RESUMO: A Imunologia na Reprodução vem sendo muito estudada e pesquisada
pois parte da premissa que o feto se comporta como um transplante no ventre materno. Ele carrega consigo células maternas e paternas o que provocaria uma rejeição vinda da mãe. O Sistema Imunológico, para a própria sobrevivência humana, possui um mecanismo denominado tolerância imunológica o que permite que o feto consiga sobreviver sem danos durante os nove meses de gestação, mas para isso várias células são recrutadas para tornar possível essa sobrevivência. Essa revisão bibliográfica mostra como funciona o Sistema imunológico durante a gravidez e nos permite ver que vários estudos estão sendo feitos para que ocorra uma diminuição nos abortos recorrentes e no problema da infertilidade e fertilização in vitro.
Palavras chave: Sistema imunológico, células T, B e NK, decídua materna, placenta
e aborto recorrente.
Introdução
O sistema imunológico é, hoje, neuropeptídios, neurotransmissores e
reconhecido como de importância vital hormônios, podem ser sintetizados por para o desencadeamento e controle de todos estes sistemas e modificar vários processos fisiológicos e determinadas funções e atividades patológicos. Ele apresenta uma íntima representativas de cada um deles. interrelação com o sistema nervoso e (SOUZA, VOLTARELLI, FERRIANI, endócrino, havendo, entre eles, vários 1997). receptores e ligantes em comum. Assim, Em 1953, Sir Peter Brian Wedewar, substâncias características de cada um nascido no Brasil, recebeu o prêmio destes sistemas, como citocinas, Nobel de medicina por estudar a fundo 4. Estado de a Imunologia dos transplantes e assim imunossupressão fisiológica da se interessar pela imunologia da gestante. (BARINI, COUTO, reprodução. Juntamente com outros KWAK-KIM, BEER, 2006) cientistas propôs quatro hipóteses para A partir daí, a imunologia da justificar a não rejeição do feto pelo reprodução é uma área dentro da organismo materno: reprodução humana que vem crescendo 1. Feto, sendo exponencialmente principalmente imunologicamente neutro; devido aos avanços nas técnicas de 2. Útero, como local laboratório. imunologicamente privilegiado; 3. Placenta, como uma barreira neutra separando a mãe e o feto;
SISTEMA IMUNE
O sistema imune consiste em 2. Memória, adquirida após
barreiras naturais, células e proteínas o primeiro contato com o circulantes que reconhecem patógenos antígeno, desencadeando de ou substâncias produzidas por infecções forma mais rápida a resposta a e iniciam as respostas que eliminam esse antígeno; esses patógenos. 3. Amplificação, repetição do contato; As características mais importantes 4. Tolerância, que fica do sistema imune são: limitada ao setor imunológico. 1. Especificidade, que O sistema imune é formado por consiste na capacidade de órgãos linfóides primários ou centrais reconhecer e reagir com (timo e medula óssea) e órgãos linfóides determinada molécula; secundários (baço, linfonodo, tecido linfóide, aparelho digestivo e aparelho um processo de seleção natural, no qual respiratório). precisam reconhecer seu ligante nas células apresentadoras de antígeno CÉLULAS DO SISTEMA IMUNE (APC). O ligante é o complexo de As células do sistema imune estão histocompatibilidade (MHC). Os distribuídas por todo o organismo, linfócitos T que reconhecerem seu sendo encontradas alojadas nos tecidos ligante continuarão no processo e os desempenhando o papel de sentinela e que não forem capazes morrerão por circulando por vasos sanguíneos e apoptose. linfáticos esperando o sinal de que o Uma segunda etapa seria a seleção organismo foi invadido. negativa, na qual os MHCs de classe I e No início do desenvolvimento do II apresentarão peptídeos próprios aos sistema imunológico, as células receptores de células T dos linfócitos. germinativas primitivas da linhagem Aqueles linfócitos TCD4 e TCD8 que dos linfócitos multiplicam-se e interagirem com alta afinidade sofrerão amadurecem em órgãos linfóides, apoptose enquanto que, aqueles que não independentes do estímulo antigênico. interagirem terminarão seu processo de maturação. Essa seleção ocorre para que Os linfócitos B durante seu processo seja possível diferenciar o próprio do de maturação ganham receptores de não-próprio. membrana e entram em contato com antígenos próprios e aqueles que Funcionalmente, os linfócitos são apresentarem alta afinidade morrerão separados em: auxiliares (helper), por apoptose e aqueles que não citotóxico e supressor. Cada um deles interagirem terminarão seu processo de possui receptores característicos. maturação e migrarão para os órgãos Entretanto, todas as células T possuem linfóides secundários. os receptores TCR e o CD3.
No timo ocorre a proliferação e O linfócito T helper possui receptor
diferenciação das células precursoras CD4 na superfície, essa célula é o em linfócitos T. Os linfócitos T mensageiro mais importante do sistema recebem receptores e moléculas, onde imune, pois envia mensagens de ataque podemos citar as moléculas CD4 e para os diversos leucócitos que realizam CD8. Por apresentarem as duas a guerra imunológica contra o agente moléculas os linfócitos T passam por agressor. O T helper é a célula que interage com os macrófagos, 3. Ativação dos reconhecendo o epítopo que lhe é macrófagos; apresentado. 4. Auto estimulação (um T helper pode estimular o A interleucina 1 estimula expansão crescimento da população de T clonal de T-helpers monoclonais que helpers.). vão secretar diversas interleucinas, sendo portanto, dividido em T helper 1 O Linfócito T citotóxico possui e T helper 2 secretando assim receptores CD8, que tem a função de interleucinas distintas cada uma com reconhecer o MHC I expressada por sua função específica. células rejeitadas (transplantes e enxertos). Esta célula T citotóxica ataca O T helper 1 produz as interleucinas diretamente as células estranhas que 2 e interferon gama que estão expressam o MHC- I e lisa a célula. A relacionadas com a resposta imune resposta imune que se baseia na celular principalmente. ativação e ataque das células CD8 é O T helper 2 produz as interleucinas denominada de resposta imune celular 4-5-6 e 10, sendo a IL-4 e a IL-10 as específica. O seu principal estimulador mais importantes por ele produzidas é a interleucina 2 (produzida pelo T- pois estão relacionadas a resposta helper 1), que causa a expansão clonal imune humoral. de linfócitos T citotóxicos monoclonais.
A função do LT helper é Linfócitos T supressores são
reguladora, portanto podemos citar linfócitos que tem a função de modular algumas funções principais: a resposta imune através da inibição da mesma. Ainda não se conhece muito a 1. Estimulação do respeito desta célula, mas sabe-se que crescimento e proliferação de T ele age através da inativação dos citotóxicos e supressores contra linfócitos T citotóxicos e helpers, o antígeno; limitando a ação deles no organismo 2. Estimulação do numa reação imune. Sabemos que o T crescimento e diferenciação dos helper ativa o T supressor que vai Linfócitos B em plasmócitos controlar a atividade destes T helpers, para produzir anticorpos contra impedindo que eles exerçam suas o antígeno; atividades excessivamente. Os T supressores também participam da ativação do sistema imune, com a chamada tolerância imunológica, que é produção de inúmeras interleucinas o mecanismo pelo qual o sistema imune indutoras. usa para impedir que os leucócitos Os linfócitos NK (natural killer) ataquem as próprias células do lisam as células tumorais ou infectadas organismo. Portanto se houver por vírus sem que estas expressem deficiência na produção ou ativação dos algum antígeno ativador da resposta linfócitos T supressores, poderá haver imune específica. Este tipo de resposta um ataque auto-imune ao organismo. é chamada de resposta imune Os linfócitos B têm como função inespecífica, pois não há principal a produção de anticorpos reconhecimento de epítopos e nem contra um determinado antígeno. formação de células monoclonais Anticorpos são proteínas denominadas específicas ou qualquer memória de gamaglobulinas ou imunoglobulinas imunológica. Esses linfócitos não que exercem várias atividades de costumam expressar receptores CD em acordo com o seu isotipo (IgG, IgM, sua superfície. O marcador mais IgA, IgE, IgD). Estes anticorpos encontrado e usado atualmente para realizam diversas funções como: detectá-los é o CD16 ou o CD56. opsonização, ativadores de IMUNOLOGIA NA REPRODUÇÃO complemento, neutralizadores de substâncias tóxicas (como as que são A imunologia na reprodução nasceu liberadas por bactérias ou por animais a partir da imunologia dos transplantes peçonhentos), aglutinação e onde se partia do princípio que o feto neutralização de bactérias. São era um transplante e se submetia a estimulados por interleucinas (IL 4 e IL rejeição. Desde o início da gravidez, o 5) e se transformam em uma célula sistema imunológico materno, através ativa denominada plasmócito que dos linfócitos T, B e células natural secreta anticorpos específicos. killer (NK), desencadeia uma resposta imune humoral e celular, produzindo Os linfócitos B expressam o MHC de imunorreguladores que determinam o classe II quando ela entra em contato futuro da gestação. com o antígeno. Essa expressão é importante, pois o MHC II reconhece o FECUNDAÇÃO TCD4 e estes irão ajudar na maior Desde o primeiro contato do tem algumas funções específicas, tais espermatozóide com a mucosa vaginal como: observam-se os primeiros sinais de 1. Expressa moléculas de resposta imune. Ocorre à comunicação HLA G e alguns antígenos do de linfócitos presentes na superfície da MHC classe I, o que confere mucosa, com outros, encontrados no uma supressão imunológica para espaço subepitelial. (SOUZA, a não rejeição do feto; VOLTARELLI, FERRIANI, 1997). 2. O trofoblasto forma uma Assim os linfócitos podem ser ativados barreira física para a maioria dos por antígenos apresentados por efetores imunológicos, exceto as macrófagos, no endométrio e Imunoglobulinas G; endocérvix e células de Langerhans na 3. Sinaliza e recruta a vagina e ectocérvix. Porém, alguns migração de vários linfócitos fatores podem contribuir para que essa para a decídua uterina, reposta local seja pequena, como a resultando em várias funções de presença de substâncias contidas no suporte de crescimento, Pois ejaculado com ação supressora. libera fatores de supressão que Por volta de seis a sete dias após a diminuem a atividade citotóxica fertilização, inicia-se o processo de dos linfócitos; implantação do embrião. A interação 4. Produz hormônios blastocisto-endométrio está, pelo menos esteróides, protéicos e uma em parte, sob controle de mediadores variedade de proteínas com ação imunológicos como as citocinas. A apoptoica, anti-inflamatória e expressão no endométrio materno, de imunossupressora que regulam a pelo menos três citocinas parece ser expressão gênica das células fundamental para a implantação: o fator trofoblásticas e uterinas; estimulador de colônias (CFS 1), o fator 5. O trofoblasto Induz a inibidor de leucemia (LIF) e a produção no organismo materno interleucina 1 (IL1). (SOUZA, de anticorpos capazes de dirigir VOLTARELLI, FERRIANI, 1997). a atividade imunológica materna contra aloantígenos paternos. O trofoblasto é uma camada de células que reveste o blastocisto e contribui para a formação da placenta e PLACENTA se caracteriza por expressar o HLA não- clássico, HLA-G. No processo de Para que haja um entendimento implantação, podem ser observados correto da gravidez é preciso conhecer a vários tipos de citotrofoblasto: da estrutura da placenta e seus vilosidade coriônica, extravilositário componentes celulares. (que migra e reside no tecido uterino O sincício trofoblasto é a membrana materno), endovascular (que altera a diretamente exposta ao sangue materno estrutura das arteríolas que nutrem a e seus efetores imunológicos. (BARINI, placenta) e intersticial (que forma o COUTO, KWAK-KIM, BEER, 2006). anmiocórion). Ele possui antígenos em sua superfície Células dendríticas são encontradas que se ligam aos anticorpos maternos a no estroma viloso da placenta e fim de camuflar o feto. apresentam os alelos HLA classe II DQ A decídua é um tecido materno que alfa. Quando os alelos DQ alfa da se presta a diversas funções biológicas mulher e do feto são os mesmos, uma nutritivas, estruturais e imunológicas resposta auto-imune se inicia e tanto a tanto quanto o próprio trofoblasto. mãe quanto o feto sofrem. (BARINI, COUTO, KWAK-KIM, BEER, 2006). Ela é um local de migração, desenvolvimento e formação funcional de grupos e subgrupos de linfócitos e células NK.
As vilosidades coriônicas são
estruturas placentárias que têm, na camada externa, o sincício trofoblasto e, na interna, o citotrofoblasto e vasos fetais. É através dessas vilosidades que ocorre a troca de nutrientes entre a mãe e o feto. (CAVALCANTE, BARINI, COUTO, BATISTA, LIEBER. 2005) O citotrofoblasto ancora a placenta à decídua e são porções terminais das vilosidades coriônicas. O citotrofoblasto CELULARIDADE NA DECÍDUA materna) e assim determinam o grau de MATERNA invasibilidade do endométrio pelo trofoblasto o que influencia o As células linfóides encontradas na desenvolvimento da gravidez desde o decídua materna nos estágios precoces princípio. Ainda de acordo com o da gravidez são compostas de células estudo feito o domínio alfa 1 da NK CD 56+ (80%); células T CD3+ molécula HLA G solúvel se liga a (10%) e macrófagos CD14+ (10%)¹ . receptores inibitórios das células NK Tem papel importante por direcionar por receptores inibitórios da morte uma reposta citotóxica Th 1 ou uma (KIRs), inibindo a atividade e evitando reposta supressiva Th 2. Durante o a rejeição do embrião. A inibição processo imunológico da gestação inadequada das células NK pode normal, é observada uma maior culminar em aborto, passando por prevalência da resposta Th2. Em problemas de nutrição responsável pacientes com história de aborto de pelos óbitos fetais e retardo de repetição ou falhas repetidas de crescimento intra-uterino e inclusive se fertilização in vitro, observa-se associar à hipertensão gestacional. tendência à resposta Th1. Portanto, a interação materno-fetal e De acordo com um estudo feito por o sucesso reprodutivo podem depender pesquisadores da Unicamp (BARINI, de um sistema de reconhecimento COUTO, RIBEIRO, LEIBER, aloimune das células NK. BATISTA, SILVA. 1998), na implantação do ovo, seria esperado que De acordo com Sofia Sarafana et al os antígenos HLA de origem paterna (2007) as citoquinas produzidas pela estimulassem o sistema imunológico mãe podem funcionar como fatores de materno. Entretanto isto não acontece crescimento placentário, limitar a pela não expressão do HLA no invasão do trofoblasto e mediar a sinciciotrofoblasto, sugerindo que este remodulação tecidual e essa regulação seja imunologicamente inerte mais com é, em parte, mediada pela apoptose importante papel de proteção. seletiva de células, um processo que não altera a estrutura normal do tecido. Algumas células do citotrofoblasto extraviloso produzem HLA G que Os linfócitos T dentro do útero interage com as células natural killer contribuem para o ambiente (NK) presentes no endométrio (decídua imunossupressivo permitindo a antinúcleo, anti-DNA, anticorpos sobrevivência do feto. anticardiolipina, fator anticoagulante lúpico e cariótipo do casal. Com isso Com o passar dos meses algumas algumas técnicas vêm sendo atividades vão diminuindo e outras implantadas, como a vacina do marido, permanecem estáveis até o nascimento. onde é coletado sangue do marido e A expressão de moléculas de HLA G, desprezada a série vermelha. A série HLA E, HLA C nas células do branca é lavada, diluída em soro trofoblasto, o controle da atividade fisiológico e injetada na mulher. A citolítica das células NK, a regulação do partir disso é feito uma prova cruzada recrutamento de leucócitos e a para saber se a mulher já reconhece o supressão da resposta Th 1 na decídua marido imunologicamente. são essenciais para o fenômeno da tolerância imunológica que ocorre entre CONCLUSÃO o feto e a mãe durante a gestação. Muitos são os estudos sobre a Um grande problema que acomete imunologia na reprodução, pois existem várias mulheres é o aborto recorrente e esclarecimentos que se fazem a infertilidade e como conseqüência o necessários em torno do complexo insucesso na fertilização in vitro. Com o funcionamento do corpo humano, avanço na tecnologia hoje já é possível contudo com as novas e emergentes fazer exames de laboratório que técnicas torna-se mais fácil atingir um apontem a incompatibilidade entre o diagnóstico precoce dos inúmeros casal e até mesmo como o Sistema problemas que podem ocorrer na imune da mulher vai se comportar gravidez, levando a uma diminuição nos durante uma gravidez. Exemplos de abortos recorrentes, infertilidade e ao exames seriam: pesquisa de fator sucesso das fertilizações in vitro.
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Artigo de Conclusão do curso de Pós Graduação em Análises Clínicas (setembro de
2006 a fevereiro de 2008). Endereço para correspondência: SQS 405 Bloco G apto. 101 Asa Sul, CEP 70239-070, BRASÍLIA – DF, e-mail: kikacmvs@yahoo.com.br