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A armadilha da auto-sabotagem

Há momentos da vida que reconhecemos que estamos prontos para dar um novo salto, para
efetivar uma mudança profunda. Nos lançamos num novo empreendimento, numa nova relação
afetiva, mudamos de cidade e até mesmo de apelido. Mas, aos poucos, nós nos pegamos
fazendo os mesmos erros de nossa “vida passada”. É como se tivéssemos dado um grande salto
para cair no mesmo buraco. Caímos em armadilhas criadas por nós mesmos. Nos auto-
sabotamos. Isso ocorre porque, apesar de querermos mudar, nosso inconsciente ainda não nos
permitiu mudar!

Em nosso íntimo, escutamos e obedecemos, sem nos darmos conta, ordens de nosso
inconsciente geradas por frases que escutamos inúmeras vezes quando ainda éramos crianças.
Toda família tem as suas. Por exemplo: “Não fale com estranhos” é uma clássica. Como a nossa
mente foi programada para não falar com estranhos, cada vez que conhecemos uma nova pessoa
nos sentimos ameaçados. Uma parte de nosso cérebro nos diz “abra-se” e a outra adverte
“cuidado”.

Num primeiro momento, o desafio em si é encorajador, por isso nos atiramos em novas
experiências e estamos dispostos a enfrentar os preconceitos. No entanto, quando surgem as
primeiras dificuldades que fazem com que nos sintamos incapazes de lidar com esse novo
empreendimento, percebemos em nós a presença desta parte inconsciente que discordava que
nos arriscássemos em mudar de atitude: “Bem que eu já sabia que falar com estranhos era
perigoso”.

Cada vez que desconfiamos de nossa capacidade de superar obstáculos, cultivamos um


sentimento de covardia interior que bloqueia nossas emoções e nos paralisa. Muitas vezes, o
medo da mudança é maior do que a força para mudar. Por isso, enquanto nos auto-iludirmos
com soluções irreais e tivermos resistência em rever nossos erros e aprender com eles,
estaremos bloqueados. Desta forma, a preguiça e o orgulho serão expressões de auto-
sabotagem, isto é, de nosso medo de mudar.
Dificilmente percebemos que nos auto-sabotamos. Nós nos auto-iludimos quando não lidamos
diretamente com nosso problema raiz.

A auto-ilusão é um jogo da mente que busca uma solução imediata para um conflito, ou seja,
um modo de se adaptar a uma situação dolorosa, porém que não represente uma mudança
ameaçadora. Por exemplo, se durante a infância absorvemos a idéia de que de ser rico é ser
invejado e assim menos amado, cada vez que tivermos a possibilidade de ampliar nosso
patrimônio nós nos sentiremos ameaçados! Então, passaremos a criar dívidas, comprando além
de nossas possibilidades, para nos sentirmos ricos, porém com os problemas já conhecidos de
ser pobres. Não é fácil perceber que a traição começa em nós mesmos, pois nem nos damos
conta de que estamos nos auto-sabotando!

Na auto-ilusão, tudo parece perfeito. Atribuímos ao tempo e aos outros a solução mágica de
nossos problemas: com o tempo a dor de uma perda passará; seu amado irá se arrepender de ter
deixado você e voltará para seus braços como se nada houvesse ocorrido. No entanto, só
quando passarmos a ter consciência de nossos erros é que não seremos mais vítimas deles!
Temos uma imagem idealizada de nós mesmos, que nos impede de sermos verdadeiros.
Produzimos muitas ilusões a partir desta idealização. Muitas vezes, dizemos o que não sentimos
de verdade. Isso ocorre porque não sentimos o que pensamos!

Muitas vezes não queremos pensar naquilo que sentimos, pois, em geral, temos dificuldade para
lidar com nossos sentimentos sem julgá-los. Sermos abertos para com nossos sentimentos
demanda sinceridade e compaixão. Reconhecer que não estamos sentindo o que deveríamos
sentir ou gostaríamos de estar sentindo é um desafio para conosco mesmos. Algumas de nossas
auto-imagens não querem ser vistas!

É nossa auto-imagem que gera sentimentos e pensamentos em nosso íntimo. Podemos nos
exercitar para identificá-la. Mas este não é um exercício fácil, pois resistimos em olhar nosso
lado sombrio. No entanto, uma coisa é certa: tudo que ignoramos sobre nossa parte sombria,
cresce silenciosamente e um dia será tão forte que não haverá como deter sua ação. Portanto, é a
nossa auto-imagem que dita nosso destino.

O mestre do budismo tibetano Tarthang Tulku, escreve em seu livro “The Self-Image” (Ed.
Crystal Mirror): “A auto-imagem não é permanente. De fato, o sentimento em si existe, no
entanto o seu poder de sustentação será totalmente perdido assim que você perder o interesse
por alimentar a auto-imagem. Nesse instante, você pode ter uma experiência inteiramente
diferente da que você julgou possível naquele estado anterior de dor. É tão fácil deixar a auto-
imagem se perpetuar, dominar toda a sua vida e criar um estado de coisas desequilibrado...
Como podemos nos envolver menos com nossa auto-imagem e nos tornar flexíveis? Somos
seres humanos, não animais, e não precisamos viver como se estivéssemos enjaulados ou em
cativeiro. No nível atual, antes de começarmos a meditar sobre a auto-imagem, não percebemos
a diferença entre nossa auto-imagem e nosso 'eu'. Não temos um portão de acesso ou ponto de
partida. Mas, se pudermos reconhecer apenas alguma pequena diferença entre a nossa auto-
imagem e nós mesmos, ou 'eu' ou 'si mesmo', poderemos ver, então, qual parte é a auto-
imagem”.

“A auto-imagem pode representar uma espécie de fixação. Ela o apanha, e você como que a
congela. Você aceita essa imagem estática, congelada, como um quadro verdadeiro e
permanente de si mesmo”, explica Peggy Lippit no capítulo sobre Auto-Imagem do livro
“Reflexões sobre a mente” organizado por seu mestre Tarthang Tuku (Ed. Cultrix).

Na próxima vez que você se pegar com frases prontas, aproveite para anotá-las! Elas revelam
sua auto-imagem e são responsáveis por seus comportamentos repetitivos de auto-sabotagem.
Ao encontrar a auto-imagem que gera sentimentos desagradáveis, temos a oportunidade de
purificá-la em vez de apenas nos sentirmos mal. O processo de autoconhecimento poderá então
se tornar um jogo divertido e curioso sobre nós mesmos!

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