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PRIORADO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA

- humanidades -

CURSO DE APRECIAÇÃO MUSICAL

A restauração da tradição musical


Pe. Hervé de la Tour, FSSPX
Os momentos mais marcantes da nossa viagem de junho para Winona, à parte as ordenações, foram as reuniões
noturnas ao redor das fogueiras no acampamento. As famílias se reuniram para cantar e tocar canções. Os jovens gostam
das antigas baladas, que se tornaram clássicos, pois perduraram por gerações, tendo incorporado sentimentos pátrios,
familiares e religiosos. Estas canções são parte de nossa cultura: músicas irlandesas e escocesas, cantos da Guerra Civil,
canções caipiras, etc. Um dos livros musicais utilizados nos saraus traz o seguinte prefácio:

“’Só o amante canta’. Quão profundas são estas palavras de Santo Agostinho! Porque a canção é o casamento entre a
poesia e a música e, como em qualquer casamento, tem por motivo o amor. Quer se cante a Deus, ao amado, ou até à
pátria, canta-se por amor. O canto às vezes manifesta alegria, às vezes tristeza, mas sempre é uma manifestação de amor.
Quem canta vai além do comum, pois deseja expressar algo que não se poderia expressar de outro modo. Assim como o
pintor não só desenha alguma coisa, mas a pinta, o cantor não só diz algo, mas o canta.”

“Só o amante canta. Eis a razão por que o canto é tão natural para o católico. A vida católica é uma vida de amor, porque é
uma vida de sacrifício. Daí todas as culturas da Europa Católica possuírem (além do sublime canto litúrgico) sua própria
música folclórica, com belas canções e danças. Hoje, porém, não mais se canta. À medida que a cultura se torna cada vez
menos católica, a verdade descamba e, juntamente com ela, a excelência, a beleza e, é claro, a caridade. Quando o homem
se esquece de Deus, só lembra-se de si mesmo. Um homem egoísta não sabe amar, portanto, não é capaz de cantar.”

Henri Charlier foi um dos pensadores católicos proeminentes do século XX. Seus escritos sobre educação
assemelham-se muito aos de John Senior. Ambos empenharam-se na restauração da cultura católica. A educação, de
fato, foi um dos campos mais prejudicados neste século. Charlier diz o seguinte: “Existem dois tesouros para a educação
infantil: as canções folclóricas e o canto gregoriano. Estas duas fontes representam os princípios básicos da tradição
musical da humanidade”.

”O canto gregoriano é, sob certos aspectos, uma introdução mais fácil à música, porque nele as notas não têm a mesma
proporção. Além do mais, ele nos introduz ao canto dos salmos do Ofício Divino e a uma cultura profunda, acessível a
qualquer um através do missal e do breviário. O canto gregoriano, portanto, é o elo natural entre a música e aquilo que um
homem fará de mais importante em sua vida”.

“A música folclórica, por sua vez, mantém o homem numa tradição humana, familiar e nacional. É a base e o fundamento
do canto gregoriano.”

Como exemplo do que se perdeu e precisa ser restaurado, permitam-me citar A história de uma família, a
biografia do Sr. e da Sra. Martin, os pais de Santa Teresinha do Menino Jesus. Ao descrever o Sr. Martin, que foi
beatificado pela Igreja, o autor, Pe. Piat, diz:

“Gostava de recitar boa poesia (...) transmitiu a Maria e Teresa grande talento para a imitação. Ele sabia imitar entonações
e palavras do dialeto auvernês, cantos de pássaros, tambores e toques de clarim de modo tão preciso, com um ritmo e uma
expressividade tão grandes, que se tinha a impressão de estar ouvindo os sons genuínos. Acima de tudo, nutria um
verdadeiro culto pelas antigas canções folclóricas e conhecia um vasto repertório delas.”

A mais pura forma de beleza

Todos necessitam de música, não importa a idade. Mas essa necessidade aparece com mais veemência na
juventude. As crianças talvez não gostem de uma caminhada longa e cansativa, mas irão correr e dançar o dia inteiro
sem reclamar. Em verdade, a dança deve-se unir à música, e não separar-se dela. Em nossas paróquias, como a de St.
Marys ou Post Falls, as crianças aprendem as tradicionais danças folclóricas (irlandesas, mexicanas, polonesas, etc.).

Eis um conselho sobre a importância de fazer da boa música parte da vida doméstica para as crianças. Retirei-o
dos escritos de Myrtle Douglas Keener, renomado educador:
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“A educação moderna conduz a criança para longe das coisas ideais e destrói o desejo natural pela beleza. Eliminar a
beleza da educação é destruir sua própria alma. Devemos permitir que nossas crianças entrem na vida adulta sem
consideração para com a beleza, tendo perdido a verdadeira inclinação para alcançar o que há de mais profundo na
natureza?”

“O canto põe a criança em contato com a forma mais pura de beleza e satisfaz seu anseio natural por melodia e ritmo.
Mas, a fim de preservar esse anseio, os pais devem começar o trabalho em casa e não adiar o ensino desse importantíssimo
elemento à educação infantil para a escola e para uma idade em que tais desejos inatos se enfraquecem ou se perdem.”
“Como se deve conduzir este entusiasmante trabalho com nossas crianças? O primeiro passo é cantar-lhes belas canções.”

A rainha Isabela de Castela aplicou tais princípios na educação de seus filhos. Eis uma passagem da sua biografia
escrita por William Thomas Walsh:

“Gostava de ter cavaleiros que fossem bons músicos. Garcilaso de la Veja, cavaleiro que matou o gigante Yarfe ante os
muros de Granada e que depois foi enviado como embaixador a Roma, era excelente harpista. Francisco Penalosa, outro
espanhol, foi um dos músicos mais brilhantes do coro papal em que Palestrina, meio século depois, estabeleceria as
fundações da música moderna. Isabel quase não viajava sem músicos ao seu redor. Em sua capela havia mais de quarenta
cantores treinados, além de organistas e tocadores de clavecino, alaúde, viola bastarda, flauta e outros instrumentos. Ela
levava os músicos para o acampamento quando ia guerrear.”

Certa vez se disse: “Tenho pena dos americanos, pois não têm luz, não têm música em suas vidas.” Cabe a nós
restaurar a tradição dos cantos folclóricos! Pode-se começar como melodias simples no estilo Mother Goose (Mamãe
Gansa) e terminar em canções mais elaboradas. Eis o conselho dado aos pais por Maria Von Trapp:

“Logo que nascer o bebê, a mãe deve cantar para ele. Existem inúmeras canções de ninar, cantigas infantis e pequenas
orações que podem ser encontradas em livros musicais. Os pais ficarão impressionados com a rapidez com que os
pequenos irão cantarolar uma melodia. Isso conduzirá naturalmente a canto em partes, com a mãe cantando a segunda
parte e o pai, a terceira. Cantar é algo natural. Se se pudesse apenas curar aquela horrível fobia com que tanto nos
deparamos: ’não posso cantar, não tenho piano em casa!’”.

O mais belo instrumento

“O mais belo instrumento é a voz humana, que Deus deu a todos.”


“Tenho anos de experiência aqui nos Estados Unidos e sei como todos se divertem ao cantar em ‘camadas’. Eis um bom
método para consegui-lo: começa-se cantando a melodia em uníssono. Quando todos souberem a melodia suficientemente
bem para cantá-la sozinhos, divide-se o canto em duas partes; e mais a frente, em três ou quatro. Logo veremos as pessoas
cantarem essas diferentes ‘camadas’ em qualquer lugar em que estejam reunidas, quer estejam sentadas numa mesma sala
ou então limpando um jardim. Cantar em ‘camadas’ é a maneira mais natural e fácil de educar o ouvido para cantar
individualmente.”

Para concluir este artigo, trago uma citação do Pe. Schmidberger, da época em que foi Superior Geral da FSSPX:

“Neste país [Estados Unidos], é muito importante que não tenhamos apenas o ensino técnico e o de ciências naturais, mas
que tenhamos especialmente empenho musical, uma atmosfera musical. Além do estudo de línguas e história, a música é
muito importante para a formação das almas cristãs. É parte da vida interior – num nível natural, sim, mas um passo que
nos aproxima de Deus e que, portanto, contribui para a formação de verdadeiras personalidades cristãs.”
“Estejam certos de que a música é um passo importante para o renascimento da América, da América Católica. Em todo
lugar em que vive a fé, encontram-se as artes: pintura, teatro, música, literatura, desenho. As artes são importantes para
nossa vida espiritual – são sinais dela – e quanto mais intensa é a nossa fé, mais florescem as artes.”
“Que nossas famílias e escolas sejam lares em que reina a boa música, em que as crianças sejam encorajadas a cantar belas
canções, em que a cultura cristã não seja esquecida, mas transmitida!”

Termino com as inspiradoras palavras do livro musical usado no seminário:

“Que nós, peregrinos neste vale de lágrimas, encontremo-nos sempre a seguir as palavras de São Paulo, ‘cantando e
celebrando de todo o coração os louvores do Senhor’ (Ef 5, 19), até que todos nós entremos na eterna canção de louvor, na
Festa de Núpcias do reino celeste.”
PRIORADO IMACULADO CORAÇÃO DE MARIA

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Citação do Pe. de la Tour, Hervè.

Problemas da educação moderna, 2001, editora Permanência. [Nota da Permanência: O artigo é uma compilação das conferências que o Pe.

Hervé de la Tour proferiu ao corpo docente da Immacule Conception Academy, em Post Falls, Idaho, Estados Unidos, e aos padres da FSSPX

do distrito estadunidense, na reunião anual ocorrida entre 12 e 16 de fevereiro de 2001.]

Todos os grandes educadores insistem num passo menos acelerado nos estudos, a fim de dar tempo para que a
verdade se estabeleça e crie raízes na mente. A música desempenha papel importante para tornar a alma passiva,
receptiva ao estudo. Um estudante que aprende a apreciar a boa música está também refinando sua imaginação e
tornando-a instrumento afinado para o seu intelecto. É preciso que nossos alunos apreciem os grandes
compositores clássicos. Eles deveriam também conhecer o repertório de músicas folclóricas (não somente
americanas, mas escocesas, irlandesas, etc). E, é claro, devem cantar o gregoriano. O ideal é que cada um saiba tocar
um instrumento musical, mesmo que seja gaita ou flauta doce. Porém isso nem sempre é possível. No mínimo,
nossos alunos devem ser expostos à boa música. Em algumas escolas, há aulas de apreciação musical, em outras se
escuta música durante as refeições.

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