polimerase associado a um inibidor de NS5A. Nomes
comerciais Sovaldi e Daklinza, respectivamente. Aplicação pangenotípica,
abrangendo cirróticos descompensados e sendo o tratamento de escolha na
coinfecção HCV-HIV, em que sua dose pode ser reduzida para 30 mg de
acordo com o esquema antirretroviral do paciente. A ribavirina (RBV) pare-
ce ter efeito potencializador da resposta do NS5A, além de proteger contra
o desenvolvimento de resistência ao antiviral, daí a sugestão de, nos casos
mais difíceis (cirróticos e experimentados previamente), se incluir a RBV
no esquema com daclatasvir, especialmente nos tratamentos com 12 sema-
nas de duração. No estudo de fase 3, denominado ALLY-1,(8) 60 pacientes
com cirrose avançada e 53 pacientes pós-transplante foram tratados com
essa associação com sofosbuvir, daclatasvir e ribavirina e se observou uma
excelente tolerância ao medicamento, além de taxas de resposta de acima de
90% para os pacientes classificados como Child A e B e de 56% para Child
C (mostrando a dificuldade de tratar esses pacientes).
Um estudo de vida real francês, HEPATHER,(9) com 409 pacientes (78% cir-
róticos e 75% com tratamento prévio) monoinfectados com HCV genótipo 1,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 81


CAPÍTULO 7 - TRATAMENTO DA HEPATITE C - ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA

encontrou taxas de resposta de 94% e 98% para pacientes tratados por 24


semanas, sem RBV ou com sua adição, respectivamente, mas apenas 77%
para aqueles tratados por 12 semanas sem ribavirina. Em nove pacientes tra-
tados por 12 semanas, onde a RBV foi adicionada, todos obtiveram RVS. O
estudo ALLY-3,(10) para portadores do genótipo 3, mostrou taxas de sucesso
terapêutico de 94% para associação Dacla + Sofo em não cirróticos e de ape-
nas 70% para cirróticos. Nos estudos de vida real, a adição de RBV parece
aumentar consideravelmente a resposta, embora a melhor opção pareça ser
a extensão do tratamento para 24 semanas; a despeito de ser a melhor opção
terapêutica para as Sociedades Médicas, no serviço público temos apenas
a opção de tratamento por 12 semanas com RBV. Outro ponto importante
do uso da ribavirina é a redução da resistência do vírus à medicação, pois a
mutação NS5A, ao contrário dos outros tipos de medicamento, costumam
perdurar por longo tempo no organismo.
Veruprevir com Ritonavir (150 mg e 100 mg) + ombitasvir (25 mg) e
dasabuvir (500 mg) (esquema 3D) - inibidor de NS5A, inibidor de pro-
tease NS3/4A e um inibidor de polimerase NS5B não-nucleotídeo. Nome
comercial Viekira-Pak. Está indicado para pacientes portadores de genótipo
1, exceto cirróticos descompensados, e deve ser usado juntamente com a
ribavirina no subtipo 1a e sem ribavirina no subtipo 1b. Esquema preferen-
cial para pacientes com insuficiência renal em regime de hemodiálise ou
com clearence de creatinina <30 ml/min/1,73 m2. Esse foi o esquema que
apresentou os estudos mais completos de registro, com índices de resposta
superior a 90%, mesmo nos portadores de cirrose hepática compensada, com
a exceção dos pacientes com subtipo 1a com resposta nula a tratamento pré-
vio, em que índices superiores a 90% só foram alcançados estendendo-se o
tratamento para 24 semanas.
Esse esquema, embora aprovado pela Anvisa, não é disponibilizado na
rede pública e, consequentemente, não consta do PCDT aprovado.
Para detalhamento de como tratar o paciente com hepatite C crônica, as
Sociedades de Hepatologia, Infectologia e a Federação Brasileira de Gas-
troenterologia disponibilizam em seus sites um aplicativo que pode ser bai-
xado em celulares e tablets. O programa TRAT-C (https://itunes.apple.com/

82 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Edison Roberto Parise

us/app/trat-c/id1093475076?mt=8), idealizado pelo Dr. Sergio Pessoa, é um


passo a passo que guia a decisão terapêutica de acordo com o PCDT do Mi-
nistério da Saúde. Já o consenso das Sociedades de Hepatologia e Infecto-
logia também pode ser obtido online (www.plugmed.com.br/sbi/recomenta-
coes-sbi-sbh-para-o-tratamento-da-hepatite-c.pdf.), mas apresenta posições
independentes das opções do PCDT.
Vários medicamentos podem ter interações com esses DAAs, podendo
ocasionar sérios efeitos adversos, como os antirretrovirais, antiarrítmicos,
remédios para enxaqueca etc. Para evitar esses problemas, todos medica-
mentos devem ser checados quanto a possíveis interações medicamentosas,
o que pode ser feito online através do site Liverpool HEP Interactions (www.
hep-druginteractions.org).

Resultados no Brasil

A Sociedade Brasileira de Hepatologia desde 2015 mantém sistema de


registro de casos de hepatite C tratados no Brasil com os novos DAAs e, no
último Congresso Brasileiro da especialidade em outubro do ano passado,
liberou os primeiros resultados da experiência brasileira de vida real (tabela 1).
Em 269 casos tratados, sendo a maioria portadores do genótipo 1, a taxa de
RVS com os novos medicamentos foi de 97% para não cirróticos e de 93%
para os pacientes com cirrose hepática. Para outubro desse ano, teremos uma
nova avaliação com dados mais completos para a análise dos resultados.
Medicamentos já aprovados no exterior, mas ainda não no Brasil (todos
com posologia de um único comprimido tomado em dose diária):
Ledipasvir/Sofosbuvir (400 mg) (Harvoni®) - combinação de um NS5A
com sofosbuvir, indicado para portadores de genótipo 1, 4, 5 e 6, compensa-
dos ou descompensados (deve ser usado associado a RBV). Mostrou exce-
lente eficácia para genótipo 1, com trabalhos demonstrando a possibilidade
de redução do tempo de tratamento para 8 semanas em pacientes virgens de
terapêutica, não cirróticos e com carga viral baixa
Grasoprevir + Elbasvir (Zepatier®) - combinação oral de um inibidor NS5A
(elbasvir) e um inibidor de protease NS3/4A de última geração (grazoprevir),

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 83


CAPÍTULO 7 - TRATAMENTO DA HEPATITE C - ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA

TABELA 1. Resumo das principais indicações terapêuticas dos novos agentes virais
disponíveis no Brasil, de acordo com o genótipo viral e estadiamento da doença
SBH/SBI
Genótipo Estadiamento PCDT

Sime + Sofo 12 sem


Sime + Sofo 12 sem
Não cirrótico Sofo + Dacla 12 sem
Sofo + Dacla 12 sem
Esquema 3D + RBV 12 sem

Sime + Sofo 12 sem§


Sime + Sofo 12 sem§
Cirrótico Sofo + Dacla ± RBV 12 sem
1 Sofo + Dacla 12 sem§
Esquema 3D + RBV 12 sem*

Descompensado
ou tratado com
Sofo + Dacla ± RBV 24 sem Sofo + Dacla ± RBV 24 sem
boceprevir ou
telaprevir

Sofo + RBV - 12 sem


Não cirrótico Sofo + RBV - 12 sem
*Dacla + Sofo - 12 sem
2
Sofo + RBV - 16-24 sem
Cirrótico Sofo + RBV - 12 sem
*Dacla + Sofo - 12 sem

PEG + RBV + Sofo 12 sem


Não cirrótico Dacla + Sofo - 12 sem
Dacla + Sofo - 12 sem
3
PEG + RBV + Sofo 12 sem
PEG + RBV + Sofo 12 sem
Cirrótico Dacla + Sofo 24 sem§
Dacla + Sofo - 12 sem
Dacla + Sofo + RBV 12 sem

Não cirrótico e Dacla + PEG + RBV 24 sem PEG + RBV + Sofo 12 sem
4
cirrótico Dacla + Sofo 12 sem Sofo + Dacla ± RBV 12 sem

Não cirrótico e PEG + RBV + Sofo 12 sem


5e6 -
cirrótico Sofo + Dacla ± RBV 12 sem

Sime = simeprevir, Sofo = Sofosbuvir, Dacla = daclatasvir, Esquema 3D = veruprevir com ritonavir +
ombitasvir + dasabuvir, PEG = interferon peguilado, RBV = ribavirina, * = nos cirróticos genótipo 1a cirróti-
cos e respondedores nulos a tratamento prévio tratar por 24 semanas
§ ribavirina opcional, + RBV indica utilização da ribavirina nos casos de cirrose ou no esquema 3D nos
pacientes com subtipo 1a

84 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Edison Roberto Parise

aprovado para tratamento dos genótipos 1 e 4, com taxas de sucesso acima


de 90%, incluindo boa tolerância em pacientes com insuficiência renal. Não
está indicado para cirróticos descompensados. Mutações pré-tratamento para
NS5A no genótipo 1a reduzem a resposta terapêutica e, nesses casos, o trata-
mento deve ser estendido por 16 semanas.
Sofosbuvir / Velpatasvir (Epclusa®) - combinação que inclui um novo
inibidor NS5A mais potente que o ledipasvir, principalmente para o
genótipo 3, sendo considerado pangenotípico e em apresentação de apenas
uma pílula ao dia, tomado por 12 semanas e associado à RBV nos casos de
cirrose descompensada.

Referências

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 85


CAPÍTULO 7 - TRATAMENTO DA HEPATITE C - ATUALIZAÇÃO TERAPÊUTICA

86 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500008

Capítulo 8

Doença diverticular dos cólons -


Tratamento em 2016

Eduardo Garcia Vilela


Célio Geraldo de Oliveira Gomes

Introdução

D iverticulose dos cólons é a alteração anatômica mais frequentemente


evidenciada em exames colonoscópicos. A partir do momento em que
ocorrem sintomas que podem estar associados à presença dos mesmos, a ter-
minologia que melhor se aplica a esta situação é doença diverticular (DD).
Estes sintomas expressam-se clinicamente sob forma de diverticulite
aguda complicada, ou não, e sob forma de manifestações menos compreen-
didas, nas quais se postula o efeito da hipersensibilidade visceral na ausência
de processo inflamatório identificável.
Nesta situação, a presença de sintomas abdominais persistentes atribuídos
ao divertículo, na ausência de colite macroscópica ou diverticulite,
caracteriza-se subtipo da DD, denominado de doença diverticular sintomática
não complicada. Aproximadamente 20% dos pacientes com diverticulose
tornam-se sintomáticos e destes, 10 a 15% evoluem com diverticulite.
O manejo destes pacientes tem como objetivo melhorar os sintomas,
prevenir sua recorrência e evitar o desenvolvimento de infecção e suas complicações.
Este capítulo abordará, portanto, este grupo de pacientes com doença diverticular.

Abordagem terapêutica

Enquanto é sabido que não há racional para prescrição de medicamentos


para o tratamento da diverticulose, pouco é conhecido sobre a melhor forma

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 87


CAPÍTULO 8 - DOENÇA DIVERTICULAR DOS CÓLONS - TRATAMENTO EM 2016

de abordar DD sintomática não complicada ou mesmo sobre como prevenir


diverticulite aguda.

Suplementação de fibras

O efeito terapêutico acerca da suplementação de fibras na dieta foi alvo


de inúmeros estudos, contudo, em sua maioria, de baixa qualidade e sujeito
a vários vieses, como evidenciado por revisão sistemática recente.(1) A partir
de 13 artigos que avaliaram o efeito da dieta rica em fibras na DD sintomá-
tica não complicada, apenas quatro preencheram critérios de inclusão, sendo
três sob forma de ensaio clínico e um sob forma de caso-controle.
No primeiro ensaio clínico, foi evidenciada redução significante da dor e
melhora de outros sintomas associados à doença. No segundo ensaio clínico, a
suplementação de fibras na dieta não resultou em atenuação do quadro de dor;
apenas proporcionou melhora no quadro de constipação. No terceiro, a admi-
nistração, especificamente de metilcelulose, resultou em melhora dos sintomas.
No estudo caso-controle, a dieta rica em fibras relacionou-se a menor
taxa de complicações, necessidade de cirurgia e ocorrência de dor abdomi-
nal. Diante destes achados, os autores da referida revisão concluíram que
faltam evidências de alta qualidade para utilização de fibras no tratamento
desta forma de DD e que a maioria das recomendações são baseadas em
níveis de evidência inferiores.
Não obstante, Crowe et al. publicaram estudo no qual foi avaliado o hábi-
to dietético de 47.033 homens e mulheres da Inglaterra e Escócia, e eviden-
ciaram risco menor de internação hospitalar por doença diverticular compli-
cada e não complicada em indivíduos que apresentavam hábitos dietéticos
vegetarianos.(2)
Em relação à orientação para se evitar ingestão de sementes, pipoca e
nozes, baseado na hipótese que tais substâncias poderiam eventualmente en-
trar, bloquear ou irritar o divertículo resultando em diverticulite, não existem
evidências que suportam esta teoria.(3)
Em síntese, apesar da falta de evidências de alta qualidade, vários con-
sensos recomendam dietas ricas em fibras, neste contexto.

88 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eduardo Garcia Vilela • Célio Geraldo de Oliveira Gomes

Antibióticos

Desde 1992, a rifaximina tem sido avaliada para tratamento da DD sin-


tomática não complicada, mas ainda não está disponível em nosso meio.
Trata-se de antimicrobiano muito pouco absorvido e de amplo espectro de
ação e biodisponibilidade no trato gastrointestinal.
Sua utilização com a finalidade de reduzir sintomas, quando acrescido
à suplementação de fibras, foi estudada por meio de metanálise que incluiu
quatro estudos prospectivos com mais de 1.600 pacientes, contudo, apenas
um era duplo-cego e controlado por placebo.(4)
O grupo de pacientes que fez uso da rifaximina 400 mg B.I.D. durante 7 dias,
por mês por 12 meses, apresentou diminuição na taxa de sintomas de 29% (IC
24,5-33,6%; p < 0,0001), quando comparado ao grupo que não a utilizou. O
número de pacientes tratados necessários para resposta (NNT) foi de três.
Estudo não intervencionista com 1.003 pacientes que utilizaram rifaximi-
na por 7 a 10 dias por mês, durante três meses, resultou em melhora signifi-
cativa de sintomas, tais como dor abdominal, diarreia e flatulência.(5)
No intuito de avaliar a eficácia da rifaximina e de outros antibióticos na
prevenção de episódios de diverticulite, duas revisões sistemáticas apresen-
taram resultados conflitantes.(6,7) Zullo et al. incluíram quatro estudos con-
trolados, sendo um duplo-cego e três abertos que administraram rifaximina
+ fibras ou fibras isoladamente.
O primeiro grupo apresentou taxa de primeiro episódio de diverticulite
aguda inferior ao segundo grupo (1,03 versus 2,75%).(6) Contudo, ao retratar
estes resultados em NNT, foi necessário abordar 58 pacientes com rifaxi-
mina associada à suplementação de fibras para que um não apresentasse tal
complicação.(6)
No segundo estudo, conduzido por Maconi et al., no qual foi caracteri-
zado, segundo os próprios autores, pela heterogeneidade no seu desenho e
combinação de tratamentos diferentes, concluiu-se que ocorreu melhora dos
sintomas, mas não houve eficácia na prevenção da diverticulite.(7)
Torna-se importante, pois, ressaltar a necessidade de análise crítica de
custo-efetividade antes de recomendar este tipo de conduta rotineiramente.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 89


CAPÍTULO 8 - DOENÇA DIVERTICULAR DOS CÓLONS - TRATAMENTO EM 2016

Mesalazina

Estudos abertos e, posteriormente, ensaios clínicos demonstraram possí-


vel efeito benéfico desta droga, neste contexto. Contudo, algumas pondera-
ções devem ser feitas. Em estudo conduzido por Kruis et al., realizado em 17
centros na Alemanha, a mesalazina foi mais eficaz na redução de sintomas
quando comparada ao placebo apenas na análise do grupo “per protocol”.(8)
No grupo “intention to treat” (ITT) este resultado não foi observado. Isto
significa que na análise do grupo constituído por todos os pacientes, isto é,
não apenas por aqueles que foram acompanhados até o final do estudo, não
houve diferença entre a mesalazina e o placebo.
Neste tipo de estudo de não inferioridade, a ausência de diferença estatís-
tica no grupo ITT enfraquece o resultado. Em revisão sistemática composta
por seis ensaios clínicos envolvendo 818 pacientes com DD e diverticulite
aguda não complicada, a mesalazina foi significativamente superior ao pla-
cebo na obtenção do alívio de sintomas, e o efeito da dose diária foi superior
ao tratamento cíclico.(9)
No entanto, os estudos incluídos apresentam limitações. Não havia estudo
randomizado controlado por placebo ou estudos randomizados tipo duplo-
-cegos, o que os caracterizavam como estudos de baixa qualidade segundo
escore de Jadad (escore de qualidade de Oxford). Além do mais, todos foram
realizados em um único país.
Concluindo, é possível que a mesalazina possa ter efeito benéfico na re-
dução de sintomas em pacientes com DD, mas faltam estudos randomiza-
dos, controlados por placebo, com técnica adequada de cegamento.
Uma segunda indicação da mesalazina seria seu uso na prevenção da
recorrência da diverticulite. Neste contexto, dois estudos randomizados con-
trolados por placebo, com técnica adequada de cegamento, demonstraram
que a mesalazina utilizada de modo contínuo, ou cíclico após primeiro epi-
sódio de diverticulite, não reduziu a probabilidade de novo episódio de di-
verticulite em 52 semanas e 24 meses, respectivamente.(10,11)
Contudo, os pacientes que a utilizaram, obtiveram maior taxa de redu-
ção de sintomas, incluindo dor abdominal. Mais recentemente, foi publicado

90 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eduardo Garcia Vilela • Célio Geraldo de Oliveira Gomes

ensaio clínico de fase 3, multicêntrico, que envolveu dois estudos randomi-


zados duplo-cegos controlados por placebo, compostos por 590 e 592 pa-
cientes (PREVENT 1 e 2), nos quais foi utilizada a mesalazina multi matrix
por um período de 104 semanas.(12) Ao final deste período, não foi observada
diferença entre os grupos em relação à diminuição da recorrência da diver-
ticulite. Portanto, segundo os autores, a mesalazina não deve ser utilizada
com este objetivo.

Probióticos

Vários estudos avaliaram a eficácia de probióticos na DD, contudo, em


sua maioria, o fizeram em associação com antibióticos ou mesalazina. An-
nibale et al. utilizou Lactobacillus paracasei isoladamente e Lamiki et al.,
Lactobacillus acidophilus associado ao Bifidobacterium spp sem outros me-
dicamentos, e documentaram eficácia na redução de sintomas.(13,14)
No primeiro, os resultados foram obtidos quando o probiótico foi admi-
nistrado, concomitantemente, à dieta rica em fibras durante 14 dias por mês,
durante seis meses em 34 pacientes.
No segundo, 46 pacientes receberam probióticos diariamente, também
durante seis meses, e preveniu-se a recorrência de sintomas, principalmente
no subgrupo no qual a constipação era o sintoma dominante. Mais recente-
mente, estudo multicêntrico randomizou 52 pacientes e demonstrou que o
grupo de pacientes tratado com Lactobacillus paracasei (n=30), durante seis
meses, associado à dieta rica em fibras, apresentou maior redução dos episó-
dios de dor abdominal prolongada quando comparado ao grupo que recebeu
apenas dieta rica em fibras.(15)
Há de se ressaltar, contudo, que além do pequeno número de pacien-
tes nos três estudos, existe heterogeneidade entre os mesmos, sobretu-
do no que diz respeito ao tipo de probiótico e a falta de padronização de
dose entre eles.
Em relação ao efeito dos probióticos na prevenção da diverticulite aguda,
estudos com pequeno número de pacientes e de baixa qualidade metodoló-
gica não permitem sua recomendação para esta indicação.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 91


CAPÍTULO 8 - DOENÇA DIVERTICULAR DOS CÓLONS - TRATAMENTO EM 2016

Conclusões

O tratamento da DD ainda é tema controverso na literatura. Boa parte


dos estudos sobre o assunto são heterogêneos, incluindo pequeno número
de pacientes e de resultados conflitantes. A dieta rica em fibras é reco-
mendada a todos os pacientes para o controle dos sintomas associados
à DD sintomática não complicada. A rifaximina e a mesalazina, por sua
vez, também parecem ter efeito benéfico no alívio dos sintomas, mas sua
recomendação rotineira na prática clínica ainda carece de estudos com re-
sultados contundentes.
Por outro lado, ambas não mostraram eficácia na prevenção do
primeiro episódio e na recorrência da diverticulite aguda. Da mesma
forma, os probióticos, embora tenham apresentado benefício no controle
dos sintomas em alguns estudos, ainda não têm o tipo e a dose ideal
bem definidos, e também não são recomendados para a prevenção da
diverticulite aguda.

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92 Federação Brasileira de Gastroenterologia


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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 93


CAPÍTULO 8 - DOENÇA DIVERTICULAR DOS CÓLONS - TRATAMENTO EM 2016

94 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500009

Capítulo 9

Acalásia: diagnóstico e tratamento

Eponina Maria de Oliveira Lemme

Introdução

A calásia é um distúrbio motor do esôfago da musculatura lisa,


caracterizado por relaxamento incompleto ou ausente do EEI e por
perda da peristalse do corpo do esôfago. Pode ser idiopática,(1) encontrada
nos paises europeus, América do Norte e também entre nós, e de natureza
chagásica, relacionada à infecção pelo Trypanosoma Cruzi, predominante
nos países onde a doença de Chagas é endêmica, entre os quais o Brasil.(2,3)

Epidemiologia

A acalásia idiopática é relativamente incomum, com incidência de


0,5-1 caso-novo por 100 mil habitantes ao ano e prevalência de 10 casos por
100 mil habitantes.(1)
A doença de Chagas é endêmica na America Latina e em torno de 8 mi-
lhões de indivíduos são cronicamente infectados.(3) A doença está em declí-
nio no Brasil, o que é atribuído à erradicação dos vetores por meio de campa-
nhas e ao desmatamento e urbanização de áreas endêmicas.(4) A prevalência
da acalásia idiopática no Brasil em geral é pouco conhecida. Grandes séries
provenientes do Rio de Janeiro(5,6) mostram franco predomínio da acalásia
idiopática sobre a chagásica naquela cidade (aproximadamente 3 para 1),
uma vez que o município não é área reconhecidamente infestada pelo vetor,
sendo os portadores desta última provenientes de áreas endêmicas.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 95


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Fisiopatologia/etiopatogenia

A desnervação esofagiana, caracterizada pela destruição do plexo


mientérico do esôfago é o substrato fisiopatológico da acalásia, seja cha-
gásica ou idiopática.(1) No esfincter esofagiano inferior, o relaxamento é
ausente ou incompleto (acalásia), com perda dos neurônios inibitórios do
plexo mioentérico que contêm os neurotransmissores óxido nítrico e pep-
tídeo intestinal vasoativo. Como a via excitatória colinérgica está preser-
vada e na ausência dos mecanismos inibidores, há aumento da pressão
basal do EEI.
A expressão da degeneração do plexo mioentérico nas acalásias idiopáti-
ca e chagásica apresenta diferenças.(7,8) Enquanto na idiopática, a desnerva-
ção parece ser predominantemente pré-ganglionar, com hipersensibilidade
do EEI à gastrina e aumento de sua pressão basal, na acalásia chagásica há
hipossensibilidade a este hormônio, com pressão do EEI menor do que na
acalásia idiopática, sugerindo anormalidades tanto nas vias inibitórias como
nas excitatórias.(7,8)
No corpo do esôfago ocorre perda da peristalse, que também não é
muito bem compreendida, possivelmente relacionada com a perda do
gradiente de latência ao longo do corpo esofagiano, processo também
mediado pelo óxido nítrico.(1) Com o passar do tempo, o esôfago vai
se dilatando, surgindo então o megaesôfago, que é uma alteração ana-
tômica decorrente de um distúrbio funcional. No Brasil, o termo me-
gaesôfago é utilizado por muitos como sinônimo da forma chagásica
da doença.
Evidências se acumulam em favor de uma resposta autoimune contra
neurônios, desencadeada por um fator infeccioso na acalásia idiopática as-
sociado a uma predisposição genética.(1)
Não se sabe ao certo como se processaria a destruição neuronal na doença
de Chagas, sendo classicamente aceito que, na sua forma crônica, a doença
possui patogenia autoimune, tendo sido demonstrado a presença de autoan-
ticorpos em indivíduos infectados que fariam reação cruzada com células do
hospedeiro.(9)

96 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eponina Maria de Oliveira Lemme

Diagnóstico

Quadro clínico
A maior parte dos portadores de acalásia idiopática está entre os 30 e 40
anos, embora seja encontrada em várias faixas etárias e com igual distribui-
ção em ambos os sexos(1) ou predomínio do sexo feminino.(6)
Na forma chagásica, predomina o sexo masculino, faixa etária uma déca-
da acima da idiopática.(3,5) Este fato foi confirmado recentemente por estudo
epidemiológico envolvendo um grande número de portadores de megaesô-
fago. A maioria dos pacientes se encontrava na faixa etária de 40-70 anos.(4)
A doença é crônica, duração de vários anos, tempo mediano em relação
ao seu início de 3,5 anos,(5,6) tendo os chagásicos maior tempo de doença.(6)
A disfagia é apresentada por 95-100% dos pacientes,(5,6) lentamente progressiva,
tanto para líquidos como para sólidos, em região retrosternal, porém alguns
pacientes a referem ao nível da fúrcula esternal (disfagia alta referida).
À medida que a doença avança, as regurgitações ocorrem com frequência (78%),
inicialmente alimentares, de material não digerido, às vezes surgindo horas
após as refeições, não raramente à noite, provocando tosse, engasgos, sensação
de sufocação. No início, o paciente regurgita material semelhante a “clara de
ôvo batida”, que corresponde à estase salivar e a secreções esofagianas.
A perda de peso, referida por 70-80% dos pacientes,(5,6) ocorre em geral
nas fases iniciais da doença, podendo ser importante principalmente nos jo-
vens. Na dependência da faixa etária, há necessidade de diagnóstico dife-
rencial com doença maligna, porém, na maior parte das vezes, o paciente
conserva o estado geral, havendo uma adaptação à disfagia. Também nas
fases iniciais da doença o paciente pode apresentar dor torácica (20-30%),
que se confunde com a dor anginosa devido a sua localização frequentemen-
te retrosternal irradiada para mandíbula.(6) Esta dor em geral surge esponta-
neamente e melhora com ingestão de líquidos ou com eructações frequentes,
podendo preceder por meses ou anos o surgimento da disfagia, e costuma
ceder quando esta domina o quadro clínico.
Alguns se queixam de pirose (30-40%), fenômeno de difícil interpretação
na acalásia, uma vez que a doença teoricamente não favoreceria o refluxo.(6)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 97


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

A sensação de queimação retrosternal é muitas vezes relatada pelos pacien-


tes, nas fases iniciais, em alguns também precedendo a disfagia, o que con-
funde e retarda o diagnóstico. Tosse noturna é apresentada por cerca de 20%
dos pacientes, por vezes sendo a queixa que leva o paciente ao médico, não
raramente acompanhada de infecção respiratória. Sialorreia é um sintoma
menos comum e nos chagásicos pode se fazer acompanhar de hipertrofia das
glândulas salivares, especialmente das parótidas. Soluços ou singultos, por
vezes em crises prolongadas, podem ser observados na fase inicial da esofa-
gopatia, durante a alimentação, acompanhando a disfagia.
Muitos pacientes referem constipação intestinal, atribuída à alimentação
inadequada, pobre em fibras, devido à disfagia e ajuste das consistências
alimentares à sua intensidade. Na acalásia chagásica, a constipação intensa
pode ser devida à associação com megacolon.(6) Os sintomas esofagianos em
pacientes com acalásias chagásica e idiopática têm prevalência semelhante,
porém a constipação intestinal é mais frequente nos chagásicos devido à
associação de megacolon.(6)

Definição de etiologia
Indivíduos naturais ou residentes em áreas sabidamente endêmicas e/ou
casa de pau a pique, são possivelmente portadores da forma chagásica.(3) A
etiologia da acalásia deve ser confirmada pelo emprego das reações soroló-
gicas, pois a sua negatividade aponta para o diagnóstico da forma idiopática.
Os testes sorológicos incluem a reação de fixação de complemento de
Machado e Guerreiro (90% de sensibilidade), a imunofluorescência para
Chagas, que apresenta menos falso-negativos, além do ELISA e hemaglu-
tinação indireta.(4) Em caso de epidemiologia clara com um teste negativo,
este deve ser repetido, ou introduzido outro, para exclusão de falso negativo.
Pelo menos três exames devem ser solicitados, em caso desta eventualidade.

Esofagografia convencional
O estudo radiológico é de fundamental importância no diagnóstico da
acalásia, sendo os achados de alta especificidade, quando correlacionados
com o estudo manométrico. Na maioria dos pacientes o diagnóstico é feito

98 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eponina Maria de Oliveira Lemme

ou suspeitado pela esofagografia convencional. Os achados sugestivos da


acalásia são retarde do meio de contraste, ausência de peristalse do órgão,
junção esofagogástrica afilada, conferindo o aspecto descrito como “rabo de
rato” ou “bico de pássaro” e os diferentes graus de dilatação esofagiana.(10)
Existem classificações de megaesôfago que são empregadas para definir o
grau de avanço da doença, sendo as mais empregadas a de Ferreira Santos(10)
(quadro 1) e a de Rezende.(11) A maioria dos pacientes se apresenta com me-
gaesôfago não avançado (graus I ou II), tanto na acalásia chagásica como na
idiopática.(4,6)

QUADRO 1. Classificação de Ferreira-Santos(10) (megaesôfago)


Grau I diâmetro < 4 cm, incoordenação, boa tonicidade
Grau II diâmetro entre 4 -7 cm
Grau III diâmetro > 7 cm
Grau IV diâmetro > 7 cm, com tortuosidade (dolicomegaesôfago)

Algumas vezes o diagnóstico da acalásia não é claro nas fases iniciais,


surgindo contrações terciárias ou alguma lentidão no trânsito da substância
baritada e a sua confirmação requer exame manométrico. Entretanto, é inco-
mum que paciente com acalásia apresente estudo radiológico inteiramente
normal. Entre os distúrbios motores do esôfago, a acalásia é o que apresenta
maior grau de acerto ao estudo radiológico, considerando-se o diagnóstico
manométrico como padrão ouro. Outros métodos de imagem, como a to-
mografia de tórax e a ressonância nuclear magnética, podem evidenciar um
grande megaesôfago, repleto de secreções.

Endoscopia digestiva alta (EDA)


A EDA é fundamental na exclusão de alteração orgânica e
eventualmente no diagnóstico de complicações da acalásia.(1) Nos dias
atuais, se inicia a avaliação de disfagia pelo método endoscópico e, em caso
de normalidade, o paciente deve ser submetido a esofagomanometria ou
estudo radiológico. Na acalásia a mucosa é normal e a passagem pela cárdia
é acompanhada de discreta ou moderada resistência. Grande resistência
ou impossibilidade na passagem do endoscópio deve sugerir estenose

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 99


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

ou etiologia maligna para a doença. É importante uma visão da cárdia em


retroflexão para exclusão de massa tumoral invadindo o esôfago. Em casos
suspeitos, não esclarecidos pela EDA, a ultrassonografia endoscópica pode
identificar mais precocemente um tumor maligno.(1) O achado de líquidos
ou resíduos alimentares no interior do esôfago deve sugerir o diagnóstico
de acalásia, e quando há progressão da doença, são encontrados dilatação
e /ou tortuosidade.
Existe também incidência de câncer do esôfago de 2-4%, assestado na
doença de longa duração. A mudança no padrão da disfagia, que se torna
rapidamente progressiva e com grande perda de peso, deve levar à suspeita,
sendo a EDA fundamental para a confirmação diagnóstica.(1)
Esofagite de estase e eventualmente a candidíase podem estar presentes
ao exame endoscópico, sendo importante neste último caso a realização de
raspado ou de biópsia para diagnóstico definitivo.

Esofagomanometria convencional (EM)


A EM é o padrão ouro para o diagnóstico da acalásia,(1) pois revela al-
terações características que não são demonstradas pelo estudo radiológico
nas fases iniciais da doença. Na maioria das vezes, a EM é confirmatória
de um diagnóstico francamente sugerido pela radiologia. Como a acalásia
é doença de musculatura lisa, os achados manométricos ocorrem nos 2/3
ou metade distal do órgão. Os mais importantes são: falta de relaxamento
ou relaxamento incompleto do EEI e aperistalse do corpo esofagiano. Por
vezes os relaxamentos são completos, porém de curta duração (<6 seg).
A perda da peristalse pode ser registrada como ausência de contrações ou
contrações simultâneas, em geral de baixa amplitude, algumas vezes de
caráter repetido.
Mais raramente, as contrações simultâneas atingem amplitude mais ele-
vada do que as habitualmente registradas, sendo esta entidade denominada
de acalásia vigorosa.(12) Estudos comparativos entre acalásia clássica e aca-
lásia vigorosa não mostraram diferenças entre o quadro clínico e achados ra-
diológicos,(13) havendo dúvidas na literatura quanto à utilidade de separação
deste subgrupo.

100 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eponina Maria de Oliveira Lemme

A média de pressão do esfincter inferior é maior em pacientes com acalásia


do que nos grupos controles assintomáticos.(14,15) Estudos comparativos entre
as acalásias chagásica e idiopática demonstram que, como grupo, a pressão de
repouso do EEI é maior na acalásia idiopática do que na chagásica.(14,16)
Os procedimentos empregados no tratamento da acalásia têm como obje-
tivo redução da pressão do EEI. O estudo manométrico após o tratamento é
frequentemente empregado no seguimento dos pacientes, tanto para avalia-
ção da resposta clínica como nas recidivas sintomáticas.

Manometria de alta resolução (MAR)


A MAR é método de alta tecnologia que emprega sonda dotada de inúme-
ros sensores de pressão (32-36), posicionados muito próximos um do outro,
de tal forma que o registro das pressões intraluminares se torna um contínuo
espacial ao longo de todo o esôfago. Os dados manométricos são exibidos
sob a forma de topograma colorido com o objetivo de evitar a superposição
de inúmeras linhas de traçado, facilitando a análise.
Na acalásia, a MAR permitiu categorizar os pacientes em três subtipos.(17)
Tipo I - acalásia com mínima pressurização (acalásia clássica); Tipo II - aca-
lásia com pressurização; Tipo III acalásia espástica. Quando foram compa-
radas variáveis clinicas e manométricas nos três subtipos, observou-se que a
acalásia tipo II responde melhor a qualquer tipo de tratamento (toxina botu-
línica, dilatação ou cirurgia) e a do tipo III é a que responde pior, enquanto
que na do tipo I os resultados são intermediários em relação aos anteriores.
Um estudo italiano avaliando 246 portadores de acalásia submetidos à
miotomia laparoscópica (Heller-Dor) demonstrou igualmente melhores re-
sultados nos pacientes do grupo II.(18) Isto sugere que a MAR possa repre-
sentar um avanço na avaliação de pacientes com acalásia, uma vez que sua
estratificação em subtipos permitiria predizer a eficácia do tratamento.
O valor prognóstico de parâmetros manométricos para definição de desempe-
nho do tratamento da acalásia não é específico da MAR. Cirurgiões brasileiros já
referiam piores resultados em pacientes com mais baixas amplitudes das contra-
ções simultâneas observadas à manometria convencional (<20 mmHg) quando
submetidos à miotomia de Heller, optando pela esofagectomia nestes casos.(19)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 101


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

Um estudo recente comparou as acalásias idiopática e chagásica à luz


dos achados da manometria de alta resolução: pressões mais elevadas foram
observadas no corpo esofagiano na acalásia idiopática, as pressões basal e
residual do EEI foram menores na acalásia chagásica e não houve diferen-
ças em relação ao esfincter superior. Os autores sugerem que as diferenças
encontradas poderiam ser atribuídas ao grau de dilatação esofagiana, mais
acentuado em pacientes com acalásia chagásica.(20)

Avanços em pesquisa

Ultrassonografia intraluminal de alta frequência (USIAF)


A USIAF é um método que permite avaliação de espessura da parede esofá-
gica, podendo ser acoplada ao registro manométrico simultâneo. Nos diferentes
distúrbios motores esofagianos de definição conhecida, tem sido encontrado
espessamento da musculatura esofagiana, registrado tanto na camada circular
como na longitudinal. Este espessamento na acalásia é maior do que o obser-
vado nos demais distúrbios motores.(21) Um estudo empregando USIAF em pa-
cientes com acalásia idiopática, acalásia chagásica, esofagopatia chagásica e
controles assintomáticos, demonstrou que nos três grupos de pacientes existe
espessamento da camada muscular, registrada no esfíncter inferior e no corpo
esofagiano distal. Este espessamento é maior na acalásia idiopática do que na
acalásia chagásica e o de ambas é maior do que o encontrado em pacientes com
a esofagopatia chagásica.(22) Esta técnica tem se mostrado bastante promissora
em pesquisa, com possibilidades potenciais de aplicação na prática clínica.

Tratamento da acalásia

As opções de tratamento atuam no EEI, reduzindo sua pressão com o ob-


jetivo de melhorar o esvaziamento esofágico pela gravidade. Não há evidên-
cias de que a etiologia idiopática ou chagásica tenha influência nas respostas
às diferentes formas de tratamento empregadas.(6,8) A escolha do tratamento é
influenciada pela idade, gravidade do quadro clínico, disponibilidade e grau
de experiência locais, comorbidades e preferência do paciente.

102 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eponina Maria de Oliveira Lemme

Drogas

Nitratos, antagonistas dos canais de cálcio


Os nitratos, os antagonistas dos canais do cálcio e, mais recentemente,
o sildenafil, um inibidor de fosfodiestarase, são as drogas mais comumente
empregadas no tratamento clínico. Os nitratos aumentam a concentração de
óxido nítrico nas células musculares lisas, resultando em relaxamento. Admi-
nistrados por via sub-lingual, os nitratos reduzem a pressão do EEI dentro de
15 minutos e seus efeitos persistem por até 90 minutos. Os antagonistas do
canal de cálcio, como, por exemplo, a nifedipina, também inibem a muscula-
tura lisa e agem 30 minutos após sua administração sublingual na redução da
pressão do esfincter inferior. A melhora dos sintomas com o uso destas drogas
ocorre entre 53-83% dos pacientes com os nitratos e entre 53-70% com os
antagonistas de canal de cálcio no curto prazo.(1,23) Entretanto, seus efeitos co-
laterais, como cefaleia, tonteiras e edema de membros inferiores, muitas vezes
limitam seu uso, havendo também taquifilaxia a longo prazo. A mais frequente
indicação para o tratamento com medicamentos é como ponte para o tratamen-
to definitivo, permitindo melhora da disfagia e do estado nutricional. Outras
indicações seriam: falha de outros procedimentos antes de indicar novamente
(preditor de resposta) e pacientes com alto risco de procedimentos invasivos.

Toxina botulínica
A toxina botulínica (ToxBo) inibe a estimulação do EEI pela acetilcolina
e tem sido usada em injeções locais por via endoscópica, com redução dos
sintomas do paciente, da pressão do EEI e do diâmetro esofagiano. A dose
usual é de 20-25 U injetada em cada um dos quatro quadrantes da região do
esfincter inferior. Boa resposta sintomática em 6 meses foi observada em
55% de 147 pacientes de vários centros submetidos a única dose de Tox-
Bo,(24) porém resposta sustentada em dois anos ocorreu em apenas 24% dos
87 pacientes acompanhados. Portanto, os efeitos de uma única dose têm
duração limitada, embora repetidas injeções possam ser realizadas, sem pre-
juízo da resposta. Os melhores candidatos à ToxBo seriam pacientes ido-
sos, com associações mórbidas, uma vez que o procedimento é praticamente

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 103


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

isento de efeitos adversos e nas falhas de tratamento cirúrgico ou dilatador


em pacientes com alto risco. Não são conhecidos os efeitos de aplicações se-
riadas, havendo questionamento de que a fibrose produzida por várias apli-
cações poderia dificultar uma miotomia posterior.
A experiência com a ToxBo na acalásia chagásica demonstra que, no cur-
to prazo, as respostas são melhores do que as observadas com emprego de
placebo. Houve 58% de respondedores, os resultados parecendo similares
aos da acalásia idiopática.(25)
A principal limitação da ToxBo é, portanto, sua eficácia limitada ao curto
prazo, com necessidade de injeções posteriores.

Dilatação pneumática da cárdia (DPC)


A DPC é o tratamento conservador definitivo mais frequentemente em-
pregado para o tratamento da acalásia. Tem por objetivo romper as fibras
musculares do EEI, reduzindo sua pressão e, portanto, a obstrução funcio-
nal do esôfago. A consequência é a melhora do esvaziamento esofagiano e,
por conseguinte, da disfagia. Há vários tipos de dilatadores pneumáticos,
os mais antigos necessitando posicionamento por meio de fluoroscopia (ex.
balão de Mosher). As técnicas de DPC são bastante variadas, não existindo
uniformidade a respeito da pressão empregada, do tempo de insuflação do
balão e do número de dilatações feitas em cada sessão, os diferentes serviços
seguindo suas próprias normas quanto ao procedimento.
Dois dilatadores têm sido mais frequentemente empregados nas últimas
décadas: o dilatador de Witzel e, mais recentemente, Rigiflex. No primeiro,
o balão é de poliuretano, sendo posicionado na junção esofagogástrica (JEG)
com auxílio do endoscópio, sem necessidade de radioscopia. O dilatador
Rigiflex tem balão de polietileno na extremidade distal, de 10 cm de compri-
mento, fio condutor metálico e é disponível em tamanhos de 3, 3,5 e 4 cm.
A vantagem deste último é a sua baixa complacência, ou seja, o diâmetro
programado é atingido com a insuflação. A tentativa de exceder este diâme-
tro resulta em ruptura do balão. Os resultados da dilatação com estes dilata-
dores foram avaliados por recente metanálise(26) de 15 estudos envolvendo
1.065 pacientes. Respostas excelentes e boas foram encontradas em 74%,

104 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eponina Maria de Oliveira Lemme

em até 6 meses, caindo para 58% em seguimento médio acima de 3 anos.


Houve uma taxa média de perfuração de 1,6%, novas DPCs foram necessá-
rias em 25% e miotomia posterior em 5%.
No Brasil, é grande a experiência com a dilatação forçada da cárdia, de-
vido ao grande número de casos de acalásia chagásica. Esper et al.(27) obtive-
ram melhora clínica em 80% de 280 pacientes acompanhados após um pe-
ríodo médio de 7 anos, sendo que apenas 10% necessitaram nova dilatação.
No Rio de Janeiro, experiência inicial de DPC em acalásia, em sua gran-
de maioria idiopática, inclui dois estudos retrospectivos. No primeiro,(6) 132
pacientes foram submetidos a 175 DPCs com balões de Mosher e Witzel.
Destes, 85 tiveram a resposta clínica avaliada por período entre 1-15 anos.
Em análise estratificada a cada 5 anos, demonstrou-se a deterioração da res-
posta à DPC com o passar do tempo, sendo os resultados excelentes ou bons
em 46% dos pacientes em período médio de 3 anos. Não houve diferenças
entre os resultados obtidos nas acalásias chagásica ou idiopática.
O segundo,(28) que empregou o balão Rigiflex, analisou 125 DPCs, com
seguimento de 85 pacientes. Observou-se que em até 1 ano, 80% apresenta-
vam bons resultados, caindo para 60% entre 1-5 anos.
Das complicações da DPC, a mais temida é a perfuração esofagiana, o
que ocorre em torno de 2-6% dos pacientes, sendo de 1,6% em metanálise26
e de 4%, em experiência de nosso Serviço.(6,28)
O número de dilatações a que cada paciente é submetido também é objeto
de controvérsia. Há quem realize 2-3 dilatações em sessões diferentes ou 1-3
em mesma sessão.(6,28,29,30) Neste último caso, emprega-se balões de diâmetro
progressivo e observa-se o grau de laceração, o que ditará a progressão. O
procedimento pode ser realizado uma segunda vez, na falta de resposta à
primeira, e uma terceira vez, apenas em casos especiais.

Tratamento cirúrgico
O tratamento cirúrgico da acalásia pode ser feito por meio de cirurgias
conservadoras ou cirurgias de ressecção. A cirurgia conservadora mais em-
pregada é a miotomia de Heller, usualmente acompanhada de um proce-
dimento antirrefluxo parcial. Até há alguns anos, o procedimento era feito

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 105


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

por via laparotômica, porém mais recentemente tem sido realizado por via
laparoscópica. Os resultados deste procedimento são muitos bons. Na recen-
te revisão sistemática de 39 publicações, incluindo quase 3.100 pacientes,(26)
bons resultados com a miotomia de Heller laparoscópica (MHLap) foram
encontrados em 89,3% dos pacientes, com média de seguimento de 35 me-
ses. A principal complicação da miotomia de Heller foi o refluxo gastroeso-
fágico, ocorrendo em 18%.(26)
As ressecções esofagianas são habitualmente indicadas quando há falha
do tratamento cirúrgico inicial e raramente como primeiro tratamento no
megaesôfago muito avançado.

Dilatar ou operar?
Nos últimos anos, os resultados da MHLap têm sido comparados com os
da DPC.
A revisão sistemática de Campos et al.(26) comparou a eficácia da MHLap
(3.086 pacientes) e da DPC (balões de Witzel e Rigiflex, 1.065 pacientes).
Foram demonstrados melhores resultados nos pacientes tratados com MHLap
em relação aos submetidos a DPC, aos 12 meses (89,3% X 68,2%) e após 3
anos (89,3% X 56,3%). Outro estudo retrospectivo comparou os resultados
da DPC empregando o balão Rigiflex (106 pacientes) com a cirurgia de Hel-
ler laparoscópica (75 pacientes).(30) No curto prazo (6 meses), bons resultados
foram encontrados em 90% dos pacientes de ambos os grupos. Após 6 anos,
bons resultados foram observados em 44% dos pacientes que haviam sido
submetidos à DPC e em 57% dos tratados cirurgicamente, porém as diferen-
ças não foram significativas. Isto confirma a observação clínica de que, com o
tempo, há deterioração nos bons resultados de ambos os tipos de tratamento.
Experiência europeia envolvendo vários serviços comparou de maneira
prospectiva a DPC por Rigiflex com a cirurgia de dor laparoscópica. Foram
201 pacientes com acalásia, 95 submetidos à DPC e 106 à cirurgia. Após 2
anos de seguimento, as taxas de sucesso foram de 86% e 90% respectiva-
mente. Perfuração foi observada em 4% com a DPC e lesão da mucosa em
12% durante a cirurgia. Refluxo por pHmetria foi encontrado em 15% e 23%
após os procedimentos, respectivamente.(31)

106 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Eponina Maria de Oliveira Lemme

Mais recentemente, um ensaio clínico brasileiro de 5 anos de duração


randomizou 92 pacientes com acalásia (sem tratamento prévio) para trata-
mento por DPC com Rigiflex ou miotomia de Heller com fundoplicatura
(HFp). Respostas satisfatórias foram semelhantes nos dois procedimentos
(HFp 84%, DPC 73% p<0,05) na avaliação precoce (3 meses). Os dois mé-
todos apresentaram queda nos resultados de forma semelhante no período de
dois anos (54% x 60%, respectivamente, p>0,05). A taxa de refluxo deter-
minada à pHmetria foi significativamente maior com a DPC do que com a
HFp, demonstrando possivelmente a importância da fundoplicatura no pro-
cedimento.(32)
Metanálise recente(33) demonstrou maior durabilidade nos bons resulta-
dos da MHlap do que na DPC. Incluindo 36 estudos com 3.211 pacientes
no grupo DPC e 1.526 no grupo MHLap, foi observado taxa de remissão
de sintomas com a DPC de 51,9% aos 5 anos e 47,9% após 10 anos. Com a
MHLap, as taxas foram de 76,1% e 79,6% respectivamente.
Não existe consenso a respeito de qual o método de tratamento definitivo
da acalásia deva ser o de primeira escolha. O melhor método certamente é
aquele com o qual o Serviço em questão tem melhor experiência. A conduta
atualmente mais aceita é a indicação de DPC para pacientes acima de 40 anos,
que apresentam os melhores resultados, e a miotomia laparoscópica como pri-
meira opção nos jovens, pelos seus resultados mais duradouros.(1,23,32,33)

Miotomia endoscópica per-oral (MEPO)


A MEPO é um novo método de tratamento da acalásia que foi desen-
volvido em modelo porcino e subsequentemente em humanos, por Inoue et
al.(34) Consiste em atingir a camada muscular circular do esôfago por meio
de um túnel criado com auxilio do endoscópio, após uma pequena abertura
feita na mucosa, complementada com miotomia próxima à junção esofago
gástrica. A técnica é sofisticada, demanda curva de aprendizado e deve ser
realizada apenas por profissionais experientes. Um estudo avaliando os re-
sultados de uma série de 100 pacientes consecutivos, 75 deles com o diag-
nóstico de acalásia, demonstrou que houve alívio completo da disfagia em
98% dos pacientes em 6-12 meses de acompanhamento.(35)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 107


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

A média de tempo de duração do procedimento foi de 128 minutos e a de


permanência no hospital foi de um dia. A taxa de refluxo por pHmetria foi de
38% nos 68 que realizaram o exame. Os autores concluiram que, a despeito
desta alta taxa de refluxo, o alívio da disfagia foi conseguido com aceitável
morbidade do procedimento.
Outro estudo comparou a eficácia da MEPO com a MHLap e DPC na me-
lhora da função esofagiana, a qual foi objetivamente avaliada pela técnica de
esofagografia temporizada (“timed barium”) e por MAR. Foram incluídos
200 pacientes com acalásia, sendo 36 submetidos à MEPO, 22 à DPC e 142
à MHLap, com avaliação antes e dois meses após os procedimentos. As três
modalidades de tratamento foram eficazes na melhora da função esofagiana,
sem qualquer diferença entre elas.(36) Não houve referência à taxa de refluxo.
Embora não haja ainda grandes séries com resultados em longo prazo, a
MEPO parece ser uma modalidade de tratamento bastante promissora, com
a vantagem de ser procedimento endoscópico minimamente invasivo, porém
deve ser realizada em centros de referência e com pessoal treinado.

Conclusão

A acalásia tem diagnóstico de suspeição clinica pelos sintomas de disfagia,


regurgitação e perda de peso. A etiologia chagásica pode ser confirmada por
testes sorológicos. O padrão ouro de diagnóstico é a manometria esofágica, com
perspectivas importantes à manometria de alta resolução. São necessários a en-
doscopia digestiva alta na exclusão de alteração orgânica e o estudo radiológico
esofágico para avaliar o grau de mega. Os métodos de tratamento mais empre-
gados são a dilatação pneumática da cárdia e a miotomia por via laparoscópica.
Os medicamentos podem ser utilizados com ponte para o tratamento definitivo e
a toxina botulínica em pacientes de risco para procedimentos invasivos.

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108 Federação Brasileira de Gastroenterologia


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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 109


CAPÍTULO 9 - ACALÁSIA: DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO

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110 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500010

Capítulo 10

Rastreamento do câncer colorretal

Flávio Antônio Quilici


Lisandra Carolina M. Quilici

Introdução

O câncer colorretal (CCR) é uma das principais causas de morbidade e


mortalidade associadas ao câncer na América do Norte, Europa e ou-
tras regiões com estilos de vida e hábitos alimentares semelhantes. O CCR
é o quarto tipo de câncer mais comum recentemente diagnosticado nos Es-
tados Unidos, depois do câncer de pulmão, próstata e mama, e atualmente
constitui 10% dos novos casos de câncer em homens e mulheres.
Apesar das evidências de que a sobrevida em cinco anos é de 90% quan-
do o CCR é diagnosticado em estágio inicial, infelizmente menos de 40%
dos pacientes são diagnosticados quando o câncer ainda é localizado.
No Brasil, sua importância é evidenciada pelos dados do Instituto Na-
cional do Câncer do Ministério da Saúde, que mostra sua incidência como
a quarta entre todos os tumores malignos diagnosticados, independente do
sexo. Na mulher é o segundo mais prevalente após somente os de mama,
com um total de 17.530 casos em 2014; no homem é o terceiro após os de
pulmão e próstata, com 15.070 casos (tabela 1).
Com relação às mortes por câncer na população brasileira, o CCR
ocupa o quarto lugar, atrás dos cânceres do pulmão, estômago e mama.
Ele é responsável por uma alta taxa de mortalidade em cinco anos,
correspondendo até a 50% dos enfermos diagnosticados. Essa alta mortalidade
ocorre apesar do grande investimento em pesquisas sobre o CCR, com impacto
muito pequeno nesse índice que permanece com essa mesma média há 50 anos.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 111


CAPÍTULO 10 - RASTREAMENTO DO CÂNCER COLORRETAL

TABELA. Os 5 tipos de câncer mais comuns

Homens Mulheres
Tipo de Tipo de
Nº de casos % Nº de casos %
Câncer Câncer
Próstata 68.800 22,8 Mama 57.120 20,8

Traqueia, Cólon e Reto 17.530 6,4


Brônquio e 16.400 5,4
Colo do
Pulmão 15.590 5,7
Útero
Cólon e
15.070 5 Traqueia,
Reto
Brônquio e 10.930 4
Estômago 12.870 4,3 Pulmão

Cavidade Glândula
11.280 3,7 8.050 2,9
Oral Tireoide

Estimativa para 2015: 302,3 mil casos de câncer em homens e 274,2 mil em mulheres.

Cerca de 75% dos enfermos situam-se na faixa etária dos 45 aos 75 anos
de idade, sendo discretamente mais freqüente no sexo feminino do que no
masculino, não havendo prevalência em relação à cor ou raça.

Prevenção

O CCR com frequência produz sintomas pouco perceptíveis aos doentes até
que ele esteja em fase avançada, daí a importância da prevenção, pois quando ele é
detectado em fase assintomática, o índice de sobrevida de cinco anos alcança 90%.
O rápido crescimento do conhecimento acerca das características mole-
culares e biológicas do CCR tem fornecido um discernimento útil a respeito
da patogênese dessas neoplasias. Também têm ocorrido progressos a respei-
to da sua prevenção primária.
Como o CCR se desenvolve durante longos períodos como resultado de
interações entre predisposição genética e agressões ambientais, tem sido
possível identificar melhor as lesões pré-cancerosas (adenomas) e as lesões
malignas precoces, melhorando os índices de sobrevida.

112 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Flávio Antônio Quilici • Lisandra Carolina M. Quilici

A evolução rápida do conhecimento sobre a patogênese do CCR, prin-


cipalmente em grupos de alto risco, está permitindo o desenvolvimento de
novas ferramentas para identificar aqueles que irão se beneficiar da vigi-
lância sobre o câncer e da terapia adjuvante após procedimento cirúrgico
potencialmente curativo. Após décadas com opções limitadas para tratamen-
to da doença avançada, novas opções para quimioterapia estão atualmente
disponíveis.
Sobretudo, foi fundamental o conhecimento de que a grande maioria dos
CCRs começa como adenomas e que, com seu diagnóstico e ressecção pela
videocolonoscopia, uma alta percentagem deles poderá ser prevenida.

Rastreamento

Entende-se por rastreamento a aplicação de exames de fácil execução


para um grupo populacional assintomático com o objetivo de selecionar os
indivíduos que, embora assintomáticos, devem submeter-se aos métodos
mais específicos e de maior complexidade para a detecção do câncer.
Como a incidência do CCR aumenta a partir dos 50 anos de idade, os
indivíduos a partir dessa idade são considerados como de risco médio para
o CCR e esse risco dobra a cada década, decrescendo a partir dos 80 anos.
Já os indivíduos com adenoma reto-cólico ou CCR, portador de doença
inflamatória intestinal de longa duração ou com história familiar conhecida
de CCR, de adenomas reto-cólicos ou síndromes polipoides são considera-
dos de alto risco.
O maior problema dos programas de rastreamento do CCR é o
econômico e por causa da variação de custo e de sensibilidade dos
diversos métodos disponíveis, é necessário considerar sua relação custo/
benefício. Isso fica evidente quando se compara a população assistida
pelo sistema único de saúde (SUS), representada por 160 milhões de
brasileiros, com o método realmente confiável para a detecção de pólipos,
a videocolonoscopia, que tem pequena disponibilidade no sistema SUS
pelo seu alto custo, mesmo nos grandes centros médicos do Brasil,
limitando sua indicação no rastreamento.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 113


CAPÍTULO 10 - RASTREAMENTO DO CÂNCER COLORRETAL

Há várias padronizações para o rastreamento do CCR, baseadas


em graus de evidências, publicadas por várias sociedades médicas
nacionais e internacionais, todas muito similares. Selecionando o que há
de mais recente nesses vários protocolos, podemos sugerir as seguintes
etapas:
1. Identificar o risco individual, se é risco médio (idade acima de 50 anos)
ou de risco alto (indivíduos com adenoma reto-cólico ou CCR, porta-
dor de doença inflamatória intestinal de longa duração, ou com história
familiar conhecida de CCR, de adenomas reto-cólicos ou de síndromes
polipoides).
2. Definir o tipo de rastreamento para o indivíduo de risco médio, se uti-
lizando métodos não invasivos ou invasivos.
2.1. Os não invasivos são realizados por meio do teste de:
• sangue oculto nas fezes (TSOF) com anticorpos monoclonais
anti-hemoglobina humana (FIT), ou:
• DNA fecal (PreGen) ou sanguíneo (septin9).
Se o TSOF for negativo, deverá ser mantido o rastreamento anual;
quando positivo, indicar a videocolonoscopia. Se DNA negativo,
manter o rastreamento, porém em intervalos ainda não definidos. Se
positivo indicar a videocolonoscopia.
2.2) Os métodos invasivos podem ser realizados por meio do teste de:
• Videocolonoscopia e quando negativa deverá ser repetida entre 5 a
10 anos (dependendo do protocolo escolhido); se positiva, realizar o
tratamento indicado.
• Colonografia por tomografia computadorizada, se negativa deverá
ser repetida em 5 anos; se positiva realizar a videocolonoscopia.
(Opinião pessoal: custo/benefício ainda não compensa esse método
de rastreamento no Brasil)
• Retossigmoidoscopia flexível, que se negativa deverá ser
repetida em 5 anos; se positiva realizar a videocolonoscopia.
(Opinião pessoal: a retossigmoidoscopia, por se limitar ao reto
e ao cólon sigmoide onde ocorrem somente 35% dos CCR e dos
adenomas, não se justifica para o rastreamento)

114 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Flávio Antônio Quilici • Lisandra Carolina M. Quilici

3. Rastreamento para o indivíduo de risco alto:


• Videocolonoscopia para o paciente com adenoma reto-cólico, CCR
ou doença inflamatória intestinal de longa duração. Quando negativo,
repetir a cada três anos. Se positivo, realizar o tratamento indicado.
Nesses pacientes o termo utilizado é vigilância, e não rastreamento.
• Videocolonoscopia e aconselhamento genético no indivíduo com
história familiar conhecida de CCR, adenomas retocólicos e síndro-
mes polipoides.

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 115


CAPÍTULO 10 - RASTREAMENTO DO CÂNCER COLORRETAL

116 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500011

Capítulo 11

Prebióticos, probióticos e
simbióticos: atualização

Joaquim Prado P. Moraes-Filho

Introdução

A microbiota humana é constituída, principalmente, por bactérias e


está estimada em 1014 organismos, o que representa uma quantidade
equivalente a aproximadamente 10 vezes o número de células corporais
do ser humano.
Atualmente, se encontram bastante evoluídos os estudos que permitem
conhecer o importante papel representado pela microbiota humana, a qual se
concentra em sua maioria no cólon.
O tubo digestório é colonizado pelos micro-organismos, imediatamente,
após o parto se estabilizando na vida idade adulta. De fato, o complexo ge-
noma microbiano capacita a microbiota a desenvolver numerosas atividades
benéficas ao hospedeiro, as quais não são enquadradas pelo genoma huma-
no. Dentre essas atividades bacterianas, destaca-se:
• extração de energia e nutrientes dos alimentos;
• biossíntese de vitaminas;
• manutenção da integridade epitelial intestinal;
• estimulação do sistema imune.
A distribuição bacteriana aeróbia e anaeróbia nos vários segmentos
intestinais não é uniforme, variando segundo o local do tubo digestório.
Assim, o estômago e o duodeno apresentam uma densidade bacteriana
extremamente reduzida em decorrência do suco gástrico ácido e das enzimas
pancreáticas ali presentes.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 117


CAPÍTULO 11 - PREBIÓTICOS, PROBIÓTICOS E SIMBIÓTICOS: ATUALIZAÇÃO

O número aumenta significativamente no íleo e alcança a maior concen-


tração no cólon que apresenta 1011 a 1013 bactérias por grama, a absoluta
maioria composta por anaeróbios, representada principalmente por dois fi-
los: Firmicutes e Bacteroidetes.
O equilíbrio entre bactérias benéficas e bactérias patogênicas, denomina-
do eubiose, é fundamental para a manutenção da microbiota intestinal sau-
dável, ou seja, para a manutenção da saúde.
Esse fenômeno deixa de ocorrer quando existe disbiose, que é o dese-
quilíbrio na flora intestinal, dita normal, cujas principais consequências são:
ocorrência de diarreia, constipação, dor e desconforto abdominal, flatulên-
cia, alterações metabólicas, inflamatórias e imunológicas.
Como será relatado a seguir, existem determinadas situações em que a
microflora intestinal pode ser severamente alterada, cujo exemplo notório é
o uso de antibióticos.

Probióticos
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), probióticos são orga-
nismos vivos que, quando consumidos em quantidades adequadas, conferem
benefícios para o hospedeiro.
O papel dos probióticos é muito importante na recomposição da flora em
diversas situações que podem ter alterado a microbiota intestinal, levando à
disbiose. Exemplos frequentes de disbiose costumam ocorrer na diarreia de
natureza funcional, uso de antibióticos, aspectos psicológicos como tensão,
estresse, radiação, etc.
Os mecanismos de ação da ação dos probióticos incluem, dentre outros:
• remodelação das populações microbianas;
• supressão de patógenos;
• melhora da imunidade com ação anti-inflamatória;
• efeitos na diferenciação epitelial celular na função de promoção da
barreira intestinal.
Diferentes cepas de bactérias têm sido investigadas com o objetivo de
determinar a segurança e eficácia da terapia probiótica no tratamento de en-
fermidades gastrointestinais.

118 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joaquim Prado P. Moraes-Filho

Destas, os organismos mais estudados são do gênero Bifidobacterium e


Lactobacillus que, portanto, representam os agentes mais conhecidos, junta-
mente com a levedura Saccharomyces boulardii.
Outros candidatos que, eventualmente, poderão ser promissores incluem
organismos dos gêneros Bacillus, Bacteroides, Enterococcus, Propionibac-
terium. Vale enfatizar que a resistência aumentada contra patógenos é uma
característica importante dos probióticos eficazes.
Na diarreia aguda, a microbiota intestinal é bastante alterada, com redu-
ção das populações de Lactobacillus sp e Bifidobacterium sp, e elevação da
população bacteriana patogênica.
Numerosas cepas, de diferentes microrganismos, têm sido estudadas dan-
do-se destaque para as citadas acima. Nesse sentido, por exemplo, a admi-
nistração de Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium bifidum (em quan-
tidade mínima de 109 colônias por cápsula) foram benéficos para crianças
com diarreia de intensidade leve, reduzindo a duração da mesma.
Também, a administração profilática de uma formulação antibiótica conten-
do Lactobacillus acidophilus LA-5 e Bifidobacterium BB-12 reduziu significa-
tivamente o tempo de diarreia em adultos, quando comparado a um grupo se-
melhante onde foi administrado placebo, com boa tolerabilidade e segurança.(12)
Os efeitos dos probióticos têm sido estudados em diferentes condições e hoje
acha-se bem estabelecido o seu papel benéfico em determinadas enfermidades,
podendo ser considerados como suplementos dietéticos (quadro 1). As doses
recomendadas dos probióticos mais utilizados estão apresentadas no quadro 2.

QUADRO 1. Efeitos comprovados dos probióticos


Enfermidade Efeito
Doença de Crohn Pouco ou nenhum benefício
Colite ulcerativa Crianças: aumento da manutenção da remissão
Doença inflamatória intestinal Aparente melhora clínica. São necessários estudos
Infecç. Clostridium difficile Pode prevenir a infecção e sua recorrência
Diarreia infecciosa Reduz a gravidade e duração da diarreia
Diarreia assoc. a antibióticos Redução de sintomas e prevenção da diarreia
Enterocolite necrotizante Reduz a mortalidade
Síndrome intest. irritável Melhora sintomatologia

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 119


CAPÍTULO 11 - PREBIÓTICOS, PROBIÓTICOS E SIMBIÓTICOS: ATUALIZAÇÃO

QUADRO 2. Doses recomendadas dos probióticos mais frequentes


Cepa Dose
Lactobacillus casei 1010 UFC - 2 vezes/dia
Lactobacillus rhamnosus 1010-1011 UFC - 2 vezes/dia
Lactobacillus acidophilus 109-1010 UFC - 1-3 vezes/dia
Bifidobacterium lactis 1010 UFC - 2 vezes/dia

Prébióticos
Constituem-se, essencialmente, por oligossacarídeos ou outros sacarídeos
mais complexos (oligofrutose, lactulose), que são utilizados, seletivamente,
pelas bactérias comensais, incluindo as espécies consideradas benéficas.
Os prebióticos são constituintes alimentares que beneficiam o hospedeiro
atuando como “alimentos” para a microflora, estimulando a proliferação das
bactérias desejáveis no cólon.
Acham-se presentes em determinadas frutas e vegetais como: banana, as-
pargo, chicória, aspargo, cevada, centeio, grão de bico, tremoço, alcachofra,
cebola, tomate. Quando associados ao probióticos compatíveis, os prebióti-
cos podem melhorar a colonização, sobrevivência e função dos probióticos.
Por outro lado, quando fermentados pelas bactérias intestinais, os car-
boidratos que compõem os prebióticos reduzem o pH intestinal, criando um
ambiente hostil para os patógenos e estimulando a produção de mucina.
Assim como ocorre com as fibras da dieta, prebióticos como inulina e oli-
gofrutose são bastante resistentes à agressão representada pelo suco gástrico
e biliar, sendo fermentados no cólon.
Os prebióticos mais avaliados são constituídos por frutanos e galactanos,
e as principais fontes de inulina e oligofrutose habitualmente utilizadas na
indústria de alimentos são chicória e alcachofra.
Os prebióticos exercem efeito osmótico no tubo digestório enquanto não
são metabolizados. Quando são fermentados pela microbiota intestinal, eles
aumentam a produção de gás e apresentam o risco eventual de aumentar a
diarreia pelo efeito osmótico. Esse fato, entretanto, não costuma ocorrer por-
que a tolerância à baixas doses de prebióticos é muito elevada.

120 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joaquim Prado P. Moraes-Filho

Simbióticos
Simbióticos são produtos no qual um probiótico e um prebiótico estão as-
sociados. Constituem, desse modo, uma mistura de prebióticos e probióticos
destinada a aumentar a sobrevivência da microflora que promove benefícios
à saúde.
Graças à associação de prebióticos e probióticos, os simbióticos apre-
sentam ação conjunta de ambos. A resistência aumentada das cepas contra
patógenos é uma função bem caracterizada dos simbióticos.
Como os prebióticos são complementares e sinérgicos aos probióticos, os
simbióticos apresentam fator multiplicador sobre as ações isoladas de seus cons-
tituintes. Essa combinação auxilia na possibilidade de sobrevivência da bactéria
probiótica no alimento e nas condições ácidas inóspitas do meio gástrico.
A resistência aumentada das cepas contra patógenos é melhor caracteri-
zada pelos simbióticos, os quais levam ao aumento da absorção de cálcio,
provavelmente pela elevação do pH intestinal e influência na absorção de
fósforo e magnésio.
De acordo com a ANVISA (Regulamento Técnico, 20015) a porção
probiótica de um simbiótico deve apresentar quantidade mínima viável de
bactérias na concentração de 108 109 UFC na recomendação diária para consumo.

Referências

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 121


CAPÍTULO 11 - PREBIÓTICOS, PROBIÓTICOS E SIMBIÓTICOS: ATUALIZAÇÃO

9. Ciorba MA. A Gastroenterologist’s guide to probiotics. Clin Gastroenterol Hepatol 2012;10:960-968.


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122 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500012

Capítulo 12

Dispepsia: abordagem e tratamento


de acordo com Roma IV

Joffre Rezende Filho

Introdução

O termo dispepsia, que etmologicamente significa “má digestão”, tem


sido empregado em um sentido mais amplo para designar o conjunto de
sintomas sugestivos de afecção do trato digestivo superior. Os sintomas, que
supostamente têm origem na região gatroduodenal, incluem a dor epigástri-
ca, o ardor epigástrico, a sensação de desconforto caracterizada como peso,
plenitude e empachamento pós-prandiais, a saciedade precoce, sensação de
distensão do abdômen superior, eructações excessivas, náuseas e vômitos.
A dispepsia se constitui em uma das condições clínicas mais frequentes na
prática médica. A dispepsia é síndrome comum na população geral, variando
se pirose retroesternal é acrescentada à investigação, com prevalência oscilan-
do entre 20 e 40%. É a queixa principal em 25% das consultas ambulatoriais
em consultórios de gastroenterologia ou em ambulatórios de clínica médica.
Nos últimos anos, os conceitos emanados de uma reunião de consenso
entre investigadores clínicos internacionais, denominados critérios de Roma,
objetivaram caracterizar e definir melhor os distúrbios funcionais do aparelho
digestivo. Segundo estes critérios, inicialmente formulados em 1988 e posterior-
mente revistos em 1998 (Roma II), 2006 (Roma III) e, recentemente, em 2016
(Roma IV), os distúrbios funcionais do aparelho digestivo foram classificados
em grupos conforme a suposta origem topográfica dos sintomas. Os distúrbios
funcionais foram considerados como: esofágicos, gastroduodenais, biliares,
intestinais e anorretais, além da dor abdominal funcional (mediada centralmente).

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 123


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

O Consenso Roma IV propõe que os pacientes que apresentem sintomas


dispépticos devam ser alocados em duas categorias principais:
Pacientes em que se identifica uma causa orgânica, uma doença sistêmica
ou uma anormalidade metabólica por meio de procedimentos diagnósticos
habituais e nos quais os sintomas dispépticos melhoram ou desaparecem
caso a doença melhore ou seja curada, devem ser considerados como dis-
pepsia secundária. Aí estão incluídos a dispepsia associada a doença péptica,
neoplasia, doenças biliopancreáticas, distúrbios endócrinos, medicações, pa-
rasitoses e outras infecções. O Consenso Roma IV reconhece que pacientes
com infecção pelo Helicobacter pylori, cujos sintomas melhorem ou desapa-
reçam após o tratamento da infecção, devam ser diagnosticados com o termo
dispepsia associada ao H. pylori.
Pacientes em que não se identifique, por meio de procedimentos diagnósticos
tradicionais, incluindo a endoscopia digestiva alta, nenhuma explicação para os
sintomas, devem ser diagnosticados com o termo abrangente dispepsia funcional.
Desde as primeiras reuniões de consenso visando estabelecer critérios
diagnósticos para os distúrbios funcionais gastroduodenais, procurou-se dis-
tinguir subgrupos clínicos baseados nas diferentes apresentações dos sinto-
mas. Esta distinção de subgrupos clínicos tem se modificado ao longo das
revisões dos critérios de Roma, sendo que, atualmente, pelos critérios de
Roma IV, os distúrbios gastroduodenais funcionais foram classificados em
quatro grupos:
• Dispepsia funcional
Síndrome do desconforto pós-prandial
Síndrome da dor epigástrica
• Distúrbios com eructação excessiva
Eructações supragástricas excessivas
Eructações gástricas excessivas
• Distúrbios com náuseas e vômitos
Síndrome da náusea e vômitos crônicos (SNVC)
Síndrome do vômito cíclico
Síndrome de hipermese canabinoide
• Síndrome de ruminação

124 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joffre Rezende Filho

Neste capitulo, serão abordados o conceito, a abordagem diagnóstica e o tra-


tamento da dispepsia funcional conforme proposto pelo Consenso Roma IV.

Dispepsia funcional

Segundo os critérios do Consenso Roma IV, define-se dispepsia fun-


cional como condição clínica que impacta as atividades habituais do pa-
ciente, com presença de pelo menos um dos seguintes sintomas: dor epi-
gástrica, ardor epigástrico, plenitude pós-prandial ou saciedade precoce,
sem evidências de doenças sistêmica, orgânica ou metabólica, com au-
sência de alterações estruturais, observadas em investigação clínica habi-
tual, incluindo a endoscopia digestiva alta, que justifiquem os sintomas.
Estes sintomas devem estar presentes nos últimos três meses e com iní-
cio a pelo menos 6 meses do diagnóstico. Não deve haver evidências de
que os sintomas melhorem ou estejam associados a alterações no ritmo
intestinal ou nas características das evacuações. Este conceito amplo de
dispepsia funcional abrange uma grande diversidade e heterogeneidade de
apresentações clínicas.
Considerando que sintomas induzidos pela ingestão de refeição e a dor
epigástrica possam expressar mecanismos fisiopatológicos distintos e, tal-
vez, apresentar respostas terapêuticas diversas, manteve-se a divisão da dis-
pepsia funcional em duas síndromes, como inicialmente proposto no Con-
senso Roma III, conforme os critérios abaixo:
• Síndrome do desconforto pós-prandial:
Inclui necessariamente um ou mais dos seguintes sintomas:
1. Plenitude (empachamento) pós-prandial, ocorrendo após refeições
de volume habitual, ocorrendo pelo menos 3 vezes por semana.
2. Saciedade precoce que impede a finalização de refeição habitual,
pelo menos 3 vezes por semana.
Algumas características adicionais podem ocorrer e dar suporte a, mas
não necessariamente se constituir em critério para, o diagnóstico, tais como:
distensão do abdome superior, náusea pós-prandial ou eructação excessiva.
A dor epigástrica pode ocorrer simultaneamente.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 125


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

Ressalte-se que na classificação da dispepsia funcional não se inclui a


presença de náuseas como um sintoma de dispepsia. Tal proposição se fun-
damenta na observação de que a náusea é um sintoma inespecífico, muitas
vezes, de origem central e não necessariamente com origem na região gas-
troduodenal. A ocorrência predominante de náuseas, como distúrbio funcio-
nal, está incluída em nova síndrome - síndrome da náusea e vômitos crôni-
cos. A ocorrência predominante de vômitos deve levar a se considerar outras
hipóteses diagnósticas, incluindo a gastroparesia.
A pirose retroesternal não é considerada como sintoma dispéptico, mas pode
coexistir, sendo muito comum em pacientes com dispepsia funcional. Nesse
caso, deve ser considerada como sintoma de refluxo gastroesofágico associado.
Também é comum a associação de sintomas dispépticos em pacientes
com quadro clínico que preencha critérios de síndrome do intestino irritável.
Nesses casos, deve-se considerar como ocorrência simultânea das duas en-
tidades clínicas.

Síndrome da dor epigástrica

Deve incluir um dos sintomas abaixo, pelo menos um dia por semana:
1. Dor epigástrica, que impacta as atividades habituais, pelo menos uma
vez por semana.
2. Ardor epigástrico, que impacta as atividades habituais, pelo menos
uma vez por semana.
Estes sintomas devem estar presentes nos últimos três meses, com início
há pelo menos 6 meses.
Algumas características podem estar presentes e dar suporte, mas não ne-
cessariamente se constitui em critério para o diagnóstico: comumente a dor
é induzida ou aliviada pela ingestão de refeição, mas pode ocorrer em jejum.
A pirose não é um sintoma dispéptico, mas frequentemente está presente
associadamente. A dor não preenche critérios diagnósticos de distúrbios fun-
cionais da vesícula biliar ou do esfíncter de Oddi. A dor que se alivia com
a defecação ou com a eliminação de flatos não deve ser considerada como
sintoma dispéptico.

126 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joffre Rezende Filho

A distensão epigástrica pós-prandial, náuseas ou eructações excessivas


também podem estar presentes. A ocorrência de vômitos persistentes deve
levar a consideração de outra hipótese diagnóstica.

Considerações sobre as mudanças nos critérios Roma III/IV

Houve pouca modificação dos critérios propostos no Consenso Roma


III. As modificações refletem o melhor conhecimento de aspectos clínicos
e fisiopatológicos que se acumularam na última década. Destaca-se a utili-
zação do termo “dispepsia secundária” e não mais “dispepsia orgânica”. A
definição da síndrome do desconforto pós-prandial foi modificada pelo reco-
nhecimento de que não só a plenitude ou saciedade precoce ocorrem após a
ingestão da refeição, mas também que a náusea, a dor epigástrica ou o ardor
epigástrico podem ser induzidos ou aumentar pela ingestão da refeição.
Reconheceu-se que a distensão epigástrica, eructações excessivas e náu-
seas podem estar presentes nas duas síndromes e devem ser consideradas
como características auxiliares no diagnóstico. Por outro lado, a ocorrência
de vômitos persistentes é pouco usual e deve-se, nestes casos, pesquisar ou-
tros diagnósticos. A pirose continua não sendo considerada como sintoma
dispéptico, porém ocorre frequentemente em pacientes com dispepsia, suge-
rindo fisiopatologia semelhante. Não se inclui mais o alívio da dor epigástri-
ca com a defecação ou eliminação de gazes como um critério diagnóstico, já
que não houve evidências satisfatórias para tal.
Outras pequenas modificações são relacionadas à frequência e intensidade
dos sintomas para preenchimento dos critérios diagnósticos. Assim, introdu-
ziu-se o reconhecimento que os sintomas devam ser “incômodos” o suficiente
para interferir ou impactar as atividades habituais do paciente. Este aspecto
não constava no Consenso Roma III. Outra modificação introduzida foi rela-
tiva à frequência mínima dos sintomas. Procurou-se definir a frequência míni-
ma dos sintomas que se poderia distringuir daquela observada em indivíduos
não dispépticos na população geral. Estas modificações relativas à intensidade
e frequência dos sintomas têm relevância maior para a pesquisa clínica, não
tendo maior impacto no diagnóstico da dispepsia funcional na prática clínica.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 127


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

Mecanismos fisiopatológicos da dispepsia funcional

Os mecanismos patogênicos responsáveis pelo surgimento dos sintomas na


dispepsia funcional não estão totalmente esclarecidos. A dispepsia funcional,
provavelmente, representa uma condição clínica heterogênea, na qual vários fatores
fisiopatológicos podem estar participando, isolada ou conjuntamente. Dentre estes
fatores, destacam-se os distúrbios da função motora gastroduodenal, alterações
de sensibilidade visceral, a infecção pelo Helicobacter pylori, a alteração da
permeabilidade da mucosa e ativação imune, infiltração eosinofílica duodenal, além
da participação de processos psicológicos e distúrbios emocionais na modulação
das funções imune, motora e sensorial (desregulação do eixo cérebro - trato GI).
Vários distúrbios da função motora gástrica foram evidenciados em subgrupos
de dispépticos, dentre estes: distúrbios da atividade mioelétrica gástrica (disritmias
gástricas), diminuição da acomodação à distensão pós-prandial, hipocontratilidade
antral, incoordenação motora antroduodenal, má distribuição pós-prandial do con-
téudo intra-gástrico, alteração no ritmo de esvaziamento gástrico.
O aumento da sensibilidade visceral tem sido amplamente caracterizado em
pacientes com dispepsia funcional. Este fenômeno expressa-se, por exemplo,
pela menor tolerância à distensão do estômago com um balão intra-gástrico,
em que o desconforto é referido com volumes muito menores aos referidos
por controles sadios. Da mesma forma, embora não totalmente comprovado,
é possível que ocorra maior sensibilidade à estimulação de terminais sensiti-
vos gastroduodenais por: secreção gástrica de ácido, bile refluída do duodeno,
constituintes da dieta (lipídeos), ou ainda a mediadores da reação inflamatória
produzidos no interior da mucosa.
A participação da infecção pelo Helicobacter pylori, em pacientes sem al-
terações estruturais gastroduodenais, parece não execer papel fundamental na
gênese de sintomas dispépticos, pelo menos na maioria dos pacientes. O Con-
senso Roma IV considera que se deva considerar como dispepsia associada a
H. pylori casos em que haja melhora ou desaparecimento dos sintomas após o
tratamento da infecção.
Alterações da celularidade na lâmina própria e submucosa vêm sen-
do descritas em pacientes com dispepsia funcional. Dentre estas alterações

128 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joffre Rezende Filho

destacam-se a eosinofilia duodenal e aumento de linfócitos ativados, sugerindo


a participação de fenômenos de ativação imunológica e microinflamação como
mecanismo patogênico na dispepsia funcional. Como suporte a esta hipótese,
tem-se descrito casos de dispepsia funcional cujos sintomas se iniciaram após
infecções, sugerindo a possibilidade de, mesmo após cessada a infecção, haver
persistência de resposta inflamatória na parede gastroduodenal. A liberação de
mediadores químicos por células imunoinflamatórias poderia alterar a função
motora e sensorial gastroduodenal, gerando sintomas.
Os distúrbios psicoemocionais aparentemente desempenham papel rele-
vante na expressão dos sintomas na dispepsia funcional. Estes sintomas ocor-
rem, preferencialmente, em pacientes que apresentam transtorno de ansiedade,
depressão, hipocondria ou neuroticismo geral. Alterações na atividade vagal
podem ser evidenciadas em pacientes com dispepsia funcional e, talvez, repre-
sente um dos mecanismos de associação de fatores psicossociais e sintomas
dispéticos. A “somatização” se relaciona melhor com a intensidade dos sinto-
mas do que alterações motoras e sensoriais da região gastroduodenal. É possí-
vel, ainda, que a tensão psicológica contribua para a sensação de estar doente,
da necessidade de procurar a atenção médica.
A correlação entre diferentes sintomas e possíveis alterações fisiopatoló-
gicas distintas foi sugerida, mas ainda há controvérsias. O distúrbio da aco-
modação gástrica pós-prandial associou-se mais frequentemente à saciedade
precoce; a hipersensibilidade sensorial associou-se a dor epigástrica e eruc-
tações frequentes; e o esvaziamento gástrico lento a sensação de plenitude
pós-prandial, náuseas e vômitos.
A possibilidade de que diferentes mecanismos fisiopatológicos estejam as-
sociados a diferentes sintomas dispépticos, caso confirmada, exercerá influên-
cia nas intervenções terapêuticas no tratamento da dispepsia funcional.

Aborgadem diagnóstica em paciente com dispepsia - Consenso Roma IV

A avaliação clínica de um paciente portador de dispepsia não investigada,


conforme proposto pelo Consenso Roma IV, deve se basear inicialmente nos
dados de anamnese e exame físico, incluindo a pesquisa de sinais de alarmes.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 129


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

A endoscopia digestiva alta deverá ser realizada inicialmente em casos


com dispepsia e sinais de alarme presentes: emagrecimento, anemia, início
em idade avançada, melena.
A possibilidade de tratamento empírico dos sintomas da dispepsia não in-
vestigada pode ser considerada inicialmente em casos sem sinais de alarme.
Caso se faça o tratamento empírico inicial e não houver alívio dos sintomas,
prosegue-se com a investigação complementar.
A investigação complementar deverá incluir a pesquisa de infecção pelo
H. pylori, considerando a estratégia “teste e trate” e/ou a realização de en-
doscopia digestiva alta com avaliação histopatológico e teste da urease.
Ressalte-se que a possibilidade de pesquisa de H. pylori por métodos não
invasivos como o teste respiratório é pouco disponível em nosso meio e que,
pelo baixo custo da realização da endoscopia digestiva, tem se observado a
prática comum da investigação complementar como estratégia inicial, inde-
pendemente da idade dos pacientes, tornando esta estratégia recomendada
pelo Consenso Roma IV muito difícil de ser implementada. Além disso, em
nosso meio, dependendo da prevalência da região, recomenda-se a reali-
zação de exame parasitológico de fezes ou, alternativamente, o tratamento
empírico inicial de parasitoses.
A confirmação da infecção por Helicobacter pylori implica na terapêu-
tica de erradicação. O possível benefício terapêutico da erradicação do He-
licobacter pylori em pacientes com sintomas dispépticos, na ausência de
lesões ulceradas, vem se constituindo em tema de amplo debate. Os dados
disponíveis na literatura sugerem que, nos casos de dispepsia, a erradicação
da infecção pelo Helicobacter pylori se associou ao alívio dos sintomas,
pelo menos em um pequeno subgrupo de dispépticos. As metanálises mais
recentes apontam para um pequeno benefício terapêutico, com NNT de 14
(é necessário tratar 14 pacientes para haver um com melhora). Por outro
lado, o tratamento da infecção se associa à melhora histopatológica, com
regressão da gastrite. Estes dados sugerem, ainda, que a maior parte dos
pacientes dispépticos com gastrite crônica associada ao Helicobacter pylori
seja, assim, portadora de duas afecções distintas, que necessitam abordagens
terapêuticas específicas.

130 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joffre Rezende Filho

O Consenso Roma IV reconhece que um percentual de pacientes infec-


tados pode apresentar melhora expressiva dos sintomas e, assim, se benefi-
ciar do tratamento. Estes casos devem ser considerados como apresentando
dispepsia associada a H. pylori. Portanto, o diagnóstico final de dispepsia
funcional em pacientes com infecção por H. pylori só poderá ser confirmado
após falha do tratamento anti-H. pylori.
Caso se confirme o diagnóstico de dispepsia funcional, como acima ex-
posto, o tratamento deve ser instituído conforme algoritmo de abordagem
clínica de sintomas gastroduodenais proposto pelo Consenso Roma IV apre-
sentado abaixo.

Abordagem terapêutica da dispepsia funcional

O tratamento atual é sintomático, devendo ser individualizado conforme


os sintomas dominantes, procurando enquadrá-lo nos subgrupos clínicos já
definidos: síndrome da dor epigástrica ou do desconforto pós-prandial.
As medidas recomendadas podem ser divididas em:
1. Medidas gerais;
2. Orientação dietética;
3. Tratamento medicamentoso.

Medidas gerais

Deve-se inicialmente se afirmar um diagnóstico positivo, demonstrando


tratar-se de entidade clínica reconhecida - dispepsia funcional - esclarecendo
sobre sua história natural, sua natureza e benignidade dos sintomas. O escla-
recimento sobre possíveis mecanismos patogênicos dos sintomas presentes
deve ser feito na medida do possível e do nível de entedimento do paciente,
procurando reconhecer as apreensões e expectativas do paciente em relação
aos sintomas.
Busca-se, assim, diminuir a insegurança do paciente em relação aos seus
sintomas e afastar possíveis temores infundados, sobretudo quando o motivo
da consulta estiver relacionado à exacerbação dos sintomas por conhecimen-

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 131


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

to que pessoas de seu relacionamento apresentavam quadro clínico seme-


lhante e tiveram diagnóstico de câncer confirmado.
Deve-se explorar fatores psicossociais que possam estar contri-
buindo para a morbidade, reconhecendo que eventos estressantes,
distúrbios de ansiedade e estados depressivos podem estar influen-
ciando o quadro clínico ou agravando os sintomas. A história de abu-
so físico e/ou sexual anteriores estão associados aos distúrbios gas-
trointestinais funcionais e, quando apropriado, estas questões devem
ser enfocadas.
Nos casos em que se evidenciarem distúrbios psiquiátricos evidentes
e se julgar oportuna a participação do psiquiatra, este encaminhamento
deverá ser realizado, de maneira que o paciente não se sinta rejeitado. A
maior parte dos pacientes dispépticos não sente a necessidade de avaliação
psiquiátrica, tampouco reconhecem a participação de fatores psicossociais
em seus padecimentos.
Em qualquer caso é necessário um acompanhamento clínico, solicitando
ao paciente que retorne para avaliar a evolução dos sintomas e a resposta ao
tratamento. Isto permite reiterar conceitos, além de demonstrar empatia e
interesse pelo paciente.

Orientação dietética

Muitos pacientes com dispepsia funcional têm sintomas relacionados


à ingestão de alimentos - síndrome do desconforto pós-prandial.
Apesar disto, há poucos estudos na literatura avaliando o papel de
dietas no tratamento da dispepsia funcional. As recomendações advêm,
sobretudo, de observações da prática clínica, ou mesmo de presunções
fisiopatológicas (pouca tolerância à distensão visceral e hipomotilidade
antral, hipersensibilidade a lipídeos). Deve-se orientar o paciente que as
tomadas das refeições devem ser feitas em ambiente tranquilo e, sempre
que possível, com repouso pré e pós-prandial, evitando a taquifagia.
Refeições fracionadas, com menor volume e menor teor de gordura, são
usualmente recomendadas.

132 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joffre Rezende Filho

Tratamento medicamentoso

Um grande número de medicamentos tem sido empregado no tratamento da


dispepsia funcional. A diversidade de medicamentos habitualmente prescritos
ou empregados como automedicação reflete a heterogeneidade dos sintomas
e a incerteza de sua patogênese. Não há nenhum medicamento que seja eficaz
em todos os tipos de pacientes tendo em vista a heterogeneidade dos sintomas.
Deve-se individualizar o tratamento medicamentoso, conforme os sintomas do-
minantes, procurando enquadar os pacientes dentro dos subgrupos clínicos já
definidos (síndrome de dor epigástrica; desconforto pós-prandial ou ambos).

Inibidores de secreção ácida


Os inibidores da secreção gástrica de ácido, como os bloqueadores H2
e os inibores da bomba de prótons, têm sido empregados no tratamento da
dispepsia funcional. Os resultados dos estudos controlados com placebo
mostram resultados conflitantes, com melhora sintomática semelhante ao
placebo em alguns destes estudos.
Estudo de metanálise avaliando ensaios clínicos empregando bloqueadores
H2 comparados com placebo evidenciou que em 11 destes, a droga ativa foi
superior ao placebo, mas esta diferença esteve próxima de 20%. No entanto,
parece haver melhora mais significativa da dor epigástrica que dos outros
sintomas e, dessa forma, devem ser empregados nos casos em que este sin-
toma for dominante no quadro clínico.
A resposta clínica a inibidores de bomba de prótons em pacientes com
dor epigástrica observada em estudos controlados mostra resultados supe-
riores ao placebo. No entanto, a melhora sintomática nestes pacientes, que
ocorreu em média em 50%, é muito menor do que se poderia esperar, caso
a sintomatologia estivesse relacionada apenas à secreção ácida, como nos
casos de úlcera duodenal e esofagite de refluxo, em que a resposta clínica a
estes agentes é muito expressiva. Alguns dados clínicos puderam prever uma
resposta favorável a inibidores de bomba de prótons: melhora com antiáci-
dos, dor retroesternal, regurgitação ácida sem dor epigástrica, dor noturna e
ausência de meteorismo, náusea ou constipação.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 133


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

Procinéticos
As drogas procinéticas estimulam a motilidade gastroduodenal e são ca-
pazes de acelerar o trânsito do contéudo intraluminal. Estão incluídas a me-
toclopramida, a bromoprida, domperidona e prucaloprida. A cisaprida não
está mais disponível para uso clínico. A metoclopramida e a bromoprida são
benzamidas substituídas que apresentam propriedades antidopaminérgicas,
além de ação facilitadora da liberação de ACH. A domperidona atua como
bloqueador dopaminérgico periférico. A prucaloprida é um agonista do re-
ceptor 5HT-4, qua atua facilitando a liberação de acetilcolina no plexo mio-
entérico. Não apresenta ação antidopaminérgica como as outras benzamidas,
sendo portanto destituída de efeitos colaterais decorrentes da ação antidopa-
minérgica.
Ensaios clínicos controlados com placebo empregando cisaprida ou
domperidona demonstram efeito terapêutico superior ao placebo, nota-
damente no subgrupo com sintomas pós-prandiais. Considerando os sin-
tomas individualmente, há melhora significativa de plenitude epigástrica
pós-prandial, distensão, náuseas e vômitos, pirose e regurgitação ácida.
Apesar da melhora sintomática, não se demonstrou associação entre esta e
o incremento do ritmo de esvaziamento gástrico, sugerindo que outros me-
canismos possam estar operando. Novos agentes procinéticos vêm sendo
avaliados em ensaios clínicos controlados, tais como o mosapride, itropri-
de e a acotiamida, um inibidor de colinesterase, já empregado frequente-
mente nos países asiáticos.

Relaxantes do fundo gástrico


Um dos aspectos de disfunção motora gástrica, que tem sido evidencia-
do em pacientes com dispepsia, é alteração da acomodação à distensão do
estômago proximal no período pós-prandial. O sumatriptano, um bloquea-
dor do receptor 5-HT1, promove melhora do relaxamento do fundo gástri-
co em pacientes dispépticos. Esta ação associou-se à melhora de sintomas,
notadamente de saciedade precoce. Da mesma forma, a buspirona, agonista
5HT-1a, tem demonstrado ação sobre a acomodação gástrica. O emprego
clínico destes agentes, no entanto, ainda não está suficientemente estudado.

134 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joffre Rezende Filho

Antidepressivos e moduladores sensoriais


Os pacientes com dispepsia funcional apresentam graus de ansiedade,
depressão e neuroticismo mais intensos que controles sadios. Quando estes
estados forem reconhecidos, devem ser tratados adequadamente com medi-
cação apropriada.
Além disso, uma das anormalidades funcionais que ocorrem em pacien-
tes com distúrbios funcionais do trato digestivo é a maior sensibilidade à dis-
tensão visceral. O emprego de moduladores da sensibilidade visceral abriu
nova perspectiva na abordagem terapêutica da dispepsia funcional.
Antidepressivos tricíclicos em doses baixas podem atuar como “analgé-
sicos centrais”, modulando a percepção sensorial, tendo sua indicação em
distúrbios funcionais do trato digestivo sido sugerida por vários autores. A
amitriptilina 50 mg, uma vez/dia, por 30 dias, mostrou-se mais efetiva que
o placebo na melhora da dor e desconforto epigástrico em pacientes com dis-
pepsia funcional. O uso da amitriptilina não alterou o limiar de desconforto
à distensão gástrica. Em recente estudo multicêntrico norte-americano com
grande número de pacientes tratados, demonstrou-se que a amitriptilina, e não
o escitalopram, se associou à melhora de sintomas dispépticos, sobretudo dor
epigástrica, em pacientes com ritmo de esvaziamento gástrico normal.

Orientação terapêutica de acordo com ROMA IV

A estratégia de abordagem terapêutica inicial na dispepsia funcional re-


comendada pelo Consenso Roma IV está exposta nos algoritmos apresenta-
dos nas figuras 1 e 2.
Se o paciente apresentar gastrite associada a H. pylori, a sua erradicação
deve ser tentada. O paciente deve ser esclarecido que o alívio dos sintomas ao
final de um ano pode ser esperado em aproximadamente 20% dos pacientes
e que o tratamento desta infecção deve diminiur o risco de desenvolvimento
de outras afecções gastroduodenais, como a doença péptica e o adenocarci-
noma gástrico. O risco de efeitos adversos dos antibióticos e a avaliação do
custo do tratamento devem ser expressos. Caso não apresente melhora dos
sintomas, deve ser considerado como portador de dispepsia funcional.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 135


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

FIGURA 1. Abordagem clínica de pacientes com sintomas atribuídos aos


distúrbios das funções gastroduodenais, conforme Consenso Roma IV
Sintomas sugestivos de comprometimento gastroduodenal
Plenitude pós-prandial, saciedade precoce, dor epigástrica, ardor epigástrico, náuseas, vômitos, eructação excessiva, ruminação.

Anamnese e
exame físico

Náuseas, vômitos
NÃO NÃO DISPEPSIA NÃO Considerar
ou eructações não Sinais de alarme?
INVESTIGADA tratamento empírico
investigadas
SIM
NÃO
EDA com biopsias melhora dos
Considerar Hp sintomas?
SIM
“teste e trate”
Outros exames NÃO NÃO Manter
anormalidade? tratamento
conforme indicados
Erradicação DISPEPSIA
H. pylori FUNCIONAL
SIM
anormalidade? SIM

NÃO DISPEPSIA SIM melhora dos NÃO


SECUNDÁRIA sintomas?

Adaptado de Stanghellini V, et al. Gastroenterology 2016:1380-92.

FIGURA 2. Abordagem clínica de pacientes com dispepsia funcional, conforme


Consenso Roma IV
DISPEPSIA FUNCIONAL
Síndrome do desconforto SIM Sintomas Síndrome da
pós-prandial crônicos dor epigástrica

Melhora
Procinéticos Antissecretores
adequada
SIM
NÃO
Antidepressivos Manutenção
do tratamento
SIM
Melhora
adequada

NÃO
EDA com histopatologia / avaliação funcional / tratamento empírico

esvaziamento Tônus gástrico Permeabilidade e inflamação


Hipersensibilidade
gástrico retardado aumentado da mucosa duodenal

Associação de procinéticos Associação de Montelucaste


Agonistas 5-HT1
e antieméticos? antidepressivos? Antagonistas H1/H2?

Adaptado de Stanghellini V, et al. Gastroenterology 2016: 1380-92.

136 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Joffre Rezende Filho

Dentre as várias opções de tratamento medicamentoso, deve-se


inicialmente tentar determinar o subgrupo clínico em que o paciente melhor
se enquadra. Assim, caso o paciente apresente a dor epigástrica como
sintoma predominante (síndrome da dor epigástrica), sugere-se o emprego
inicialmente de um bloqueador H2 em doses habituais ou de um inibidor
de bomba de prótons. Estes últimos podem apresentar maior eficácia
terapêutica, porém apresentam maior custo.
Nos casos em que a sintomalogia dominante for a síndrome do descon-
forto pós-prandial, a primeira opção é o emprego de drogas procinéticas
antes das principais refeições.
Em ambos os casos, faz-se uma reavaliação clínica ao final de quatro se-
manas, com suspensão da medicação caso tenha ocorrido desaparecimento
dos sintomas. Em caso contrário, deve-se buscar outra alternativa terapêu-
tica, incluindo aumento da dose, mudança do agente procinético ou mesmo
associação dos medicamentos quando os sintomas persistirem.
Se, após novo esquema terapêutico instituído, os sintomas ainda estive-
rem presentes, deve-se considerar o emprego de agente antidepressivo tri-
cíclico em doses baixas, como, por exemplo, amitriptilina, 10 mg a 25 mg
uma vez/dia. O emprego de inibidores de recaptação da serotonina (fluoxeti-
na, sertralina, escitalopram) não tem evidenciado resultados satisfatórios no
alívio dos sintomas dispépticos.
Nos casos que não responderem às estratégias anteriormente menciona-
das, o Consenso Roma IV recomenda a busca de identificação de possíveis
fatores fisiopatológicos presentes.
Assim, recomenda-se a avaliação da permeabilidade duodenal e quanti-
ficação de células (mastócitos, eosinófilos) na mucosa, com possibilidade
de emprego de agentes como montelucaste (estabilizador de mastócitos) ou
bloqueadores histaminérgicos (H1, H2).
A avaliação da motilidade gástrica também deve ser considerada.
Pode-se empregar o estudo do esvaziamento gástrico, devendo este ser re-
servado para os casos refratários em que a possível ocorrência de gastro-
paresia seja considerada, com possibilidade de emprego de combinações
de procinétircos e antieméticos. Do mesmo modo, testes que avaliem a

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 137


CAPÍTULO 12 - DISPEPSIA: ABORDAGEM E TRATAMENTO DE ACORDO COM ROMA IV

acomodação gástrica poderiam indicar a possibilidade de uso de relaxantes de


fundo gástrico (buspirona). Adicionalmente, a avaliação da sensibilidade sen-
sorial visceral poderia orientar o emprego de combinação de antidepressivos.
O encaminhamento para psicoterapia de apoio ou terapia comportamental
deve ser considerada em casos refratários, no qual os pacientes se mostrem
dispostos e motivados para tal intervenção terapêutica. Nestes casos,
a psicoterapia deve ser considerada como adjuvante, e o seguimento
conjunto com o gastroenterologista deve ocorrer. O Consenso Roma IV,
no entanto, pouco menciona a psicoterapia, considerando que há pouca
evidência de seu benefício.

Referências

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dyspepsia patients. Dig Dis Sci 2010; 55(1):60-5.
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138 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500013

Capítulo 13

Manejo das lesões neoplásicas


císticas do pâncreas (NCP)

Jorge Carvalho Guedes

A s lesões císticas do pâncreas são em geral encontradas em pacientes


que fazem exames por outros motivos - incidentalomas. São comuns,
com prevalência que varia entre 2 a 20% (média 15%) em pacientes que
realizam exames de imagem, mais detectadas pela ressonância magnética
(RM) que pela tomografia.(1)
As condutas a serem adotadas nas NCP são desafiantes e exigem
estudos de custos-benefícios, uma vez que o câncer do pâncreas é agres-
sivo, com mortalidade que nenhuma estratégia de “screening” se mos-
trou eficaz em reduzir. Ademais, a maior parte das lesões são detecta-
das após a quinta década de vida, quando aumenta o risco de câncer.
Estudos mostram câncer em 15% dos cistos operados, mas a estimativa
de diagnóstico de câncer frente a uma lesão cística assintomática é de
apenas 0,25%.(2)
As NCP podem ser:
• cistoadenomas serosos (CS)
• cistoadenomas mucinosos (CM)
• neoplasia intraductal mucinosa papilar (IPMN)
• Neoplasia sólida pseudopapilar (tumor de Frantz)
• Necrose em tumor sólido do pâncreas
• Tumor neuroendócrino com aspecto cístico
Empregaremos o termo câncer para designar neoplasia maligna com ris-
co de invasividade e metástases, ou seja: displasia de alto grau, neoplasia in
situ ou neoplasia invasiva.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 139


CAPÍTULO 13 - MANEJO DAS LESÕES NEOPLÁSICAS CÍSTICAS DO PÂNCREAS (NCP)

As seguintes perguntas são pertinentes ao diagnosticar uma lesão cística


do pâncreas: trata-se de uma lesão benigna ou cancerígena? Há potencial
evolutivo para câncer? Justifica-se uma intervenção imediata? Qual a me-
lhor estratégia de vigilância a ser adotada?
As respostas são dificultadas pela ausência de estudos prospectivos sufi-
cientes e homogêneos para a construção de evidências.(2,3)

Trata-se de uma lesão benigna?

O diagnóstico diferencial entre as lesões benignas e malignas é difícil


com base nos exames de imagem.
As NCP se tornaram mais frequentes que as lesões benignas após os exa-
mes com maior definição de imagem. Entre as lesões benignas, os pseudo-
cistos são mais comuns. Cistos verdadeiros, de retenção e lifoepiteliais são
lesões benignas raras.(4)
Dados clínicos e epidemiológicos são importantes na definição da le-
são. Os sintomas ocorrem em menos de um terço dos casos e são ines-
pecíficos, como dispepsia e dor abdominal. Perda ponderal ou icterícia,
menos frequentes, são considerados sinais de alarme. Os pseudocistos
sucedem a pancreatite aguda ou crônica e podem ser também detectados
após trauma abdominal fechado, nem sempre lembrado pelo paciente.
Quando um cisto é encontrado e há diagnóstico prévio de pancreatite de
causa definida, a chance de NCP é mínima; entretanto, a investigação de
cistos na vigência de pancreatite crônica familiar merece cuidado espe-
cial. Os cistos associados à pancreatite aguda sem causa determinada ou
com atrofia pancreática devem investigados, pois a principal possibilidade
são IPMN.
As NCP são mais comuns a partir da quarta década de vida. Os CS ocor-
rem após a quinta década de vida, enquanto os mucinosos, entre a quar-
ta e a quinta décadas. As neoplasias pseudopapilares são mais frequentes
em mulheres entre a terceira e a quarta décadas. Os cistoadenomas ocorrem
mais em mulheres, sendo os mucinosos exclusivamente femininos. Por ou-
tro lado, as IPMN são mais comuns nos homens.

140 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Jorge Carvalho Guedes

História familiar de neoplasia de mama, cólon, pâncreas ou estômago é sinal


de alerta. Essas neoplasias podem ocorrer em pacientes com NCP, necessitando
investigação. Polipose múltipla e neoplasias endócrinas múltiplas (Peutz-Jeg-
hers, Polipose Familiar por APC, Von Hippel Lindau) são causas raras de NCP.
O tabagismo é fator de risco para a pancreatite crônica e câncer de pân-
creas e associado à ocorrência e progressão das NCP. Pacientes com NCP
devem ser encorajados à abstinência ao tabaco. O diabetes melito encontra-
-se associado as NCP, especialmente com dependência de insulina.(2-5)

Características de imagem

O potencial de malignidade nem sempre é previsto com base nas caracte-


rísticas de imagem. Os CS raramente evoluem para câncer. Se caracterizam
por multiloculação em “favo de mel” e banda fibrosa central, achado nem
sempre presente.
Os CM são tipicamente encontrados na cauda do pâncreas em mulheres
acima dos cinquenta anos de idade. São uniloculados com cápsula fibrosa,
por vezes calcificada.
A produção de muco se associa ao risco de câncer, tanto nos CM como
na IPMN. Essas se diferenciam dos cistos pela comunicação com os ductos
pancreáticos. Classificam-se as IPMN de ductos secundários, de ducto prin-
cipal ou mistas. As IPMN mista e de ductos secundários são as que se apre-
sentam como lesões císticas nos exames de imagem, cabendo a definição so-
bre a existência ou não de comunicação com ducto pancreático principal.(6,7)
As características em exames de imagem que podem indicar risco de neo-
plasia maligna são: cistos maiores que 3 cm; componente sólido intracístico,
dilatação do ducto pancreático principal e linfonodos aumentados.
Cistos maiores que 3 cm apresentam risco até sete vezes maior de serem
malignos. O tamanho do cisto tem boa sensibilidade para diagnóstico de
câncer, porém baixa especificidade. A dilatação do ducto pancreático prin-
cipal, mesmo não apresentando relação estatisticamente significante, tem
especificidade diagnóstica de 80%, indicando que na presença de ducto dila-
tado a hipótese de câncer deve ser cogitada.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 141


CAPÍTULO 13 - MANEJO DAS LESÕES NEOPLÁSICAS CÍSTICAS DO PÂNCREAS (NCP)

A presença de conteúdo sólido na parede do cisto é o principal dado as-


sociado ao câncer. A especificidade desse achado é bem maior do que a sen-
sibilidade, significando que pacientes mesmo sem conteúdo sólido podem
apresentar neoplasia.(8) Quanto ao número, mais de quatro lesões em comu-
nicação com o ducto principal fortalecem a suspeição de malignidade.

Há um potencial evolutivo para o câncer?

O maior preditor de evolução para câncer é o tipo histológico da NCP.


A maior associação com câncer ocorre nas IPMN, com 42% de prevalência
nos casos operados. Para os CM, essa prevalência cai para 15%. O risco de
câncer nos CS é insignificante.
O principal parâmetro para avaliar potencial evolutivo das IPMN é a lo-
calização. Quando há envolvimento de ducto principal, o risco é cerca de
dez vezes maior comparado com as de ducto secundário (60 a 70% versus
2 a 3%).
Cerca de 10% dos cistos vão experimentar crescimento de tamanho em
períodos de até 36 meses. Embora a maioria dos estudos indique abordagem
cirúrgica para cistos em crescimento, o percentual de câncer associado a es-
ses cistos foi muito baixo. O crescimento não parece ser um preditor isolado
de malignidade.(2,7)

Estudo do líquido cístico e punção aspirativa de agulha fina (PAAF)

Considerando a ampla variação no risco de câncer dependendo da histo-


logia, o estudo do líquido cístico e a PAAF pode ajudar no diagnóstico de
malignidade. O risco de complicações da PAAF é de 1 a 2%, com possibili-
dade de pancreatite aguda, sangramento e infecção.(2,3,7,8)
A dosagem de amilase no líquido é útil para exclusão de cistos de reten-
ção ou pseudocistos, quando inferior a 240 U/l.
O Antígeno Carcino Embrionário (CEA) é útil para a detecção de cis-
tos mucinosos, embora não haja relação adequada entre os seus níveis e
presença de câncer. Níveis de CEA inferiores a 5 ng/mL são indicativos de

142 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Jorge Carvalho Guedes

pseudocistos com especificidade de 95%, porém baixa sensibilidade. Para


fins diagnósticos, valores de “cut off” de 192 ng/mL são considerados indi-
cativos de lesão mucinosa.
Os níveis de CA 19-9, quando normais, reforçam a possibilidade de CS
ou pseudocisto; se elevados, indicam origem pancreática da lesão. Sua esti-
mativa não acrescenta valor quando comparada aos níveis de CEA.
A PAAF mostrou ser útil na detecção de neoplasia em apenas 48% dos
casos, devido à dificuldade de obtenção de material para diagnóstico. A con-
firmação do caráter mucinoso da lesão parece ter resultados menos decep-
cionantes. Pela sua especificidade para o diagnóstico oncológico positivo,
recomenda-se sua realização quando há material sólido dentro dos cistos. A
aplicação exclusiva de critérios de imagem para decisão pode ser inadequa-
da, com perda de até 42% de casos com câncer que poderiam ser diagnosti-
cados através de PAAF.(2,3,7)
O estudo citogenético e biomolecular pode contribuir para o diagnóstico
diferencial das NCP, mas permanece em investigação.

Justifica-se intervenção cirúrgica?

A chance de detecção de câncer numa lesão cística do pâncreas é de


0,25%. O risco operatório é de 7% em serviços gerais de cirurgia e em
2% em centros especializados; variando ainda com a idade e presença
e comorbidades.(7)
Considerando a mortalidade do câncer de pâncreas, a indicação cirúrgica
deve ser discutida com o paciente, especificando-se riscos e benefícios e
salientando-se a insuficiência de evidências científicas sólidas. Para a indi-
cação cirúrgica, dois grupos de sinais são considerados, combinando os pro-
tocolos da AGA, de Fukuoka, da International Association of Pancreatology
e do European Study Group on Cystic Tumors of Pancreas.(6,9)
Sinais de alto risco, indicativos de cirurgia: dilatação do ducto pancreá-
tico principal com componente sólido; citologia com displasia de alto grau;
presença de icterícia; componente sólido intracístico com impregnação
por contraste.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 143


CAPÍTULO 13 - MANEJO DAS LESÕES NEOPLÁSICAS CÍSTICAS DO PÂNCREAS (NCP)

Sinais de alerta, indicativos de investigação complementar e acompanha-


mento criterioso: dilatação ductal sem componente sólido; dilatação ductal
discreta (entre 5 e 9 mm); componente sólido sem impregnação por con-
traste; dilatação ductal com atrofia pancreática; pancreatite aguda associada,
espessamento parietal do cisto; cistos maiores que 30 mm.
Mesmo utilizando os critérios de alto risco e de alerta, um percentual
considerável de pacientes serão levados à cirurgia por lesões sem câncer;
e pacientes com neoplasia avançada serão perdidos, mostrando que ainda
estamos longe do ideal em termos de critérios prognósticos.(10)
Entendendo-se que nenhum dos exames disponíveis apresenta capacida-
de plena de descartar câncer e considerando o potencial evolutivo das lesões,
a cirurgia deve ser especialmente considerada para: IPMNs com comuni-
cação com ducto principal em pacientes sem comorbidades, com tamanho
maior que 3 cm associadas à dilatação ductal e nodulação intracística; cis-
toadenomas mucinosos.
Cirugia é também habitualmente indicada para tumores pseudo papilares
sólido-císticos (de Frantz); tumores neuroendócrinos com áreas císticas. A
cirurgia não é inicialmente indicada em:
cistos com aspectos compatíveis com CS; exceto se apresentam sintomas
relevantes.
As situações intermediárias entre esses dois polos devem ser analisadas
caso a caso. Há tendência a conduta conservadora com acompanhamento
para: prováveis IPMNs de ducto secundário e CM com tamanho menor
que 10 mm.
lesões cuja classificação não seja possível e com tamanho entre 10 a
30 mm, que devem ser investigados adicionalmente com ecoendoscopia
e PAAF.(2,3)

Qual a melhor estratégia de vigilância a ser empregada?

O tempo de evolução para o câncer nas NCP não está estabelecido. O


exame de eleição para acompanhamento das lesões císticas é a RM, mas
a ecoendoscopia pode ser empregada com o mesmo fim, se disponível.

144 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Jorge Carvalho Guedes

Os protocolos variam quanto aos intervalos de avaliação. Para lesões sem


indicação cirúrgica imediata, com sinais de alerta, a repetição de RM entre
intervalo de 6 meses a um ano, seguido de intervalos bianuais até 5 anos, se
não houver alterações. Os demais protocolos mantêm a observação por toda
a vida.
Pacientes operados por NCP com câncer, mesmo totalmente ressecadas,
devem ser acompanhados com exames de imagem (RM ou endossonografia)
com intervalos bianuais.(2,3,6,8)

Referências

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 145


CAPÍTULO 13 - MANEJO DAS LESÕES NEOPLÁSICAS CÍSTICAS DO PÂNCREAS (NCP)

146 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500014

Capítulo 14

Nódulos hepáticos: como abordar?

José Eymard Moraes de Medeiros Filho

A disponibilidade de técnicas de radiologia não invasivas e de baixo custo,


representadas principalmente pela ultrassonografia de abdome (USG),
tem permitido a detecção de elevado número de lesões hepáticas nodulares,
seja de modo incidental como em consequência de programas de rastreamento
em pacientes com doenças hepáticas crônicas. A maior disponibilidade de
métodos com utilização de equipamentos multidetectores e/ou contrastes
hepatoespecíficos tem permitido a avaliação não invasiva das características
desses nódulos como lesões hepáticas benignas ou malignas.
No que se refere às características dos nódulos hepáticos, podem ser císticos
(que habitualmente prescindem de investigação radiológica posterior, notadamente
os cistos simples) ou sólidas, devendo estas ser melhor avaliadas por tomografia he-
licoidal trifásica (TC) ou por ressonância magnética nuclear (RMN), em aparelhos
de alta resolução, de modo dinâmico, com avaliação contrastada das diferentes fa-
ses de preenchimento e esvaziamento vascular (fases arterial, portal e de equilíbrio).
A compreensão e o conhecimento dos aspectos clínico-epidemiológicos
são de grande importância na avaliação dos nódulos hepáticos, notadamente
a presença de cirrose, principal fator de risco para carcinoma hepatocelular,
a neoplasia maligna primária do fígado mais frequente. Assim, nódulos em
fígados não cirróticos apresentam possibilidades maiores de serem benig-
nos, embora nódulos benignos possam surgir em fígados cirróticos e o car-
cinoma hepatocelular também ocorra em fígados normais.
Quanto a sua origem tecidual, podem se originar do hepatócito
(carcinoma hepatocelular, adenoma hepático e hiperplasia nodular focal),

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 147


CAPÍTULO 14 - NÓDULOS HEPÁTICOS: COMO ABORDAR?

do epitélio biliar (cistos hepáticos e colangiocarcinoma) e das estruturas


mesenquimais (hemangioma).

Lesões císticas do fígado

Os cistos hepáticos simples originam-se da dilatação progressiva de mi-


crohamartomas biliares, sem comunicação com a árvore biliar, possuindo
caráter benigno, eventualmente ocorrendo lesões pré-malignas ou malignas,
como cistadenoma e cistadenocarcinoma.
As mais frequentes são os cistos simples, habitualmente achado incidental
em indivíduo assintomático, tendo a USG 90% de sensibilidade e especificidade
no diagnóstico (fig. 1). Não requerem tratamento específico, nem necessitam de
acompanhamento periódico, devendo-se ficar atento no diagnóstico incidental de
um cisto hepático quando da presença de margens irregulares, forma oval, septa-
ções internas, conteúdo espesso e calcificações, assim como realce pelo contraste
na TC e RMN, havendo a possibilidade diagnóstica de cistadenoma e do cistade-
nocarcinoma nesses casos, devendo ser submetidos a tratamento cirúrgico.

FIGURA 1. Cisto Hepático Simples

148 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Eymard Moraes de Medeiros Filho

Hemangiomas hepáticos

São tumores benignos, frequentes, constituídos por múltiplos vasos re-


vestidos por única camada de células endotelial dentro de um estroma fibro-
so fino, considerados malformações vasculares ou hamartomas congênitos
que se ampliam por ectasia e não por hiperplasia ou hipertrofia.
Habitualmente assintomáticos, o diagnóstico é ocasional em USG
de rotina, podendo ser único ou múltiplo e de diferentes tamanhos, sen-
do atualmente considerados gigantes aqueles com diâmetro superior
a 10 cm, quando, a depender do seu tamanho e localização, compres-
são de estruturas vizinhas, podem causar sintomas como dor abdominal
(por trombose ou distensão da cápsula de Glisson) e saciedade precoce.
Apesar de habitualmente não alterarem seu tamanho, podem crescer e con-
sumir fatores de coagulação dentro dos lagos venosos em estase, quadro
denominado de síndrome de Kasabach-Merritt.
Ao USG, caracterizam-se como nódulo hiperecogênico, habitualmente
periférico, arredondado, bem delimitado, com reforço acústico posterior,
devendo a realização de TC ou RMN ser feita em casos de dúvida
diagnóstica ou em pacientes com risco de carcinoma hepatocelular ou
neoplasia metastática. Apresenta-se como nódulo hiperintenso na fase
T2 da RMN ou como imagem hipodensa na TC sem contraste. Nas fases
contrastadas, observa-se enchimento do realce na periferia, seguido por
um padrão centrípeto durante a fase tardia, de aspecto globuliforme (fig.
2). Eventualmente, pequenos hemangiomas com realce uniforme rápido são
indistinguíveis das metástases hipervasculares e do carcinoma hepatocelular.
Biópsia somente deve ser realizada nas raras situações em que, apesar da
realização das técnicas de imagem, não se fez o diagnóstico e permanece
a suspeita de lesão neoplásica maligna. Seu tratamento é conservador,
sugerindo-se controle semestral ou anual por USG quando a lesão for
maior que 5 cm. A indicação de cirurgia é bem estabelecida quando ocorre
ruptura e sangramento intraperitoneal, sintomas incapacitantes devido a
grandes hemangiomas ou ainda falha em excluir um tumor maligno pelos
exames radiológicos. Técnicas não cirúrgicas incluem a embolização da

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 149


CAPÍTULO 14 - NÓDULOS HEPÁTICOS: COMO ABORDAR?

FIGURA 2. Hemangioma Hepático

artéria hepática e radioterapia. A embolização arterial tem sido usada para


controlar a hemorragia aguda, para controlar os sintomas e para diminuir
hemangiomas antes da ressecção cirúrgica.
É pouco provável o surgimento de complicações de hemangiomas
hepáticos pequenos durante a gravidez ou com o uso de contraceptivos
orais. Nos tumores grandes é recomendável o monitoramento conserva-
dor do tumor durante a gestação, mas o uso de contraceptivos orais em
pacientes com hemagioma não está contraindicado.

Hiperplasia nodular focal

É o segundo tumor benigno mais comum, geralmente único (80-95%),


localizado no lobo hepático direito na maioria dos casos, predominando em
mulheres jovens, assintomáticas, sendo decorrente de resposta hiperplásica
à hiperperfusão ou isquemia, associada à lesão vascular de uma artéria anô-
mala, localizada no seu interior. Apresenta uma cicatriz central, com septos
radiados, lobulada e não encapsulada e não costuma apresentar complica-
ções como sangramento nem evoluir para malignização.

150 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Eymard Moraes de Medeiros Filho

Ao achado ao USG, deve ser confirmada por TC ou RMN com uso de


contraste e avaliação dinâmica. Na ausência de lesão cicatricial central e/ou
outros sinais sugestivos de HNF, havendo dúvidas entre adenoma e HNF,
o uso de contrastes hepatespecíficos (derivados do gadolínio, captado por
células hepáticas funcionalmente ativas, podendo oferecer informações ana-
tômicas e funcionais do fígado) está indicado. Após o contraste, observa-se
realce hipervascular precoce intenso com distribuição centrífuga e homo-
geneização (até desaparecimento do nódulo) subsequente, tendo a cicatriz
central realce tardio (fig. 3).
Confirmado o diagnóstico de HNF, a conduta é conservadora, sem ne-
cessidade de tratamento específico, com acompanhamento a intervalos que
podem variar de seis meses a dois anos, conforme sua evolução. Nódulos
muito grandes, com sintomas ou compressão de órgãos vizinhos, devem ser
avaliados para ressecção cirúrgica.
O seu diagnóstico diferencial é principalmente com o adenoma hepático.
Embora o papel dos contraceptivos orais no desenvolvimento da HNF seja
discutível, alguma evidência existe de que os contraceptivos acentuam a ano-
malia vascular na HNF e causam aumento da lesão, devendo ser evitados.

FIGURA 3. Hiperplasia Nodular Focal

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 151


CAPÍTULO 14 - NÓDULOS HEPÁTICOS: COMO ABORDAR?

Adenomas hepáticos

São a terceira neoplasia benigna do fígado, predominando em mulheres


na idade fértil entre 20 e 44 anos, relacionados com o uso de estrogênios (au-
menta sua incidência em mais de 30 vezes,) com relação direta com a dose e
o tempo de uso, podendo regredir com sua suspensão. Em geral, são assinto-
máticos e de bom prognóstico, mas podem apresentar sangramento e a trans-
formação carcinomatosa (mais frequentes nos nódulos maiores de 5 cm). São
classificados em 4 diferentes tipos: a) AH associado à mutação que inativa o
gene supressor de tumor “hepatocyte nuclear factor 1alfa” (HNF1A), ocor-
re quase exclusivamente em mulheres em uso de contraceptivos e apresenta
pouca tendência a complicações; b) AH com mutações que ativam o gene
Beta-catenina, sendo mais frequentes em homens (AH-B). Ocorrem em 10 a
15% dos casos e apresentam maior risco de transformação carcinomatosa; c)
AH inflamatórios (também denominados esteatóticos), sendo mais frequentes
em mulheres e os mais associados à obesidade e síndrome metabólica (AH-I),
com maior risco de ruptura e sangramento; d) AH indeterminados.
Os três primeiros subtipos podem apresentar achados específicos na Res-
sonância Magnética (RM), que podem determinar sua classificação favore-
cendo a decisão terapêutica. Desse modo, a RM é o exame de imagem mais
indicado para o diagnóstico do AH, que se apresenta como lesão hipervas-
cular, com realce arterial precoce e clareamento na fase portal, tornando-se
isointenso com o parênquima nas fases subsequentes (fig. 4). Não se reco-
menda a realização de biópsias percutâneas pelo alto risco de sangramento
e pelo fato de o material obtido frequentemente ser insuficiente para um
diagnóstico definitivo.
As principais complicações são ruptura e hemorragia, sendo os principais
fatores de risco tumores maiores do que 5 cm, subtipo AH-Inflamatório e
gravidez. Malignização pode ocorrer em até 8% dos casos, relacionada a
tumores maiores que 5 cm, sexo masculino independentemente do tamanho
(com risco 5 a 10 vezes maior do que entre as mulheres) e o subtipo AH-B.
O controle de nódulos sem indicação cirúrgica deve ser realizado semes-
tralmente, por métodos de imagem com contraste, seja US, TC ou RM. A

152 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Eymard Moraes de Medeiros Filho

FIGURA 4. Adenomas Hepáticos

biópsia hepática deve estar reservada apenas para casos duvidosos por apre-
sentar riscos de sangramento, já que se trata de tumor hipervascular.
Assim como a gestação, o uso de ACO ou esteroides anabolizantes está re-
lacionado com crescimento dos adenomas e deve ser suspenso. Em mulheres
na idade fértil, com AH grande (> 5 cm), é preferível sua remoção cirúrgica
antes de gravidez. A grande tendência de malignização de AH em homens é
outra indicação cirúrgica, desta vez independente do tamanho do nódulo.

Carcinoma hepatocelular

O carcinoma hepatocelular apresenta distribuição mundial heterogênea,


relacionada aos fatores etiológicos (VHB, VHC e exposição à aflatoxina
B1), com incidência no Brasil estimada em 3,5% em cirróticos, com au-
mento progressivo de 80% nas últimas duas décadas (El-Serag, 2007). Uma
característica relevante é a presença de cirrose hepática, contexto clínico
em que o achado de um nódulo sólido impõe o seu diagnóstico diferencial.
Devido a sua elevada frequência, com morbidade e mortalidade relevantes e

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 153


CAPÍTULO 14 - NÓDULOS HEPÁTICOS: COMO ABORDAR?

uma população de risco bem definida, justifica-se o seu rastreamento, sendo


a ultrassonografia de abdome a cada seis meses (associada a Alfafetopro-
teína) teste eficaz, não invasivo e de baixo custo, com relevante papel no
rastreamento e detecção precoce de lesão suspeita (fig. 5).

FIGURA 5. Carcinoma hepatocelular

Exames contrastados, dinâmicos e trifásicos (TC ou RMN) apresentam


como achados característicos a presença de realce arterial (wash-in) com
clareamento nas fases portal e de equilíbrio (wash-out), com sensibilidade e
especificidade de 90% e 95% respectivamente (fig. 6). Por outro lado, cerca
de 30% dos hepatocarcinomas não exibem este padrão radiológico típico,
especialmente os menores que 2 cm de diâmetro e aqueles bem diferencia-
dos. Para muitos desses tumores sem identificação radiológica, a biópsia
passa a ser a opção diagnóstica.
O papel da biópsia no diagnóstico do CHC é inquestionável, embora
pouco realizada devido ao diagnóstico ser firmado com base nos méto-
dos de imagem na ampla maioria dos casos. Entretanto, resultados ne-
gativos não excluem a presença do CHC. São limitantes da biópsia:

154 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Eymard Moraes de Medeiros Filho

FIGURA 6. Carcinoma hepatocelular

nódulos pequenos, disseminação do tumor pelo procedimento, sangra-


mentos, acessibilidade, coagulação comprometida do paciente e dificul-
dade no diagnóstico diferencial entre nódulos displásicos de alto grau e
CHC precoce. São recomendações na avaliação de nódulos hepáticos em
pacientes cirróticos (fig. 7):
• cirróticos que apresentam nódulo < 1 cm de diâmetro detectado por US
devem ser acompanhados a cada 3-6 meses até 1-2 anos. Após este pe-
ríodo, se a lesão permanecer estável, a investigação volta para a rotina,
ou seja, US a cada 6 meses (nível de evidência 3).
• cirróticos que apresentam nódulo entre 1 e 2 cm de diâmetro detecta-
dos por US devem ser avaliados por 2 exames de imagem dinâmico
(TC e RMN) e o diagnóstico de CHC será confirmado com base nos
achados típicos. Casos sem achados típicos podem ser acompanhados
com TC ou RM a cada 3-4 meses ou avaliados por biópsia. Naqueles
avaliados por biópsia em que o resultado foi inconclusivo, uma segun-
da biópsia pode ser realizada ou pode-se fazer o acompanhamento por
imagem (nível de evidência 2).

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 155


CAPÍTULO 14 - NÓDULOS HEPÁTICOS: COMO ABORDAR?

• cirróticos que apresentam nódulos ≥ 2cm de diâmetro detectados por


US devem ser avaliados por exames de imagem dinâmico (TC ou RM)
e o diagnóstico de CHC será confirmado com base nos achados típicos.
Em casos sem achados típicos na imagem, a biópsia pode ser realizada.
Em casos em que a biópsia foi inconclusiva, uma segunda biópsia pode
ser realizada ou a avaliação com imagem deve ser mantida a cada 3-4
meses (nível de evidência 2).

FIGURA 7. Nódulo hepático à US de um paciente com cirrose hepática


Nódulo hepático à US de um paciente com cirrose hepática

< 1 cm 1-2 cm > 2 cm

Dois estudos de imagem dinâmicos Um estudo de imagem dinâmico


Repetir
US em 3-4 Padrão vascular típico Padrão vascular Padrão vascular Padrão Padrão vascular
meses coincidente nos 2 típico em 1 atípico em ambos vascular típico ou
estudos dinâmicos estudo dinâmico estudos dinâmicos atípico AFP > 200 ng/ml

Estável por Aumentando Biopsia


18-24 meses
Diagnóstico de CHC Não Diagnóstico Outro Diagnóstico
Retornar ao Proceder de
protocolo de acordo com Repetir a biopsia ou
rastreamento tamanho seguimento com imagem
(6-12 meses) da lesão
Alteração no tamanho ou perfil

Repetir biopsia
e/ou imagem
Positiva Negativa

Tratar como Carcinoma Hepatocelular

Referências

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José Eymard Moraes de Medeiros Filho

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 157


CAPÍTULO 14 - NÓDULOS HEPÁTICOS: COMO ABORDAR?

158 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500015 José Galvão-Alves

Capítulo 15

Pancreatite Crônica - 2016

José Galvão-Alves (coordenador) • Carlos de Barros Mott • Dulce Reis Guarita


Alexandre Rezende • Andréa de Faria Mendes • Antonio Alexandre Siciliano
Carlos Frederico Pereira Porto Alegre Rosa • Columbano Junqueira Neto
Glaciomar Machado • Heber Azevedo • Jorge Carvalho Guedes
José Eduardo Monteiro da Cunha • José Marcus Raso Eulálio • Júlio Maria Fonseca Chebli
Marcel Machado • Maria da Penha Zago Gomes • Marianges Zadrozny Gouvêa da Costa
Marta Carvalho Galvão • Martha Regina Arcon Pedroso • Paulo Brant
Raquel Canzi Almada de Souza • Ricardo Henrique Rocha Rodrigues
Rubens Basíle • Simone Guaraldi • Thiago Tatagiba • Amanda Melo de Paula
Fernando Assed Gonçalves • Eric Silva Pereira

Introdução

A pancreatite crônica tem ganhado uma especial atenção na literatura


médica atual, pois, com o reconhecimento da pancreatite autoimune,
do avanço dos estudos genéticos e das aquisições tecnológicas mais moder-
nas, como colangio ressonância magnética e ecoendoscopia (Ultrassom-En-
doscópico), podemos definir mais claramente suas etiologias, avaliar suas
complicações e decidir com mais presteza nossas opções terapêuticas.
Apresentamos neste capítulo um resumo da última Diretriz de Pancreati-
te Crônica (2016), elaborada por 29 colegas habituados ao convívio diário,
durante anos, com esta importante condição.

Definição

As pancreatites crônicas (PC) caracterizam-se por fibrose progressiva do


parênquima glandular, inicialmente focal e, a seguir, por todo o pâncreas.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 159


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

Do ponto de vista evolutivo, geralmente há persistência das lesões, mesmo


com a retirada do fator causal, talvez excetuando-se a pancreatite autoimune,
que pode involuir com a corticoterapia.(1)

Classificação

Embora existam inúmeras classificações de pancreatite crônica, as duas


mais referidas na literatura são a de Marselha-Roma (1988) e TIGAR-O
(2001). Em nossa Diretriz, idealizou-se uma classificação que teria como
base a de Marselha-Roma, porém acrescentando-se de maneira individu-
alizada as autoimunes, a exemplo do que observa-se em TIGAR-O.(1,2,3,4,5)
Assim, o quadro 1 mostra o que consideramos o ideal em nosso meio.

QUADRO 1. Pancreatite Crônica - Classificação


Pancreatite Crônica Calcificante
Álcool
Genética
Metabólica
Nutricional
Idiopática
Pancreatite Crônica Obstrutiva
Pancreas divisum
Estenose ducto pancreático principal
Estenose papila
Tumores pâncreas e tumores periampulares
Pancreatite Autoimune
PC isolada
PC sindrômica
Pancreatite Não Classificada
Adaptado de Sarles et al., 1989(4) e Etemad e Whitcomb, 2001(1)

Etiologia

Pancreatite crônica (PC) é uma afecção complexa de etiologia diversa,


predominando no Ocidente, especialmente no Brasil, a etiologia alcoólica.
O álcool é o principal fator etiológico da PC, atuando como um cofator em

160 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

pessoas que são suscetíveis a desenvolver a doença por outros motivos, den-
tre eles genéticos e ambientais.
O tabagismo aumenta o risco de PC e acelera a progressão de todas as
formas da doença. O risco de pancreatite crônica é sete a 17 vezes maior para
tabagistas comparado a não fumantes.
De acordo com Dani, Mott, Guarita e Nogueira, em estudo epidemioló-
gico das PC em Belo Horizonte e São Paulo, o álcool responde por cerca de
90% da etiologia em nosso meio.
Estes dados foram confirmados em outros centros brasileiros. Recente-
mente ganharam importância outras etiologias de PC, particularmente for-
mas genéticas, obstrutivas e autoimunes, as quais devem ser fortemente con-
sideradas, em especial, na ausência de alcoolismo.
Sumarizando, a PC é uma doença complexa que envolve predisposição
genética, resposta imune e inflamatória, participação de fatores ambientais
(álcool, tabagismo, nutrição) e metabólicos, que atuam de forma interativa
na maioria das vezes.(6,7,8)

Manifestações clínicas

Considerando a etiologia mais comum em nosso meio, a alcoólica, a PC


será predominante no sexo masculino e suas principais manifestações serão
dor recorrente em andar superior do abdome, desencadeadas por ingesta al-
coólica e/ou alimentar, emagrecimento e, em fases mais avançadas, diabete
e esteatorreia.
Icterícia, derrames cavitários (ascite e pleural), peseudocistos e hemorra-
gia digestiva constituem as principais complicações, que podem ocorrer em
qualquer período da doença, porém são mais frequentes no início quando
há mais parênquima pancreático funcionante.(1,9,10) Embora na literatura haja
extensa referência à maior incidência da neoplasia pancreática em nosso
meio, este achado é conflitante.
Finalmente, em pacientes portadores de pancreatite crônica de causa in-
determinada, devem ser lembradas as possibilidades, raras, de pancreatite
hereditária, de pancreatite autoimune e de fibrose cística.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 161


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

Avaliação laboratorial(11,12,13,14,15,16,17,18)

O diagnóstico laboratorial da PC fundamenta-se na avaliação da fun-


ção exócrina da glândula, com identificação de insuficiência exócrina
pancreática (IEP). Esta, porém, não é específica da PC, pois pode estar
relacionada a outras alterações pancreáticas, como obstruções ductais
(benignas e malignas), fibrose cística do pâncreas, anomalias congênitas,
entre outras.
As dosagens séricas da amilase e da lipase têm baixa sensibilidade para a
PC, embora, quando elevadas, nos induzam ao diagnóstico de agudização da
PC ou de complicações, como pseudocisto.
Os testes laboratoriais que documentam a insuficiência glandular exó-
crina são sensíveis somente em fases avançadas da PC; os que avaliam a
secreção da glândula têm potencial para detectar a PC em fases iniciais e
são chamados de testes funcionais diretos, pois analisam os componentes do
suco pancreático após estímulo hormonal. No entanto, são invasivos e não
estão disponíveis na prática clínica diária.
Entre os testes laboratoriais que avaliam a IEP na PC de forma indireta,
a dosagem fecal da elastase -1, por ser enzima exclusivamente pancreática e
não degradável no trato digestório, é útil nos casos de insuficiência exócrina
moderada ou grave. O teste respiratório com triglicerídeos marcados com
C13 também auxilia na detecção da IEP, em fases avançadas da PC, mas não
é acessível no nosso meio.
A quantificação da gordura fecal é um método para diagnóstico da es-
teatorreia. Pode ser útil, em alguns casos específicos, para a avaliação da
resposta à reposição exógena de enzimas. É um método de difícil realização
e pouco disponível em nosso meio.
A pesquisa qualitativa de gordura fecal (Sudam III) não é útil como crité-
rio diagnóstico de esteatorreia, por sua baixa sensibilidade.
Em relação à PC de origem autoimune, os exames laboratoriais po-
dem contribuir para o diagnóstico, principalmente os marcadores de au-
toimunidade. Merecem destaque a hiperglobulinemia, o fator antinuclear
(FAN) e a IgG4.

162 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

Avaliação por imagem

A) Radiologia convencional(19,20,21,22)
A radiografia panorâmica do abdome tem uma boa sensibilidade para de-
tecção de calcificação pancreática (mais alta que a ultrassonografia e mais
baixa que a tomografia computadorizada). Embora altamente sugestiva de
pancreatite crônica, sobretudo em pacientes alcoolistas, a calcificação no
leito pancreático tem outros diagnósticos diferenciais, como hematoma e/ou
infarto pancreáticos, metástases, pseudocistos, neoplasias císticas, tumores
neuroendócrinos, dentre outros. Alterações calcificantes na coluna lombar
e ateroma aórtico podem ser confundidos com calcificação pancreática na
incidência frontal, podendo ser diferenciados com a incidência em perfil.
Outro achado menos específico que sugere massa na cabeça pancreática
é a presença de alargamento do arco duodenal, melhor visibilizado com uso
de contraste oral baritado, mas que hoje, com a disponibilidade da ultrasso-
nografia e tomografia computadorizada, não constitui uma indicação formal
para esta finalidade. Aumentos focais em outros locais do pâncreas podem
determinar rechaço de alças digestivas.
A radiografia do tórax deve complementar o estudo radiológico, pois
pode identificar complicações, como derrame pleural e pseudocistos intrato-
rácicos, dentre outros.

B) Ultrassonografia do abdômen(19,20,21)
Atrofia glandular, heterogeneidade parenquimatosa, calcificações, irregu-
laridade e/ou dilatação ductal e complicações como formações císticas e/
ou sólidas, dilatação das vias biliares e derrames intracavitários podem ser
detectadas pela ultrassonografia transabdominal. Não avalia pequenas alte-
rações ductais (irregularidades ou pequenas dilatações).

C) Tomografia computadorizada(19,20,21)
Atualmente é o método de imagem de escolha na avaliação inicial da
pancreatite crônica clinicamente suspeita. Aumento ou atrofia do pâncreas,
dilatação do ducto pancreático principal, presença de calcificações,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 163


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

pseudocistos, pseudoaneurismas, obstrução do tubo digestivo, espessamento


de planos fasciais e envolvimento dos ductos biliares são achados e compli-
cações detectáveis.
A diferenciação entre pancreatite crônica e carcinoma pancreático, quando
encontramos aumento focal ou difuso da glândula e/ou alteração textural, é por
vezes impossível pelos métodos de imagem, até mesmo ressonância magnética
e ecoendoscopia, sem a complementação histológica. Se há extenso tecido fi-
broso, nota-se retardo da captação pelo meio de contraste, o que dificulta ainda
mais o diagnóstico diferencial; no entanto, a presença de calcificações paren-
quimatosas é o achado mais sensível e específico para pancreatite crônica.
Presença de mais de 10 focos de calcificações parenquimatosas correla-
ciona-se com fibrose em estágio avançado. A TC é mais sensível para detec-
ção de calcificações parenquimatosas do que os demais métodos de imagem
não invasivos.
A atualmente denominada pancreatite da goteira duodenopancreática
(“groove pancreatitis”), é uma forma rara de pancreatite crônica que afeta
o espaço entre a cabeça pancreática, o duodeno e o colédoco. A causa é des-
conhecida, mas há forte associação com o abuso do álcool, a hiperplasia da
glândula de Brunner e a obstrução funcional do ducto de Santorini (papila
menor). No entanto, pode ser difícil a diferenciação de malignidade periam-
pular apenas pela imagem.
Uma forma não rara de pancreatite crônica é a de etiologia autoimune,
como componente da síndrome IgG4.

D) Ressonância magnética e colangio ressonância magnética(23,24,25)


A ressonância magnética (RM) tem a capacidade de detectar e carac-
terizar alterações do parênquima pancreático e dos ductos pancreáticos na
pancreatite crônica, valendo-se de sequências que propiciam diferenciação
tecidual e da técnica de colangiopancreatografia por ressonância magnética
(CPRM).
Os aspectos de imagem mais típicos da pancreatite crônica são as cal-
cificações, mais facilmente identificadas na tomografia computadorizada e
de difícil caracterização nos exames de RM. A atrofia e a heterogeneidade

164 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

parenquimatosa são idealmente verificadas com a administração intravenosa


de substância de contraste (gadolínio). Associam-se a estes achados a di-
latação do ducto principal e/ou secundários, bem como o padrão alternado
de estenose/dilatação ductal, a presença de cálculos intrapancreáticos e de
pseudocistos. Quando disponível, preconiza-se a utilização da secretina por
via endovenosa nos protocolos de CPRM (sCPRM), que, face à maior quan-
tidade de secreção resultante, propicia melhor identificação de alterações
morfológicas dos ductos pancreáticos, inclusive em fases precoces da pan-
creatite crônica.
Sendo assim, a análise morfológica completa do pâncreas pela ressonân-
cia magnética, nos casos confirmados de pancreatite crônica ou nas suspei-
tas, deve incluir as sequências multiplanares tradicionalmente aplicadas para
caracterização tecidual (sequências pesadas em T1, antes e após a adminis-
tração de contraste paramagnético, e sequências pesadas em T2, ambas asso-
ciadas a técnicas com supressão de gordura), bem como técnica para análise
da morfologia ductal (CPRM).

E) Colangiopancreatografia retrograda endoscópica (CPRE)(26,27,28,29)


Embora até o momento não exista um verdadeiro “padrão ouro”, a endos-
copia ainda é considerada o melhor método para o diagnóstico de pancreatite
crônica, especialmente em um subgrupo de pacientes com dor abdominal
crônica e suspeita diagnóstica, porém que não apresentam evidências clínicas
claras de insuficiência pancreática ou imagenologia anormal. Atualmente, a
posição ocupada pela endoscopia tornou-se ainda mais forte, considerando-
-se, em conjunto, a complementação da CPER pela ecoendoscopia que, além
das imagens que fornece, possibilita a colheita de material através de agulhas
para avaliação histopatológica. Do ponto de vista da CPER, representam li-
mitações ao exame papilas localizadas no interior de divertículos duodenais
que tenham orifício de entrada muito estreito. Pacientes gastrectomizados à
Billroth II com alça aferente longa ou com reconstrução do trânsito à Y de
Roux ou submetidos à cirurgia bariátrica, cujas papilas localizam-se a uma
distância fora do alcance dos duodenoscópios convencionais, são hoje fac-
tíveis ao procedimento, através dos enteroscopios de balão(ões) assistidos.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 165


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

Atualmente, com o advento da pancreatografia por ressonância magné-


tica e da ecoendoscopia, a CPER tornou-se um método mais terapêutico
do que diagnóstico. Por exemplo: a estenose e a litíase no duto pancreático
principal geralmente se acompanham de hipertensão canalicular. No caso de
estenose única localizada no óstio do canal pancreático principal, é possível
o tratamento endoscópico pela osteotomia seletiva do Wirsung e nas este-
noses múltiplas pelo emprego de balões hidrostáticos. Igualmente, na litíase
pancreática, é possível a extração dos cálculos empregando as cestas de Dor-
mia após a realização de osteotomia e litotripsia mecânica ou por ondas de
choque. Nas fístulas, a endoscopia possibilita a implantação de endopróteses
plásticas, que devem permanecer até que ocorra o seu fechamento ou que se
torne óbvio o insucesso desta terapêutica. De igual forma, é possível a dre-
nagem dos cálculos, principalmente os que estão em contato com a parede
posterior do estômago ou duodeno, considerados de localização ideal para
abordagem endoscópica. Além disso, nos cerca de 10% a 30% de pacientes
com pancreatite crônica que desenvolvem estenose da porção intrapancreá-
tica do colédoco, a endoscopia oferece a alternativa de drenagem biliar por
endopróteses nos casos que representem alto risco cirúrgico.

F) Ecoendoscopia(30,31,32,33,34)
A ecoendoscopia (EE) deve ser indicada para o diagnóstico de PC após
insucesso dos outros métodos de imagem. A EE produz imagens detalhadas
do pâncreas. Este método possibilita avaliar critérios morfológicos parenqui-
matosos (focos e traves hiperecoicas, lobularidade glandular, cistos e calcifi-
cações) e ductais (ectasia ductal principal e secundária, irregularidade ductal,
paredes ductais hiperecoicas e calcificações), possibilitando estadiar a PC.
Não existe padronização da técnica e a maioria das publicações empre-
ga terminologia ecográfica não consensual, dificultando a interpretação e a
concordância dos achados sobretudo entre os observadores. Organizando os
critérios morfológicos ecográficos, o 1º Consenso de Rosemont (2007) pro-
pôs uma classificação diagnóstica gradativa.
A EE permite a detecção de alterações da PC leve, possivelmente não
visíveis a outros métodos de imagem, unindo elementos qualitativos e

166 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

quantitativos, espera estabelecer o diagnóstico ecoendoscópico da PC por


meio da soma de seus critérios.
No entanto, tomando por base apenas achados ecoendoscópicos, ainda
permanece controverso o diagnóstico da PC inicial.
Com a progressão da doença, achados como cálculos, focos hiperecoicos,
focos com sombra acústica posterior e ectasia ductal principal podem es-
tar correlacionados à insuficiência pancreática, possivelmente contribuindo
com a decisão terapêutica.
Representando novo recurso semiológico ecográfico, a elastografia qua-
litativa e a quantitativa podem contribuir na identificação gradativa dos dife-
rentes grupos descritos na classificação de Rosemont e da probabilidade de
haver insuficiência pancreática.
Pelo risco de complicação e pela ausência de critérios histológicos definidos
para PC, a indicação de punção ecoguiada aspirativa com agulha fina (EE-
-PAAF) ficou restrita ao diagnóstico diferencial das massas pancreáticas, nota-
damente das neoplasias malignas pancreáticas. Embora sem consenso e reco-
mendando considerar a relação custo-benefício em cada caso, estudos recentes
demonstram que a EE-PAAF melhora o valor preditivo negativo da EE e, com-
binada aos seus achados, pode contribuir na compreensão da fase de doença.

Terapêutica

a) Dor(35,36,37,38,39,40)
A dor é sintoma cardinal da PC, acometendo mais de 90% dos casos,
sendo incapacitante na metade deles. Seu controle é objetivo principal no
tratamento da doença.
Entre as medidas gerais para o controle da dor, a abstinência alcoólica
é indispensável, sendo o álcool agressor direto ao pâncreas, promotor de
inflamação e estímulo secretório com modificações na composição do suco
pancreático, agravando a obstrução intracanalicular.
A suspensão do tabaco é essencial, pois a nicotina é fator de risco inde-
pendente na gênese da PC e na instalação e progressão da dor por mecanis-
mos neuropáticos.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 167


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

A restrição dietética se aplica apenas aos episódios de agudização, deven-


do a alimentação ser retomada tão logo possível. O consumo de alimentos ri-
cos em nutrientes antioxidantes, tais como frutas e legumes, deve ser estimu-
lado, embora não seja suficiente como medida isolada para controle da dor.
A reposição de enzimas pancreáticas, embora com resultados inconsis-
tentes como medida analgésica isolada em estudos de metanálise, tem sido
largamente empregada para permitir o suporte nutricional adequado em pa-
cientes com dor, mesmo na ausência de esteatorreia. Esta reposição inibiria
o estímulo alimentar do pâncreas pela secretina/colecistocinina e as formu-
lações microcapsuladas e microesferuladas podem também ser empregadas
com essa finalidade.
O uso concomitante de inibidor de bomba de próton para a neutralização
ácida complementaria essa inibição e permitiria o controle de sintomas re-
sultantes da redução da secreção de bicarbonato pelo pâncreas.
A intensidade da dor e seu caráter crônico determinam quase sempre a
necessidade de tratamento analgésico medicamentoso escalonado, come-
çando pelos analgésicos comuns em associação com codeína e progredindo
para os outros opióides.
A resposta inadequada ao tratamento com opióides mais leves deve levar
sem retardos à utilização de analgésicos de ação central empregados no tra-
tamento da dor crônica neuropática, sendo a amitriptilina, a gabapentina e a
pregabalina os mais indicados.
A pregabalina deve ser empregada com cautela em pacientes em uso de
insulina, pelo risco de hipoglicemia.
A falência do tratamento clínico impõe a busca de outras causas de
dor, tais como pseudocistos, que podem causar hipertensão pancreática
parenquimatosa e ductal. Essas causas podem exigir tratamento endoscópico
ou cirúrgico.
Uma vez que a dor não sedada tende a se perpetuar por mecanismos de
reorganização neural e que as cirurgias que combinam técnicas de ablação
com descompressão ductal e parenquimatosa são menos eficientes no con-
trole da dor quando indicadas tardiamente, casos refratários ao tratamen-
to clínico devem ser considerados candidatos para tratamento cirúrgico,

168 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

pesando-se os riscos e as complicações cirúrgicas, entre as quais a instalação


do diabetes e a piora da insuficiência exócrina.
O bloqueio neural do plexo celíaco deve ser reservado para pacientes
com dor refratária sem condições para outras técnicas cirúrgicas, sendo seus
efeitos transitórios.

B) Insuficiência exócrina do pâncreas(41,42,43,44)


A pancreatite crônica é a principal causa de insuficiência exócrina do
pâncreas em adultos no mundo ocidental e tem no etilismo crônico seu prin-
cipal fator de risco.
No paciente com PC, a reposição enzimática deve iniciar-se precocemen-
te, quando a desnutrição de micro e macronutrientes se faz evidente, mesmo
na ausência de esteatorreia.
Recomenda-se já no primeiro contato com o paciente a mensuração labo-
ratorial de pré-albumina, albumina, vitaminas lipossolúveis, vitaminas B12,
ácido fólico, magnésio, cálcio, zinco, tiamina, que ajudará no diagnóstico
precoce de IEP, avaliação nutricional e resposta terapêutica.
Recomendam-se enzimas pancreáticas, em forma de minimicroesferas
ácidorresistentes, que tenham como principal componente a lipase para que
se misturem ao quimo e atinjam o duodeno, no qual, em pH > 5,0, promove-
rão uma adequada digestão.
A dose inicial é a avaliada de acordo com o grau de insuficiência ou dis-
função exócrina do pâncreas.(5) Em geral, inicia-se com 25.000-50.000 uni-
dades durante as principais refeições (café, almoço e jantar), relacionando-
-se com o grau de lipídeos ingeridos.
Não são aconselhadas dietas hipolipídicas, pois, além de pouco palatáveis,
aumentam o risco de déficit de ácidos graxos e de vitaminas lipossolúveis. Além
disso, a presença de gordura na dieta estimula a ação da enzima administrada.
Em caso de carência de micronutrientes, orienta-se associá-los sob a
forma de reposição junto às refeições.
Frente a uma resposta parcial ou inadequada, deve-se associar um blo-
queador H2 antes do café da manhã e jantar ou um inibidor de bomba de
prótons em jejum.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 169


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

Caso o objetivo não seja atingido, pode-se acrescentar mais 25.000 uni-
dades numa dose máxima de 75.000 U por refeição.
O paciente não responsivo e com diarreia e/ou esteatorreia deve ser ava-
liado quanto a supercrescimento bacteriano, enteroparasitoses, como giardí-
ase ou estrongiloidíase.

C) Insuficiência endócrina(45,46,47)
O diabete mellitus decorrente da PC (tipo III-c), caracterizado pela re-
dução da insulina, pela hipoglucagonemia e pela consequente labilidade do
controle glicêmico, necessita de orientação dietética com aporte calórico de
acordo com o IMC e índices glicêmicos de jejum e pós-prandiais.
A adaptação ao extrato enzimático prescrito deve ser observada, pois
muitas formulações não apresentam biodisponibilidade enzimática ade-
quada por alteração na conformação espacial da enzima pelo pH gástrico
(formulações não protegidas contra a acidez gástrica) ou condicionadas em
cápsulas de difícil degranulação, impossibilitando a adequada distribuição
junto ao bolo alimentar.
Na PC, a necessidade de altas doses de insulina é incomum, devido ao
déficit concomitante da secreção de glucagon e à desnutrição.
A utilização de hipoglicemiantes orais é a opção inicial em determinados
casos, seguida da insulinoterapia monitorada por mensurações dos níveis
glicêmicos nos períodos pré e pós-prandiais. Estas dosagens poderão au-
xiliar na posologia adequada da insulina, evitando-se assim os frequentes
casos de hipoglicemia, habitualmente mais graves do que os episódios de
hiperglicemias moderadas. O diabete tipo III-c raramente se complica com
cetoacidose.
A raridade dos acidentes de cetoacidose pode estar relacionada à diminui-
ção paralela de glucagon, que exerce um papel importante no agravamento
da cetoacidose do diabete tipo I. Também não parece haver diferença signi-
ficativa na necessidade de insulina entre os pacientes portadores de diabete
tipo I, II e III-c.
As complicações tardias do diabete tipo III-c, sobretudo aquelas relacio-
nadas às microangiopatias, merecem atenção especial. Estudos sugerem que

170 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

a microangiopatia diabética e suas complicações estão mais relacionadas aos


desequilíbrios metabólicos do diabete tipo III-c do que às desordens imuno-
lógicas ligadas ao DM tipo I.
A pancreatite autoimune necessita de tratamento específico com corti-
costeroides, com excelente resposta a curto prazo. No entanto, trabalhos re-
centes têm mostrado ocorrência frequente de resistência à corticoterapia e,
nesses casos, a terapia imunossupressora é uma opção.

Complicações

A) Complicações vasculares(48,49,50,51,52,53)
As complicações vasculares da PC, apesar de pouco comuns, associam-se
à elevada morbimortalidade, especialmente se não diagnosticadas precoce-
mente e tratadas de modo adequado. Devem ser consideradas no diagnóstico
diferencial de pacientes com PC, evoluindo com sangramento intracavitário e/
ou gastrointestinal. Tais complicações decorrem de lesões da vascularização
pancreática ou peripancreática, podendo ser de origem arterial ou venosa.
O acometimento vascular de artérias próximas ao pâncreas - esplênica,
hepática, gastroduodenal ou pancreaticoduodenal - pode levar à formação de
lesão cística vascular denominada pseudoaneurisma.
A evolução do pseudoaneurisma é variável, podendo haver sangramento
arterial para o interior do pseudocisto (com aumento do seu volume), para
a cavidade peritoneal (hemoperitônio) ou sangramento para o interior do
ducto pancreático (hemosuccus pancreaticus). Nesse último caso, o paciente
pode apresentar-se clinicamente com quadro de hemorragia digestiva alta,
que varia desde sangramento gastrointestinal intermitente até hemorragia
maciça com colapso circulatório e óbito.
As complicações vasculares da pancreatite crônica associadas ao acome-
timento venoso resultam de inflamação e trombose da veia esplênica - que
apresenta anatomia vulnerável, por localizar-se próxima à borda inferopos-
terior do pâncreas -, podendo desencadear hipertensão portal segmentar, se-
letiva ou esquerda, com consequente formação de varizes, predominante-
mente gástricas. Raramente há compressão ou obstrução portal.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 171


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

A obstrução ou a trombose da veia esplênica pode advir de diversas cau-


sas, como edema pancreático, fibrose e pseudocisto pancreático, com estase
venosa, lesão da íntima e hipercoagulabilidade.
Clinicamente, tais pacientes podem ser assintomáticos ou apresentar san-
gramento gastrointestinal de intensidade variável (sangue oculto, hematê-
mese, melena, hematoquezia ou anemia ferropriva).
Os métodos de avaliação por imagem - ultrassonografia abdominal com
Doppler, angiografia por tomografia computadorizada ou por ressonância
magnética, ecoendoscopia - são fundamentais para confirmar a suspeita clí-
nica de complicação vascular em paciente com PC. Porém, a angiografia
mesentérica permanece com papel expressivo nesse contexto clínico, pois,
além de permitir o diagnóstico de tais complicações e localização da origem
do sangramento, possibilita conduta terapêutica.
Em pacientes com sangramento proveniente de pseudoaneurisma, a em-
bolização angiográfica está indicada com intuito de promover hemostasia
definitiva e/ou estabilização hemodinâmica. Quando do insucesso ou indis-
ponibilidade do tratamento angiográfico, o tratamento cirúrgico deve ser re-
alizado, apesar de associar-se com alto índice de morbidade e mortalidade.
A esplenectomia é o procedimento cirúrgico mais eficaz em controlar, de
forma permanente, o sangramento gastrointestinal por varizes nos pacientes
com trombose de veia esplênica e hipertensão portal segmentar.

B) Pseudocisto(54,55,56)
O pseudocisto pancreático pode ser definido como uma coleção organi-
zada, rica em enzimas pancreáticas, que surge como consequência e perma-
nece após um episódio de pancreatite aguda ou após exacerbação de uma
PC. Este se desenvolve quando o ducto pancreático principal ou um dos
seus ramos se rompe, liberando secreção pancreática para o retroperitônio
ou para os planos peritoniais peripancreáticos. A sua parede é formada por
uma cápsula fibrosa, sem epitélio próprio.
A classificação revisada de Atlanta (2012) conceitua pseudocisto como uma
coleção exclusivamente líquida e com parede fibrosa. As coleções com mais
de quatro semanas de evolução, parede formada por tecido de granulação e

172 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

conteúdo misto em seu interior secundárias à pancreatite aguda são atualmente


caracterizadas como necrose organizada (“walled off necrosis” - WON).
História e exame clínico de PC, associados com exame de ressonância
magnética ou tomografia evidenciando alterações pancreáticas compatíveis
(calcificações, ducto pancreático em rosário, atrofia parenquimatosa) e cole-
ção peri-pancreática exclusivamente líquida com mais de quatro semanas de
evolução, são os achados típicos de um pseudocisto.
O diagnóstico diferencial deve ser feito com: (1) coleções fluidas agu-
das peripancreáticas, (2) coleções necróticas agudas, (3) necrose organizada
“walled off necrosis” - WON) e (4) neoplasias císticas do pâncreas.
A ressonância magnética é atualmente o exame de primeira linha na iden-
tificação de um pseudocisto, uma vez que caracteriza melhor as diferenças
entre pseudocistos e necrose organizada, secundária aos processos agudos.
Para o planejamento do tratamento, é importante ter informações detalhadas
sobre o ducto pancreático, bem como as relações anatômicas do pseudocisto.
A CPRE deve ser indicada criteriosamente devido ao seu potencial de
complicações, mas dentre as modalidades de imagem, é a que melhor ofe-
rece visão anatômica e dinâmica do ducto pancreático. É importante na ca-
racterização de comunicação entre o pseudocisto e o ducto pancreático e na
suspeita de síndrome de desconexão distal.
A ecoendoscopia, além do estudo morfológico, permite obter material
para análise bioquímica e citopatológica na dúvida diagnóstica.
O risco de complicações graves em pseudocistos assintomáticos tem sido
referido como menor que 10%. Diferentemente da concepção anterior, na
qual pseudocistos maiores que 6 cm e seis semanas de evolução sem regres-
são eram drenados, atualmente considera-se que pseudocistos assintomáti-
cos devem ser inicialmente observados. A drenagem percutânea só deve ser
realizada nos casos sintomáticos em que não há comunicação da coleção
com o ducto pancreático e com janela segura de drenagem. A drenagem
endoscópica é considerada a primeira escolha no tratamento de pseudocistos
sintomáticos, estando a cirurgia indicada nos casos de insucesso ou impos-
sibilidade do tratamento endoscópico. Estudo randomizado (Varadalajulu
et al, 2013) comprova esta afirmativa.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 173


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

Quando indicado, o tratamento cirúrgico habitualmente é realizado por


cistogastrostomia e cistojejunostomia em Y de Roux.
Na presença de síndrome de desconexão distal, o tratamento cirúrgico
permanece como primeira opção.

C) Derrame pleural(57,58,59)
O derrame pleural é uma apresentação clínica que resulta do escoamento
do suco pancreático para o espaço pleural secundário ao rompimento de
ductos pancreáticos ou de um pseudocisto. Pode ser volumoso e dificultar
a dinâmica respiratória, sendo uma complicação incomum. Se não tratada
adequadamente, associa-se à alta taxa de morbimortalidade.
O derrame pleural é mais comum à esquerda e corresponde a um exsuda-
to rico em amilase e lipase. Os pacientes, quando sintomáticos, apresentam-
-se mais comumente com tosse, dor torácica e dispneia. Em até um quarto
dos pacientes, pode-se verificar a presença simultânea de ascite pancreática.
O diagnóstico depende de uma grande suspeição clínica, devendo ser
considerado na vigência de derrame pleural sem etiologia definida. Pode ser
confirmado por exames de imagem (RX e TC de tórax) e análise laboratorial
do líquido pleural, que demonstra alto conteúdo de amilase (> 1.000 UI/L)
e proteínas (> 3 g/dL).
A TC e a RM com colangiorressonância são úteis na avaliação da morfo-
logia pancreática, dilatação, estenose dos ductos, pseudocisto e fístula.
A CPRE é indicada em casos de não identificação do trajeto fistuloso pelos
exames anteriores ou quando a colocação de endopróteses torna-se necessária.
O tratamento inicial é conservador e consiste em repouso gastrointesti-
nal com dieta oral zero, nutrição preferencialmente enteral elementar, ou
eventualmente parenteral total nos casos de desnutrição grave ou não fun-
cionamento do trato gastrointestinal. Repetidas drenagens (toracocenteses)
podem ser necessárias. A utilização de droga antissecretora (octreotide) per-
manece controversa.
O tratamento endoscópico/cirúrgico tem indicação na falha da terapia
conservadora, que deve durar até 2 a 3 semanas. O tipo de intervenção de-
pende da anatomia do ducto pancreático principal visto à CPRE.

174 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

D) Ascite(60,61,62)
Ascite pancreática é uma complicação pouco frequente na PC, associada
a alta morbidade e mortalidade. É necessária grande suspeição clinica, po-
rém o diagnóstico é fácil de realizar, pois as dosagens de amilase e proteína
elevadas no fluido cavitário confirmam a hipótese diagnóstica. Atualmente,
dieta enteral é a mais importante conduta terapêutica clínica. A realização de
um exame de imagem (CPRM, CPRE e TC) com a identificação do local de
ruptura do ducto ou do pseudocisto determina o tipo de tratamento.
Frente à ruptura de ductos secundários ou quando não é identificado o
ponto de ruptura, deve-se optar por tratamento clínico conservador. Na falha
do tratamento clínico, após três semanas, a terapia endoscópica é a conduta
de escolha. Nas rupturas parciais do ducto principal, a papilotomia com co-
locação de prótese pancreática ou sonda nasopancreática está indicada; nos
casos de ruptura total, o tratamento inicial deve ser cirúrgico. Quando há
ruptura de um pseudocisto comunicante com o ducto pancreático, a drena-
gem endoscópica do ducto é a primeira opção.

E) Obstrução biliar(63,64,65,66,67,68,69)
A incidência da obstrução das vias biliares em pacientes com PC varia de
quatro a 30%. As manifestações clínicas, quando presentes, são variáveis e
caracterizam-se por episódios de exacerbação e remissão. A principal queixa
é a presença de icterícia intermitente ou contínua eventualmente acompa-
nhada por episódios de colangite.
Inicialmente, opta-se pelo tratamento conservador, pois a icterícia pode
ser autolimitada pela diminuição do edema da região ou resolução de um
pseudocisto cefálico. A descompressão da via biliar é indicada quando a ic-
terícia persiste por mais de 30 dias ou na vigência de colangite.
A drenagem endoscópica constitui uma solução aceitável a curto e médio
prazos, mas não deve ser recomendada como tratamento definitivo, que é obtido
com maior sucesso pela cirurgia; entretanto, pode ser a única opção de tratamen-
to nos casos com hipertensão portal seletiva e com contraindicação cirúrgica.
A experiência clínica tem demonstrado piores resultados do tratamento
endoscópico nos pacientes com calcificação da porção cefálica do pâncreas.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 175


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

A cirurgia com anastomose coledocojejunal em Y de Roux proporcio-


na ótima drenagem biliar, sendo a melhor opção terapêutica a longo prazo.
No entanto, a escolha do tipo de cirurgia baseia-se também na condição
do paciente e na presença de outros fatores concomitantes, como obstrução
duodenal e complicações pancreáticas que requeiram tratamento cirúrgico.
A obstrução duodenal é menos frequente do que a da via biliar, ocor-
rendo em 0,5% a 13% dos pacientes internados. Pode apresentar-se de for-
ma transitória, mais comum, sendo causada pelo edema característico dos
episódios de agudização e, mais raramente, como obstrução prolongada ou
permanente, pela fibrose ou pseudocisto cefálicos. A obstrução duodenal
na PC pode se resolver com tratamento conservador, de modo semelhante
à obstrução biliar.
Os pacientes que persistem com sintomas após 3 a 4 semanas ou que apre-
sentam obstrução total do duodeno têm indicação de tratamento cirúrgico.
Os raros casos de pacientes com obstrução duodenal persistente devem
ser tratados por meio de gastroenteroanastomose, derivação ou drenagem de
pseudocisto ou mesmo duodenopancreatectomia, dependendo da associação
com outras lesões e com quadro de dor não responsiva ao tratamento clinico.

F) Fístulas(70,71,72,73,74)
As fístulas pancreáticas são definidas como a ocorrência de um extrava-
samento de secreção pancreática exócrina a partir de uma solução de conti-
nuidade do sistema ductal pancreático.
As fístulas podem ser divididas em fístulas internas (fluido pancreático
drena para cavidade peritoneal, pleural ou para vísceras adjacentes) ou ex-
ternas, com exteriorização cutânea da secreção pancreática.
As fístulas externas ocorrem quase sempre em decorrência de uma mani-
pulação direta do pâncreas por procedimentos propedêuticos ou terapêuticos.
As principais caracterizações de fístulas externas atualmente empregadas
são a da International Study Group for Pancreatic Fistulae (ISGPF-2005),
em que qualquer volume drenado a partir do terceiro dia, com amilase su-
perior a três vezes o nível sérico, é considerado fístula, e a de Sarr (2007),
que conceitua fístula pancreática como a drenagem superior a 30 ml,

176 Federação Brasileira de Gastroenterologia


José Galvão-Alves

após o quinto dia, com amilase superior a cinco vezes o valor de referência
para o nível sérico desta, embora não exista consenso sobre o assunto.
As fístulas pancreáticas são classicamente divididas em grau A (tratada
conservadoramente), grau B (necessita procedimentos intervencionistas) e
grau C (necessita reoperações em caráter de urgência). A ocorrência de fístu-
las de grau C se associa frequentemente a outros eventos abdominais (sepse,
sangramento ou perfuração de vísceras ocas), sendo diretamente responsá-
vel por um aumento na mortalidade destes pacientes. Existe atualmente uma
tendência a substituir a atual classificação do grau das fístulas pelos critérios
de Dindo-Clavien, que associa aspectos clínicos da evolução do paciente à
necessidade de intervenções em cada caso.
O tratamento das fístulas pancreaticocutâneas é em geral conserva-
dor. Fístulas direcionadas, não associadas a fatores obstrutivos, tendem
a evoluir bem, com fechamento espontâneo na maioria dos casos. O em-
prego de antibióticos pode ser necessário. Coleções localizadas podem
ser drenadas, preferencialmente por via percutânea, podendo, no entanto,
ser guiada por ecoendoscopia nos casos em que uma janela adequada não
possa ser obtida.
É importante obter uma drenagem ampla, independente da via de aces-
so escolhida. Intervenções cirúrgicas (abertas ou laparoscópicas) podem
ser necessárias em situações especiais, por sepse, hemorragia ou perfu-
ração visceral, estando sempre associadas a um aumento significativo
da mortalidade.

G) Necrose(75,76,77)
Necrose pancreática é definida como presença de parênquima não viável
detectável pela TC ou RM com contraste. Não é uma complicação comum na
PC, apresentando-se em aproximadamente 10% dos casos, de forma localiza-
da e em qualquer estágio da doença, mas sempre em episódio de agudização.
Existem ao menos dois mecanismos de necrose pancreática na PC: ati-
vação intrapancreática de enzimas e obstrução dos ductos pancreáticos,
levando à elevação da pressão intraductal, redução do fluxo sanguíneo,
isquemia e necrose.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 177


CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

As necroses na PC determinam uma série de complicações.


Nas situações de necrose focal, seguida de fibrose acometendo o ducto
pancreático principal, pode-se seguir dilatação ductal, hipertensão intrapa-
renquimatosa, que pode resultar em novos focos de necrose pelos mecanis-
mos anteriormente assinalados, ou então uma progressiva atrofia e disfunção
do órgão. Em algumas situações, a necrose pode evoluir para pseudocistos
pancreáticos de dimensões variáveis e com complicações diversas anterior-
mente citadas.
Embora menos comum do que na pancreatite aguda, este tecido inviável
pode infectar-se (necrose infectada) ou organizar-se e também se infectar.
Ambas merecem drenagem preferencialmente por procedimentos endoscó-
pico ou radiológico e, eventualmente, cirúrgico.

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CAPÍTULO 15 - PANCREATITE CRÔNICA - 2016

182 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500016

Capítulo 16

Intolerâncias alimentares:
o que há de novo?

Lorete Maria da Silva Kotze

D istúrbios gastrointestinais e sistêmicos relacionados aos alimentos


podem gerar sintomas semelhantes, embora desencadeados por mecanis-
mos diversos. Difícil é constatar qual/quais são os responsáveis. Mais ainda,
pode haver sobreposição de agentes causais. Na prática, os diagnósticos mais
cogitados são dispepsia, diarreia funcional e síndrome do intestino irritável.

Diferença com hipersensibilidade alimentar

A hipersensibilidade a alimentos pode ser decorrente de vários mecanis-


mos, daí as variadas manifestações clínicas. Os processos envolvidos podem
ser classificados em não imunológicos (intoxicações, intolerâncias etc.) e
imunológicos: alergias tipos I com liberação de IgE, imediata; tipo III com
liberação de imunocomplexos IgG, tardia. O diagnóstico é feito por suspeita
clínica e alguns testes laboratoriais (IgG) para determinar quais os alimentos
envolvidos (alérgenos). O tratamento é a exclusão dos alérgenos e substitui-
ção pelos toleráveis para compor dieta balanceada.

Doenças glúten-relacionadas

Glúten (“cola” em latim) é uma proteína encontrada em certos grãos,


incluindo trigo, centeio, cevada e aveia. É a substância que dá elastici-
dade às massas, porém é de difícil digestão. As doenças relacionadas ao
glúten podem ser classificadas de acordo com o mecanismo patogênico

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 183


CAPÍTULO 16 - INTOLERÂNCIAS ALIMENTARES: O QUE HÁ DE NOVO?

predominante: alérgico (alergia ao trigo), autoimune (doença celíaca) ou não


alérgico e não autoimune (sensibilidade ao glúten não-celíaca ou SGNC).
Na alergia ao trigo os outros cereais podem ou não ser consumidos de
acordo com os testes para detecção de alérgenos.
A doença celíaca (DC) é distúrbio autoimune em que se encontram an-
ticorpos circulantes contra o glúten e alterações na mucosa intestinal, em
indivíduos geneticamente predispostos. Prevalência estimada é de 1% da
população, ocorrendo em qualquer faixa etária, inclusive com aumento em
pessoas com mais de 60 anos! Os sintomas clássicos de diarreia, distensão
abdominal, borborigmos, perda de peso (forma clássica) não são tão co-
muns como no passado. Atualmente, a DC pode ser assintomática, apresen-
tar sintomas gastrointestinais ou manifestações extraintestinais (déficit de
crescimento, alterações do esmalte dentário, menarca atrasada, abortos de
repetição, infertilidade, menopausa precoce; osteoporose; predisposição a
tumores, principalmente linfomas).
Diagnóstico: o diagnóstico é feito pela determinação de anticorpos no
sangue (antitransglutaminase e antiendomísio) e biópsia do intestino delga-
do proximal (por endoscopia). Não se deve excluir o glúten da alimentação
sem antes realizar os exames indicados!
Tratamento: exclusão do glúten total e permanentemente, inclusive cui-
dando para não haver contaminação cruzada. Consultar nutricionista para
manter a dieta balanceada, quando da substituição das farinhas. Faz parte do
tratamento a leitura minuciosa dos rótulos dos alimentos adquiridos.
Sensibilidade ao glúten não-celíaca (SGNC) tem prevalência estimada
em 6% da população. Pode ocorrer em qualquer idade, mas parece ser mais
frequente em adultos do que em crianças, com média de início aos 40 anos
(17-63 anos), mais em mulheres que em homens (1:2,5). Confunde-se com
distúrbios funcionais (incluindo a síndrome do intestino irritável). Diagnós-
tico: clínico. Enfatiza-se a necessidade de, antes de firmar o diagnóstico de
SGNC, afastar DC e alergia ao trigo!
A SGNC se caracteriza pelo aparecimento de sintomas à ingestão de glú-
ten, seu desaparecimento com a dieta isenta de glúten (DIG) e retorno dos
sintomas quando se reintroduz o glúten na alimentação.

184 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Lorete Maria da Silva Kotze

Sintomas gerais: sensação de mal-estar, emagrecimento.


Sintomas gastrointestinais: borborigmos, dor abdominal, diarreia, dor
epigástrica, náuseas, aerofagia, refluxo gastroesofágico, estomatite aftosa,
alterações de hábito intestinal, constipação ou diarreia.
Articulações, ossos e músculos: fadiga, amortecimento nas pernas e bra-
ços, dores musculares e articulares.
Esfera neurológica: cefaleias, peso na cabeça, tonturas, tinnitus.
Muco-cutâneas: rash cutâneo, eczema e aparecimento de pequenas man-
chas vermelhas. A mucosa da língua pode ser dolorosa.
Distúrbios de comportamento: distúrbios de atenção, ansiedade, depres-
são, hiperatividade.
Diagnóstico: clínico
Tratamento: DIG

Intolerância a lactose (IL)

Deficiência de lactase é a baixa atividade desta enzima que desdobra a


lactose e se localiza na borda estriada do intestino delgado. Má absorção de
lactose consiste na falha do intestino delgado em absorver a fração da lacto-
se ingerida. Já a intolerância à lactose é a síndrome clínica na qual a ingestão
de lactose causa sintomas em consequência de sua má absorção.
A prevalência da IL varia em relação à raça e grupo étnico. A causa mais
comum da IL primária é a não persistência da enzima lactase. A má absorção
de lactose pode ser secundária a doenças intestinais de base (doença celíaca,
por exemplo).
Se a lactose não for absorvida, passa rapidamente para o cólon (cerca de
75%) onde é convertida em ácidos graxos de cadeia curta e hidrogênio pelas
bactérias da flora intestinal, produzindo acetato, butirato e propionato. Ocor-
rerá fermentação, responsável pelos sintomas.
Queixas digestivas: dor abdominal. Distensão intestinal, borborigmo, fla-
tulência, diarreia ou constipação, náuseas e vômitos. Queixas sistêmicas:
cefaleia, tontura, problemas de concentração e memória, cansaço crônico,
dores musculares ou articulares, fenômenos alérgicos associados.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 185


CAPÍTULO 16 - INTOLERÂNCIAS ALIMENTARES: O QUE HÁ DE NOVO?

Diagnóstico: clínico e pode ser feito pelo teste do hidrogênio expirado


(não disponível em todos os centros). O mais utilizado é o teste de tolerância
à lactose: Após a ingestão oral de 50 g de lactose em adultos, a glicemia é
monitorada em jejum, após 30, 60 e 120 minutos, devendo demonstrar um
aumento maior que 20 mg/dl. Falso-negativos: problemas de esvaziamen-
to gástrico, diabetes e síndrome do supercrescimento bacteriano. Os into-
lerantes podem manifestar sintomas durante o teste. Outros testes: análise
do polimorfismo C/T-13910 ou determinação da atividade enzimática em
fragmentos de mucosa intestinal.
Tratamento: exclusão ou restrição de produtos lácteos de mamíferos; uso
da enzima lactase em comprimidos ou sachês à ingestão do produto lácteo
(as doses devem ser ajustadas pelo próprio paciente).

O que há de novo?

Na última década surgiram maiores conhecimentos em relação à into-


lerância à frutose, frutanos e FODMAPS (Fermentable Oligosaccharides
Disaccharides Monosaccherides And Polyols). Embora comuns, são pou-
co reconhecidas e manejadas. Indivíduos com estes problemas frequente-
mente se apresentam com inexplicáveis borborigmos, distensão abdominal,
gases, dor abdominal e diarreia. Sua prevalência é desconhecida e pode
induzir à investigação dispendiosa e iatrogênica para descartar doença or-
gânica (testes laboratoriais, exames de imagem, endoscopias com biop-
sias). Frente a resultados normais o diagnóstico é de distúrbio funcional,
geralmente SII.

Intolerância a frutose (IF)

A frutose é conhecida como o açúcar das frutas, mas pode ser encontrada
em vegetais, cereais e mel. A prevalência estimada é de 50% em adultos
saudáveis. A IF pode ser hereditária ou alimentar. A má absorção de frutose
gera forças osmóticas que aumentam a passagem de água para a luz intesti-
nal, ocasionando rápida propulsão do conteúdo do delgado para os cólons.

186 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Lorete Maria da Silva Kotze

A fermentação leva à produção de gases, causando sintomas, especialmente


em indivíduos com hipersensibilidade visceral. Cerca de 1/3 dos indivíduos
com SII apresenta má absorção ou intolerância à frutose, então sua restrição
pode trazer benefícios em qualidade de vida
Diagnóstico: suspeita clínica e teste respiratório com hidrogênio expira-
do, usando frutose como substrato. Os testes não são perfeitos, mas são os
disponíveis para corroborar o diagnóstico.
Tratamento: excluir ou restringir frutose da dieta (substituição por frutas
de baixo teor), complementação com vitamina C. Recomenda-se alimentos
com menos que 3 g de frutose, ou 0,5 g de frutose livre. A lista abaixo serve
de diretriz.

Lista de alimentos com baixos teores de frutose (alternativas)

Frutas: abacate, frutas vermelhas, lima, limão-melão, abacaxi, morangos,


laranja mandarin, bananas.
Vegetais: brotos de bambu, beterraba, acelga chinesa, cenoura, aipo, ce-
bolinha, pimenta verde, couve, cenoura branca, tomate tipo italiano, rabane-
te, ruibarbo, espinafre, tomate muito doce, nabo verde, batata branca, abó-
bora de inverno. Vegetais permitidos que dão mais gases: couve de Bruxelas,
repolho, couve-flor, alface.
Grãos e cereais: farinha de trigo sarraceno, corn chips, alimentos com
milho, tortilhas de milho, pães sem glúten, biscoitos e pastas sem adição
de HFCS, farelo, aveia, pipoca sem HFCS, quinoa, arroz, pães de centeio
sem HFCS, macarrão japonês e todas outras farinhas derivadas dos grãos
permitidos.
Refeições: carnes não processadas de qualquer tipo (gado, frango, peixe
etc.), ovos, legumes, tofu (coalhada de feijão). Notar que estes tendem a for-
mar mais gases e podem necessitar serem evitados. Manteiga de nozes que
não contenha HFCS.
Produtos lácteos: leite, queijo, iogurte, leite de soja, leite de arroz, leite de
amêndoa sem adição de HFCS (high fructose corn syrup - xarope de milho
com alto teor de frutose).

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 187


CAPÍTULO 16 - INTOLERÂNCIAS ALIMENTARES: O QUE HÁ DE NOVO?

Lista de alimentos com alto teor de frutose

Frutas: todas as frutas que não estão na lista permitida, especialmente sucos,
frutas secas (especialmente ameixas, passas e tâmaras) e frutas em conserva em
sucos ou xaropes.
Vegetais: alcachofra, aspargo, brócolis, chutneys (batidas de frutas, vinagre,
açúcar e especiarias), alho poró, cogumelos, quiabo, cebolas, ervilhas pequenas,
pimenta vermelha, orégano, massa de tomate, produtos de tomate (tomates em
conserva, ketchup).
Grãos e cereais: alimentos com trigo como maior ingrediente (pães, pastas,
cuscuz), grãos com frutas secas adicionadas, grãos com HFCS adicionado.
Refeições: alimentos marinados ou processados contendo os ingredientes
restritos.
Produtos lácteos: qualquer produto com HFCS. Especial atenção com
iogurtes e leites aromatizados.

Intolerância a frutanos

Frutanos são oligo ou polissacarídeos que incluem cadeia curta de unida-


des de frutose com molécula terminal de glicose (oligofrutose ou inulina).
Sua cisão é limitada pelo organismo humano e somente 5 a 15% são absor-
vidos. Os frutanos mal absorvidos passam aos cólons e causam fermentação.
No delgado, juntam-se à agua e causam borborigmos e diarreia. Estão conti-
dos em produtos com base no trigo (cereais, pastas e pães). Até o momento,
não há teste respiratório confiável para firmar o diagnóstico.
Na SII, 24% dos pacientes podem ser intolerantes aos frutanos. O trata-
mento é a restrição aos alimentos que causam sintomas.

FODMAPS

FODMAPS constituem um grupo de carboidratos de cadeia curta que


são pobremente absorvidos pelo trato GI. Monossacarídeos, frutose,
oligossacarídeos e frutanos fazem parte dos FODMAPS. A lactose é um

188 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Lorete Maria da Silva Kotze

dissacarídeo encontrado em produtos lácteos e os polióis são álcool de açúcar


encontrados em pêssegos e ameixas. Os frutanos fazem parte dos chamados
produtos sem açúcar (sugar-free products). Cerca de 70% dos polióis não
são absorvidos, resultando em substâncias osmóticas que são rapidamente
fermentadas pelas bactérias.
Alguns estudos revelaram que pacientes com SII apresentam intolerância
aos FODMAPS em 70%, 49% a produtos lácteos, 36% a feijões (galactanos) e
23% a ameixas (frutose + polióis) (quadro 1). Em subgrupo de pacientes com
SII, glúten pode causar sintomas GI (diarreia, borborigmos, dor abdominal) ou
extraintestinais (fadiga, náusea) em consequência de ambiente pró-inflamató-
rio no intestino. Além disso, considerar que não se pode descartar que a DIG
traz redução significante de FODMAPs, que seriam a causa de sintomas. Em
conclusão, DIG pode ser fator coadjuvante no tratamento da SII.

QUADRO 1. Características dos FODMAPS mais comuns


F = fermentáveis pelas bactérias dos cólons

O = oligossacarídeos - frutanos, galacto-oligossacarídeos - não são absorvidos no intestino


delgado por falta de hidrolases

D = dissacarídeos - lactose - digestão diminuída e absorção diminuída em 10 a 90%

M = monossacarídeos - frutose livre ou frutose em excesso de glicose - absorção lenta ou


pobre absorção

A = and (e)

P = polióis - sorbitol, manitol, maltitol e xylitol - absorção passiva lenta


*Shepherd et al.

Tratamento: dieta pobre em FODMAPS pode ser de benefício nos trans-


tornos GI funcionais. O princípio chave é a educação. Até o momento, os
estudos sugerem que pacientes com SII e ileostomia podem se beneficiar de
dieta com baixo teor de FODMAPS por 6 a 8 semanas. Após este período, o
paciente vai introduzindo alimento por alimento e verificando sua tolerância.
Cuidar para manter uma dieta balanceada, mantendo o estado nutricional.
Atualmente, estuda-se o papel da microbiota nas dietas com restrições.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 189


CAPÍTULO 16 - INTOLERÂNCIAS ALIMENTARES: O QUE HÁ DE NOVO?

Fontes de altos teores de FODMAPs

Frutanos: trigo, incluindo pães, pastas, cuscuz, cebolas, cebolinha, alho,


couve de Bruxelas, repolho, brócolis, pistache, alcachofra, inulina ou chicó-
ria
Galactanos: leite de soja, isolado de proteína de soja, missô, hambúrgue-
res vegetais, feijão seco e ervilhas pequenas, lentilhas, feijão manteiga/lima,
húmus, grande quantidade (mais que uma xícara ao dia) de café.
Lactose: queijos soft, incluindo ricota, cottage e queijo cremoso, leite,
cremes, iogurte, manteiga, sorvete.
Polióis: adoçantes artificiais (xilitol, sorbitol, etc.), maçã, ameixa verme-
lha, cereja, pera, couve flor, milho doce, ervilhas pequenas, cogumelos.

Lista de alimentos com baixos teores de FODMAPs

Frutas: laranjas, frutas vermelhas não adocicadas, morangos, melão, li-


mão e lima.
Vegetais: ervilhas pequenas, aipo, cenoura, tomate tipo italiano, espina-
fre, alface, pimenta verde, feijões verdes, brotos de feijão, nabo, nabo verde,
pepino.
Produtos lácteos: queijos duros incluindo cheddar, queijo suíço e parme-
são. Iogurte lactose-free não açucarado, leite sem lactose.
Refeições: todas as carnes não processadas, manteiga de amendoim (não
adicionada com HFCS), ovos, pequenas quantidades de amêndoa e nozes, tofu.
Grãos: arroz (todas as variedades), pães com glúten e centeio, aveia, mi-
lho, arroz de aveia, quinoa ou trigo sarraceno, tortilha de milho, farelos,
pipoca, tomate, quinoa.

Intolerância a carboidratos complexos (RAFINOSE)

É a incapacidade do intestino processar completamente os carboidratos


(açúcares e amido) pela falta ou redução da quantidade de uma ou mais enzi-
mas necessárias à sua digestão. A intolerância aos carboidratos complexos ve-

190 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Lorete Maria da Silva Kotze

getais traz aos indivíduos sensíveis sensação de mal-estar abdominal e geral,


embora estes alimentos sejam de alto valor nutricional. O homem não possui
a enzima alfa-galactosidase, que fragmenta os oligossacarídeos da família da
rafinose, que passam incólumes pelo trato digestivo superior e alcançam os
cólons, onde bactérias os fermentam, resultando gases e toxinas. Isto explica
a ocorrência de distensão abdominal, cólicas, formação de gases e diarreia.
Exemplos de alimentos que os provocam são feijão, cereais e vegetais.
Diagnóstico: essencialmente clínico, após a constatação da relação entre
sintomas e a ingestão de alimentos contendo polissacarídeos. É imprescin-
dível que se verifique a comorbidade com a síndrome do intestino irritável.
Tratamento: exclusão dos alimentos que causam os sintomas.

Conclusões

Intolerância à frutose e frutanos são problemas comuns na prática médica


e podem ser responsáveis por sintomas inexplicáveis. Os gastroenterologistas
e nutricionistas devem estar alerta para estes diagnósticos, mas só restringir
os alimentos de maneira adequada. Embora a restrição de FODMAPS pareça
ser útil para os pacientes com SII, rigorosa avaliação deve ser feita. Restrições
alimentares somente devem ser prescritas após cuidadosa avaliação por profis-
sional preparado, evitando carências e estados de sub ou desnutrição. Deixar
os modismos de lado e se basear em conhecimentos científicos!

Referências

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 191


CAPÍTULO 16 - INTOLERÂNCIAS ALIMENTARES: O QUE HÁ DE NOVO?

192 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500017

Capítulo 17

Manifestações extraesofágicas
da DRGE

Luciana Dias Moretzsohn

A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é muito comum, afetando


40% da população americana. Apresenta-se com sintomas típicos, pirose
e regurgitação, bem como manifestações extraesofágicas como tosse crôni-
ca, disfonia, asma brônquica dentre outras. Acredita-se que a abordagem de
pacientes com possíveis sintomas extraesofágicos tem um custo cinco vezes
maior em relação aos pacientes com sintomas típicos.(1)
O consenso global denominado Montreal Definition and Classification of
GERD sugeriu quatro princípios em relação às manifestações extraesofágicas:(2)
• existe uma associação da DRGE com manifestações extraesofágicas;
• essas manifestações extraesofágicas, de um modo geral, associam-se
com sintomas típicos da DRGE;
• as causas desses sintomas muitas vezes são multifatoriais;
• o benefício do tratamento da DRGE, nesses casos, é discutível.
Existem dois mecanismos propostos na fisiopatologia dos sintomas
extraesofágicos. A teoria do refluxo considera que as lesões extraesofágicas
decorrem do contato de substâncias presentes no refluxato que atingem
faringe e árvore brônquica. A teoria do reflexo considera que o refluxo
gastroesofágico possa estimular o nervo vago, causando tosse crônica,
broncoconstrição, entre outros.(3)

1. A “história natural” do paciente com suspeita sintomas extraesofágicos

De um modo geral, pacientes com suspeita de sintomas extraesofági-


cos são encaminhados ao gastroenterologista por otorrinolaringologistas,
pneumologistas e clínicos gerais.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 193


CAPÍTULO 17 - MANIFESTAÇÕES EXTRAESOFÁGICAS DA DRGE

Nesses casos, cabe ao gastroenterologista explicar ao paciente sobre a


possível contribuição da DRGE na gênese desses sintomas, as indicações de
exames complementares, e o benefício do tratamento antirrefluxo. Entretan-
to, a maioria dos pacientes busca o gastroenterologista com certeza de que a
DRGE é causa de seus sintomas, e cobram desse profissional uma solução.(4)
Por outro lado, o gastroenterologista muitas vezes já tem uma opinião
preconceituosa de que esse paciente não é portador de DRGE, quando na
verdade, deveria propor uma estratégia para definir sobre o papel dessa afec-
ção em relação aos sintomas do paciente.
Hoje reconhecemos que a maioria dos sintomas laríngeos e pulmonares
não está associada com a DRGE, mas um grupo de pacientes pode ser bene-
ficiado com o tratamento dessa afecção.

2. Avaliação crítica da propedêutica em pacientes com possíveis


sintomas extraesofágicos

2.1. Laringoscopia
Os achados laringoscópicos de edema subglótico, obliteração ventricular,
edema e hiperemia, edema de corda vocal, edema faríngeo difuso, hipertro-
fia de comissura posterior, granulomas e excesso de muco são muitas vezes
considerados sinais sugestivos de refluxo laringofaríngeo.
Entretanto, indivíduos assintomáticos submetidos à laringoscopia têm
uma prevalência de achados laringoscópicos alterados em 83% a 93% das
vezes.(5) Devemos considerar também que a concordância intra e inter-ob-
servadores em relação aos achados laringoscópicos é baixa.(6) Dessa forma,
o papel da laringoscopia é limitado para o diagnóstico da DRGE.

2.2. Endoscopia digestiva


A identificação endoscópica de erosões esofágicas e/ou esôfago de Barrett
em pacientes com sintomas atípicos atribuídos à DRGE corrobora com esse
diagnóstico. Entretanto, a maioria desses pacientes não apresenta alterações
da mucosa esofágica. O quadro 1 ilustra resultados de estudos avaliando alte-
rações endoscópicas esofágicas em portadores de sintomas laringofaríngeos.

194 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luciana Dias Moretzsohn

QUADRO 1. Alterações endoscópicas esofágicas em portadores de


sintomas laringofaríngeos
# pacientes Frequência de esofagite Referência
41 5% (7)
32 31% (8)
28 18% (9)

Dessa forma, a indicação rotineira de endoscopia digestiva alta em


pacientes com queixas laringofaríngeas sem sintomas típicos de DRGE
é questionável.

2.3. Monitorização prolongada do refluxo gastroesofágico


A monitorização do refluxo gastroesofágico através de pHmetria ou
pH-impendanciomentria apresenta resultados variáveis quanto à confirma-
ção de DRGE em pacientes com sintomas extraesofágicos.
Revisão sistemática avaliando monitorização prolongada do refluxo áci-
do em esôfago proximal ou faríngeo foi semelhante entre pacientes e con-
troles assintomáticos.(10) Carrol et al.(11) estudaram 22 pacientes em uso de
inibidores de bomba protônica (IBP) com sintomas laringofaríngeos e ob-
servaram que 52% desses pacientes apresentaram número de refluxos fraca-
mente ácido aumentado e 22% deles persistiam com escape ácido.
Em pacientes asmáticos, o refluxo ácido anormal é observado em até
82% dos casos. Em indivíduos asmáticos sem sintomas típicos de DRGE,
a prevalência de pHmetria alterada varia de 10% a 50%.(12) Esses achados
sugerem que o refluxo gastroesofágico pode associar-se com a asma brôn-
quica, bem como a asma pode predispor ao refluxo gastroesofágico.

2.4. Teste terapêutico com inibidores de bomba protônica


2.4.1. Tosse crônica
O tratamento com IBP em pacientes com tosse crônica, possivelmente
decorrente da DRGE, é geralmente insatisfatório. Metanálise, incluindo
19 estudos, mostrou que esse tratamento é, de modo geral, pouco eficaz.(13)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 195


CAPÍTULO 17 - MANIFESTAÇÕES EXTRAESOFÁGICAS DA DRGE

Faruqi et al.(14) realizaram dois ensaios controlados, randomizados, usando


esomeprazol em diferentes doses para o tratamento da tosse crônica e não
observaram boa resposta.
Hoje reconhecemos a tosse crônica neuropática sensorial, descrita como
uma entidade idiopática, geralmente associada com sensação de “coceira”
na garganta, precipitada por diversos estímulos.
A patogênese dessa tosse relaciona-se com reflexo intrínseco anormal,
desencadeado por vários estímulos, inclusive o refluxo gastroesofágico. Ca-
racteriza-se por tosse de longa duração, intratável, desencadeada por diver-
sos estímulos, não produtiva, com duração variável.
Crises intensas de tosse podem desencadear vômito, laringoespasmo e
até síncope.(15) Nesses casos, são preconizados o uso de drogas neuromo-
duladoras como gabapentina, pregabalina e amitriptilina. Vale ressaltar que
a resposta a essas drogas não se relaciona com resultados de pHmetria ou
pH-impedanciometria.
O baclofeno (GABA agonista), droga que inibe os relaxamentos transitórios
do esfíncter esofágico inferior, também vem sendo usado no tratamento da tosse
crônica. Ao que parece, o efeito dessa droga associa-se mais com sua ação central
e periférica inibindo o reflexo da tosse, sem efeitos maiores sobre a DRGE.(16)

2.4.2 Asma brônquica


O benefício de terapia antirrefluxo em pacientes asmáticos com suspeita de
DRGE é controverso. Metanálise da Cochrane avaliou estudos sobre efeito de
antissecretores e cirurgia antirrefluxo em pacientes asmáticos portadores de
DRGE e concluiu que, apesar de alguns pacientes poderem ser beneficiados,
não foram identificados preditores de resposta.(17) Outros estudos também não
identificaram preditores de resposta à terapia antirrefluxo na asma, como pre-
sença de sintomas típicos da DRGE, pHmetria ou endoscopia.(18-19)

2.4.3. Laringite
De um modo geral, gastroenterologistas e otorrinolaringologistas não
concordam com o papel da DRGE na fisiopatologia de sintomas atribuídos
a laringite por refluxo.(20-21)

196 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luciana Dias Moretzsohn

Em pacientes com suspeita de laringite por refluxo baseada apenas em


achados laringoscópicos e sintomas, o tratamento com IBP tem evidência
científica fraca. Benefícios convincentes do tratamento da laringite com IBP
não são evidentes em estudos randomizados.
Metanálise de estudos randomizados demonstrou que a melhora dos
sintomas laringofaríngeos com uso de IBP é pequena ou ausente.(22) Estudos
randomizados, posteriores a essa metanálise, mostraram resultados variáveis.
Lam et al.(23) observaram melhora dos achados laringoscópicos, Richel
et al.(24) relataram melhora de sintomas e Fass et al.(25) não observaram
melhora alguma.
Lien et al.(26) avaliaram resultados de pHmetria prolongada com três sen-
sores (faringe, esôfago proximal e distal). Baseado em escore positivo da
pHmetria, foi possível identificar pacientes com sintomas laringofaríngeos
responsivos ao uso de esomeprazol 40 mg BID, por três meses.
O papel da pH-impedanciometria na avaliação de sintomas laringo-
faríngeos ainda não está bem estabelecido.

2.4.4. Fibrose pulmonar idiopática


A fibrose pulmonar idiopática é uma doença intersticial do pulmão que
causa lesões alveolares. Acredita-se que a DRGE se associa com a patogênese
dessa afecção através da microaspiração de conteúdo gástrico. Estudos recen-
tes sugerem que a prevalência de DRGE é maior em pacientes com fibrose
pulmonar em relação à população geral e portadores de outras pneumopatias.
Nesse grupo de pacientes, a presença de sintomas típicos da DRGE não
prediz sobre a presença de refluxo gastroesofágico anormal. Lee et al.(27)
sugerem que tratamento clínico ou cirúrgico da DRGE prolonga a sobrevida
desses pacientes.

3. Conduta em pacientes com possíveis sintomas extraesofágicos

Não há dúvida de que sintomas não esofágicos podem ser desencadeados


pela DRGE. Entretanto, há um exagero de diagnósticos de manifestações
extraesofágicas.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 197


CAPÍTULO 17 - MANIFESTAÇÕES EXTRAESOFÁGICAS DA DRGE

Diante desse dilema, é preconizado, inicialmente em pacientes sem sinais


de alarme, o teste terapêutico com IBP em altas doses por tempo prolongado
(dois meses).
A ausência de resposta terapêutica em pacientes sem sintomas típicos de
DRGE sugere que o refluxo gastroesofágico não é responsável pelos sinto-
mas laríngeos ou pulmonares.
Caso o paciente não responda ao tratamento de prova com IBP e refira
sintomas típicos de DRGE é pertinente a realização de pHmetria com o in-
tuito de afastar o diagnóstico de DRGE.
Em caso de resposta parcial ao uso de IBP, deve-se considerar a realização
de pH-impedância em vigência de tratamento antissecretor para avaliar a pre-
sença de refluxo ácido residual, bem como o refluxo fracamente ácido que po-
deria contribuir com a persistência de sintomas. A figura 1 ilustra essa conduta.

FIGURA 1. Abo Figura 1. Conduta em pacientes com possíveis sintomas


extraesofágicos rdagem terapêutica da HAI

Possíveis sintomas extraesofágicos

IBP dose dobrada por 2 meses

Sem melhora
Melhora
Sem sintomas típicos

Buscar diagnósticos diferenciais Menor dose de IBP que controle sintomas

Sem melhora
Melhora parcial
Com sintomas típicos

pHmetria convencional pH-impedância em uso de IBP


para afastar DRGE Avaliar:
- refluxo ácido residual
- refluxo fracamente ácido

198 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luciana Dias Moretzsohn

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200 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500018

Capítulo 18

Uso de inibidores de bomba


protônica (IBP) em longo prazo.
É seguro?
Luiz Gonzaga Vaz Coelho
Maria Clara de Freitas Coelho

Introdução

O s inibidores de bomba de prótons (IBP) são drogas amplamente


utilizadas no mundo e atuam através da inibição da secreção ácida gás-
trica. Desde seu lançamento no final da década de 80, revolucionaram a abor-
dagem terapêutica da úlcera péptica e da doença do refluxo gastroesofágico
(DRGE), proporcionando uma substancial redução na morbi-mortalidade as-
sociada a essas afecções e tornando-se uma das drogas mais prescritas em todo
o mundo. Como consequência de sua efetividade nessas situações, seu empre-
go tem se expandido nos últimos anos para outras condições, como queixas
dispépticas de qualquer natureza e suspeita de DRGE, onde o benefício de sua
ação farmacológica é duvidoso. Tal fato, associado à liberação sem controle
de sua aquisição no mercado tem resultado em consumo exagerado pela popu-
lação. Paralelamente, nos últimos anos, têm surgido diferentes estudos epide-
miológicos associando seu uso prolongado a diferentes efeitos adversos.(1) É
objetivo deste capítulo rever os principais estudos na área e oferecer ao clínico
uma visão crítica e, ao mesmo tempo, prática, na abordagem do problema.

Deficiência de vitamina B12

A vitamina B12 desempenha papel chave na eritropoiese e na síntese de


mielina. No estômago, é separada dos alimentos, ligando-se ao fator intrín-
seco, com subsequente absorção no íleo terminal. Como a pepsina, enzima

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 201


CAPÍTULO 18 - USO DE INIBIDORES DE BOMBA PROTÔNICA (IBP) EM LONGO PRAZO. É SEGURO?

catalisadora desse processo torna-se ativa apenas em pH intragástrico menor


que quatro especula-se que os IBPs, ao reduzir a acidez gástrica, poderiam
induzir uma absorção deficiente da vitamina B12.
As evidências dessa potencial associação derivam de estudos in vitro,
pesquisa experimental, uma revisão sistemática e metanálise de cinco estu-
dos observacionais. O maior estudo, tipo caso-controle, incluiu 25.956 pa-
cientes adultos com diagnóstico de deficiência de vitamina B12 e 184.199
controles sadios.(2) O emprego de IBP por dois ou mais anos foi associado a
um aumento do risco de deficiência da vitamina (OR: 1,65; IC 95%: 1,58-
1,73). Possíveis variáveis confundentes foram diabetes mellitus, tireopatias,
infecção por H. pylori, gastrite atrófica e uso de drogas potencialmente asso-
ciadas com deficiência de vitamina B12 (Ex: metformina).
A Sociedade Espanhola de Patologia Digestiva, em revisão recente sobre
o assunto, não recomenda determinação sérica habitual de vitamina B12 para
todos os usuários crônicos de IBP e sugere que a dosagem inicial e acompa-
nhamento anual de seus níveis séricos seja realizada apenas para pacientes
em risco de deficiência para tal, tais como portadores de doença de Crohn,
anemia perniciosa, desnutridos, além de pacientes previamente submetidos
à cirurgia do trato gastrointestinal e vegetarianos estritos.(3)

Fraturas de bacia

Em 2006, Yang et al.(4) mostraram que o uso de IBP por mais de um ano
estava associado a um risco aumentado de fratura de bacia (OR: 1,44; IC 95%:
1,30-1,59), sendo este efeito mais evidente em pacientes acima de 65 anos. Ob-
servaram, também, que o risco de fratura era maior em usuários de longo prazo
e de doses altas de IBP (OR: 2,65; IC 95%: 1,80-3,90). Uma metanálise recente
envolvendo 18 estudos observacionais com 244.109 casos de fratura mostrou
que o uso de IBP poderia aumentar apenas modestamente o risco de fraturas
de bacia e outros locais (OR: 1.26; IC 95%: 1,16-1,36), não se podendo excluir
tendenciosidades devido às características dos estudos analisados.(5)
Os mecanismos eventualmente implicados como causadores dos efeitos dos
IBPs nas fraturas de bacia incluiriam, por exemplo, a redução da absorção do

202 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara de Freitas Coelho

cálcio pelo aumento do pH intragástrico, já que a liberação do cálcio ionizado


dos sais insolúveis de cálcio depende do ambiente ácido do estômago. Além
disto, os IBPs poderiam também agir independentemente da absorção do
cálcio, ao inibirem a bomba H+/K+ ATPase dos osteoclastos e, ainda, por um
aumento potencial da reabsorção óssea secundária à hipergastrinemia induzida
pelos IBPs. Entretanto, diferentes estudos mostram ausência de relação entre o
emprego de IBP e alterações na densidade mineral óssea, na morfologia óssea
e em diferentes marcadores do metabolismo ósseo (Targownik LE et al, Am
J Gastroenterol, in submission). Assim sendo, é especulado que os achados
dos estudos epidemiológicos possam ser secundários à presença de variáveis
confundentes nas populações estudadas. Nesse ínterim, é recomendado limitar
o uso de IBP àqueles pacientes com indicações bem definidas, usando a menor
dose e pelo menor período, além de considerar-se, sempre, o seguimento de
todas as demais recomendações para redução do risco de fraturas.

Pneumonia comunitária

Revisão sistemática recente(6) sugere que o uso de IBP pode aumentar


discretamente o risco de pneumonia comunitária. Embora uma relação pato-
gênica não esteja bem estabelecida, as hipóteses mais plausíveis envolvem
a colonização gástrica induzida pela redução da acidez gástrica, alterações
na microbiota orofaríngea e microaspiração pulmonar. Os estudos nesta área
são de baixa qualidade e com resultados controversos, além de vários fatores
confusionais envolvidos, impedindo assim uma associação causal.(3)

Infecção por clostridium difficile (CD)

Uma das funções fisiológicas bem conhecida do ácido gástrico é a des-


truição de microrganismos ingeridos. Assim, hipocloridria e acloridria têm
sido associadas ao risco aumentado de infecções bacterianas e parasitárias.
Importante estudo holandês demonstrou que o emprego de IBP favorece a
ocorrência de disbiose com alterações deletérias no microbioma intestinal,
com aumento da microbiota oral e de bactérias patogênicas no tubo digestivo.(7)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 203


CAPÍTULO 18 - USO DE INIBIDORES DE BOMBA PROTÔNICA (IBP) EM LONGO PRAZO. É SEGURO?

Uma das principais conseqüências dessas alterações é a predisposição à


infecção por CD. Além disso, é sabido que formas vegetativas de CD são
capazes de sobreviver em ambiente gástrico com pH elevado. Estudos ob-
servacionais e uma metanálise recente(8) sugerem que o emprego de IBP con-
fere um risco duas a três vezes maior de aquisição da infecção comunitária
ou nosocomial por CD. Tais resultados salientam a necessidade de avalia-
ção cuidadosa da relação risco/ benefício do emprego de IBP naqueles com
maior chance de adquirir infecção por CD como pacientes hospitalizados
idosos e com saúde comprometida.

Nefrite intersticial aguda

Um estudo neozelandês estimou, em usuários de IBP, os riscos absoluto


e relativo de desenvolvimento de nefrite intersticial aguda em casos que
resultaram em hospitalização ou morte entre 2005 e 2009 naquele país.(9)
Apesar do risco de nefrite intersticial aguda se mostrar significativamente
aumentado nos usuários de IBP (OR: 5,16; IC 95%: 2,21-12,05), o peque-
no número de casos observados tem sido considerado como resultantes de
reação idiossincrática.(10)

Hipomagnesemia

Um pequeno numero de casos (<50) de hipomagnesemia grave foi relatada


nos últimos anos, associada ao uso prolongado de IBP. Embora sejam poucos
casos, a depleção acentuada deste íon pode causar graves complicações
como tetania, crises convulsivas e arritimias. A absorção do magnésio
ocorre no íleo e colon através de mecanismos de absorção ativos e passivos
envolvendo principalmente a TRPM (transient receptor potention melastatin).
William et al.(11) buscaram determinar recentemente qual mecanismo estaria
envolvido na redução deste íon em pacientes em uso de IBP e a principal
causa desta deficiência foi atribuída à redução de afinidade do magnésio ao
seu transportador (TRPM) culminando na redução de sua absorção intestinal.
O estudo sugere ainda que embora 80% do magnésio absorvido no intestino

204 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara de Freitas Coelho

sofra filtração renal, a maior parte será reabsorvida nas alças de Henle.
Entretanto este mecanismo não pôde ser claramente demonstrado em outros
estudos. Dessa forma, metanálise recente(1) e outros estudos(3,12) recomendam
acompanhar os níveis séricos do magnésio apenas em usuários crônicos de
IBP que apresentem outros fatores de risco para hipomagnesemia tais como
má absorção intestinal, abuso de laxativos, diureticoterapia e doença renal
crônica. Em publicação própria, o FDA (Food and Drug Administration)
recomenda dosagem sérica de magnésio, antes do início do tratamento,
nos pacientes candidatos ao uso prolongado de IBP, como também
naqueles pacientes em uso de digoxina, diuréticos ou drogas que possam
causar hipomagnesemia.(13)

Demência

Um estudo longitudinal, prospectivo, multicêntrico envolvendo 73.186 pacien-


tes realizado recentemente na Alemanha sugere que o uso prolongado de IBP está
associado ao maior risco de desenvolvimento de demência (HR: 1,44; IC 95%:
1,36 - 1,52 [p<0,001]), tendo encontrado um risco ainda maior ao discriminar a
faixa etária de 75-79 anos e ajustar para possíveis fatores confusionais (HR: 2,01;
IC 95% 1,78 – 2,28 [p<0,001]).(14) Um eventual mecanismo com plausibilidade
biológica inclui a hipótese de que os IBPs, pelo menos no modelo animal, são ca-
pazes de cruzar a barreira hemato-encefálica, aumentando tanto a produção quanto
a degradação de amilóide e se ligarem às proteínas tau,(15,16) fazendo com que tais
proteínas estabilizadoras dos microtúbulos, tenham sua função comprometida e fa-
voreçam o aparecimento de estados de demência como a doença de Alzheimer.(15-17)
Além disso, níveis reduzidos de vitamina B12 e outros nutrientes, às vezes des-
critos em usuários de IBP, poderiam estar associados a um risco aumentado
de demência.(18)
Apesar da significância estatística encontrada no estudo alemão, ele fa-
lha em demonstrar a causalidade desta associação e apresenta importante
limitação por não diferenciar os tipos de demência encontrada (dentre as
quais se incluiu demência vascular). Apesar de realizar ajuste para alguns
fatores confusionais como o uso de polifarmácia, presença de depressão,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 205


CAPÍTULO 18 - USO DE INIBIDORES DE BOMBA PROTÔNICA (IBP) EM LONGO PRAZO. É SEGURO?

AVE prévio, doença coronariana e diabetes mellitus, o estudo não avaliou


outros possíveis fatores como uso de álcool, hipertensão arterial sistêmica
e, principalmente, o nível sócio educacional. Desta forma, essa associação
deve ser interpretada com cautela e novos estudos são necessários para me-
lhor avaliação de sua causalidade.(18)

Doença renal aguda e cronica

Lazarus et al.,(19) realizaram uma coorte prospectiva envolvendo 15.792


adultos para avaliar o risco de desenvolvimento de disfunção renal crônica
em usuários de IBP com tempo de seguimento aproximado de 13 anos e, pos-
teriormente, foi replicada outra coorte envolvendo 248.751 pacientes com o
mesmo intuito e seguimento aproximado de 6 anos. Em ambas os pacientes
em uso de IBP apresentaram risco aumentado de desenvolvimento de doença
renal aguda (HR: 1,72; IC 95% 1,28-2,30 [p<0,001] e HR: 1,30; IC 95% 1,21-
1,40 [p<0,001], respectivamente) e crônica (HR: 1,45; IC 95% 1,11-1,90 [p:
0,06] e HR:1,20; IC95% 1,15-1,26 [p<0,001], respectivamente). Entretanto
o estudo apresenta importantes limitações representadas principalmente por
vieses de seleção, a começar pela taxa de filtração glomerular que desde o iní-
cio era menor no grupo em uso de IBP. Os subgrupos caso e controle também
se mostraram diferentes, com significância estatística (p < 0,01) nos obesos,
hipertensos, cardiopatas e usuários de polifarmácia.(9,19) Assim sendo, novos
estudos são necessários para determinar a causalidade desta associação, pois
os pacientes com maior risco de doença renal crônica apresentavam maior
número de comorbidades e de medicamentos de uso crônico.

Síndrome de supercrescimento bacteriano


do intestino delgado (SSCBID)

O uso de IBP pode favorecer a ocorrência de supercrescimento bac-


teriano intestinal cujo significado clínico é ainda controverso em vis-
ta das limitações dos testes utilizados para o diagnóstico dessa situação.
Em metanálise recente, Lo & Chan(20) avaliaram 11 estudos, sendo observada

206 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara de Freitas Coelho

grande heterogeneidade entre eles. O emprego de IBP foi estatisticamente


associado à SSCBID (OR: 2.28; IC 95%: 1.24–4.20). Novos estudos são
ainda necessários para aprimorar as modalidades diagnósticas de SSCBID e
avaliar o impacto do uso de IBP nessa síndrome.

Peritonite bacteriana espontânea (PBE) em cirróticos

Os IBPs são largamente utilizados nos pacientes cirróticos em diferentes


contextos: úlcera péptica, DRGE, gastropatia hipertensiva portal, prevenção
de ulceração pós-escleroterapia, sangramento digestivo, etc. A PBE constitui
uma infecção bacteriana comum em pacientes cirróticos com ascite, muitas
vezes ameaçadora à vida. Para sua ocorrência é aceito a contribuição da SS-
CBID e a translocação bacteriana da luz intestinal para os linfonodos. Nos
últimos anos, tem sido especulado que os IBPs ao inibirem a secreção áci-
da gástrica e comprometerem a motilidade gastrointestinal poderiam assim
favorecer a ocorrência desses eventos desencadeadores de PBE. Entretanto,
diferentes estudos têm mostrado resultados contraditórios. Uma metanálise
recente avaliou, em 17 estudos observacionais, o risco de PBE em pacientes
cirróticos com ascite em uso de IBP.(21) Foi identificado um risco duas vezes
maior de desenvolvimento de PBE nestes pacientes (OR: 2,17; IC 95%: 1,46-
3,23 [p<0,05]) porém com elevada heterogeneidade entre os estudos. Desta
forma, tem sido recomendado avaliar com cautela a indicação e tempo de uso
de IBP nos pacientes cirróticos com ascite e a necessidade de estudos prospec-
tivos para melhor avaliar o potencial de causalidade desta associação.

Pólipos gástricos de glândulas fúndicas

Os pólipos gástricos de glândulas fúndicas são tipicamente pequenos


(0,1 a 0,8cm), lisos, circunscritos, sésseis ou pediculados, com mucosa lisa
e brilhante, ocorrendo exclusivamente na mucosa oxíntica (corpo e fundo
gástricos). Habitualmente múltiplos, são encontrados em 0,8 a 23% das
endoscopias digestivas altas. Histologicamente, a lesão básica consis-
te na presença de uma ou mais glândulas oxínticas, dilatadas ou císticas,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 207


CAPÍTULO 18 - USO DE INIBIDORES DE BOMBA PROTÔNICA (IBP) EM LONGO PRAZO. É SEGURO?

entremeadas por mucosa gástrica normal. O componente inflamatório é mí-


nimo. Não estão associados com gastrite atrófica e existe uma relação in-
versa com a presença de infecção por H. pylori. O uso de IBP, especialmen-
te por tempo prolongado (superior a um ano), tem sido associado com sua
presença e há relatos de sua regressão com a suspensão dos antisecretores.
(22)
Na patogênese desses pólipos esporádicos é especulada a relação com a
supressão da secreção ácida induzida pelos IBPs. Uma metanálise recente
sugere que o uso prolongado de IBP está associado a risco aumentado de
desenvolvimento de pólipos de glândulas fúndicas (OR: 2,45; IC 95%: 1,24-
4,83).(23) Pólipos esporádicos de glândulas fúndicas têm potencial mínimo
de malignização, com a presença de displasia sendo observada apenas na-
queles pacientes cujos pólipos estão associados a síndromes polipóides.(24)

Diarreia do viajante e infecções entéricas

Alguns estudos apontam que a hipocloridria (incluindo aquela causada


pelo uso de IBP) é considerada fator de risco para ocorrência de diarréia do
viajante. Entretanto, apenas um trabalho foi realizado para análise desta as-
sociação, não demonstrando associação significativa. Metanálises realizadas
para avaliar risco de infecções enterais demonstram resultados controversos
de modo que uma associação causal não pôde ser comprovada.(25,26) Ape-
sar das baixas evidencias atuais, a Sociedade Internacional de Doenças do
Viajante sugere, em casos individualizados, a suspensão do IBP por curto
período, aos viajantes para áreas de risco, sempre que possível.(27)

Ferro

O ferro ingerido é reduzido à sua forma de sulfato ferroso e só então é ab-


sorvido pelos enterócitos duodenais. Estudos prévios demonstraram que a
absorção deste mineral é favorecida pela acidez gástrica e que a vitamina C
secretada ativamente pelas secreções gástricas age como agente redutor,
impedindo a formação de agentes insolúveis. Embora existam evidências de que
os IBPs possam reduzir a biodisponibilidade da vitamina C ingerida, estudos de

208 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara de Freitas Coelho

seguimento de pacientes em uso crônico de IBP, por até sete anos, foram inca-
pazes de demonstrar reduções clinicamente aparentes na absorção do ferro.(12)

Cálcio

Acredita-se que a absorção de cálcio seja mediada pela acidez do suco gás-
trico responsável por transformar sais de cálcio insolúveis em cálcio ioniza-
do. Dois estudos de qualidade realizados para estudar essa associação não
conseguiram demonstrá-la e sugeriram que absorção de cálcio estaria reduzida
nos usuário de IBP apenas nos casos em que o carbonato de cálcio era ingerido
em jejum.(28,29) O uso de IBP, quando corretamente indicado, pode ser mantido
em pacientes com osteopenia ou osteoporose e a suplementação de cálcio não
está recomendada ou justificada em usuários crônicos de IBP .(12)

Metotrexate

Em 2011, o FDA publicou alerta quanto à associação do uso de IBP ao


metotrexate, visto que aqueles poderiam provocar retardo na eliminação do
quimioterápico com indução de toxicidade.(30) Estudo realizado em 2006,
avaliando a co-administração de IBP e metotrexate estimou uma redução
de 27% no clearance do metotrexate.(31) O mecanismo proposto por essa
eliminação retardada envolveria uma inibição competitiva mediada pelo IBP
de uma proteína transportadora de metotrexate.(32) Como esse risco não foi
observado com o emprego de bloqueadores dos receptores H2 da histamina
associado ao metotrexate, tem sido sugerido considerar, quando possível, a
troca de IBP por bloqueadores H2 antes do início do uso de metotrexate.(12)

Como interpretar e agir frente aos achados dos estudos


entre ibp e diferentes afecções?

Devemos evitar a conclusão de que correlação (um índice que calcula a as-
sociação entre variáveis) implique sempre em causalidade. Como pode ser
visto na tabela 1, o grau da associação é calculado através do OR (odds ratio).

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 209


CAPÍTULO 18 - USO DE INIBIDORES DE BOMBA PROTÔNICA (IBP) EM LONGO PRAZO. É SEGURO?

É uma forma interessante de cálculo pois não está sujeita a nenhuma suposição
dos dados, tipo normalidade, variâncias iguais, etc. Entretanto, por se tratar de
amostras muito grandes, introduz-se uma série de variáveis de confusão e conse-
gue-se detectar diferenças muito pequenas, que , muitas vezes, não têm nenhuma
relevância.

Relembrando
Odds ratio também chamada de razão de chances, é a relação entre o nú-
mero de pacientes que sofreram o desfecho estudado e o número de pacientes
que não apresentaram o desfecho. OR< 1 indica que a chance no grupo ex-
posto é menor e OR > 1 indica que a chance no grupo exposto é maior. OR
=1, significa que os eventos são equivalentes, em termos de probabilidades de
ocorrência. Portanto, se o valor 1 estiver contido no intervalo de confiança da
OR, significa que não há diferença significativa entre os grupos. Importante
considerar que os epidemiologistas consideram que OR entre 1 e 3 é conside-
rada associação fraca, especialmente em amostras muito grandes. Amostras
grandes geram, ainda, intervalos de confiança muito estreitos para os valores
estimados, sugerindo uma precisão nos cálculos, quando, na verdade, ape-
nas expressam um desvio padrão pequeno, decorrente do grande tamanho da
amostra. Dentro desse conceito, na tabela 1, apenas a associação com nefrite
intersticial aguda (OR>5) deveria ser considerada uma associação forte.

TABELA 1. Principais associações descritas entre uso prolongado


de IBP e eventos adversos
Odds ratio (OR) ou
Evento adverso (IC 95%)
Hazard ratio (HR)
Deficiência de vitamina B12(2) OR: 1,65 (1,58-1,73)
Fratura de bacia(5) OR: 1,26 (1,16 -1,36)
Pneumonia comunitária(6) OR: 1,49 (1,16 -1,92)
Infecção por Clostridium difficile(8) OR: 2,15 (1,81 – 2,55)
Nefrite intersticial aguda(9) OR: 5,16 (2,21-12,05)
Doença renal crônica(19) OR: 1,45 (1,11 - 1,90)
Lesão renal aguda em pctes > 18 anos(19) HR: 1,72 (1,28 - 2,30)
Síndrome supercrescimento bacteriano intestinal(20) OR: 2.28 (1.24–4.20)
Demência(14) HR: 1,44 (1,36 -1,52)
Peritonite bacteriana espontânea(21) OR: 2,17 (1,46 - 3,23)
Pólipos de glândulas fúndicas(23) OR: 2,45 (1,24 - 4,83)

210 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Luiz Gonzaga Vaz Coelho • Maria Clara de Freitas Coelho

Em adição aos achados epidemiológicos, é hoje aceito que na investigação


de existência de causalidade entre um agente e uma afecção deve-se buscar
obedecer aos critérios estabelecidos por Bradford-Hill em 1965(33) (tabela 2),
ressaltando-se que nenhum desses critérios deverá ser considerado incontestá-
vel ou abordado como imprescindível à determinação de causalidade.

TABELA 2. Critérios de causalidade de Bradford-Hill(33)


Características da associação
Força
Consistência
Especificidade
Temporalidade
Gradiente biológico
Plausibilidade biológica
Intervenção
Coerência

Os achados dos estudos aqui descritos têm o mérito de levantar hipóte-


ses sobre potenciais efeitos adversos dos IBPs, grupo de medicamentos de
extenso uso na prática médica e com efeitos benéficos inquestionáveis em
diferentes afecções gastroenterológicas. Entretanto, as evidências que su-
portam tais associações são difíceis de interpretar e de peso insuficiente para
estabelecer uma relação de causalidade na maioria dos casos. Apesar disto
não é possível afirmar que elas não existam.
Enquanto se aguardam novos estudos prospectivos e controlados para
validar ou não as associações aqui discutidas, cabe ao médico prescritor,
mesmo considerando os IBPs drogas eficazes e seguras, fazer sempre as
seguintes reflexões e considerações e procurar discuti-las com os seus
pacientes: 1)Está o IBP bem indicado? 2) A duração do tratamento é
adequada? 3) A dose empregada é a mínima eficaz?
É hoje considerado que 54 a 69% das prescrições de IBP são
inapropriadas, fora daquelas indicações atualmente bem estabelecidas,
sendo seu emprego particularmente exagerado no ambiente hospitalar.(3,34)
Estudo realizado em hospital de referência na Espanha observou que 28,7%
dos pacientes estavam em uso de IBP à admissão, 82,6% fizeram uso da droga

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 211


CAPÍTULO 18 - USO DE INIBIDORES DE BOMBA PROTÔNICA (IBP) EM LONGO PRAZO. É SEGURO?

durante a hospitalização e 54,8% receberam prescrição de IBP à alta


hospitalar.(35) O livre acesso a sua aquisição tem estendido, também, em muito,
a duração do tratamento com a droga. Importante salientar que a busca constante
da menor dose eficaz, deve sempre constituir um objetivo da terapêutica.
Por fim, é recomendado uma discussão franca com os pacientes, mos-
trando que, diante de uma indicação médica precisa, com doses e duração
da terapêutica adequadas, os IBPs constituem drogas seguras, de extrema
utilidade, que revolucionaram o tratamento das afecções ácido-pépticas.
O risco da supressão ácida prolongada pelo IBP raramente produz efeitos
adversos relevantes e que os achados descritos na maioria dos estudos, até o
momento, não possuem força suficiente para abolir o uso apropriado dessas
medicações na prática diária.

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 213


CAPÍTULO 18 - USO DE INIBIDORES DE BOMBA PROTÔNICA (IBP) EM LONGO PRAZO. É SEGURO?

214 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500019

Capítulo 19

Conduta nas lesões sólidas


de pâncreas

Maria da Penha Zago-Gomes

Introdução

O pâncreas é um órgão de difícil acesso. A incidência de detecção das lesões


sólidas e císticas pancreáticas aumentou nos últimos anos, devido melhor
na resolução dos métodos de imagem e facilidade na realização de exames.(1)
Tumor pancreático é um dos cânceres mais difíceis de diagnosticar, devido
sua localização e características clínicas.(2) São usualmente agressivos, com
alto índice de mortalidade, mesmo com a melhoria da terapêutica nas últimas
décadas.(1) Adenocarcinoma ductal pancreático (ADP) é o mais comum
tumor sólido pancreático. A incidência tem aumentado e representa, nos
Estados Unidos 1,2% dos cânceres. A sobrevida é de 5-10% em cinco anos.(1)
No Brasil, em 2013, ocorreram 8.710 mortes devido à câncer de pâncreas,
sendo 4.373 homens e 4.335 mulheres.(3)
A integração de ultrassom (US), ultrassom endoscópico (USE), tomogra-
fia computadorizada de abdômen (TC), ressonância magnética de abdômen
(RM) e colangiorressonância magnética (CRM), permite avaliar o pâncreas
com capacidade de diferenciar lesões sólidas e císticas, detectar o estágio do
tumor e estabelecer o tratamento apropriado.(4)
A TC multislice é o método mais usado, com cortes finos e imagens na
fase arterial e portal.(1) O ADP pode ser isoatenuante e 10% dos tumores
podem não serem vistos na TC.(4) A RM é capaz de caracterizar as lesões
sólidas e císticas.(5) O advento do USE e da biopsia guiada foi um avanço
nas doenças do pâncreas.(2)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 215


CAPÍTULO 19 - CONDUTA NAS LESÕES SÓLIDAS DE PÂNCREAS

A RM e a CRM têm acurácia igual à TC multislice para as lesões sólidas,


mas superior nas lesões císticas pela capacidade de obter imagens do parên-
quima pancreático e dos ductos pancreáticos.(1)
O USE tem alta resolução na obtenção das imagens pancreáticas e pode
obter biopsia com baixo índice de complicações. Junto com a TC multisli-
ce, tem se mostrado a melhor combinação para a avaliação de metástase. É
operador dependente e necessita de grande treinamento para a execução.(1)

Classificação das lesões sólidas do pâncreas

ADP é o mais comum tumor do pâncreas, acometendo 85%-90% dos


tumores malignos pancreáticos e a 4ª causa de morte por câncer no mundo.(5)
Os outros 10-15% são uma variedade de neoplasias que compreendem as
lesões císticas, os tumores endócrinos e outras neoplasias incomuns.
Também, algumas lesões benignas podem se apresentar como lesões só-
lidas e torna-se necessário o diagnóstico diferencial.(4) A tabela 1 mostra as
principais lesões sólidas de pâncreas.

TABELA 1. Principais lesões sólidas do pâncreas


Lesão tumoral Lesão tumoral Lesão tumoral Lesão pseudo
primária exócrina primária endócrina secundária tumoral
Carcinoma células
Adenocarcinoma Insulinoma Pancreatite crônica
renais
ductal
Gastrinoma Carcinoma pulmão Pancreatite aguda

Carcinoma de células Glucagomona Carcinoma mama Baço acessório


acinares Vipoma Carcinoma colorretal Lipoma
Neoplasia
Ppoma Melanoma Fibrose cística
pseudopapilar sólida
Pancreatoblastoma Somatostatinoma Câncer de ovário Sarcoidose
Tumores não
Linfoma Câncer de próstata Doença de Castleman
funcionais
Adaptado de Scialpi, et al. 2016.

216 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria da Penha Zago-Gomes

Os tumores pancreáticos são classificados de acordo com a linhagem ce-


lular. Podem ser de origem epitelial e não epitelial. Os tumores epiteliais
dividem em tumor de células ductais (ADP e neoplasia cística mucinosa e
serosa); carcinoma de células acinares; tumores endócrinos e tumores de ori-
gem não determinada (tumor pseudopapilar sólido, o pancreatoblastoma).(5)
Os tumores não epiteliais incluem os linfomas, hemangiomas, linfangiomas,
sarcomas e lipomas.(5)

Adenocarcinoma ductal pancreático - ADP

O ADP é o mais comum tumor maligno do pâncreas. Acomete duas vezes


mais homens, com pico na 7-8ª década de vida. Dois terços dos pacientes
são diagnosticados em fase avançada do tumor.(5) Somente 10-20% dos pa-
cientes têm doença ressecável e a média de sobrevida é de 11-20 meses. A
sobrevida em cinco anos é de 7-25%.(6)
Apesar do avanço da quimioterapia, a cirurgia permanece como o único
tratamento curativo.(5) Somente 10%-15% dos pacientes têm lesão localiza-
da no momento do diagnóstico.(7)
São fatores de risco para ADP: tabaco, obesidade, diabetes de longa dura-
ção, história familiar de ADP e pancreatite crônica. Diabetes mellitus é fator
de risco independente e o uso de metformina diminui o risco.(7) Componente
hereditário ocorre em 10% dos casos.(8)
Os principais sintomas são perda de peso, hiporexia, desconforto abdo-
minal, dor abdominal e icterícia obstrutiva.(4) Pancreatite aguda pode ocorrer
e, pacientes acima de 40 anos de idade que apresentam pancreatite aguda
sem litíase biliar devem pesquisar ADP.(9) Síndromes paraneoplásica são co-
muns, como a tromboflebite migratória, paniculite, dermatite eczematosa,
manifestações neurológicas e hematológicas.(4)
Grau de mitose e presença de anticorpo Ki67 indica agressividade e
maior a capacidade de metástase. A decisão de ressecabilidade deve ser feita
com avaliação multidisciplinar.(1) Estadiamento é baseado na localização do
tumor, ausência ou presença de invasão vascular, ausência ou presença de
invasão de órgãos à distância ou metástases.(1)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 217


CAPÍTULO 19 - CONDUTA NAS LESÕES SÓLIDAS DE PÂNCREAS

Nos exames de imagem, o ADP apresenta-se como massa sólida, ir-


regular, sem necrose ou hemorragia. Normalmente é heterogêneo, com
tendência a infiltração local, incluindo infiltração vascular. O parênquima
pancreático distal ao ADP é atrófico e com baixo sinal de intensidade na
RM. Embora não seja específico, este sinal é um dos mais importantes para
o diagnóstico por imagem do ADP.(5)
Cerca de 60-70% dos ADP’s comprometem a cabeça pancreática, 10-
20% são encontrados no corpo e 5-10% na cauda.(5)
O exame CA19-9 (carbohydrate antigen 19-9) é importante no
monitoramento da resposta terapêutica, mas não no diagnóstico
de ADP.(7)
Quando não há metástase, o ADP é classificado em: a) ressecável: não
há contato do tumor com vasos; b) borderline: quando há contato com
vasos, mas estes irrigam órgãos ressecáveis (neste caso deve ser fei-
ta quimioterapia coadjuvante); e c) localmente avançado ou irressecá-
vel, quando há contato ou infiltração de vasos que impeçam a ressecção
completa segura.(1)
A pancreatoduodenectomia (Cirurgia de Whipple), pancreatectomia
distal ou a pancreatectomia total são usualmente indicadas.(7) Cirurgia de
Whipple está indicada para tumores na cabeça pancreática.
Quando se localiza no corpo e cauda, a pancreatectomia distal está in-
dicada. A pancreatectomia é realizada nas lesões difusas.(8) A pancreatec-
tomia de cabeça com preservação do piloro, após metanálise, mostrou-se
com alto risco, não sendo mais indicada.(8) Tumor não ressecável por inva-
são local ou metástase, são de 60-96% (média de 80%). A sobrevida destes
pacientes é de 4 a 8 meses.(8)
Quando a cirurgia não é viável, é possível utilizar a termoabla-
ção do tumor ou das metástases, ablação com foco de alta intensi-
dade e ablação com álcool.(1) A radioterapia com marcador permi-
te terapêutica com radiação mais localizada.(1) Quimioterapia ad-
juvante é recomendada após ressecção pancreática. A maioria dos
pacientes apresentam doença localmente avançada ou metastática
no diagnóstico.(7)

218 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria da Penha Zago-Gomes

Carcinoma de células acinares pancreáticas (CCAP)

CCAP é um tumor primário de pâncreas raro das células exócrinas acinares.


Representa 1% das lesões e ocorre na 5-7ª década de vida. A histologia
exibe a produção de enzimas. Sintomas específicos incluem “síndrome
de hipersecreção de lípase”, que resulta de necrose gordurosa do tecido
subcutâneo, infarto ósseo e poliartralgia.(7) Geralmente são exofíticas, ovais
ou arredondadas, bem delimitadas e hipovasculares, e sólidas.(7)

Tumor pseudopapilar sólido (TPS)

TPS corresponde a 1-2% dos tumores pancreáticos. Em 1959, Dr. Frantz


descreveu as características morfológicas deste tumor. Em 1996, a Orga-
nização Mundial de Saúde renomeou este tumor e cunhou o termo TPS.(10)
Acomete mais mulheres jovens, entre a 2-3ª décadas de vida, em cabeça ou
cauda do pâncreas, muitas vezes descoberto por acaso.
Aparece como uma grande massa, bem delimitada, com grossa cápsula e
componentes sólidos intralesionais, cística e hemorrágicas.(10) É uma neopla-
sia benigna, com risco de transformação maligna. Tratamento é cirúrgico.
Metástases são raras. O prognóstico é excelente pós-ressecção cirúrgica.(10)

Pancreatoblastoma

Pancreatoblastoma ou carcinoma pancreático infantil, é um tumor pan-


creático raro, 0,5% de tumores não endócrinos do pâncreas, também acome-
tem adultos. A maioria dos tumores são na cabeça do pâncreas. US e TC são
úteis, mas o diagnóstico pré-operatório é difícil. O tratamento é a ressecção
completa. O prognóstico é bom, quando ressecado completamente.(11)

Linfoma e outros tumores mesenquimais

As neoplasias mesenquimais do pâncreas são raras. O linfoma


pancreático, embora incomum, é o tumor mesenquimal maligno mais comum.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 219


CAPÍTULO 19 - CONDUTA NAS LESÕES SÓLIDAS DE PÂNCREAS

Outros tumores mesenquimais são: linfangioma, leiomioma, leiomiossarcoma,


schwannoma, hemangioma ou hemangioendotelioma.(10)

Lesão tumoral primária exócrina

Evidências recentes sugerem que tumores neuroendócrinos surgem de


células epiteliais pluripotenciais do epitélio ductal e não das ilhotas de Lan-
gerhans. Representam 1 a 2% das neoplasias do pâncreas. A maioria são
esporádicos. São classificados em funcionantes e não-funcionantes.(5)
Insulinomas e gastrinomas são os mais comuns, seguidos por tumor não
funcional. Mesmo pequenos, quando secretam hormônio, podem ser sinto-
máticos. A malignidade é estabelecida pela coexistência de metástases ou
invasão local. O fígado é o órgão mais acometido por metástases.(10)
Insulinomas geralmente são benignos, enquanto os gastrinomas são
malignos em quase 60% dos casos. Os tumores pequenos são sólidos e ho-
mogêneos, os tumores maiores são heterogêneos com degeneração cística
e calcificações.(10)

Metástases para o pâncreas

Metástases no pâncreas pode ser por invasão direta ou disseminação hema-


togênica. Embora rara, a invasão direta de tumores de estômago, carcinoma do
cólon transverso e GIST, podem ocorrer. As metástases mais frequentes derivam
de carcinoma de célula renal, pulmão, mama, cólon, próstata e melanoma.(10)

Lesões benignas

Pancreatite crônica pode causar dificuldade diagnóstica com ADP. Distin-


ção entre pancreatite crônica focal e adenocarcinoma pode ser difícil. Ambas
apresentam lesão ocupando espaço, atrofia de cauda e obliteração dos planos
gordurosos peripancreáticos.
Ajudam o diagnóstico de pancreatite crônica: calcificações do parênqui-
ma; ductos pancreáticos de calibres variáveis; ductos secundários dilatados.

220 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria da Penha Zago-Gomes

Ajudam o diagnóstico de ADP: interrupção abrupta do ducto, atrofia pan-


creática à montante e desproporção da dilatação dos ductos.(5) O USE é o
método que melhor ajuda este diagnóstico diferencial.(4)
Na pancreatite aguda, o processo inflamatório mostra aumento tanto difu-
so como focal do parênquima. O quadro clínico difere e ajuda o diagnóstico
diferencial.(10)
Lipoma de pâncreas pode ser encontrado em pacientes obesos. A cabeça
de pâncreas é o local mais frequente, mas não apresenta efeito de massa, não
há distorção de ductos e vasos. A RM é altamente específica.(10) Baço acessó-
rio pode ocorrer em órgãos sólidos, principalmente do pâncreas. Geralmente
são menores que 2 cm e estão localizadas na cauda do pâncreas.(10)

Conclusão

O ADP tem mau prognóstico, com taxa de sobrevida em 5 anos de 5%. O


diagnóstico por imagem e a terapêutica dos tumores sólidos pancreáticos es-
tão evoluindo muito nos últimos anos, mas a cura ainda somente é alcançada
em tumores ressecáveis, com completa ressecção cirúrgica, sem metástases.
Porém os tratamentos paliativos melhoraram e aumentaram a sobrevida dos
pacientes com tumor de pâncreas.

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222 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500020

Capítulo 20

Manifestações extraintestinais:
o perfil sistêmico da doença
de Crohn
Júlia Faria Campos
Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

Introdução

A s doenças inflamatórias intestinais (DII) representadas principalmente


pela doença de Crohn (DC) e retocolite ulcerativa (RCU) podem ser
consideradas como doenças sistêmicas, pois apresentam manifestações
clínicas que não se limitam ao trato gastrointestinal. As manifestações
extraintestinais, que virtualmente podem acometer qualquer órgão, são descritas
em até 50% dos pacientes em algum momento do curso evolutivo da DII.
São condições que podem preceder, serem diagnosticadas simultaneamente às
manifestações intestinais ou até mesmo surgirem após a ressecção de segmentos
intestinais acometidos. Seu reconhecimento e a abordagem terapêutica
adequada e precoce são importantes, pois tais manifestações têm grande
impacto na qualidade de vida, na morbidade e mortalidade da DII, mostrando-se
em muitas ocasiões, mais incapacitante do que a própria doença.(1-3)
As manifestações clínicas extraintestinais podem ser classificadas em
dois grandes grupos. Manifestações extraintestinais (MEI), representadas
por condições reativas, que podem se associar à atividade inflamatória in-
testinal (artrite periférica, eritema nodoso e estomatite aftosa), ou aquelas
que evoluem independente da atividade da doença intestinal (pioderma gan-
grenoso, uveíte, espondiloartropatias e colangite esclerosante primária). O
outro grupo é composto por complicações extraintestinais, condições que
se originam tanto das alterações metabólicas ou anatômicas decorrentes da
própria doença (deficiências nutricionais secundárias a má-absorção ou a

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 223


CAPÍTULO 20 - MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: O PERFIL SISTÊMICO DA DOENÇA DE CROHN

ressecções intestinais, osteoporose, neuropatia periférica, eventos trombo-


embólicos, cálculos renais e biliares) quanto aos efeitos adversos dos me-
dicamentos utilizados no controle da doença (artropatias relacionadas às
drogas, neuropatia periférica, doença hepática gordurosa e nefrotoxicidade).
Para alguns autores um terceiro grupo poderia ser incluído, composto por
doenças autoimunes independentes e não relacionadas ao acometimento in-
testinal, mas associadas a maior susceptibilidade da população com DII para
autoimunidade, destacando-se a anemia hemolítica, doenças da tireoide, vi-
tiligo e diabetes mellitus insulino-dependente (Tabela 1).(2,3)

TABELA 1. Manifestações e Complicações Extraintestinais


Manifestações ou complicações
Segmento acometido Opções de tratamento
extraintetinais
Artropatia periférica:
Tipo 1: autolimitada, relacionada Tratamento da DA; SSZ**; inibidor da COX-2
Manifestações musculoesqueléticas a DA* SSZ; Inibidor da COX-2, corticoide.
Tipo 2: independe da DA Fisioterapia; Inibidor da COX-2; anti-TNF
Artropatia axial: independe da DA
Artropatia induzida por droga
Complicações musculoesqueléticas (corticoide; imunossupressores e Suspensão da droga responsável
anti-TNF)
Eritema nodoso: relaciona à DA
Pioderma gangrenoso: Tratamento da DA
frequentemente independe da DA Corticoide; Imunossupressor; anti-TNF
Manifestações mucocutâneas
Síndrome de Sweet: relaciona à DA Corticoide tópico e sistêmico
Estomatite aftosa e/ou pioestomatite Tratamento da DA
vegetante: relaciona DA
Acne e atrofia da pele
Terapia sintomática
Lesões cutâneas induzidas por
Avaliação da lesão de pele; suspensão da
drogas: reação sitio da injeção,
droga responsável.
Complicações mucocutâneas infecção cutânea, síndrome lupus-
Suplementação de zinco
like, câncer de pele.
Acrodermatite enteropática
Suplementação de zinco e Vit B
Glossite
Trata da DA; terapia tópica
Esclerite e episclerite
Manifestações oculares Corticoide tópico e/ou sistêmico;
Uveíte
ciclosporina;anti-TNF
Cegueira noturna; xeroftalmia Suplementação de vitamina A
Complicações oculares Glaucoma, catarata induzida por Evitar corticoterpia. Abordagem específica
corticoide oftalmológica.
Colangite esclerosante primária Àcido ursodesoxicólico (opcional); dilatação
Manifestações hepatobiliares estenose dominante; transplante hepático.
Pancretite aguda Terapia sintomática
Colelitíase Tratamento convencional
NAFLD Tratamento convencional
Complicações hepatobiliares Indução medicamentos da hepatite B Triagem antes da terapia imunossupressora e
com biológicos
Pancreatite medicamentosa Suspensão da droga responsável

224 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Júlia Faria Campos • Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

Manifestações tromboembólicas Tromboembolismo venoso e arterial Profilaxia; anticoagulação terapêutica


Doença de vias aéreas superiores;
manifestações das grandes e
Manifestações pulmonares Corticoide inalatório e venoso
pequenas vias aéreas; doença
parenquimatosa.
Hipersensibilidade droga-induzida;
Complicações pulmonares Suspensão da droga responsável
fibrose pulmonar (metotrexate)
Glomerulonefrite: nefrite
Manifestações renal e urológica Tratamento específico da doença renal
tubulointesticial
Nefrolitíase
Nefrite tubulointesticial droga Suplementação de cálcio
Complicações renal e urológica induzida(mesalazina), glomerulonefrite Tratamento específico; suspensão da droga
(anti-TNF); injuria renal aguda responsável.
(ciclosporina, tacrolimus)
Neuropatia periférica; manifestações
Manifestações neurológicas Tratamento específico da doença neurológica
do SNC.
Neurotoxicida droga induzida
Suspensão da droga responsável;
Complicações neurológicas (metronidazol), neuropatia periférica
suplementação de vitamina B12
por deficiência de vitamina B12
Tratemento da atividade inflamatória;
Anemia - manifestação Anemia de doença crônica
eritropoetina
Anemia ferropriva; macrocítica ou Suplementação de ferro;suplementação de
Anemia - complicação
megaloblástica vitamina B12, ácido fólico
Osteopenia e osteoporose
Manifestações ósseas Suplementação de cálcio e bisfosfonato
independente da atividade da doença
Osteopenia e osteoporose droga Retirada do corticoide; Suplementação de
Complicações ósseas
induzida (corticoesteroides) cálcio, vitamina D e bisfosfonato

*DA: Doença Ativa;**SSZ: Sulfasalazina; NAFLD: Doença hepática gordurosa não alcóolica.
Modificado Ott C, Sholmerich J 2.

As MEI são relatadas numa frequência que varia de 6% a 47%. As mais


observadas são acometimento articular (articulações periféricas e artropatias
axial), lesões de pele (eritema nodoso, pioderma gangrenoso, síndrome de
Sweet e estomatite aftosa), acometimento hepatobiliar (colangite esclero-
sante primária) e ocular (episclerite e uveíte). Menos frequentes são as le-
sões pulmonares, cardíacas, pancreáticas e do sistema vascular.(3) A presença
de uma MEI aumenta o risco para desenvolvimento de outras. Em recente
estudo de coorte realizado na população suíça, observou-se que mais de um
quarto dos pacientes apresentavam mais de uma MEI, com combinações de
até cinco manifestações diferentes. O mesmo estudo avaliou a cronologia
de aparecimento das MEI. Em 25,8% estas surgiram em média cinco meses
(limites de 0-25 meses) antes do diagnóstico da DII e em 74,2% dos casos, a
primeira MEI manifestou-se em média 92 meses (limite de 29 a 183 meses)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 225


CAPÍTULO 20 - MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: O PERFIL SISTÊMICO DA DOENÇA DE CROHN

após o diagnóstico.(4) Alguns fatores de risco como doença intestinal ativa e


história familiar para DII, possuem forte associação para o desenvolvimento
das MEI na DC. Enquanto a doença perianal, acometimento colônico ex-
tenso e tabagismo a despeito dos estudos relatarem associação menos evi-
dente, também são considerados fatores que aumentam a probabilidade para
desenvolvimento das MEI.(2,3,4)
Pouco se conhece a respeito da patogênese das MEI. Acredita-se que a
mucosa intestinal doente possa desencadear resposta imunológica em sítio ex-
traintestinal devido ao compartilhamento de epitopos. Como exemplo, a inter-
face entre bactéria e sinóvia. A microbiota intestinal em contato com o sistema
imunológico do intestino desencadeia resposta imunológica adaptativa, que é
incapaz de discriminar os epitopos bacterianos dos epitopos das articulações
e da pele. A resposta autoimune em certos órgãos parece ser influenciada por
fatores genéticos. Estudos demonstraram concordância de 70% de MEI entre
pais e filhos e de 84% entre irmãos.(2,3,5) Vários genótipos HLA se relacionam
a maior susceptibilidade para o desenvolvimento das MEI. Assim, o fenótipo
HLA-B8/DR3 está associado ao maior risco de se desenvolver colangite es-
clerosante primária na RCU, o HLA DRB1* 0103, HLA-B*27 e o HLA-B*58
estão associados às manifestações articulares, cutâneas e oftalmológicas, res-
pectivamente.(2,3,4) Observa-se também que o HLA-B*27 tem forte associa-
ção com o desenvolvimento de espondilite anquilosante. Polimorfirmos do
NOD2/CARD15 associam-se ao caráter familiar da DC, à predominância de
acometimento ileal da doença e ao desenvolvimento de sacroiliíte.(2,3,4)

Manifestações musculoesqueléticas

O acometimento articular é a MEI mais comum, sendo descrita em fre-


quência que varia de 14% a 44%. É manifestação com grande impacto na
qualidade de vida dos pacientes e seu reconhecimento precoce, bem como
o diagnóstico diferencial são importantes na abordagem terapêutica. Dois
grandes padrões de acometimento articular são reconhecidos na DII: a
forma periférica, também chamada de artrite enteropática e a forma axial,
caracterizada por sacroiliíte e/ou espondilite anquilosante.(1,2,3)

226 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Júlia Faria Campos • Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

A artrite periférica ocorre de 2,8% a 31% dos casos, sendo mais comum
na DC (10% a 20%) do que na RCU (2% a 7%). É subdividida em dois gru-
pos com características e evolução distintas: tipo I, oligoartrite assimétrica,
acomete menos de cinco articulações (pauciarticular), tem caráter agudo e
autolimitado, envolvimento assimétrico e migratório, dura menos de dez se-
manas e acompanha a atividade inflamatória do intestino; o tipo II, poliartri-
te simétrica, acomete cinco ou mais articulações (poliarticular), os sintomas
duram meses ou anos, o acomentimento é geralmente simétrico e não reflete
atividade inflamatória da doença intestinal. A artrite do tipo I frequentemen-
te se associa a outras manifestações extraintestinais, principalmente à uve-
íte e ao eritema nodoso, enquanto na artrite do tipo II essa coexistência é
rara, excetuando a uveíte. A artrite periférica pode ser crônica e erosiva em
10% dos pacientes e cerca de um quarto dos casos apresentam envolvimento
axial associado.(1,2,3)
O diagnóstico diferencial das manifestações osteoarticulares agudas é
amplo, devendo ser consideradas entidades como a artrite séptica, a artrite
por cristais, a osteonecrose asséptica por corticosteroides e as artralgias dro-
ga induzidas, efeito adverso de medicamentos como os corticoesteroides,
imunossupressores e anti-TNF.(2,3)
O acometimento axial, representado pela sacroiliíte e espondilite an-
quilosante, é mais frequente na DC (5% a 22%) do que na RCU (2% a
6%). São manifestações que tendem preceder o quadro intestinal, têm cur-
so crônico, caracterizam-se por dor lombar de caráter inflamatório e no-
turno, melhora com a deambulação e evoluem com limitação progressiva
da movimentação de todos os eixos da coluna e de forma independente às
manifestações intestinais.
O tratamento das artropatias deve ser individualizado e direciona-
do à gravidade do quadro clínico. Na artrite periférica, o tratamento da
atividade da DII deve ser a primeira medida a ser instituída, principal-
mente na artrite do tipo I. Repouso, analgésicos comuns, fisioterapia e
injeções intra-articulares de glicocorticóides podem ser suficientes para
resolução de quadros mais leves. Anti-inflamatórios não-esteroidais
(AINE) podem ser utilizados de forma cautelosa e por menor tempo

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 227


CAPÍTULO 20 - MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: O PERFIL SISTÊMICO DA DOENÇA DE CROHN

(idealmente < 2 semanas) e dose possíveis. O uso dos inibidores seletivos


da COX2, etoricoxibe e celecoxibe, devem ser preferidos. Pequena dose
de corticoide é eficaz, mas esta deve ser descontinuada tão logo ocorra
o controle do quadro clínico. Nos quadros persistentes a sulfasalazina e
o metotrexato podem ser úteis. Os antagonistas de TNF-alfa apresentam
bons resultados no controle das manifestações articulares, tanto axiais
como periféricas.(1,2,3)
Manifestações mucocutâneas

O eritema nodoso é a manifestação cutânea mais frequente, sendo observa-


do em aproximadamente 15% dos pacientes com DC e 10% dos casos de RCU.
Caracteriza-se por nódulos avermelhados de 1 a 5 cm de diâmetro, quentes, do-
lorosos, geralmente distribuídos simetricamente na face extensora das extremi-
dades, principalmente na região pré-tibial. Associa-se à atividade da doença e o
tratamento da DII determina a melhoria das lesões cutâneas. O pioderma gan-
grenoso é observado em 0,5% a 2% dos pacientes, sendo mais comum na RCU.
Inicia-se como uma pápula dolorosa, evoluindo com formação de pústula, ne-
crose central, seguida de ulceração irregular. As lesões podem ser únicas ou múl-
tiplas. A sua relação com a atividade da doença intestinal ainda é controversa.
O tratamento baseia-se na corticoterapia tópica e sistêmica, imunossupressores
e biológicos. A síndrome de Sweet é uma dermatose neutrofílica, que se carac-
teriza por pápulas, nódulos ou placas eritematosas e dolorosas, que acometem
os membros superiores, pescoço e face, além de febre, leucocitose e neutrofilia.
É manifestação rara na DII e ocorre com maior frequência nas mulheres. As-
socia-se a doença colônica e a outras MEI. Essas lesões geralmente respondem
bem a corticoterapia tópica ou sistêmica.(1,2,3)
As lesões de pele também podem ser secundárias à má-absorção e des-
nutrição, bem como traduzirem efeitos adversos dos imunossupressores e da
terapia anti-TNF, como infecções cutâneas, lesões no local de aplicação da
medicação e reações imunomediadas, tais como psoríase, erupção eczemato-
sa, síndrome lupus-like e mais raramente câncer de pele.
As lesões orais representadas com maior frequência pela estomatite aftosa e
com menor frequência pela pioestomatite vegetante, estão presentes em até 10%

228 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Júlia Faria Campos • Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

dos pacientes, sendo mais frequente na DC. São manifestações que acompanham
a atividade inflamatória e regridem com o controle do processo inflamatório.(1,2,3)

Manifestações oculares

A incidência das manifestações oculares varia de 2% a 6% na DII e geral-


mente se associam às manifestações musculoesqueléticas. As principais são
conjuntivite, episclerite, esclerite e uveíte anterior. A episclerite caracteriza-
-se por desconforto ocular, hiperemia e lacrimejamento; caso ocorra acometi-
mento de camadas oculares mais profundas a esclerite deve ser considerada.
O tratamento da atividade inflamatória intestinal e o uso de corticoide tópico
geralmente promove a melhora dos sintomas. A uveíte anterior caracteriza-
-se por inflamação do leito vascular da íris e corpo ciliar e na uveíte posterior
ocorre comprometimento do vítreo, coróide e/ou retina. A uveíte predomina
no sexo feminino e tem curso crônico, insidioso, sendo geralmente bilateral.
Apresenta-se como hiperemia ocular e congestão da conjuntiva, principal-
mente próximo à íris. Clinicamente, manifesta-se por dor ocular, visão turva,
fotofobia e cefaléia, podendo evoluir com perfuração da córnea e cegueira. O
tratamento é com corticóide tópico e/ou sistêmico e apresenta bons resultados.
Em casos refratários a terapia com imunossupressores e terapia biológica é
recomendada. As manifestações oculares podem levar a grave limitação visual
ocasionando cegueira. Pacientes com queixas oculares devem ser referencia-
dos precocemente ao oftalmologista.(1,2,3)
Complicações oculares como catarata e glaucoma são secundárias ao uso
de corticoide, enquanto xeroftalmia e cegueira noturna estão associadas à
hipoavitaminose A.(2,3)

Manifestações hepatopancreatobiliares

Estima-se que 30% dos pacientes com DII apresentarão alterações de


enzimas hepáticas ao longo do curso da doença,(2) e até 7% aumento da
lipase pancreática.(1) Essas alterações podem representar sinais precoces
de manifestações hepatopancreatobiliares (HPB), efeitos adversos dos

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 229


CAPÍTULO 20 - MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: O PERFIL SISTÊMICO DA DOENÇA DE CROHN

medicamentos utilizados no tratamento da DII ou infecções secundárias


no paciente imunossuprimido. A dosagem seriada das enzimas hepáticas e
pancreáticas faz parte do acompanhamento do paciente com DII, mesmo
em períodos de remissão clínica e deve ser associada a um alto grau de
suspeição quanto ao surgimento de manifestações HPB.
A colangite esclerosante primária (CEP) é a manifestação HPB mais
comum. Entre 2% a 7,5% dos pacientes com RCU e 1,4% a 3,4% daqueles
com DC vão desenvolver CEP, enquanto 70% a 80% dos pacientes com CEP
evoluirão com DII. Os sintomas da DII podem surgir tardiamente no curso
clínico da CEP, mesmo após a realização de transplante hepático, ao passo
que os sinais e sintomas de CEP também podem se desenvolver anos após o
diagnóstico da DII. A DII parece não influenciar o curso clínico da CEP. No
entanto, estudo sugere que os pacientes com a associação DII/CEP tendem
manifestar a doença com aumento das enzimas hepáticas, principalmente
as colestáticas, enquanto naqueles pacientes sem DII, a CEP manifesta-se
principalmente com prurido, fadiga e icterícia.(6) O prognóstico da DII é
influenciado pela presença da CEP, a despeito dos pacientes apresentarem
curso mais brando da DII, estima-se sobrevida média de 10 a 12 anos
para os pacientes com a associação DII/CEP sem transplante hepático.
A CEP também está associa-se ao aumento de complicações como
colangite, colangiocarcinoma (1,5% ao ano), colecistolitíase, osteoporose,
deficiência de vitaminas lipossolúveis e esteatorreia. Portanto, alguns
cuidados devem ser adotados nesse subgrupo de pacientes, como a
monitorização de vitaminas lipossolúveis, realização de densitometria
óssea ao diagnóstico e em intervalos de dois a quatro anos, avaliação
anual com exame de imagem e dosagem de CA 19-9 para pesquisa de
colangiocarcinoma, rastreio de varizes de esôfago quando se observam
sinais de hepatopatia crônica ou se contagem de plaquetas for inferior
a 15.000/dl e ao menos uma dosagem de IgG4, pois a presença desta
relaciona-se a evolução acelerada da CEP. A colonoscopia para
rastreio de carcinoma colorretal deve ser realizada ao diagnóstico da
CEP e anualmente, devido ao risco quatro vezes maior dos pacientes
evoluírem com esta complicação.(1,7)

230 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Júlia Faria Campos • Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

A frequência da colelitíase é duas vezes maior no paciente com DC e não


parece estar aumentada no paciente com RCU. A prevalência de colelitíase
chega a 34% nos pacientes com ressecção ou inflamação ileal, manifestação
que decorre de alterações na reabsorção dos ácidos biliares no ciclo entero-
hepático. Além de ser fator de risco para a pancreatite aguda, a colelitíase
sintomática configura diagnóstico diferencial da atividade inflamatória da DII.
Estima-se que esteatose hepática esteja presente em até 50% das biópsias de
pacientes com alterações enzimáticas. Tal fato parece estar relacionado à gravi-
dade da doença, à desnutrição e ao uso de corticosteroides. Entretanto, a preva-
lência da doença hepática gordurosa não alcóolica (NAFLD) na população com
DII é menor do que a observada em outros subgrupos de pacientes sem DII.(8)
A colangiopatia associada à IgG4 pode compor a síndrome sistêmica re-
lacionada ao aumento da IgG4 ou se apresentar de forma isolada. Esta en-
tidade é um importante diagnóstico diferencial da CEP e deve sempre ser
avaliada, pois apresenta boa resposta à corticoterapia e melhor prognóstico.
Estudos têm demonstrado que níveis discretamente elevados de IgG4 são
observados em frequência que varia de 9% a 34% dos pacientes com CEP.
Porém, na colangiopatia associada a IgG4 estes níveis mostram-se mais ele-
vados e é observado infiltrado linfocítico difuso no tecido hepático.(6)
Pacientes com DII têm incidência aumentada de pancreatite aguda (PA) e
crônica (PC), mas acredita-se que a pancreatite como MEI seja rara. As princi-
pais causas dos quadros agudos são: injúria medicamentosa que é observada em
até 4% dos casos e relaciona-se principalmente ao uso das tiopurinas, aminossa-
licilatos e antibióticos;(1) colelitíase e obstruções do ducto pancreático, devido à
DC com acometimento duodenal. Cerca 1% a 1,5% dos casos não tem etiologia
definida, sendo então considerados como MEI. A patogênese da PA não está
esclarecida, mas sabe-se que nem sempre está relacionada à atividade da DII,
tende a ser menos sintomática e ter curso clínico mais benigno.(9) O diagnóstico
é um desafio desde que possui quadro clínico semelhante à atividade da doen-
ça intestinal. Cerca de 5,8% a 15,8% dos pacientes com DII podem apresentar
aumento dos níveis séricos de amilase, lipase ou ambas, sem que haja lesão pan-
creática.(9) Alterações na morfologia do ducto pancreático, insuficiência exócrina
e autoanticorpos pancreáticos, são alterações observadas com maior frequência

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 231


CAPÍTULO 20 - MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: O PERFIL SISTÊMICO DA DOENÇA DE CROHN

em pacientes com DII, mas o diagnóstico de PC secundária a DII deve ser aven-
tado apenas após exclusão das etiologias mais comuns. O impacto do tratamento
da DII no aparecimento e evolução da pancreatite é questão a ser elucidada.

Manifestações pulmonares

O acometimento pulmonar como MEI é raro, mas bem estabelecido. Este


é mais frequente na RCU do que na DC, sobretudo após colectomia e está
associado aos períodos de atividade da doença. A origem embriogênica co-
mum do epitélio pulmonar e do trato gastrointestinal, bem como de seus res-
pectivos sistemas linfáticos, ambos derivados do intestino primitivo, parece
ser o ponto comum para o aparecimento desta MEI.(2) Pode manifestar-se
em qualquer segmento do trato respiratório, desde a glote até as pequenas
vias aéreas, sendo que as alterações das vias aéreas, representadas por bron-
quiectasia, bronquite crônica e bronquiolite obliterante, são as manifesta-
ções mais observadas. O parênquima pulmonar também pode ser acometi-
do com aparecimento de pneumonia intersticial ou bronquiolite obliterante
com pneumonia em organização. O diagnóstico deve ser aventado após ex-
clusão de complicações pulmonares comuns ao paciente com DII, como a
pneumopatia medicamentosa, infecção secundária e tromboembolismo pul-
monar. Estima-se que até 55% dos pacientes com DII, mesmo quando assin-
tomáticos, apresentam algum grau de comprometimento pulmonar.(10)
Complicações pulmonares também são observadas neste grupo de pacientes.
Vale salientar a pneumopatia medicamentosa que é a principal causa de tosse,
dispneia e sintomas respiratórios inespecíficos. Representadas principalmente
pela pneumonia eosinofílica com infiltração eosinofílica pulmonar e eosinofilia
periférica em 50% dos casos, alveolite fibrosante e pneumonite intersticial,
com padrão restritivo e grave ocasionado por metotrexate. As reações
medicamentosas adversas ocorrem tradicionalmente nos primeiros seis meses
de uso da droga. No entanto, são descritos casos de acometimento pulmonar
tardio. As infecções secundárias constituem a segunda principal etiologia de
sintomas pulmonares e preocupação frequente no paciente imunossuprimido,
sobretudo naqueles que fazem uso de medicação anti-TNF alfa.

232 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Júlia Faria Campos • Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

As mais frequentes são tuberculose pulmonar, pneumocistose, infecções fúngicas


(aspergilose, histoplasmose e paracoccidioidomicose) e listeria. Por fim, deve-se
atentar para o risco aumentado de tromboembolismo pulmonar desses pacientes,
direcionando a propedêutica para sua exclusão quando necessário.(10)

Manifestações neurológicas

Complicações neurológicas no paciente com DII são frequentes e de


elevada morbidade, mas de difícil diagnóstico devido à expressão clínica
variada. Suas possíveis etiologias vão desde toxicidade medicamentosa e
deficiências vitamínicas, constituindo as mais frequentes como as trombo-
ses venosas e arteriais menos observadas. As MEI neurológicas são raras e
representadas por neuropatia periférica aguda e crônica, doença desmielini-
zante, como esclerose múltipla e neurite óptica.(1,11)

Manifestações cardiovasculares

Estudos epidemiológicos recentes evidenciam que pacientes com DII apre-


sentam risco discretamente aumentado para doenças cardiovasculares, sobretu-
do evento coronariano agudo e acidente vascular cerebral. Esse risco é maior nas
mulheres e em pacientes jovens, mas não está associado a aumento de mortalidade
por acometimento cardiovascular.(12) Apesar de não se observar maior prevalên-
cia dos fatores tradicionalmente implicados na doença cardiovascular (diabetes,
hipertensão arterial, dislipidemia e tabagismo), pacientes com DII apresentam
aterosclerose subclínica precoce. Acredita-se que a inflamação persistente de-
termina alterações estruturais com aumento da espessura da íntima vascular, seu
endurecimento e disfunção endotelial micro e macrovascular. Somam-se a essas,
outros fatores de risco para aterosclerose como níveis persistentemente elevados
de proteína C reativa e homocisteína, bem como ativação e agregação plaquetá-
ria, fenômenos relacionados à trombose e associados à atividade da doença in-
testinal. O impacto do tratamento da DII no risco cardiovascular ainda é incerto,
mas parece ser benéfico. O uso dos derivados aminossalicílicos e dos anti-TNF
parece conferir proteção cardiovascular.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 233


CAPÍTULO 20 - MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: O PERFIL SISTÊMICO DA DOENÇA DE CROHN

Manifestações tromboembólicas

Fenômenos tromboembólicos tanto venosos quanto arteriais são


MEI de importante impacto na morbimortalidade de pacientes com DII.
Desde que 80% dos episódios de tromboembolismo (TE) ocorrem em
períodos de atividade da doença, essa manifestação pode ainda repre-
sentar um sinal de reativação precoce da doença. Seu risco relativo é de
duas a quatro vezes maiores em paciente com doença ativa e ocorrem
em proporção semelhante para RCU e DC. Acometem pacientes jovens
e tendem a recidivar. Os principais eventos são trombose venosa pro-
funda em membros inferiores e tromboembolismo pulmonar (90% dos
casos), mas podem ocorrer tromboses em sítios menos usuais como o
sistema mesentérico portal, seios venosos cerebrais e sistema arterial.
São considerados fatores de risco para TE: doença em atividade, aco-
metimento colônico extenso, internação, cirurgia recente e imobilida-
de, tabagismo ativo, uso de corticoide e gestação. A internação hospi-
talar aumenta seis vezes o risco de TE, sendo recomendada profilaxia
farmacológica para todos os pacientes com DII admitidos no hospital.
A heparina de baixo peso molecular é a droga de primeira escolha,
mas heparina não fracionada ou fondoparinux também podem ser uti-
lizadas sem risco significativamente aumentado, mesmo nos pacientes
com sangramento retal, desde que sem instabilidade hemodinâmica.(13,14)
Deve-se ainda considerar a extensão da profilaxia após a alta hospitalar
para aqueles pacientes de maior risco e em pós-operatório, mas nenhuma
recomendação formal existe a cerca da profilaxia ambulatorial.(13)
Os pacientes com TE comprovado devem ser anticoagulados com
antagonistas da vitamina K (varfarina) ou os novos anticoagulantes
(dabigatrana e rivaroxabana) por tempo variável. Aqueles que
apresentarem TE durante atividade da DII devem manter a anticoagulação
até a remissão clínica, enquanto os pacientes que apresentarem TE fora
dos períodos de atividade da doença, devem ter anticoagulação avaliada
por no mínimo 6 meses, devendo-se considerar sua manutenção por
tempo indeterminado.(14)

234 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Júlia Faria Campos • Maria de Lourdes de Abreu Ferrari

Manifestações renais e urológicas

São descritas em até 23% dos pacientes com DII.(2) Predominam as mani-
festações associadas às complicações da doença decorrentes dos efeitos ad-
versos dos medicamentos, sendo uma minoria considerada MEI verdadeira.
Dentre elas, são descritas as glomerulonefrites de diferentes tipos, que evo-
luem com boa resposta a indução da remissão da DII, a nefropatia por IgA
e mais raramente amiloidose AA, que está diretamente associada a infla-
mação persistente. As MEI renais devem sempre ser diferenciadas de toxi-
cidade secundária ao uso dos aminossalicilatos. Esse quadro se manifesta
como nefrite intersticial, glomerulonefrite e, mais raramente, como síndro-
me nefrótica e que se mostra reversível de início.(1) Seu diagnóstico precoce
é imperativo, para tanto, sugere-se acompanhamento da função renal em
intervalos mensais nos três primeiros meses, trimestral no primeiro ano e
posteriormente anual.
A complicação urológica mais frequente é a nefrolítiase, com prevalência de
5% a 15%. Esta é observada principalmente na DC ileocolônica, fato que se deve
principalmente à má-absorção dos ácidos biliares que ao chegarem ao cólon em
maior quantidade, quelam o cálcio deixando mais oxalato livre para ser reab-
sorvido. A diarreia associada a depleção de volume e redução do pH urinário,
por sua vez, atuam aumentando a formação de cálculos de ácido úrico.(1,2)

Anemia

A anemia que é descrita na DII em frequência que varia de 19% a 32% em


diferentes estudos populacionais, é exemplo da combinação de manifestação
e complicação extraintestinal na DII. Possui causa multifatorial, sendo a
anemia de doença crônica, reflexo da ação dos mediadores da inflamação
crônica, representados principalmente pelo fator de necrose tumoral alfa e o
interferon delta sobre a eritopoiese e o metabolismo do ferro. Acrescida da
anemia ferropriva secundária, a perda intestinal crônica de sangue, representam
as causas mais comuns de anemia. Adicionam-se a esses fatores a ingesta
inadequada ou a má-absorção de ferro, vitamina B12 e folato, bem com a

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 235


CAPÍTULO 20 - MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS: O PERFIL SISTÊMICO DA DOENÇA DE CROHN

toxicidade das drogas, como a mielossupressão determinada pela azatioprina,


6-mercaptopurina ou o metotrexate. A anemia tem importante impacto na
qualidade de vida dos pacientes, devendo ser diagnosticada, investigada e
tratada de modo efetivo. O controle da atividade inflamatória, a reposição
adequada de ferro, por via oral ou parenteral, bem como de vitamina B12
e/ou ácido fólico, são medidas a serem adotadas.(1,2,3)

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236 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500021

Capítulo 21

Consenso de Roma IV
e doenças funcionais:
o que mudou?
Maria do Carmo Friche Passos

A s doenças gastrointestinais funcionais (DGIFs) são definidas como uma


combinação variável de sintomas crônicos e recorrentes para as quais não
se demonstra nenhuma anormalidade estrutural ou anatômica, nem tampouco
alterações metabólicas ou bioquímicas que as justifiquem.(1,2) Os critérios clínicos
utilizados para o diagnóstico dessas doenças baseiam-se em sintomas e, por esta
razão, provocam um certo ceticismo diante da visão médica mais tradicional.(1)
Sabemos que as DFGIs são condições muito prevalentes, sendo respon-
sáveis por cerca de 40% dos atendimentos ambulatoriais em gastroentero-
logia.(1) Estas doenças ocorrem em indivíduos de todas as faixas etárias e
de todas as raças, sendo mais prevalentes nas mulheres do que nos homens
(relação 3:1 a 4:1) entre 20 a 40 anos.(2,3)
Estudos de prevalência realizados nos Estados Unidos sugerem que as
DFGIs acometem aproximadamente 25 milhões de pessoas.(4) A síndrome
do intestino irritável (SII) é o distúrbio mais comum entre eles, estando pre-
sente em 10 a 15% da população norte-americana.(4) Fatores socioculturais,
diferenças populacionais e na metodologia dos estudos dificultam a melhor
caracterização epidemiológica dessas doenças.(1)
Devido ao seu caráter benigno, as DFGIs são consideradas quase sempre
um problema médico-social irrelevante; no entanto, pesquisas que analisa-
ram as consequências sociais e econômicas a elas relacionadas, como, por
exemplo, redução da qualidade de vida, número de consultas médicas, custo
dos medicamentos e absenteísmo, demonstram um gasto social e sanitário
de enormes repercussões.(1,4) Além disso, inúmeros estudos demonstraram

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 237


CAPÍTULO 21 - CONSENSO DE ROMA IV E DOENÇAS FUNCIONAIS: O QUE MUDOU?

um nítido comprometimento da qualidade de vida em parcela significativa


de pacientes de doenças funcionais.(3,4)
Até duas décadas atrás, não havia uma padronização para os diagnósticos
dessas doenças, o que dificultava ainda mais o entendimento desse imenso
grupo de pacientes “funcionais”.(1) No final da década de 1980, um grupo in-
ternacional de especialistas, fundamentado na premissa de que as DFGIs apre-
sentam alterações motoras e/ou sensitivas similares, sugeriu pela primeira vez
um novo sistema de classificação e diagnóstico para estas doenças.(1,3)
Dessa forma, as doenças funcionais foram definidas e classificadas atra-
vés de critérios clínicos específicos, consagrados em 1989 como Consenso de
Roma (Roma I), os quais foram revisados em 1999 (Roma II), 2006 (Roma
III) e 2016 (Roma IV), como mostra a figura 1.

FIGURA 1. A evolução histórica dos Consensos de Roma

História dos consensos de Roma

Critérios de Roma

Adaptado de Drossman D, DDW 2016.(2)

A adoção destes critérios tem possibilitado uma importante padroniza-


ção da linguagem científica sobre as DFGIs, tanto em termos de aplicabi-
lidade clínica como de investigação científica, facilitando, dessa forma, a
comunicação entre os pesquisadores e deles com a comunidade médica.

238 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria do Carmo Friche Passos

Além disso, os critérios diagnósticos buscam simplificar o atendimento dos


pacientes, baseando-se nos sintomas e ausência de sinais de alarme. A im-
portância da “separação” dos sintomas funcionais em diferentes síndromes é
a simplificação do diagnóstico e da abordagem terapêutica.
O Prof. Douglas Drossman, coordenador geral de todos esses Consen-
sos e presidente da Fundação Roma, tem ressaltado em suas publicações
os objetivos primordiais deste grupo de estudo:(1,2) a) promover o reco-
nhecimento e legitimação global das DFGIs; b) avançar no entendimento
científico da fisiopatologia dessas doenças; c) otimizar o manejo clínico
desses pacientes; e d) desenvolver e fornecer recursos educativos para
atingir tais objetivos.
O novo Consenso de Roma IV foi oficialmente apresentado durante o
Congresso americano de Gastroenterologia (Digestive Disease Week, San
Diego, 2016)(2) e publicado também na forma impressa em uma edição espe-
cial da revista Gastroenterology e em um grande livros texto (dois volumes)
- Roma IV: Functional Gastrointestinal Disorders - Disorders of Gut-Brain
interaction, como nos mostra a figura 2.

FIGURA 2. Livro de Roma IV (volume 1) e a edição especial


da Gastroenterology, maio de 2016

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 239


CAPÍTULO 21 - CONSENSO DE ROMA IV E DOENÇAS FUNCIONAIS: O QUE MUDOU?

Na verdade, o novo Consenso de Roma IV representa um grande com-


pêndio dos conhecimentos adquiridos desde o lançamento do Consenso de
Roma III, há exatamente 10 anos.
No presente capítulo, faremos uma abordagem geral sobre as novidades
desse novo Consenso, que nos próximos anos será o nosso guia na condução
do enorme contingente de pacientes portadores das doenças funcionais.
Desde o primeiro Consenso de Roma, no início dos anos 1990, até agora
(Roma IV), transcorreram-se mais de duas décadas de muito trabalho e incon-
táveis pesquisas. Até recentemente, pouco se sabia sobre a etiologia e fisiopa-
tologia dessas doenças. Contudo, dois processos permitiram identificá-las nos
últimos anos: o primeiro foi a mudança do modelo reducionista, que propu-
nha um único aspecto etiológico-biológico, para um modelo mais integrado,
o biopsicossocial, onde entende-se a sua fisiopatologia como multifatorial; o
segundo surgiu com o avanço das técnicas de investigação e diagnóstico que
apoiam um novo conceito de interação entre o cérebro e o intestino (sistema
nervoso central, sistema nervoso entérico e seus neurotransmissores).(1-3)
Os novos conhecimentos são extraordinários, especialmente no que se
refere aos prováveis mecanismos fisiopatológicos envolvidos (alteração da
função imune da mucosa, dismotilidade, hipersensibilidade visceral, disbio-
se gastrointestinal e processamento anormal da informação pelo SNC).(3)
Todas estas novas constatações motivaram os pesquisadores da Fundação
Roma a promover essa atualização e aprimorar o antigo Consenso, apre-
sentando-nos os novos critérios de Roma IV. Os especialistas, participantes
do novo Consenso, consideram que as doenças funcionais se caracterizam
por anormalidades nas interações do eixo cérebro-intestino. Assim sendo,
acredita-se que uma combinação de mecanismos fisiopatológicos e psicos-
sociais sejam responsáveis pelo aparecimento dos sintomas digestivos.(1-3) A
figura 3 demonstra o novo modelo fisiopatológico proposto para as DFGIs.
De acordo com os sintomas apresentados pelos pacientes e do segmen-
to do tubo digestivo supostamente implicado em sua origem, as DFGI são
agrupadas em diferentes síndromes, que vão desde o esôfago até a região
anorretal. Eles foram, dessa forma, classificados pelo Consenso de Roma IV
de acordo com as regiões anatômicas, em seis grupos, a saber:(3)

240 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria do Carmo Friche Passos

Figura 3. Novo modelo fisiopatológico das DFGI

Fatores genéticos
Fisiopatologia dos DFGI Fatores psicossociais
Estresse

Alteração
da barreira
Hipersensibilidade visceral
epitelial

Sinalização
imune-neural

Alteração da
microbiota
Dieta SNE (disbiose)

Dismotilidade

Adaptado de Mayer EA, 2015(5)

• Esofágicas (categoria A),


• Gastroduodenais (categoria B),
• Intestinais (categoria C),
• Dor gastrointestinal mediada centralmente (categoria D),
• Vesícula Biliar e Esfíncter de Oddi (categoria E) e;
• Anorretal (categoria F).
As DFGI pediátricas foram classificadas de acordo com a idade das crianças:
neonatos e crianças de até 3 anos (categoria G) e crianças com mais de 3
anos e adolescentes (categoria H).(3)
Uma mudança fundamental em Roma IV foi a remoção da palavra “funcio-
nal” em algumas síndromes.(2,3) A justificativa dos autores é que o termo “fun-
cional” nos remete ao conceito de “não estrutural, não orgânico, psiquiátrico
ou ilegítimo”, devendo ser evitado, visto que, de acordo com a concepção do
novo Consenso, as DFGI são desordens da interação cérebro-intestino.(3)
Para se estabelecer o diagnóstico de uma doença funcional é necessário
que os sintomas tenham ocorrido pela primeira vez há, no mínimo,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 241


CAPÍTULO 21 - CONSENSO DE ROMA IV E DOENÇAS FUNCIONAIS: O QUE MUDOU?

seis meses, sendo mandatório que estejam presentes e ativos nos últimos três
meses (como Roma III).(2,3) A frequência com que os sintomas ocorrem é
também um critério fundamental para o diagnóstico de cada uma das doenças
funcionais, sendo imprescindível se nortear pelo que foi estabelecido pelo
novo Consenso de Roma IV.(2.3)
O novo consenso propõe a inclusão de quatro novas síndromes funcionais,(3)
como mostra o quadro 1.
Destacaremos, a seguir, as principais mudanças no conceito e clas-
sificação das DFGI, de acordo com as regiões anatômicas descritas no
novo Consenso.

QUADRO 1. Consenso de Roma IV: Novos diagnósticos


Síndrome de Hipersensibilidade ao refluxo

Pirose ou dor retroesternal com endoscopia normal


Sintomas desencadeados por refluxo a despeito de exposição ácida normal

Síndrome da hiperemese canabinoide

Vômitos estereótipos (semelhante à síndrome do vômito cíclico, correndo com consumo


excessivo de cannabis)
Alívio após a descontinuação

Constipação induzida por opioides

Desenvolvimento ou agravamento de constipação decorrente do uso de opioides

Síndrome do intestino narcótico

Aumento progressivo e paradoxal da dor abdominal, apesar do uso de opioides


Melhora com a desintoxicação

Adaptado de Drossman DA, Hasler WL. Gastroenterology 2016.(3)

242 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria do Carmo Friche Passos

Doenças Funcionais do Esôfago

A. Distúrbios Esofágicos
A1. Dor Torácica Funcional A4. Globus
A2. Pirose Funcional A5. Disfagia Funcional
A3. Hipersensibilidade ao Refluxo
Adaptado de Aziz 0, et al. Gastroenterology 2016;150:1368-79.(6)

As novidades em relação às doenças funcionais esofágicas se relacionam


sobretudo aos critérios de exclusão para o seu diagnóstico, recomendando-
-se sempre excluir esofagite eosinofílica, doenças motoras (com obstáculo
ao fluxo ao nível da junção esofagogástrica) e distúrbios mais graves da pe-
ristalse, de acordo com a classificação de Chicago (V3.0), que se baseia na
manometria esofágica de alta resolução.(6)
O espectro da doença do refluxo gastroesofágico (já em Roma III con-
siderado critério de exclusão) foi redefinido, de forma que a hipersensibili-
dade ao refluxo (esôfago hipersensível) passou a ser considerada uma nova
síndrome dentro dos distúrbios funcionais esofágicos e não mais um sub-
grupo da doença do refluxo. A síndrome de hipersensibilidade ao refluxo se
caracteriza por apresentar valores do refluxo gastroesofágico em níveis fisio-
lógicos (normais) na pHmetria ou na pH-impedância, mas tendo correlação
sintoma/episódio de refluxo positiva.(6)

Doenças Funcionais Gastroduodenais

B. Distúrbios Gastroduodenais
B1. Dispepsia Funcional B3. Náuseas e Vômitos
B1a. Síndrome do desconforto pós-prandial B3a. Náusea e vômitos crônicos
B1b. Síndrome da dor epigástrica B3b. Síndrome do vômito cíclico
B3c. Síndrome da hiperemese canabinoide
B2. Eructações B4. Síndrome de Ruminação
B2a. Eructações supra gástricas excessivas
B2b. Eructações gástricas excessivas
Adaptado de Stanghellini V, et al. Gastroenterology 2016;150:1380-92.(7)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 243


CAPÍTULO 21 - CONSENSO DE ROMA IV E DOENÇAS FUNCIONAIS: O QUE MUDOU?

Não foram feitas mudanças significativas nos critérios diagnósticos das


doenças funcionais do estômago e duodeno. Nos casos suspeitos de dispepsia
funcional (DF), sugere-se uma particular atenção aos sintomas.(7) Foi definido
o conceito de desconforto como sendo um ponto importante a ser avaliado, ou
seja, os sintomas dispépticos devem ser considerados quando forem de tal in-
tensidade que interfiram com as atividades diárias.(2,7) Foi igualmente definida
a frequência mínima da ocorrência destes sintomas a cada semana, sendo mui-
to comum a sua sobreposição. Os autores enfatizaram que os pacientes dispép-
ticos apresentam com frequência sintomas relacionados a outros órgãos, favo-
recendo a ideia de um distúrbio funcional generalizado do tubo digestivo.(7)
De acordo com o consenso de Roma IV, os critérios abaixo são essenciais para
o diagnóstico de DF(2,7): 1) queixas dispépticas frequentes e recorrentes nos últimos
três meses e que se iniciaram, no mínimo, seis meses antes; 2) presença de um ou
mais dos seguintes sintomas (que causam desconforto intenso): a) empachamento
pós-prandial; b) saciedade precoce; c) dor epigástrica; d) queimação epigástrica;
3) ausência de lesões estruturais (incluindo a endoscopia digestiva alta).
Para uma melhor orientação propedêutica e terapêutica, Roma IV também
sugere que os pacientes com DF sejam classificados em duas síndromes, de
acordo com o sintoma principal:(2,7) a) síndrome do desconforto pós-prandial
(sintomas relacionados às refeições): predominam os sintomas de empacha-
mento pós-prandial e/ou saciedade precoce, que ocorrem no mínimo 3 vezes
por semana nos últimos 3 meses, e/ou; b) síndrome da dor epigástrica (sin-
tomas não necessariamente relacionados às refeições): predomina dor e/ou
queimação epigástrica, moderada a intensa, intermitente, ocorrendo, no mí-
nimo uma vez por semana nos últimos 3 meses. As duas síndromes podem
estar presentes no mesmo paciente.(7)
Os distúrbios da eructação foram redefinidos com base nos achados da im-
pedanciometria esofágica e não mais se adota o conceito de aerofagia reco-
mendado até Roma III. As eructações foram classificadas em duas síndromes:
eructação excessiva supra gástrica (do esôfago) ou gástrica (do estômago).(7)
A síndrome da hiperemese canabinoide (cannabis), incluída pelo novo
Consenso dentre os distúrbios gastroduodenais, é clinicamente idêntica à
síndrome do vômito cíclico,(2,7) mas etiologicamente relacionada ao consumo

244 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria do Carmo Friche Passos

excessivo de canabinoide (maconha). Neste caso, o tratamento se baseia


fundamentalmente na interrupção do uso regular da droga.(7)
O novo Consenso de Roma IV sugere o algoritmo abaixo para a condução
dos pacientes com queixas relacionadas ao estômago e duodeno (figura 4).

FIGURA 4. Algoritmo para condução dos pacientes com sintomas gastroduodenais


Paciente com sintomas gastroduodenais
Empachamento pós-prandial, saciedade precoce, dor ou queimação epigástrica,
vômitos, náusea, eructações excessivas, ruminação

Anamnese e
exame físico
Náusea, vômito,
eructação excessiva NÃO NÃO Dispesia não Considere terapia
Sinais de
e ruminação não Alarme? investigada empírica
investigados
SIM
NÃO SIM
Melhora dos Tratamento se
Endoscopia
sintomas? necessário
com biopsias
Tratamento do
Outros testes NÃO NÃO H. pylori
Alteração
diagnósticos identificada?
indicados SIM
Considere testar e Dispepsia
SIM tratar o H. pylori funcional
Alteração SIM
identificada?
Dispepsia SIM Melhora dos NÃO
secundária sintomas?
NÃO

Adaptado de Stanghellini V, et al. Gastroenterology 2016.(7)

Doenças Funcionais Intestinais

C. Distúrbios Intestinais
C1. Síndrome do Intestino Irritável (SII) C2. Constipação Funcional

SII com constipação predominante C3. Diarreia Funcional

SII com diarreia predominante C4. Distensão/Inchaço abdominal funcional

SII forma mista C5. Distúrbio Funcional não especificado

SII não classificável C6. Constipação Induzida por opioides

Mearin F, et al. Gastroenterology 2016;150:1393-1407.(8)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 245


CAPÍTULO 21 - CONSENSO DE ROMA IV E DOENÇAS FUNCIONAIS: O QUE MUDOU?

A dor abdominal passou a ser considerada o sintoma mais importante


para o diagnóstico dos distúrbios funcionais intestinais e não se recomenda
mais utilizar o termo “desconforto abdominal”, especialmente para a Síndro-
me do Intestino Irritável (SII).(8) A dor pode estar presente em outras doenças
funcionais do intestino, porém, nestes casos, é sempre de intensidade mais
leve (ao contrário do que preconizava Roma III, em que a queixa de dor era
exclusiva de pacientes com SII). O número de episódios dolorosos semanais
é também fundamental para o diagnóstico.(2,8)
Os novos critérios diagnósticos para a SII são exibidos na figura 5. A dor
abdominal (não incluindo mais a sensação de desconforto) deve ocorrer pelo
menos uma vez por semana nos últimos três meses, como mostra a figura 5.
Foram mantidos os quatro subtipos da SII (com diarreia, com constipa-
ção, forma mista e não classificável ou indeterminada). Para a categorização
do paciente em um destes diferentes subgrupos, recomenda-se basear-se nas
características das fezes de acordo com a escala de Bristol (Bristol Stool
Form Scale).(8) O novo Consenso sugere a utilização da escala de Bristol de
forma rotineira nos atendimentos ambulatoriais para que os pacientes pos-
sam identificar o padrão de suas fezes, facilitando, dessa maneira, o diagnós-
tico e a classificação dos distúrbios funcionais intestinais.(2)

FIGURA 5. Novos critérios diagnósticos da SII


Critérios para o diagnóstico da SII de acordo com o Consenso de Roma IV
Dor abdominal recorrente pelo menos uma vez por semana, nos últimos três
meses, associada a dois ou mais das seguintes:

Relacionadas com a Alteração na frequência Alteração na forma


defecação das fezes (aparência) das fezes

Pelo menos três meses (não necessariamente consecutivas)


nos seis meses anteriores
Adaptado de Mearin F, et al. Gastroenterology 2016(8)

246 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria do Carmo Friche Passos

A figura 6 é um algoritmo proposto pelo novo Consenso, nos orienta na


condução clínica dos pacientes com suspeita de SII.

FIGURA 6. Algoritmo para condução dos pacientes com provável diagnóstico da SII

Paciente com dor abdominal


recorrente associada a alt. do
ritmo intestinal (constipação,
diarreia ou misto) www.romecriteria.org
SII-C
História clínica, cirúrgica,
psicossocial, dieta, Exames de
medicamentosa, ex. físico screening Avaliação da
NÃO
(com toque retal) limitados: consistência
Alteração
hemograma SII das fezes SII-M
identificada?
PCRt (escala de
NÃO calprotectina dç Bristol)
Sinais de NÃO
celíaca
alarme?
SIM
SIM Alteração
identificada? SII-D
Investigação específica, SIM
conforme indicado
Outras doenças:
tratar de acordo
SII-NC

Adaptado de Mearin F, et al. Gastroenterology 2016.(8)

A distensão e/ou inchaço abdominal funcional inclui agora a sensação de


inchaço (bloating ou sensação subjetiva de distensão abdominal) e também
a distensão abdominal verdadeira (aumento da medida do perímetro abdo-
minal), facilitando um pouco mais a avaliação destes pacientes.(8)
É importante enfatizar que os distúrbios funcionais intestinais existem
dentro de um espectro e, em geral, observa-se uma grande sobreposição en-
tre eles, podendo variar durante a evolução do paciente: a presença de dor é o
principal sintoma que distingue os pacientes com SII-C e SII-D(2,8) daqueles
que apresentam apenas a constipação funcional ou diarreia funcional. Nestas
duas últimas condições, a dor em geral é de leve intensidade e não é o sinto-
ma predominante. Nos pacientes com distensão abdominal é comum o relato
de desconforto ou mesmo dor abdominal também, com frequência, sempre
mais discreta. Por outro lado, os pacientes portadores da SII queixam-se com
frequência de distensão abdominal.(9)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 247


CAPÍTULO 21 - CONSENSO DE ROMA IV E DOENÇAS FUNCIONAIS: O QUE MUDOU?

A constipação induzida por opioides (OIC) é uma nova síndrome acres-


centada por Roma IV que se caracteriza pela presença de constipação intesti-
nal associada ao uso crônico de opioides.(8) A constipação é um efeito colate-
ral frequentemente relacionado ao uso desses medicamentos e o tratamento
consiste na sua retirada. Esta nova síndrome foi incluída por ser bastante
frequente em alguns países o uso de opioides em diferentes formulações e
motivo comum de encaminhamento ao gastroenterologista.(2,8)

Dor abdominal

D. Dor gastrointestinal mediada centralmente


D1. Dor abdominal mediada pelo SNC
(sensibilização central)
D2. Síndrome do intestino narcótico
(hiperalgesia gastrointestinal induzida pelo opioides)
Keefer L, et al. Gastroenterology 2016;150:1408-19(9)

De acordo com Roma IV, no grupo D estão incluídas a dor gastrointesti-


nal de origem central ou mediada pelo SNC (antes denominada dor abdomi-
nal funcional) e a nova síndrome do intestino narcótico, que se caracteriza
por aumento progressivo e paradoxal da dor abdominal, apesar do uso de
opioides, e que melhora com a desintoxicação.(9)

Doenças funcionais da vesícula biliar e esfíncter de Oddi

E. Distúrbios da vesícula biliar e do esfíncter de Oddi


E1. Dor biliar
E1a. Distúrbio funcional da vesícula biliar
E1b. Distúrbio funcional biliar do esfíncter de Oddi
E2. Distúrbio funcional pancreático do esfíncter de Oddi
(hiperalgesia gastrointestinal induzida pelo opioides)
Cotton PB, et al. Gastroenterology 2016;150:1420-9.(10)

248 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Maria do Carmo Friche Passos

As síndromes atribuíveis à vesícula biliar e ao esfíncter de Oddi (grupo E)


foram classificadas de forma diferente, sendo retirados os subgrupos I e III
das síndromes associadas ao esfíncter de Oddi, como mostra o quadro acima.
As síndromes relacionadas à dor biliar se caracterizam por um quadro típico
de dor biliar, elevação das enzimas ou dilatação ductal, porém sem apresen-
tar cálculos ou quaisquer anormalidades estruturais.(10) Para cada uma dessas
síndrome funcionais existem critérios bem estabelecidos pelo novo Consenso.

Doenças Funcionais Anorretais

F. Distúrbios Anorretais
F1. Incontinência fecal F3. Distúrbios funcionais da defecação
F2. Dor anorretal funcional F3a. Propulsão defecatória inadequada
F2a. Síndrome do músculo elevador do ânus F3b. Defecação dissinérgica
F2b. Dor anorretal funcional não especificada F3c. Proctalgia Fugaz
Rao SSC, et al. Gastroenterology 2016;150:1430-42.
(11)

Dentre os distúrbios anorretais está a incontinência fecal. Os autores do


novo Consenso retiraram o termo “funcional” desta entidade com a justifi-
cativa de que, com os grandes avanços nas técnicas diagnósticas, é possí-
vel, quase sempre, observar alguma alteração nos pacientes com esta queixa
submetidos à investigação, sendo, contudo, muito difícil estabelecer uma
relação direta entre o sintoma e as alterações observadas.(11)
Pode-se afirmar que ainda é um desafio determinar se a causa é orgâ-
nica ou funcional em pacientes com incontinência fecal. Dos quatro tipos
de disfunção defecatória definidos na manometria anorretal, considerados
pelo Consenso de Roma III, somente os tipos I e II foram considerados no
Consenso de Roma IV. O tratamento empregando biofeedback com multi-
componentes surge como um grande avanço, sendo a terapêutica de primeira
escolha para os pacientes com dissinergia.(11) Da mesma forma que em outras
síndromes funcionais, também nos casos de doenças anorretais funcionais
existem critérios específicos para correto diagnóstico de cada uma delas,
estabelecidos pelo Consenso de Roma IV.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 249


CAPÍTULO 21 - CONSENSO DE ROMA IV E DOENÇAS FUNCIONAIS: O QUE MUDOU?

Referências

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and Rome IV. Gastroenterology 2016; pii: S0016-5085(16)00223-7.
2. Drossman DA, Talley N, Fermin, M. Rome Foundation - AGA Institute Lectureship at digestive disease
week 2016. The launching of Rome IV: what’s new and why. DDW, San Diego Convention Center.
Sunday, May 22, 2016.
3. Drossman DA, Hasler WL. Rome IV - Functional GI disorders: disorders of gut-brain interaction. Gas-
troenterology 2016;150:1257-61.
4. American College of Gastroenterology Task Force. Evidence-based position on the management of
irritable bowel syndrome in North America. Am J Gastroenterol 2002;97:S1-5.
5. Mayer EA, Labus JS, Tillisch K, Cole SW, Baldi P. Towards a systems view of IBS. Nat Rev Gastro-
enterol Hepatol 2015;10:592-605.
6. Aziz Q, Fass R, Gyawali CP, Miwa H, Pandolfino JE, Zerbib. Functional Esophageal Disorders. Gas-
troenterology. 2016;150:1368-1379.
7. Stanghellini V, et al. Gastroduodenal Disorders. Gastroenterology 2016;150:1380-92.
8. Mearin F, Lacy BE, Chang L, Chey WD, Lembo AJ, Simren M, et al. Bowel Disorders. Gastroentero-
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9. Keefer L, Drossman DA, Guthrie E, Simrén M, Tillisch K, Olden K, et al. Centrally Mediated Disorders
of Gastrointestinal Pain. Gastroenterology 2016;150:1408-1419.
10. Cotton PB, Elta GH, Carter CR, Pasricha PJ, Corazziari ES. Gallbladder and Sphincter of Oddi Disor-
ders. Gastroenterology 2016;150:1420-1429.
11. Rao SS, Bharucha AE, Chiarioni G, Felt-Bersma R, Knowles C, Malcolm A, et al. Functional Anorec-
tal Disorders. Gastroenterology 2016;150:1430-42.

250 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500022

Capítulo 22

Constipação intestinal refratária

Dr. Ricardo C. Barbuti


Dr. Matheus Freitas Cardoso de Azevedo

Introdução

A constipação intestinal constitui mal antigo e altamente prevalente,


embora ainda com vários tópicos nebulosos, a começar pela própria
definição, seja baseada em sintomas, medidas objetivas ou em ambas.
Esta grande variabilidade, dificulta sobre maneira a comparação dos es-
tudos realizados. Consensos, como o de Roma IV, tentaram normatizar esta
afecção, contudo a grande maioria dos estudos publicados são anteriores à
Roma III, devendo-se assim sempre manter um olhar crítico sobre o tipo de
estudo e os dados apresentados.(1,2)
Mais comumente fala-se em constipação intestinal quando o paciente
evacua menos de três vezes por semana. O constipado crônico pode
ainda considerar-se constipado, independentemente do ritmo evacuatório,
quando apresenta sensação de evacuação incompleta, aumento da
consistência fecal, necessidade de grande esforço às dejeções e utilização de
manobras digitais.(3,4)
Roma IV define a constipação funcional como “afecção funcional onde
predominam sintomas de evacuação infrequente, difícil ou incompleta”. Es-
tes pacientes não devem se encaixar na definição de síndrome do intestino
irritável, embora possam apresentar dor abdominal, sensação de distensão
abdominal, sem que sejam os sintomas principais. O início do quadro deve
ocorrer pelo menos seis meses antes do diagnóstico, devendo estar ativos
nos últimos três meses.(2)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 251


CAPÍTULO 22 - CONSTIPAÇÃO INTESTINAL REFRATÁRIA

A obstipação pode ocorrer isoladamente ou secundária à uma patologia


subjacente de origem gastrointestinal ou extraintestinal. Os sintomas po-
dem estar relacionados às doenças do cólon (estenose, tumor, fissura anal,
proctite), distúrbios metabólicos (hipercalcemia, hipotireoidismo, diabetes
mellitus), uso de medicamentos e patologias neurológicas (parkinsonismo,
lesões da medula espinhal), por exemplo (tabela 1).(5) Algumas delas serão
passíveis de terapias específicas, enquanto outras necessitarão essencial-
mente de laxativos para controle dos sintomas.

TABELA 1. Causas secundárias de obstipação


Opioides, anticonvulsivantes (carbamazepina), amiodarona, antidepressivos
DROGAS
(tricíclicos), anticolinérgicos, antiparkinsonianos, sulfato ferroso, hidróxido de
(principais)
alumínio, verapamil, clonidina, atenolol, furosemida, bisfosfonatos
Câncer colorretal, retocele, estenoses, compressão extrínseca por neoplasias
OBSTRUÇÃO MECÂNICA
malignas, complicações pós-operatórias
Doença de Parkinson, acidente vascular encefálico, esclerose múltipla, lesões
DOENÇAS NEUROLÓGICAS medulares (meningocele, tabes dorsalis, traumas), neuropatia autonômica, tumores
do sistema nervoso central
DOENÇAS Diabetes mellitus, hipotireoidismo, hipopituitarismo, hiperparatireoidismo, uremia,
ENDÓCRINO-METABÓLICAS hipocalemia, hipomagnesemia, hipercalcemia
Amiloidose, esclerodermia, porfiria, Doença de Chagas, Doença de Hirschsprung,
OUTROS
depressão

Epidemiologia, impacto social e na qualidade de vida

Esta afecção acomete indivíduos em qualquer fase da vida desde o lac-


tente até o idoso. Estudo recente, que analisou quase 400 adolescentes no
interior do Estado de São Paulo, pôde mostrar prevalência em torno de
22% (27% em mulheres, 15% em homens), seus pais também foram anali-
sados (7,3% dos homens, 27% das mulheres com constipação), confirmando
a enorme quantidade de indivíduos que padecem deste mal.(6)
O espectro parece ser similar em estudos estrangeiros, onde observamos
prevalência entre crianças variando de 0,7% a 30%, com alguns trabalhos
mostrando inclusive maior frequência em meninos do que em meninas.(1)

252 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Dr. Ricardo C. Barbuti • Dr. Matheus Freitas Cardoso de Azevedo

Nos adultos, predomina no sexo feminino (2:1), atingindo de 2% a 28% da


população geral.(1)
Aparentemente, a prevalência desta afecção parece ser maior quando re-
portada pelos pacientes do que quando seguimos critérios de Roma. São
fatores de risco para constipação: idade superior à 50 anos e particularmente
70 anos, sexo feminino, baixa ingesta calórica, polifarmácia, sedentarismo,
baixas condições econômicas e educacionais.(1,2,5)
Devido à sua alta prevalência e caráter crônico, a constipação intestinal
constitui importante problema de saúde pública, com altas taxas de
absenteísmo, restrições a vida diária e impacto na qualidade de vida.
Somente nos Estados Unidos em 2004, 6,3 milhões de consultas médicas
foram realizadas tendo como queixa básica a constipação, ocasionando
gastos diretos e indiretos de cerca de U$ 1,7 bilhões.(7)

Classificação e diagnóstico

A constipação crônica tem fisiopatologia complexa e ainda hoje seu diag-


nóstico é considerado meramente clínico. Entretanto, critérios eminente-
mente clínicos não são capazes de identificar os vários subgrupos, devido à
substancial sobreposição de sintomas.
É importante que mencionemos que Roma IV define como entidades di-
ferentes a constipação intestinal funcional e a síndrome do intestino irritável
com predomínio de constipação, sendo esta diferenciação eminentemente clí-
nica, não havendo necessidade de exames subsidiários, tendo a dor abdominal
como fenômeno mais importante para esta diferenciação. Contudo, não é inco-
mum existir superposição entre estas afecções dificultando uma diferenciação
definitiva. Também não é raro a “migração” de um diagnóstico para outro.(2)
Na ausência de etiologias metabólicas, estruturais ou medicamentosas
(quadro 1), a constipação crônica (ou funcional) é geralmente considerada
afecção colônica com três categorias de constipação descritas: a) constipa-
ção com trânsito colônico normal, b) constipação com trânsito colônico len-
tificado, c) desordens evacuatórias (defecação dissinérgica, retocele, prolap-
so retal ou intussuscepção).(5,8)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 253


CAPÍTULO 22 - CONSTIPAÇÃO INTESTINAL REFRATÁRIA

O trânsito colônico (seja usando marcadores radiopacos ou cintilografia),


embora utilizado como fator importante para a classificação e orientação do
tratamento, não tem sua importância confirmada por estudos controlados.(1,9)
Uma questão chave na constipação é se o quadro clínico pode apontar ao
médico qual sua provável causa, já que os exames subsidiários não são am-
plamente disponíveis. Vários pesquisadores têm estudado este tópico, na
maioria das vezes sem sucesso.
A manometria anorretal pode avaliar alterações do assoalho pélvico
quando associada ao teste de expulsão de balão ou a defecografia, podendo
predizer uma resposta adequada ao “biofeedback”. A manometria permi-
te, ainda, testar a sensibilidade retal que pode estar alterada em indivíduos
constipados crônicos.(5,8,9)

Tratamento

Não-medicamentoso
Desde que não existam sinais ou sintomas de alarme, o tratamento da
constipação engloba, inicialmente, medidas conservadoras que incluem es-
clarecimento sobre o problema, orientação sobre a necessidade de ingerir
líquidos, exercitar-se, alteração dietética (com foco na necessidade de inges-
tão de fibras) e estabelecimento de hábito evacuatório em horário específico
e se necessário, uso apropriado de laxativos.
O uso correto da musculatura abdominal e pélvica pode ser ensinado,
do mesmo modo deve-se reforçar a necessidade de não se reprimir o desejo
de defecar.
O “biofeedback” consiste em um treinamento de como evacuar através
do uso correto das musculaturas abdominal e pélvica e do relaxamento do
esfíncter anal. Pode ser utilizado em pacientes tanto com trânsito colônico
lento como naqueles com disfunção evacuatória, contudo, estudo recente
pôde mostrar que os pacientes com quadro de dissinergia são os que mais se
beneficiam deste tratamento.(10)
Técnicas psicoterápicas também podem ser utilizadas e incluem te-
rapia comportamental, hipnose e psicoterapia. Faltam estudos de bom

254 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Dr. Ricardo C. Barbuti • Dr. Matheus Freitas Cardoso de Azevedo

impacto, seus resultados parecem melhores quando há história de abuso


na infância.(11)

Medicamentoso
Laxativos: nos pacientes constipados, os laxativos constituem os fárma-
cos mais prescritos, podendo ser classificados como pertencentes à quatro
grupos principais: agentes formadores de massa, agentes diminuidores da
consistência fecal, laxativos estimulantes e agentes osmóticos.(12)
• Formadores de massa: estes agentes são indicados para o tratamento
de pacientes com quadro de constipação episódica. São polissacarídeos
orgânicos que atuam aumentando a quantidade de líquido junto ao
bolo fecal. Alguns também atuam como prebióticos. Infelizmente esta
característica também leva aos seus principais efeitos colaterais, distensão
e flatulência. Como exemplos deste grupo, temos o plantago ovata e seu
derivado o psyllium, farelo de trigo, metilcelulose, policarbofila cálcica.
Como são agentes adsorventes de água, é imprescindível que o paciente
ingira grande quantidade de água em conjunto. Quando isto não é feito,
existe risco de piora da constipação e mesmo formação de fecaloma. Sua
posologia é variada de acordo com o agente utilizado.(12)
• Diminuidores da consistência fecal: também indicados na constipa-
ção ocasional, muitas vezes são associados aos agentes formadores de
massa, constituindo surfactantes com poder emulsificante. Geralmente,
são bem tolerados. Seu exemplo clássico é o docussato de sódio, que é
disponível usualmente em associação com o bisacodil, 1-2 comprimi-
dos ao se deitar.(12)
• Laxantes estimulantes: existem poucas evidências científicas com
estes agentes. Podem ser produtos naturais (sene e cáscara sagrada)
ou análogos da fenoftaleína (por ex: bisacodil). São hidrolisados no
intestino, estimulam a peristalse, além de, provavelmente, interferir
na absorção de água. Podem levar a cólicas abdominais, sendo cap-
tados pelas células intestinais, levando a formação de melanose coli.
Podem ser usados na constipação ocasional e como preparo para
exames colônicos.(12)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 255


CAPÍTULO 22 - CONSTIPAÇÃO INTESTINAL REFRATÁRIA

• Laxantes osmóticos: esta classe de medicamentos engloba os sais


inorgânicos (compostos de magnésio) e álcoois ou açúcares orgânicos
(lactulose, polietileno-glicol, macrogol, lactitol). Estas substâncias
exercem efeito osmótico atraindo água para a luz intestinal. Podem
ser titulados de acordo com as evacuações, podendo ser usados tanto
na constipação crônica como na ocasional. Podem, contudo, causar
alterações hidroeletrolíticas, flatulência e distensão abdominal. São
bastante utilizados em pacientes com trânsito colônico lento, tendo
especial indicação nos casos de megacólon.(12)

Probióticos

O uso de probióticos tem sido estudado, principalmente, na síndrome


do intestino irritável com predomínio de constipação. Os resultados obtidos
são restritos a cepas específicas, não devendo ser estendidos para outros
micro-organismos, ainda que possuam mesmo gênero e espécie. Várias
cepas têm sido estudadas com resultados variáveis.(13)

Agonistas 5-HT4

O receptor 5-HT4 tem papel essencial tanto na fisiologia quanto na fisio-


patologia da função regulatória do trato gastrointestinal. A ativação destes
receptores produz atividade pró-cinética e desencadeia a liberação de neuro-
transmissores de nervos entéricos, culminando com contratilidade e estímu-
lo peristáltico. Desencadeia, ainda, liberação de íons cloreto e bicarbonato
no duodeno, cólon e jejuno. A utilização deste grupo de fármacos tem sido
limitada por efeitos adversos cardíacos observados com a cisaprida e o tega-
serode. Ambos já foram retirados do mercado americano.

Prucaloprida
Com intuito de se encontrar um agonista 5-HT4 que fosse mais específico
e que tivesse limitados ou ausentes efeitos adversos cardiovasculares,
a prucaloprida foi desenvolvida. Trata-se assim de composto com alta

256 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Dr. Ricardo C. Barbuti • Dr. Matheus Freitas Cardoso de Azevedo

afinidade pelo receptor 5HT-4 da serotonina, diferentemente de outros


compostos deste grupo como a cisaprida, tegaserode, mosaprida e renzaprida,
que interagem também com outros receptores serotoninérgicos.(14)
Estudos in vivo têm mostrado que a prucaloprida aumenta a
velocidade da propulsão colônica, além incrementar a motilidade e
o trânsito do intestino grosso. Estudos multicêntricos realizados de
forma simultânea puderam confirmar a eficácia e segurança deste
novo medicamento.(15-17)
Mais recentemente, outros artigos puderam confirmar a capacidade
deste fármaco em melhorar a função colônica, aumentando o número de
evacuações semanais e diminuindo o esforço evacuatório segurança.(18,19)
Os efeitos adversos mais frequentes foram cefaleia, náuseas, dor
abdominal e diarreia, geralmente relatados no primeiro dia de uso.
Entretanto, ainda existe, teoricamente, preocupação sobre eventuais
riscos cardíacos, especialmente em idosos, fato que até o presente
não foi observado.(20)
Este medicamento já está disponível na Europa, para uso em mulheres
com constipação, onde o tratamento com laxativos não foi eficaz. A posolo-
gia indicada é de 2 mg, VO, 1 vez/dia em menores de 65 anos e, em idosos,
1 mg ao dia inicialmente, podendo aumentar-se a dose para 2 mg ao dia,
se necessário.(21)
Sua eficiência parece ser boa, independentemente do tipo de constipa-
ção (trânsito colônico normal ou lento e distúrbios defecatórios), com iní-
cio de ação bastante rápido e mantido ao longo do tempo. O uso da pru-
caloprida é contraindicado para pacientes dialíticos, com obstrução intes-
tinal ou que sejam alérgicos ou intolerantes ao medicamento ou algum de
seus constituintes.(17)

Antagonistas opioides

Estes fármacos têm sido estudados, especialmente, nos casos de consti-


pação pós-operatória onde foram utilizados opioides. Os mais estudados são
o metilnaltrexona e o alvimopan.(12)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 257


CAPÍTULO 22 - CONSTIPAÇÃO INTESTINAL REFRATÁRIA

Lubiprostona

Este fármaco ainda não é disponível em nosso meio. Estimula bastante a


secreção intestinal de fluídos via ativação dos canais de cloro. Aprovada nos
Estados Unidos desde 2006, para uso em adultos com constipação crônica.
Mostra-se eficaz, tendo como principal efeito adverso as náuseas que ocor-
rem em cerca de 30% dos indivíduos.(22,23)

Linaclotide

Consiste em um oligopeptídeo que ativa receptores de guanilato ciclase


no enterócitos, aumentando a secreção de Cl- e bicarbonato. Ainda indis-
ponível no mercado brasileiro, mostra-se eficaz em casos de SII com pre-
domínio de constipação e na própria constipação crônica, incrementando a
frequência evacuatória, diminuindo a força para evacuar, bem como a con-
sistência fecal.(23,24)

Tratamento cirúrgico

O tratamento cirúrgico deve ser restrito aos casos de constipação refra-


tária ao tratamento clínico. Para os pacientes com constipação de trânsito
lento, a cirurgia mais indicada é a colectomia subtotal com ileorretoanasto-
mose. Devem ser excluídas, no pré-operatório, a coexistência de distúrbios
de motilidade do trato gastrointestinal alto, que caracterizaria a dismotilida-
de panentérica, assim como a disfunção do assoalho pélvico. Existem vários
procedimentos cirúrgicos discutidos para pacientes com obstrução da vida
de saída.(5,8) A escolha do tratamento cirúrgico deve ser discutida de forma
individualizada no âmbito da especialidade.

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 259


CAPÍTULO 22 - CONSTIPAÇÃO INTESTINAL REFRATÁRIA

260 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500023

Capítulo 23

Doenças gastroenterológicas
e gravidez

Andrea Benevides Leite


Francisco Sérgio R. P. Pessoa

Introdução

N este capítulo abordaremos de forma objetiva as condições patológicas


mais comuns do trato gastrointestinal (TGI) que podem apresentar-se
no período da gravidez.

Alterações fisiológicas do TGI no período gestacional

Durante a gestação, a mulher sofre adaptações fisiológicas que interferem


na função habitual do organismo.
Anatomicamente, há o crescimento do útero gravídico, que desloca pro-
gressivamente os órgãos abdominais. Ocorre a compressão do sigmoide e
do estômago, favorecendo a constipação intestinal e a doença do refluxo
gatroesofágico (DRGE).(1) A circulação sanguínea sofre modificações des-
de o início da gravidez, como o aumento da volemia devido à retenção
de sódio e água, o aumento do débito cardíaco e a dificuldade de retorno
venoso pela compressão da veia cava inferior - o que tem implicações na
hipertensão portal e no aparecimento de hemorroidas.(2)
Os níveis de estrógeno e progesterona aumentam progressivamen-
te, sendo o pico no terceiro trimestre da gestação. O estrógeno é capaz de
causar colestase em mulheres geneticamente suscetíveis, como se obser-
va em algumas mulheres que usam anticoncepcional oral.(3) A progeste-
rona é um hormônio com capacidade de relaxamento de músculo liso.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 261


CAPÍTULO 23 - DOENÇAS GASTROENTEROLÓGICAS E GRAVIDEZ

A ação da progesterona sobre o esfíncter inferior do esôfago e sobre a capaci-


dade de esvaziamento do estômago contribui para o refluxo gastroesofágico.(4)
A gravidez causa diminuição de motilidade da vesícula e alterações na
composição da bile, como a supersaturação de colesterol e mudança nos
níveis de diferentes ácidos biliares, sendo um estado favorável para a for-
mação de cálculos biliares.
Quanto à bioquímica hepática, observa-se o aumento progressivo
do nível de fosfatase alcalina, que se situa em torno de duas vezes
o LSN (mas podendo atingir até quatro vezes o LSN) devido à
produção placentária. A partir do segundo mês de gestação, nota-se
o aumento do nível de α-fetoproteína por produção fetal. Devido
à hemodiluição, a albumina sofre diminuição do nível em
relação ao basal.
Já os níveis de γGT, TGO, TGP, TAP e bilirrubinas permanecem nor-
mais, ou inalterados em relação ao período pré-gestacional.(5)

Patologias comuns ou exclusivas da gestação

1. Náusea
Queixa comum no início da gestação que tende a se resolver em torno
da 20ª semana. Pode ser manejada com fracionamento da dieta e uso de
meclizina ou ondansetrona.

2. DRGE
Pirose e regurgitação são queixas frequentes nas gestantes, principal-
mente ao fim do segundo trimestre, persistindo até o parto. Os sintomas de
refluxo devem ser manejados com as mesmas medidas não-farmacológicas
habituais ao tratamento da DRGE.
Podem ser utilizados antiácidos inicialmente, porém o uso por mais de
duas semanas não é recomendado. Sucralfato, alginato, ranitidina e IBP são
drogas de categoria B na gestação, e podem ser usadas sequencialmente,
evitando-se o omeprazol (categoria C), pois demonstrou toxicidade fetal
em animais.

262 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Andrea Benevides Leite • Francisco Sérgio R. P. Pessoa

3. Constipação
Outra condição bastante comum, principalmente nos dois primeiros tri-
mestres. Em geral, responde ao aumento na ingesta hídrica, exercícios físi-
cos e dieta rica em fibras. São seguros para o feto, os medicamentos à base
de fibras, policarbofila cálcica, os laxativos osmóticos e polietileno glicol.
Laxativos catárticos também são seguros se usados com pouca frequência,
mas podem causar dor ou desconforto abdominal e diarreia.

4. Hemorroidas
Cerca de 1/3 das gestantes queixam-se de sintomas hemorroidários.
Hemorroidas internas são geralmente indolores, mas podem causar sensação
de evacuação incompleta e hematoquezia.
Hemorroidas externas causam frequentemente prurido e dor anal.
Além do tratamento da constipação frequentemente associada, o alívio dos
sintomas pode ser obtido com banhos de assento em água morna e tratamen-
to tópico com pomadas à base de policresuleno, cinchocaína ou hidrocorti-
sona. A trombose hemorroidária é uma complicação que causa dor intensa.
Em geral, responde às medidas conservadoras, mas pode necessitar de abor-
dagem cirúrgica.

5. Litíase biliar
Apesar da alta prevalência de litíase biliar em gestantes, não há aumento
de incidência de cólica biliar ou colecistite. Os sintomas são mais comuns
no pós-parto do que durante a gestação. Em caso de cólica biliar ou colecis-
tite, ocorrendo durante o primeiro ou segundo trimestre, a melhor opção de
tratamento é a colecistectomia laparoscópica durante o segundo trimestre.
Litíase sintomática durante o terceiro trimestre é melhor conduzida conser-
vadoramente, para evitar o risco de parto prematuro.

6. Hiperêmese gravídica (HG)


É uma complicação rara (até 2%), ocorrendo no primeiro trimestre, carac-
terizada por náuseas e vômitos incoercíveis, que levam a déficit nutricional,
cetose, perda de > 5% do peso pré-gestacional e desequilíbrio hidroeletrolítico.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 263


CAPÍTULO 23 - DOENÇAS GASTROENTEROLÓGICAS E GRAVIDEZ

Em raros casos pode ocorrer hematêmese por lesão de Mallory-Weiss


ou Boerhaave, encefalopatia de Wernicke, pneumomediastino espontâneo e
mielinólise pontina central. A paciente deve ser orientada a fracionar a dieta,
aumentar a porcentagem de carboidratos e manter ingesta hídrica adequada.
O uso de metoclopramida, piridoxina e ondasetrona é seguro na gestação.
Estudos não controlados relatam benefício no uso de balas de gengibre
e acupuntura. Algum período de internação hospitalar para reposição
hidroeletrolítica, reposição de tiamina e nutrição enteral, costuma ser
necessário, principalmente nos casos de hipotensão, taquicardia, cetose,
perda de peso, hiponatremia e hipocalemia.
A HG não é uma doença própria do fígado, mas pode aumentar aminotrans-
ferases em até 20 vezes o LSN (TGP > TGO) e, raramente, causar discreto au-
mento de bilirrubinas, que se resolvem após a parada dos vômitos. O aumento
de aminotransferases no início da gestação, mesmo na presença de HG, deve
suscitar a investigação de doenças hepáticas como hepatites virais e DILI.

7. Colestase intra-hepática da gravidez (CIG)


A CIG ocorre a partir da segunda metade da gravidez, principalmente
após a 30ª semana. A prevalência no Brasil é desconhecida. Caracteriza-se
por prurido generalizado, principalmente na palma das mãos e planta dos
pés, sendo mais intenso à noite, podendo levar à privação do sono. Icterícia
de leve intensidade (BT < 5 mg/dL) pode ocorrer após a instalação do pru-
rido, mas é incomum.
A CIG não causa elevação considerável de γGT, porém eleva TGO e TGP
em até 20 vezes o LSN. O TAP é normal, mas pode estar elevado na coles-
tase prolongada por deficiência de vitamina K. O tratamento atual é com
ácido ursodesoxicólico, na dose de 10-15 mg/kg/dia, podendo-se associar
hidroxizina 25 mg/dia.
A resolução da colestase após o parto é critério diagnóstico. Até a resolução
pós-parto, deve-se considerar a CBP, CEP, colestase intra-hepática recorrente
benigna, obstrução da via biliar, lesão hepática tóxica e hepatite viral como
diagnósticos diferenciais. O feto tem alta morbidade e risco de morte intraute-
rina, e a antecipação do parto deve ser uma decisão do obstetra.

264 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Andrea Benevides Leite • Francisco Sérgio R. P. Pessoa

8. Pré-eclâmpsia, síndrome HELLP e esteatose hepática aguda da gravidez


São síndromes que ocorrem nas últimas semanas de gestação ou no
pós-parto imediato. Existe uma interface entre estas três condições que
dificulta o diagnóstico de certeza em uma parte dos casos.
Pré-eclâmpsia é uma doença hipertensiva, própria da gravidez, que causa
disfunção de órgãos podendo levar à morte. Está associada à proteinúria (>
300 mg/24h), edema e hiperreflexia.
Doença hepática pode ser uma complicação da pré-eclâmpsia (até 30%
dos casos) e a síndrome HELLP (hemólise, enzimas hepáticas elevadas e pla-
quetas baixas), uma forma grave de pré-eclâmpsia é sua forma mais comum.
Alguns autores sugerem que existem diferentes fenótipos de pré-eclâmpsia
e que a síndrome HELLP seria uma entidade clínica distinta.
A esteatose hepática aguda da gravidez (EHAG) não é geralmente clas-
sificada como uma disfunção hepática da pré-eclâmpsia, mas pré-eclâmpsia
pode ser encontrada em até 50% dos casos de EHAG. Além disso, o defeito
de oxidação mitocondrial de ácidos graxos da EHAG também pode ser en-
contrado na síndrome HELLP.
Raramente ocorre icterícia na pré-eclâmpsia e a BT costuma ser < 5 mg/
dL. As aminotransferases podem elevar em até 20 vezes o LSN, mas não
costumam ultrapassar 400 UI/dL. Na síndrome HELLP, além da clínica de
pré-eclâmpsia, há dor epigástrica e no hipocôndrio direito, náuseas, vômitos
e cefaleia. Na EHAG, encontram-se também dor epigástrica e no hipocôn-
drio direito, náuseas, vômitos, podendo haver prurido, encefalopatia hepáti-
ca, ascite, derrame pleural, insuficiência renal, diabetes insipidus transitório
e hipoglicemia. As aminotransferases estão elevadas, mas habitualmente <
1.000 UI/dL; o TAP geralmente está prolongado e é comum haver icterícia.
Na prática clínica, não é absolutamente necessário fazer a distinção entre
essas três patologias, já que a conduta para evitar a morte materna e do bebê é
interrupção da gravidez nos três casos, sendo o melhor momento determinado
pela equipe obstétrica. Em casos severos é necessário suporte clínico na UTI.
No entanto, o gastroenterologista deve estar atento para os diagnósticos
diferenciais - púrpura trombocitopênica trombótica, púrpura trombocito-
pênica imunológica, síndrome do anticorpo antifosfolípide, hepatite viral,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 265


CAPÍTULO 23 - DOENÇAS GASTROENTEROLÓGICAS E GRAVIDEZ

lesão hepática tóxica - e para as complicações da síndrome HELLP - infarto,


hematoma e ruptura hepática em que há febre, leucocitose, anemia, amino-
transferases > 1.000 UI/dL e choque hipovolêmico com alta mortalidade. É
necessário realizar RNM ou TC de abdômen na suspeita dessas complica-
ções e a equipe cirúrgica deve estar envolvida no acompanhamento clínico.

Manejo de doenças do TGI pré-existentes ao período gestacional

1. Nódulos hepáticos
As lesões mais preocupantes são os adenomas, que podem crescer pelo
estímulo hormonal, sofrer ruptura e sangramento para a cavidade abdominal
durante a evolução da gravidez. Mulheres que desejam engravidar, e sabida-
mente são portadoras de adenomas hepáticos, devem considerar a ressecção
da lesão antes da concepção.

2. Hipertensão portal
Deve-se proceder à ligadura das varizes de esôfago (VE) antes da concepção.
Naquelas pacientes sem VE, uma endoscopia deve ser realizada no segundo
trimestre em busca do surgimento de VE. Se positiva, o β-bloqueador deve ser
iniciado com monitoramento do feto por risco de bradicardia fetal e retardo do
crescimento intrauterino. A HDA é mais comum no segundo trimestre e é melhor
manejada com ligadura das VE ou aposição de balão de Sengstaken-Blakemore,
já que o uso de terlipressina é contraindicado na gravidez. O parto cesariano
deve ser recomendado, pelo menos, naquelas com VE de grosso calibre.

3. Hepatites virais
A hepatite A não costuma afetar o curso da gravidez, nem é afetada por
ela. O aleitamento materno é permitido na vigência de hepatite A.
A hepatite B, aguda e crônica, traz risco de transmissão para o bebê. A
imunoglobulina hiperimune (HBIG) e a vacinação, ainda na maternidade,
estão indicadas para todos os RN de mães com HBV. As mães portadoras
crônicas do HBV, HBeAg positivas, que não estejam em tratamento,
devem iniciar tenofovir (categoria B na gestação) quando a carga

266 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Andrea Benevides Leite • Francisco Sérgio R. P. Pessoa

viral for > 200.000 UI/mL para reduzir a chance de transmissão do HBV
para o bebê. Não há contraindicação para o aleitamento materno.
A hepatite C, assim como a hepatite A, não costuma afetar o curso da gra-
videz, nem ser afetada por ela. Porém, há relatos de parto prematuro e baixo
peso ao nascer. O tratamento de mulheres que desejam engravidar e que não
preencham as indicações do atual PCDT ainda não está contemplado. O tra-
tamento não pode ser realizado em vigência de gravidez e a gravidez deve
ser evitada por seis meses após o fim do tratamento da hepatite C.
Existe risco de transmissão do HCV para o bebê. Como o anti-HCV que
passa da mãe para o bebê pode permanecer positivo por até 12 meses, o diag-
nóstico de hepatite C no bebê deve ser pesquisado com o HCV-RNA. Não há
contraindicação para o aleitamento materno.
A hepatite E é incomum, geralmente leve e autolimitada. Na gestação pode
evoluir de forma grave, principalmente no terceiro trimestre. O suporte em UTI é
geralmente necessário; mesmo assim, a mortalidade materna e fetal, secundária à
insuficiência hepática fulminante, é alta. O parto não modifica o curso da doença.

4. Doença de Crohn (DC) e retocolite ulcerativa (RCUI)


Aparentemente, a atividade da DII no momento da concepção tende a se
manter durante a gravidez. Portanto, o controle da DII no período pré-con-
cepcional é fundamental para uma gravidez tranquila. Em mulheres com DII
inativa, a taxa de eventos adversos, como abortamento espontâneo, baixo
peso ao nascer e hemorragias, é a mesma da população geral. Gestantes
com DII ativa têm maior risco de parto prematuro e retardo do crescimento
intrauterino. Mulheres com RCUI têm quatro vezes mais chance de sofrer
tromboembolismo venoso e são candidatas a heparina profilática em perío-
dos de internação hospitalar.
Se houver necessidade de exames de imagem deve-se optar pela RNM
sem gadolínio e a retossigmoidoscopia. A colonoscopia deve ser reservada
para casos de urgência, como a hemorragia digestiva baixa. Sedação costu-
ma ser segura no 2º trimestre.
As drogas de manutenção devem ser mantidas, inclusive durante a ama-
mentação, sendo consideradas seguros os aminossalicilatos, azatioprina,

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 267


CAPÍTULO 23 - DOENÇAS GASTROENTEROLÓGICAS E GRAVIDEZ

infliximabe, adalimumabe, vedolizumabe, ciclosporina e tacrolimus. Drogas


usadas no período de indução de remissão como prednisona, metronidazol e
ciprofloxacina também podem ser usadas. O uso de metotrexato é absoluta-
mente contraindicado, tanto na gravidez como na lactação.
Pacientes que entram em atividade da doença antes da 37ª semana de
gestação podem ser resgatadas com corticoide ou anti-TNF. Caso haja his-
tória de ser resistente ao corticoide e já houver ultrapassado a 37ª semana,
a melhor opção é antecipar o parto. Em casos de doença grave refratária ao
tratamento, a abordagem cirúrgica que for necessária não deve ser retardada,
independentemente do trimestre da gestação.
A via de parto deve ser uma decisão obstétrica, mas mulheres com doença
perianal devem optar por parto cesáreo.

Observação: bebês de mães que usaram biológicos durante a gravidez não


devem receber vacina contendo vírus vivo antes dos seis meses de vida.

Referências
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Medicine. 5th ed. New York, NY: Oxford University Press; 2014; 1069.
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268 Federação Brasileira de Gastroenterologia


DOI: 10.22288/978858718143500024

Capítulo 24

Esofagite eosinofílica: atualização

Tomas Navarro Rodriguez

Introdução

E studos têm demonstrado aumento na incidência da esofagite


eosinofílica (EEo). A causa para o aumento da incidência ainda
não foi elucidada, porém, algumas explicações são: o aumento do diag-
nóstico, em virtude de maior suspeita clínica, com consequente maior
número de fragmentos de biópsias coletadas no esôfago; e o maior in-
teresse da comunidade médica, refletido no aumento exponencial
de publicações.(1)
A doença acomete todas as faixas etárias, com pico de prevalência en-
tre 35 e 39 anos. História familiar, especialmente em indivíduos do sexo
masculino, aumenta em 80 vezes o risco de os irmãos serem acometidos.(2)
A fisiopatologia baseia-se em teorias imunológicas associadas à exposição
prévia aos alérgenos alimentares, cutâneos e/ou inalatórios.(3)
A maioria desses pacientes apresenta evidências de hipersensibilidade
definidas pelos testes dermatológicos (prick test, radioallergosorbent
testing - RAST ou ambos), entretanto, apenas uma minoria tem história
pregressa de alergia alimentar.(4)
Sugere-se que haja ocorrência de dois ou talvez múltiplos passos para o
desenvolvimento da EEo, envolvendo exposição aos alérgenos e ativação
sistêmica dos eosinófilos da medula óssea, os quais posteriormente residi-
riam no esôfago ou no pulmão na presença de exposição tardia aos alérgenos
dos tratos respiratório ou gastrointestinal.(5)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 269


CAPÍTULO 24 - ESOFAGITE EOSINOFÍLICA: ATUALIZAÇÃO

Entre os achados imunológicos observam-se o aumento de célu-


las T, mastócitos, IL-5, fator de necrose tumoral e moléculas de ade-
são no esôfago, aumento da ativação de marcadores CD25, IL-4 e IL-5
no esôfago, quando comparado ao duodeno e aumento de IL-5 e IL-13
no sangue periférico, sugerindo pré-ativação sistêmica em resposta
aos alérgenos.(6)
É possível que a diferença maior esteja nas vias de ativação dos eosinófi-
los, que, no caso da EEo, há maior ativação dos Linfócitos TH-2, com maior
liberação de IL-5 e ativação eosinofílica, bem como maior resposta humoral,
com formação de maiores imunocomplexos.(5)

Quadro clínico

O quadro clínico varia de acordo com a faixa etária do paciente. Em


crianças, apresenta-se como retardo no crescimento, diminuição do ape-
tite, aversão à comida, pirose, regurgitação, náuseas, vômitos, dor to-
rácica, sialorreia, distúrbios do sono e dor abdominal. Não raramen-
te, a inapetência, a intolerância alimentar e o emagrecimento podem
ser sintomas principais e podem ser considerados o correspondente no
adulto do sintoma de disfagia.(2,7,8) Em adultos, por outro lado, os sin-
tomas mais comuns são disfagia (93 a 100% dos casos) e impactação
alimentar (62%).(7,9,10)
Sintomas clássicos de refluxo, como pirose e regurgitação, são descritos
entre 7 e 100% dos pacientes com EEo. Naqueles com sintomas refratários
ao uso de IBP, EEo é diagnosticada em 0,97%.(11)
Atualmente, é necessário distinguir doença do refluxo gastroesofágico de
esofagite eosinofílica e de eosinofilia esofágica responsiva a IBP.(10)
A EEo ainda pode apresentar-se, mesmo que raramente, como perfuração
espontânea de esôfago (Síndrome de Boerhaave), geralmente após impacta-
ção alimentar seguida por vômitos.
Exame físico é geralmente normal, exceto pela manifestação de outras
doenças atópicas, como asma, rinite e dermatite, que pode estar presente em
até 75% dos indivíduos acometidos.

270 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Tomas Navarro Rodriguez

Alterações endoscópicas/biopsias/manometria e PHmetria

Não há lesões patognomônicas ao exame de endoscopia digestiva alta.


Muitas das alterações atualmente associadas à EEo eram, no passado, referi-
das como sendo da DRGE ou até mesmo de monilíase esofágica e, portanto,
não eram biopsiadas.
Entre as alterações encontradas ao exame de endoscopia digestiva alta,
temos: estrias longitudinais, anéis esofágicos (fixos, denominados traqueiza-
ção ou corrugação, ou transitórios, chamados de felinização), perda da vas-
cularização normal do órgão (referida como edema ou palidez de mucosa),
estenoses focais, diminuição do calibre do órgão, exsudatos esbranquiçados
que correspondem a microabscessos eosinofílicos e podem ser confundidos
com candidíase, e esôfago em “papel crepom”, em virtude de fragilidade da
mucosa com laceração frequente à passagem do aparelho endoscópico. Es-
sas alterações podem ocorrer de maneira isolada ou em conjunto.(10,12)
Metanálises apontam que achados endoscópicos apresentam sensibilida-
de baixa (de 15 a 48%) e alta especificidade (de 90 a 95%), com valor predi-
tivo positivo entre 51 e 73% e negativo variando entre 74 e 84%.(8)
A biopsia de esôfago deve ser realizada sempre que houver suspeita clí-
nica, por exemplo, em pacientes com disfagia ou impactação alimentar de
causa obscura.
Múltiplas biopsias devem ser realizadas, em diferentes níveis do corpo esofá-
gico, e sugerem-se 2 a 4 fragmentos do esôfago proximal e distal, porém, se co-
letados 5 a 6 fragmentos, ocorre aumento da sensibilidade. Para descartar gastro-
enterite eosinofílica, preconizam-se, também, biopsias gástricas e duodenais.(13,14)
Uma vez realizada biópsia, deve-se solicitar contagem de eosinófilos intra-
epiteliais em campo de grande aumento (CGA) (400×), utilizando coloração
de hematoxilina-eosina e, segundo o Consenso de 2007, a presença de mais
de 15 eosinófilos/CGA permite o diagnóstico de esofagite eosinofílica.(15)
Outras alterações histopatológicas podem ser observadas, tais como micro-
abscessos, presença de eosinófilos na camada superficial, grânulos de eosi-
nófilos extracelulares, hiperplasia da camada basal, dilatação dos espaços
intercelulares e fibrose de lâmina própria.(14)

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 271


CAPÍTULO 24 - ESOFAGITE EOSINOFÍLICA: ATUALIZAÇÃO

Outras doenças podem causar aumento do número de eosinófilos esofá-


gicos e devem ser excluídas, porém, raramente esse número excede 10 eosi-
nófilos/CGA. Idealmente, pacientes com predomínio de queixas dispépticas
devem receber oito semanas de IBP antes da endoscopia digestiva alta com
biópsia esofágica, para exclusão de doença do refluxo gastroesofágico e eo-
sinofilia esofágica responsiva a IBP.
Entretanto, se a queixa for disfagia, deve-se realizar endoscopia rapida-
mente para exclusão de causas mais graves, como neoplasia.(16)
Os principais achados no exame de manometria esofágica são: contração
incoordenada do esôfago (30%), relaxamento incompleto do esfíncter infe-
rior (30%), aumento da contração esofágica (7%) e peristalse ineficaz (4%).
Ao exame de manometria esofágica são relatados ondas de contração ter-
ciária, aperistalse, múltiplos picos de contração e espasmo esofagiano difu-
so. Entretanto, não existe achado manométrico patognomônico, e cerca de
40% dos pacientes têm manometria normal. As alterações de motilidade são
decorrentes da infiltração da muscular própria por eosinófilos.(16)
Quanto à pHmetria esofágica, segundo critério de consenso, deveria ser
negativa, para descartar DRGE. Entretanto, a superposição das duas doenças
pode estar presente, com consequente pHmetria alterada. Nesse caso, o
tratamento com IBP deve ser instituído e nova endoscopia digestiva alta com
biópsia esofágica deverá ser realizada para confirmar a esofagite eosinofílica.

Tratamento

A falta de evidências torna a terapêutica ainda uma incerteza, não somen-


te na escolha, mas também no tempo de tratamento e nos objetivos finais,
que podem ser o alívio sintomático ou a resolução completa das lesões ao
exame de endoscopia.
As indicações do tratamento seriam: melhorar a qualidade de vida, redu-
zir o risco de lesão esofágica e prevenir o remodelamento esofágico decor-
rente da inflamação crônica.
A escolha do tratamento depende dos sintomas apresentados pelo pacien-
te, preferência do médico e do paciente e custos.(17)

272 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Tomas Navarro Rodriguez

A maior dificuldade do tratamento ocorre nos pacientes pouco sintomáti-


cos, cujos benefícios do tratamento sobre os efeitos colaterais da medicação
ainda não estão bem estabelecidos.
O uso de corticoides tópicos, ou seja, inalatório ou na forma de solução vis-
cosa, tem mostrado bons resultados, porém, com possibilidade de recorrência
dos sintomas. O tempo de tratamento proposto é de 6 a 8 semanas, com reavalia-
ção inflamatória esofágica após esse período. A dose preconizada é iniciar com
440 a 880 mcg/dia para crianças, e de 880 a 1.760 mcg/dia para adultos, sempre
divididos em 2 a 4 doses diárias. Deve-se utilizar o espaçador, permitindo que o
paciente aspire e engula o produto. É fundamental, também, permanecer por 30
minutos sem se alimentar, com boa higiene bucal após a aplicação.(15)
Candidíase esofágica foi relatada em 5 a 30% dos casos, de forma inci-
dental, em endoscopia de seguimento e a Candidíase oral foi observada em
1% dos pacientes independentemente da formulação, dose ou hábito de lavar
a boca após a aplicação. Até o momento não há evidência de supressão adre-
nal após dois meses de uso. No entanto, a segurança em longo prazo quanto
a retardo de crescimento ou alteração da densidade óssea não é conhecida.(12)
Nos pacientes graves com comprometimento sistêmico, como desnutri-
ção e/ou desidratação, uma vez afastadas causas infecciosas (principalmente
virais, por exemplo, herpes simples e zóster), o tratamento com corticoide
oral está bem indicado. O mesmo ocorre nos casos de estenoses esofágicas
com intensa inflamação, cuja dilatação poderia precipitar lacerações da mu-
cosa e/ou perfurações esofágicas. As doses nesses casos são de 1 a 2 mg/kg/
dia, com dose máxima de 60 mg/dia de prednisona, via oral.
Alergia alimentar foi observada em 15 a 43% dos pacientes com EEo. O
tratamento dietético pode ser feito de três maneiras: dieta elementar, elimi-
nação de alérgenos alimentares direcionada por testes alérgicos e eliminação
empírica de seis alimentos.(16)
Dieta elementar é composta por aminoácidos, triglicerídeos de cadeia
média e carboidratos simples. Estudos relataram remissão em 88 a 96% nas
crianças e 75% em adultos após quatro semanas de dieta. No entanto, é pou-
co palatável, de elevado custo e geralmente necessita de passagem de sonda
nasoenteral para alimentação.

GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 273


CAPÍTULO 24 - ESOFAGITE EOSINOFÍLICA: ATUALIZAÇÃO

Após remissão histológica comprovada por biopsia, alimentos são rein-


troduzidos. Primeiro os menos alergênicos (vegetais e frutas), seguidos
de grãos, carnes, nozes, peixes, mariscos, soja e laticínios, com intervalos
de 5 a 7 dias.
Se houver recorrência dos sintomas com algum dos alimentos, este fica
permanentemente excluído da dieta.(12,16)
A dieta direcionada por testes alérgicos é baseada nos resultados de prick
test ou de teste IgE específicos, como ImmunoCAP, sendo efetiva em 53 a
72% dos pacientes.(18)
A eliminação empírica dos seis alimentos alergênicos mais comuns é ou-
tra opção de dieta, com remissão de 74% dos pacientes tratados. Os seis gru-
pos de alimentos são: leite, soja, trigo, ovo, amendoim e peixes/crustáceos.
Após a remissão, cada grupo de alimentos é reintroduzido com intervalos
de 4 a 6 semanas.
Antes da introdução do próximo grupo, observa-se presença de sintomas
e alteração histológica no esôfago, e, se presentes, o grupo alimentar é ex-
cluído da dieta. Como desvantagem, temos o grande número de endoscopias
realizadas na fase de reintrodução dos alimentos.(17,18)
Os inibidores de bomba de prótons desempenham três papéis no trata-
mento dos pacientes com EEo. Eles diminuem a produção de ácido pelas
células parietais, sendo úteis na exclusão de DRGE como causa da eosino-
filia esofágica; se houver superposição de EEo com DRGE, ocorre melhora
dos sintomas; e promovem uma diminuição da expressão de citocinas pró-
-inflamatórias, como IL-8 e eotaxina-3, que podem ter participação na pato-
gênese da EEo.(18)
Antagonistas dos leucotrienos promoveram boa resposta clínica com
poucos efeitos colaterais, porém, sem resposta histológica e com rápida
recidiva após suspensão da medicação. Portanto, não é a droga de escolha
e mais estudos devem ser realizados.
Outra opção citada para tratamento é o cromoglicato de sódio, e estudos
estão sendo realizados quanto à possibilidade de utilização de anticorpo an-
timonoclonal de IL-5.(15,19)

274 Federação Brasileira de Gastroenterologia


Tomas Navarro Rodriguez

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GASTRO GERAIS - POT-POURRI EM GASTROENTEROLOGIA 275


CAPÍTULO 24 - ESOFAGITE EOSINOFÍLICA: ATUALIZAÇÃO

276 Federação Brasileira de Gastroenterologia


É fácil notar
a diferença
quando se
é exclusivo*
na Retocolite
Ulcerativa.1-4

Uma dose diária, maior adesão.1-4


Indução à Remissão5 Manutenção5
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aos salicilatos (que inclui o ácido acetilsalicílico), à mesalazina, à sulfassalazina ou a qualquer dos componentes da fórmula; pacientes com insuficiência hepática e/ou renal graves; pacientes com úlcera gástrica e duodenal
ativa; pacientes com tendência elevada a sangramento. Este medicamento é contraindicado para menores de 18 anos. Precauções e advertências: As mesmas precauções e advertências relacionadas com o uso
de preparados contendo mesalazina ou pró-drogas de mesalazina devem ser consideradas para Mesacol® MMX®. Assim como todos os salicilatos, a mesalazina deve ser utilizada com cautela em pacientes com história
de úlcera gástrica ou duodenal, por pacientes asmáticos (em razão das reações de hipersensibilidade), com disfunção renal ou hepática (leve a moderada), ou com história de miocardite ou pericardite. Ainda não está
estabelecida a segurança do produto em crianças. Gravidez e lactação: Mesacol®MMX® está classificado na categoria B de risco de fármacos destinados ao uso em grávidas, devendo ser usado com cautela durante a
gravidez e somente quando os benefícios para a mãe forem superiores aos riscos potenciais ao feto. Pacientes pediátricos: Mesacol® MMX® não é recomendado para pacientes menores de 18 anos. Pacientes idosos:
O impacto potencial sobre o uso seguro da mesalazina na população idosa deve ser avaliado na prática clínica. Pacientes com insuficiência renal: a mesalazina deve ser administrada com precaução em pacientes com
disfunção renal leve a moderada. Seu uso é contraindicado para pacientes com insuficiência renal grave. Pacientes com insuficiência hepática: a mesalazina deve ser administrada com precaução em pacientes com
insuficiência hepática leve a moderada. Seu uso é contraindicado para pacientes com insuficiência hepática grave. Dirigir e operar máquinas: É improvável que o uso deste medicamento tenha qualquer efeito sobre a
capacidade de dirigir veículos ou de operar máquinas. Interações medicamentosas: Não foram observadas interações relevantes clinicamente entre a mesalazina com amoxicilina, ciprofloxacino XR, metronidazol
ou sulfametoxazol. O uso concomitante da mesalazina com agentes sabidamente nefrotóxicos, inclusive com os anti-inflamatórios não hormonais (AINHs – como aspirina, ibuprofeno, diclofenaco, etc.) e azatioprina
pode aumentar o risco de reações renais; o potencial para discrasias sanguíneas da azatioprina e da 6-mercaptopurina pode aumentar; a ação hipoglicemiante das sulfonilureias pode ser intensificada; a atividade
anticoagulante dos derivados cumarínicos (varfarina) pode ser reduzida; a toxicidade do metotrexato pode ser potencializada; o efeito uricosúrico da probenecida e da sulfimpirazona pode diminuir, assim como a ação
diurética da furosemida e da espironolactona e a ação tuberculostática da rifampicina. Em tese, a administração concomitante de anticoagulantes orais deve ser feita com cautela. Substâncias como a lactulose, que
diminuem o pH do cólon, podem reduzir a liberação da mesalazina dos comprimidos revestidos de Mesacol® MMX®. Reações adversas: diarreia, náusea, cefaleia, dor abdominal, hipersensibilidade como urticária
e prurido, erupção cutânea e eczema. Posologia e modo de usar: Mesacol® MMX® destina-se a uso exclusivo por via oral. Para o tratamento da colite ulcerativa leve a moderada, a dose usual para adultos acima
de 18 anos é de 2.400 mg a 4.800 mg (dois a quatro comprimidos) ao dia, administrada em dose única, de preferência sempre na mesma hora de cada dia, acompanhada de uma refeição. Caso o paciente esteja
tomando a dose mais elevada (4.800 mg/dia), ele deve ser reavaliado após oito semanas de tratamento. Não apresentando mais sintomas, pode-se prescrever uma dose diária de 2.400 mg (dois comprimidos) para
manutenção da remissão. A duração recomendada é de oito semanas consecutivas, salvo critério médico diferente. Este medicamento não deve ser partido, mastigado ou dissolvido. MS - 1.0639. 0248.
MEDICAMENTO SOB PRESCRIÇÃO. AO PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. MEMX_0414_0614_VPS.

Contraindicação: Mesacol® MMX® não é recomendado em casos de hipersensibilidade a salicilatos.


Interação Medicamentosa: a administração da mesalazina pode potencializar a toxicidade do metotrexato.
Referências bibliográficas: 1) Kamm MA et al. Once-daily, high-concentration MMX mesalamine in active ulcerative colitis. Gastroenterology. 2007;132:66-75. PMID: 17241860. 2) Brunner
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Material produzido em setembro/2016.
Material produzido em julho/2016.Material
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após 8 semanas, quando comparado
ao esomeprazol.2

Contraindicação: hipersensibilidade conhecida ao pantoprazol, benzimidazóis substituídos ou aos


demais componentes da fórmula. Interação medicamentosa: o uso concomitante com alta dose de
metotrexato pode elevar e prolongar os níveis séricos de metotrexato e/ou seus metabólitos, levando
possivelmente à toxicidade do metotrexato.
TECTA* 40 mg - pantoprazol magnésio di-hidratado. USO ORAL. USO ADULTO. ACIMA DE 18 ANOS. Apresentação: Comprimidos gastrorresistentes de 40 mg. Indicações: TECTA* 40 mg é indicado para o tratamento das esofagites
de refluxo moderadas ou graves e dos sintomas de refluxo gastroesofágico. Também é indicado para tratamento intermitente de sintomas de acordo com a necessidade (on demand). Contraindicações: TECTA* não deve ser usado em
casos de hipersensibilidade conhecida ao pantoprazol, benzimidazóis substituídos ou aos demais componentes da fórmula. Este medicamento é contraindicado na faixa etária de 0 a 18 anos. Categoria B de risco na gravidez:
Este medicamento não deve ser utilizado por mulheres grávidas sem orientação médica ou do cirurgião-dentista. Advertências e Precauções: Na presença de qualquer sintoma de alarme (como significativa perda de peso não
intencional, vômitos recorrentes, disfagia, hematêmese, anemia ou melena) e quando houver suspeita ou presença de úlcera gástrica, deve-se excluir a possibilidade de malignidade, já que o tratamento com pantoprazol pode aliviar os
sintomas e retardar o diagnóstico. Em terapia de longo prazo, especialmente quando o tratamento exceder 1 ano, os pacientes devem ser mantidos sob acompanhamento regular. Infecções Gastrointestinais: O tratamento com IBP pode
estar associado a um risco aumentado de infecção por Clostridium difficile, Salmonella e Campylobacter. Fratura óssea: O tratamento prolongado com inibidores da bomba de próton (IBP) pode estar associado a um aumento do risco de
osteoporose relacionada a fraturas no quadril, pulso ou coluna. Hipomagnesemia: Hipomagnesemia tem sido raramente relatada em pacientes tratados com IBP por pelo menos três meses (na maioria dos casos, após um ano de terapia).
Gravidez e lactação: Categoria B de risco na gravidez. Pacientes idosos: Não é necessário o ajuste de dose. Insuficiência renal: Não é necessário o ajuste de dose em pacientes com insuficiência renal. Insuficiência hepática: a dose diária de
20 mg de pantoprazol não deve ser excedida em pacientes com insuficiência hepática grave. Inibidores da Protease do HIV: A coadministração de pantoprazol não é recomendada com inibidores da protease do HIV para os quais a absorção
é dependente do pH do ácido intragástrico tais como o atazanavir, nelfinavir. Metotrexato: O uso concomitante com alta dose de metotrexato pode elevar e prolongar os níveis séricos de metotrexato e/ou seus metabólitos. Influência na
absorção de vitamina B12: Em pacientes com a Síndrome de Zollinger-Ellison e outras patologias hipersecretórias que necessitam de tratamento a longo prazo, o pantoprazol, assim como todos os medicamentos IBPs, pode reduzir a absorção
de vitamina B12 (cianocobalamina) devido a hipo ou acloridria. Interações medicamentosas: Não se esperam diferenças nas interações medicamentosas entre o pantoprazol magnésico e o pantoprazol sódico. Como os demais membros
de sua classe, TECTA* pode alterar a absorção de medicamentos cuja biodisponibilidade dependa do pH do suco gástrico, como cetoconazol e itraconazol. Outros estudos de interações: Pantoprazol é extensamente metabolizado no fígado
via enzimas do citocromo P450 (CYP2C19 e CYP3A4). Os estudos de interação com fármacos que também são metabolizados com estas vias, como a carbamazepina, diazepam, glibenclamida, nifedipino, fenitoína e um contraceptivo oral
contendo levonorgestrel e etinilestradiol, não se observaram interações clínicas significativas. Os resultados de uma série de estudos de interação demonstraram que o pantoprazol não afeta o metabolismo de substâncias ativas metabolizados
por CYP1A2 (tais como cafeína, teofilina), CYP2C9 (tais como piroxicam, diclofenaco, naproxeno), CYP2D6 (tais como metoprolol), CYP2E1 (como o etanol), e não interfere com a glicoproteína-P relacionada à absorção de digoxina. Não houve
interações com administração concomitante de antiácidos. Estudos de interação também foram realizados administrando pantoprazol concomitantemente com os respectivos antibióticos (claritromicina, metronidazol, amoxicilina) e nenhuma
interação clinicamente relevante foi encontrada. Clopidogrel: A administração concomitante do pantoprazol e clopidogrel em indivíduos saudáveis não teve efeito clinicamente importante na exposição ao metabólito ativo do clopidogrel ou
inibição plaquetária induzida pelo clopidogrel. Não é necessário qualquer ajuste da dose de clopidogrel quando administrado com uma dose aprovada de pantoprazol. Anticoagulantes cumarinicos (femprocumona ou varfarina): não afeta a
farmacocinética da varfarina, femprocumona ou o INR (tempo de protrombina do paciente/média normal do tempo de protrombina). O consumo de alimentos não interfere nas ações de TECTA* no organismo. Reações adversas: O pantoprazol
(a substância ativa) é muito bem tolerado, de modo que a maioria dos eventos adversos observados tem sido leve e transitória. Reações incomuns: Distúrbios do sono, cefaleia, diarreia, náusea/vômito, inchaço e distensão abdominal, dor e
desconforto abdominal, boca seca, constipação, aumento nos níveis de enzimas hepáticas, tontura, prurido, exantema, erupções cutâneas e erupções, astenia, fadiga e mal estar. Reações raras: agranulocitose, hipersensibilidade (incluindo
reações e choque anafiláctico), hiperlipidemias, alterações de peso, depressão , distúrbios de paladar, distúrbios visuais (visão turva), aumento nos níveis de bilirrubina, urticária, angioedema, artralgia, mialgia, ginecomastia, elevação da
temperatura corporal, edema periférico. Reações muito raras: leucopenia, trombocitopenia, pancitopenia, desorientação. Atenção: este produto é um medicamento novo e, embora as pesquisas tenham indicado eficácia e segurança aceitáveis,
mesmo quando indicado e utilizado corretamente, podem ocorrer eventos adversos imprevisíveis ou desconhecidos. Nesse caso, notifique os eventos adversos pelo Sistema de Notificações em Vigilância Sanitária NOTIVISA, disponível em
http://www8.anvisa.gov.br/notivisa/frmCadastro.asp, ou para a Vigilância Sanitária Estadual ou Municipal. Posologia e modo de usar: A posologia habitualmente recomendada é de um comprimido de 40 mg ao dia, antes, durante ou após o
café da manhã, a menos que seja prescrito de outra maneira pelo seu médico. A duração do tratamento fica a critério médico e depende da indicação. Na maioria dos pacientes, o alívio dos sintomas é rápido em geral um período de tratamento
de quatro a oito semanas é suficiente. TECTA* destina-se exclusivamente a administração oral. Os comprimidos devem ser ingeridos inteiros, com um pouco de líquido. Na doença de refluxo gastroesofágico: Tratamento da esofagite de
refluxo - um comprimido de 40 mg ao dia num período de quatro semanas. Nos casos com esofagite não cicatrizada ou com sintomas persistentes recomenda-se um período adicional de quatro semanas. Os sintomas recorrentes poderão
ser controlados administrando-se um comprimido de TECTA* 40 mg ao dia, quando necessário (“on demand”), de acordo com a intensidade dos sintomas. Considerar a mudança para terapia contínua nos casos em que os sintomas não
puderem ser devidamente controlados por terapia “on demand”. Em casos isolados de esofagite de refluxo, a dose diária pode ser aumentada para dois comprimidos ao dia, particularmente nos casos de pacientes refratários a outros
medicamentos antiulcerosos. MS – 1.0639.0256. AO PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO. MEDICAMENTO SOB PRESCRIÇÃO. TC40_0814_0315_VPS.
Referências Bibliográficas: 1) Tecta* [Bula]. São Paulo: Takeda Pharma Ltda. 2) Moraes-Filho JP, et al. Randomised clinical trial: daily pantoprazole magnesium 40 mg vs. esomeprazole 40 mg for gastro-
oesophageal reflux disease, assessed by endoscopy and symptoms. Aliment Pharmacol Ther. 2014;39(1):47-56. 3) Hein J. Comparison of the efficacy and safety of pantoprazole magnesium and pantoprazole sodium
in the treatment of gastro-oesophageal reflux disease: a randomized, double-blind, controlled, multicentre trial. Clin Drug Investig. 2011;31(9):655-64. 4) Morales-Arambula M, et al. Nighttime GERD: prevalence,
symptom intensity and treatment response to a 4 week treatment with 40 mg of pantoprazole magnesium O.D. A report from the GERD Mexican Working Group. Gastroenterology. 2009;136(5 supl 1):A428.
* O pantoprazol magnésico da Takeda tem formulação exclusiva e é objeto de pedido Material destinado exclusivamente à classe médica.
de patente no Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Material produzido em setembro/2016.

6158594 - TE - LIVRO PRÉ CONGRESSO 2016


SE PERSISTIREM OS SINTOMAS, O MÉDICO DEVERÁ SER CONSULTADO.

Takeda Pharma Ltda. Rua do Estilo Barroco, 721 – 04709-011 – São Paulo – SP
Mais informações poderão ser obtidas diretamente com o nosso

9 788587 181435 Departamento de Assuntos Científicos ou por meio de nossos representantes.


*Marca registrada por Takeda GmbH.

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