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15/11/2015 Novo mundo, novos termos ­ Revista de História

Novo mundo, novos termos


As ideias de descobrimento, invenção, encontro e conquista causam
controvérsia entre os historiadores
Maria Teresa Toribio Brittes Lemos
1/9/2012

1492 mudou o mundo. Diferentes interpretações e


conceitos tentam explicar as origens e os motivos
dessa mudança. Mas cada um deles corresponde a
diferentes posições ideológicas e pontos de vista
dos estudiosos que se debruçam sobre a questão.
O que parecia claro a todos é que tamanha
transformação não podia ser atribuída apenas ao
avanço da técnica ou ser mero reflexo da
expansão comercial e marítima e da conquista de
mercados, próprias da revolução comercial que se
instalou na Europa no final da Idade Média.

Assim, após a constatação da existência de um


mundo novo, repleto de surpresas, diferenças e
similitudes, era preciso entender historicamente
aquele fato. Como classificar esse acontecimento
que abalou as formas de pensar do homem
quinhentista?

Os conceitos de “descobrimento”e “achamento”


têm o mesmo significado e se referem a algo
previamente conhecido. Assim, o descobrimento
do Novo Mundo, em 1492, não consistiu num fato
absolutamente novo, pois já se sabia que havia
terras ao ocidente da Europa e que em qualquer
momento poderiam ser encontradas. Esse conceito
difere de “descoberta”, que significa descobrir
algo desconhecido anteriormente, que não se Alegoria da conquista espanhola. (Fundação
conhecia ou se imaginava conhecer. Biblioteca Nacional)

De fato, informações sobre ilhas ou regiões


situadas no oceano ocidental eram de conhecimento dos homens da Idade Média, por meio de
mitos e relatos dos povos antigos, como o de Estrabão (64 a.C.), de Plínio, o Velho (23 d.C.) e
de Platão (428 a.C); além da mítica Atlântida, retomada pelo Pseudo‐Aristóteles (Livro das
Maravilhas) e por Diodoro da Sícilia (século I). Arqueólogos e outros pesquisadores procuram
evidências da presença na América de cartagineses, fenícios e gregos, entre outros povos.
Expedições marítimas relatavam a existência de terras a oeste da Europa, mas foi a expedição
de 1492 que confirmou a existência de um Novo Mundo.

Considerar o encontro como um fenômeno de conquista e dominação, para alguns historiadores,


é subestimar a cultura do “outro”. No entanto, considerar um encontro de civilizações também
suscita dúvidas, já que o “outro” foi pego de surpresa, vítima da complexidade tecnológica
trazida pelos europeus e dos deuses que o abandonaram diante do estrangeiro branco e barbudo,
vítima também das discórdias e fragmentações internas, dos ódios e disputas de seus pares.

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Por outro lado, considerar o acaso e aceitar que as terras foram achadas é uma forma de pensar
mecanicista e simplista. Isso porque houve muito empenho em encontrar riquezas, mapas foram
traçados, astrolábios, bússolas e toda a cartografia foram utilizados para descobrir riquezas e
engrandecer os países europeus, a Espanha e Portugal.

O conceito de “encontro” é encobridor porque se estabelece ocultando a dominação do mundo


europeu sobre o mundo do índio americano. Também não pode ser um encontro de duas culturas,
em que o mundo do outro é subjugado e excluído, onde predomina o etnocentrismo, a
superioridade da cristandade sobre as religiões indígenas e total desprezo pelos ritos, deuses,
mitos e crenças dos nativos.

No México, desde 1984, historiadores debatem o conceito de encontro e apresentaram o


conceito de “encobrimento”, por um lado, e a necessidade de desagravo ao índio, por outro.
Durante a comemoração do V Centenário do Encontro de Dois Mundos, em 1992, o historiador
Miguel Leon Portilla lançou o conceito “Encontrodeduasculturas”, e Felipe Gonzalez, durante as
festividades dos 500 anos da América, falou em festejar o descobrimento como um encontro. Era
mais uma posição política, em função da integração europeia e da abertura da Espanha à
América Latina.

Já o conceito “invenção” foi proposto por Edmundo O’Gorman, que considerou que Cristóvão
Colombo tinha certeza de ter chegado à Ásia e constatado naquelas terras algo conhecido
anteriormente, mas ainda não explorado. Por isso, chamou os habitantes de “seres asiáticos”.
Colombo morreu desconhecendo que havia encontrado um novo continente. Para o autor,
“invenção” indicava que a América não foi descoberta ou achada, mas inventada à imagem e
semelhança da Europa. Também o reconhecimento dos habitantes como ser asiático é uma
invenção que só existiu na imaginação dos grandes navegantes e contribuiu para o
desaparecimento do outro. O “índio” americano apenas deu vida a este serinventado.

O conceito de conquista é adotado como prática de dominação. Trata‐se de uma concepção


jurídico‐militar. O conquistador é o primeiro homem moderno ativo, prático, que impõe sua
individualidade violenta a outras pessoas, ao outro.

Assim, as ideias dedescobrimento, achamento, invenção e conquista dominam a historiografia


sobre as formas como o Velho e o Novo Mundo se complementaram no sistema planeta‐mundo.

Maria Teresa Toribio Brittes Lemosé uma das organizadoras de América Latina em construção:
sociedade e cultura – século XXI (Nucleas/Uerj, 2011).

Saiba Mais‐ Bibliografia

COLOMBO, Cristóvão. Diários da Descoberta da América. Porto Alegre: L&PM, 1984.

DUSSEL, Enrique. 1492 –O Encobrimento do Outro. Petrópolis: Vozes, 1993.

Gruzinski, Serge. 1480‐152 – A passagem do Século. São Paulo: Cia. das Letras, 1999.

MAHN‐LOT, Marianne. A Descoberta da América. São Paulo: Perspectiva, 1970.

SOUZA, Thiago Bastos e SEDA, Paulo. “O Encontro de Culturas: O conhecer de uma nova
realidade ou autoconhecimento”. Revista Latinidade, vol.1, nº 2. Rio de Janeiro: Nucleas/Uerj,
2009.

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VINCENT, Bernard. 1492 – Descoberta ou Invasão Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.

Filme

“1492: A conquista do paraíso”, de Ridley Scott (1992).

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