Você está na página 1de 7

A chacota geral do mundo

Olavo de Carvalho

Diário do Comércio, 17 de abril de 2006

Quem quer que saiba o que é lógica tem a obrigação de saber também
que, se a demonstração da existência de Deus pode ser difícil, a da Sua
inexistência é absolutamente impossível. Tanto é impossível que nenhum
ateu jamais tentou sequer formulá-la. Todos limitam-se a argumentos
periféricos e ocasionais, voltados antes a detalhes de doutrina religiosa,
perfeitamente discutíveis em si mesmos, do que ao centro inexpugnável
da questão.

Essa impossibilidade não era desconhecida dos maiores pensadores


ateus do passado, que a contornavam sem poder enfrentá-la. A quase
totalidade dos que polemizam hoje em favor do ateísmo – e eles
ultimamente se multiplicam como ratos de esgoto – não têm o menor
pressentimento dela, embora esbarrem nas suas fronteiras a cada
instante. A maioria apela em última instância ao argumentum ad
ignorantiam, declarando com patética inocência que aquilo que
desconhecem não pode existir. Esses são invencíveis na discussão, pois
nenhum argumento tem o poder de infundir inteligência no ouvinte que
uma sólida aliança da genética com a má educação tornou
irremediavelmente estúpido. Sob esse ponto de vista, o ateísmo parece
ter um futuro brilhante.

A tese ateística não sendo logicamente defensável até suas últimas


conseqüências, os inimigos de Deus acabaram-se distribuindo em tribos
diversamente localizadas, cada qual atacando o problema por um
pedacinho da borda, não na esperança de chegar um dia ao centro, mas
na de vencer a platéia pelo cansaço, persuadindo-a enganosamente de
que a soma infindável de argumentos relativos tem o valor e a autoridade
de uma prova absoluta.
As principais dentre essas tribos são as seguintes:

a) Os ateus propriamente ditos, que mesmo não sabendo disto são


campeões da fé, na medida em que apostam naquilo que ninguém jamais
poderá provar. Muitos deles, abdicando previamente de enfrentar a
dificuldade intransponível inerente à sua tese, dispendem energias
colossais em operações diversionistas como a do dr. Richard Dawkins,
apegado à esperança de que a simples hipótese de poder o mundo ter
surgido sem Deus, se formulada com sofisticação matemática bastante, já
venha a resolver o problema inteiro, como se uma possibilidade teórica
pudesse, por si, ser prova de realidade efetiva.

b) Os deístas, que, cientes da impossibilidade de livrar-se completamente


de Deus, tratam de diluí-Lo numa noção tão geral, tão vaga e tão abstrata
que, no fim das contas, é como se Ele não existisse. A melhor solução
para eles é a teoria do deus ocioso – muito em voga no tempo do
mecanicismo renascentista – o qual teria criado o mundo segundo regras
tão fixas e imutáveis que toda interferência do criador se tornou
desnecessária uma vez pronto o mecanismo do mundo. É a imagem do
relojoeiro que, terminada a construção, dá corda no relógio e vai dormir.
Não precisamos discutir essa puerilidade.

c) Os agnósticos, que professam voltar as costas ao problema de Deus e,


modestamente, lidar apenas com questões acessíveis aos métodos da
moderna ciência natural, mas, feito isso, proíbem a investigação de
qualquer objeto que esteja fora do alcance desses métodos ou
proclamam abertamente a inexistência dele, mostrando ser ateus
disfarçados que optaram por dificultar o acesso àquilo cuja inexistência
não puderam provar.

d) Os gnósticos, que admitem a existência do criador mas proclamam que


ele é mau, que fez o mundo contra a vontade do verdadeiro deus, ente
espiritual puríssimo que jamais sujaria suas excelsas mãos numa porcaria
dessas; donde se segue a obrigação máxima do crente gnóstico, a qual
consiste em destruir o mundo ou modificá-lo radicalmente, de preferência
destruindo-o primeiro para depois substituí-lo por algo de totalmente
diferente. Dessa proposta dupla do movimento gnóstico nasceu uma
pluralidade caótica de seitas, das quais algumas se transformaram em
movimentos de massa a partir do século XVIII, gerando as ideologias
revolucionárias do anarquismo, do comunismo, do nazismo, do fascismo,
do positivismo e da tecnocracia, bem como, para além delas, a
proliferação de ocultismos da “Nova Era” e o plano da “Nova Ordem
Mundial” ao qual esses ocultismos não servem senão de instrumento
provisório.

O gnosticismo é a ideologia suprema do nosso tempo, destinada a reinar


soberana sobre uma humanidade idiotizada tão logo as religiões
tradicionais se tornem incompreensíveis para as multidões e possam ser
sintetizadas num culto biônico sob a administração das Nações Unidas ou
órgão equivalente auto-incumbido das funções de governo do mundo. A
proposta é tão virulenta, absurda e infame que, embora já esteja em fase
avançada de implementação (v. o livro de Lee Penn já várias vezes citado
aqui, False Dawn), jamais é apresentada em público com franqueza,
apenas difundida indiretamente através de eufemismos anestésicos.

Na verdade, o ateísmo, o deísmo e o agnosticismo já não têm qualquer


energia própria. Propugnados por saudosistas do iluminismo voltaireano e
do cientificismo positivista, tornaram-se instrumentos auxiliares que
concorrem para criar a confusão necessária à implantação da nova
religião universal, sendo por isso fomentados e subsidiados pelas
mesmas fontes que a originam, entidades perfeitamente respeitáveis em
aparência que são também as forças propulsoras de movimentos
revolucionários e subversivos em várias partes do mundo.

Até há algum tempo, tudo isso era apenas uma suspeita, e a investigação
dos fatos por trás dela se misturava inevitavelmente a doses maciças de
especulação imaginária, preconceitos monstruosos, desinformação
proposital e um bocado de pseudociência. Foi a época das “teorias da
conspiração”.

Hoje, os mesmos avanços tecnológicos que deram a esse movimento o


impulso formidável da organização em “redes” tornaram fácil identificar
essas redes e todas as suas conexões internas e externas, apreendendo a
unidade por trás de uma multiplicidade que de outro modo seria
desnorteante. O simples estudo da circulação de dinheiro entre
fundações, governos, ONGs, movimentos terroristas e quadrilhas de
narcotraficantes basta para tornar a realidade da subversão gnóstica
mundial demasiado visível para que se possa continuar a ocultá-la
mediante o apelo a evasivas difamatórias destinadas a intimidar o
investigador. Um exame acurado dos sites http://www.activistcash.com e
http://www.discoverthenetwork.org dará ao leitor uma idéia precisa do
que estou dizendo. Estudos como The Marketing of Evil, de David
Kupelian (Nashville, Tennessee, WND books, 2005), Machiavel
Pedagogue, de Pascal Bernardin (Cannes, Édition Notre-Dame das
Graces, 1995), Good Bye, Good Men, de Michael S. Rose (Washington
DC, Regnery, 2002), The Deliberate Dumbing Down of America, de
Charlotte Thomson Iserbit (Ravenna, Ohio, The Conscience Press, 1999) e
The ACLU vs. America, de Alan Sears e Craig Osten (Nashville,
Tennessee, Broadman & Holman, 2005), tirarão o restante da dúvida. Os
nomes das mesmas organizações — a “Ford Foundation”, o “Open Society
Institute de George Soros”, a “John D. & Catherine T. MacArthur
Foundation”, a “Carnegie Corporation of New York” e o “Council on
Foundations”, entre uma centena de outras — aparecem com tão
obsessiva freqüência entre os financiadores de movimentos subversivos e
os do governo mundial, que já não é possível deixar de enxergar a ligação
entre essas duas forças aparentemente díspares, uma voltada para a
disseminação do caos, outra para a cristalização da Nova Ordem, tão
articuladas entre si quanto as duas operações alquímicas da dissolução e
da coagulação.

Contra esse assalto geral às bases da civilização, os pontos de resistência


são hoje as religiões tradicionais, o Estado constitucional americano e o
Estado de Israel.

Das religiões, cada uma está mais corroída que a outra. O cristianismo,
ainda forte nos EUA e no Leste Europeu e em plena expansão na Ásia e na
África, está praticamente destruído na Europa ocidental e dominado pelo
esquerdismo na América Latina. O Islã tradicional, evaporado, tornou-se
apenas uma figura de retórica no discurso radical que a mídia do
Ocidente, confundindo propositadamente as coisas, rotula de
“fundamentalista”. O judaísmo está assolado daqueles tipos que Don
Feder chama de “judeus Seinfeld”, para os quais as três solenidades
judaicas fundamentais são o Bar-Mitzvah, o Rosh-Hashaná e o aniversário
da Barbara Streisand.

A América está ameaçada desde dentro pela potente simbiose das


fundações milionárias com o esquerdismo revolucionário, solidificada pela
mídia chique e hoje mentora inconteste do Partido Democrata.

Israel, cercada de três dezenas de países hostis, e talvez recordista


mundial de traidores e muristas per capita, sobrevive não se sabe como.
Voltado à sua destruição urgente, o anti-semitismo adquire novos
contornos, mais sutis e enganadores, que não podem talvez ser
compreendidos senão à luz do estudo empreendido pelo rabino Marvin S.
Antelman, To Eliminate the Opiate (Jerusalem, Zionist Book Club, 2 vols.,
1988 e 2002), que um dia comentarei aqui em detalhe.

Minar esses três pontos de resistência é obviamente prioritário para a


Nova Ordem Mundial. Daí fenômenos estranhos como a súbita
revivescência do cientificismo, já totalmente demolido pelos maiores
filósofos da primeira metade do século XX – Husserl, Jaspers, Lavelle,
Berdiaev, entre outros – mas facílimo de impingir a novas gerações que
não tiveram acesso universitário às obras desses pensadores ou que
foram preventivamente imunizadas contra eles por injeções maciças de
desconstrucionismo, chomskismo, multiculturalismo e outros
estupefacientes. Na esteira desse fenômeno vem o crescente
anticristianismo da mídia e do show business, cada vez mais brutal e
descarado, atuando sobretudo através do expediente orwelliano da
“reforma do vocabulário”, na qual antigos rótulos pejorativos reservados a
extremismos insanos são repentinamente ampliados para atingir a massa
inteira dos fiéis, bastando, por exemplo, um cidadão de hoje em dia ser
contrário ao aborto para receber o epíteto de “fundamentalista” ou
“fanático teocrata”. Acompanha esse cerco a escalada judicial, impondo
cada vez mais restrições à liberdade de culto, estrangulando
organizações religiosas mediante proibição de contribuições e
criminalizando a simples expressão da fé em lugares públicos. Na mesma
linha vem a súbita proliferação de pretensas obras de arte que se
notabilizam exclusivamente pela astúcia da blasfêmia proposital
destinada dessensibilizar a população mediante o truque sórdido do
escândalo repetido. Não é necessário dizer que esses empreendimentos
vêm geralmente subsidiados pelas mesmas fontes acima citadas.

A onda antiamericanista e antiisraelense, a mais vasta campanha de ódio


que já se viu no mundo, subindo no tom até a perda completa do senso
das proporções, abriu as portas da grande mídia a um tipo de jornalismo
porco que décadas atrás só se via na imprensa partidária comunista. O
desinformante profissional e o agente de influência são hoje aceitos como
modelos de jornalismo, dominando não só as redações como também os
órgãos sindicais da classe, donde exercem sobre o conjunto da profissão
um controle monopolístico que torna a censura desnecessária.

Nesse panorama, não é de espantar que ateus de velho estilo,


reencarnações de Haeckel e Renan, reapareçam brandindo os mesmos
velhos argumentos já mil vezes desmoralizados, mas agora reencorajados
em suas pretensões “científicas” pela produção editorial de lixo gnóstico e
ocultista em doses avassaladoras, sufocando a oposição pela força da
gritaria ricamente subsidiada, facilmente ecoada pelo trabalho voluntário
de uma multidão de chimpanzés no Terceiro Mundo.

Que o pretenso materialismo científico apareça tão intimamente aliado à


onda ocultista e satanista não deveria surpreender a ninguém. Hoje sabe-
se que a fonte mesma do cientificismo – a rebelião iluminista – não brotou
senão da mesma fonte gnóstica de onde nasceram o teosofismo e a Nova
Era.

Fenômenos como “O Código da Vinci” e “O Evangelho de Judas”, tão


manifestamente subsidiários da pseudo-religião mundial em preparação,
não têm nenhum significado intelectual em si mesmos e não podem ser
discutidos exceto como dados sociológicos de uma época que dá
testemunho contra a inteligência humana. Os velhos ateísmos
cientificistas que emergem das tumbas não são senão um detalhe
patético a mais na chacota geral.

Comments

comments

Você também pode gostar