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A Crise da Modernidade e o Brasil Contemporâneo

Paulo Fernando Carneiro de Andrade

a) A Crise da Modernidade

Vivemos hoje no Brasil uma enorme crise socioambiental e cultural. Desde o início do

processo do impeachment da presidente Dilma a reorganização das forças conservadoras

no Brasil e de suas estratégias de assalto ao poder precipitaram o país em uma enorme

crise revertendo o quadro anterior onde ocorreu um processo, ainda que não suficiente,

de alargamento de direitos sociais e de mobilidade social, levando à superação das

condições extremas de fome e desamparo da parcela da população que vivia na extrema

pobreza, assim como a uma diminuição das desigualdades sociais.

Esta crise que foi provocada para que os setores mais privilegiados, juntamente com o

capital internacional, seguisse seu papel de dominação e de retomada de um modelo

econômico excludente, que mata pessoas e destrói a natureza, na linha denunciada pelo

Papa em seu Magistério. Este movimento logrou ser vitorioso na medida em que

encontrou suporte em uma crise da Cultura Moderna presente entre nós e na medida em

que os setores políticos progressistas não conseguiram manter sua conexão com os setores

populares e de classe média, perdendo Capital Político e Simbólico devido a seus erros

durante os anos de governo, mas também devido a uma incapacidade de enfrentar esta

crise da Cultura e de promover os valores sociais progressistas.

A Crise da Cultura Moderno Iluminista perpassa todo o ocidente, embora aqui

entre nós ganhe dimensões particulares. A Modernidade, enquanto cultura, tem suas
2

origens no Renascimento, quando ocorre a virada antropocêntrica e a pessoa humana é

colocada no centro do pensamento. Nesta perspectiva o filósofo italiano Pico della

Mirandola (1463-1494) publica em 1486 sua obra Discurso sobre a Dignidade do

Homem1 na qual afirma que o ser humano encontra-se colocado por Deus no centro do

mundo para que com o seu livre arbítrio possa escolher a meta de suas aspirações e viver

conforme sua opção a vida dos brutos ou a dos seres divinos. Enquanto a grandeza dos

anjos consiste em ser constituído de uma natureza imutável, ao ser humano foi dado uma

grandeza ainda maior, pois este pode com a ajuda da Graça Divina tornar-se filho de

Deus2. Para expressar isto Pico della Mirandola, faz Deus falar ao ser humano: “Não te

fizemos nem celeste, nem terreno, nem imortal, nem mortal, para que como livre,

extraordinário plasmador e escultor de si mesmo, tu possas forjar a si mesmo na forma

que terá preferido”. E afirma então: “Oh suma liberdade de Deus Pai, suma e admirável

felicidade do homem! ao qual é dado ter aquilo que deseja e ser aquilo que quiser”3.

Aqui se encontra já um dos pilares centrais da Modernidade: uma vez que “o homem é

animal de natureza variada, multiforme e inconstante”4, a ele estão abertas todas as

possibilidades de auto realização. Cabe a cada indivíduo tornar-se sujeito de seu porvir,

plasmando-se segundo a sua vontade, possuindo e sendo aquilo que deseja. Este ponto

virá a se constituir na promessa central da Modernidade: que cada sujeito possa realizar-

se segundo o seu desejo, sem obstáculos de qualquer natureza.

1
G. Pico dela Mirandola. Discurso sobre a dignidade do homem, Edições 70. Lisboa, 2006.
2
Veja-se B. Lacerda, A dignidade humana em Giovanni Pico della Mirandola em Revista Legis
Augustus (Revista Jurídica) Vol. 3, n. 1, p. 16-23, setembro 2010.
3
Pico dela Mirandola, op. cit, §5, 22; §6, 24-25.
4
Ibidem, §9, 46.
3

Nos anos seguintes a Pico della Mirandola o ciclo de navegações e a descoberta

das Américas promoveu um profundo abalo nas concepções culturais e antropológicas.

O encontro com os ameríndios trouxe uma nova questão. Até então todos os homens e

mulheres conhecidos, europeus, árabes, asiáticos e africanos eram reconhecidos como

seres humanos pelo seu enquadramento na descendência Adâmica. Isto é, eram de algum

modo reconduzidos, através da interpretação das sagradas escrituras, até os primeiros

genitores, Adão e Eva, primeiros humanos, criados diretamente por Deus. A descendência

Adâmica também justificava a universalidade do pecado original, transmitido por Adão

a todas as gerações subsequentes. Seriam os ameríndios, que não estavam enquadrados

nas narrativas da descendência adâmica, verdadeiros seres humanos, ou bestas, seres

intermediários entre os humanos e os animais irracionais? A controvérsia atravessa as

primeiras décadas após o descobrimento e subsistiu até mesmo a Bula Sublimus Dei,

promulgada pelo Papa Paulo III em 2 de junho de 1537, onde o Papa afirma que

“consideramos, no entanto, que os índios são verdadeiramente homens”. Mesmo depois

desta Declaração Pontifícia não cessou de haver quem defendesse a não plena

humanidade dos indígenas5. O encontro com os ameríndios traz um desconcerto e uma

ruptura no imaginário social quanto as representações do que é ser humano. O modo de

vida de alguns grupos indígenas como os tupis-guaranis é compreendido por uns como

sendo paradisíaco, um estado de natureza endêmico, e por outros como sendo selvagem,

diabólico6. Esta ruptura leva a novas necessidades de se buscar compreender o que é o

humano, para além das definições teológico-religiosas.

5
K. Woortmann, O selvagem e o novo mundo. Ameríndios, humanismo e escatologia, UNB,
Brasília, 2004, p.219-236. Também D. Livingstone , Adam’ ancestors: race, religion, and the politics of
human origins, Johns Hopkins Paperback Editions, Baltimore, 2011, especialmente p. 19-23.
6
Cf. K. Woortmann, op. cit, 2004. P.57-196.
4

Afirma-se a partir de então cada vez mais o valor da razão autônoma, não

religiosa, capaz de criar tecnologia e domínio sobre a natureza, como sendo a

característica humana fundamental. Nas primeiras décadas do século XVII surgem

Utopias onde a organização ideal do mundo e da sociedade é dada pela ciência e

tecnologia. Assim ocorre na obra póstuma de Francis Bacon, Nova Atlântida, publicada

pela primeira vez em 16277. Na obra de F. Bacon a organização ideal de sua sociedade

imaginária é dada por uma instituição científica, a Casa de Salomão, onde a ciência é

desenvolvida de modo secreto por um grupo de cientistas dedicados à busca incessante

do conhecimento natural e ao desenvolvimento de técnicas e dispositivos que permitam

a todos uma vida melhor. Estes depois levam seus produtos tecnológicos às cidades que

compõem uma ilha desconhecida no Oceano Pacífico. O progresso trazido pela ciência,

a abundância de bens produzidos, e a felicidade de todos daí decorrente faz com que os

aspectos da organização política das cidades desta ilha sejam praticamente

negligenciados por Bacon. É a promessa de felicidade trazida pela razão científica que

se faz aqui presente. Este processo de crença na razão autônoma como portadora de

verdade e felicidade prossegue até se chegar a Descartes, que em sua obra Discurso do

Método, publicada em 1637, elabora a formulação lapidar, “penso logo existo” que

caracterizará a Modernidade desde então8.

O racionalismo avança no iluminismo até se consolidar no século XIX em uma nova

configuração cultural que chamamos de Modernidade de matriz Iluminista que pode ser

7
Para o texto em edição brasileira veja-se F. Bacon, Novum Organum, Os Pensadores, Abril, São
Paulo, 1984; Para um estudo da obra: G. Schiavone, Introduzione em F. Bacon, Nuova Atlantide, RCS
Libri, Milão, 2015, p. I-LXXXVI. Também B. J Oliveira, Francis Bacon e a Fundamentação da Ciência
como Tecnologia, UFMG, Belo Horizonte, 2002; Pra o estudo da Nova Atlântida no contexto da história
do pensamento utópico: V. Comparato, Utopia, Il Mulino, Bolonha, 2005, p. 105-108; também L.
Mumford, Storia dell’Utopia, Donzelli Ed, Roma, 2008, p.77-79.
8
Veja-se Descartes, Discuso do Método, Os Pensadores, Abris, São Paulo, 1983, p. 46.
5

caracterizada como uma formação cultural centrada na ideia-força de que o futuro será

sempre melhor desde que homens e mulheres se deixem guiar pela razão que se auto

ilumina e razão esta que é identificada simplesmente com a razão científica. Esta Cultura

disputou no Ocidente, ao longo do século XIX a hegemonia com a Cultura Tradicional,

centrada em uma visão religiosa, na autoridade e na hierarquia social que supostamente

reproduzia na terra a Hierarquia Celeste e que propunha como ideal social a continuidade

dos costumes e a reprodução do passado imaginado. Na medida em que o progresso

técnico e a revolução social e dos costumes avançavam no século XIX esta cultura

ganhava cada vez mais legitimidade. Nela, um discurso historicamente determinado sobre

Deus, o homem e o mundo, confundia-se e identificava-se com a realidade e a totalidade

da verdade. Este acesso exclusivo à verdade reivindicado pela razão moderna acaba por

constituir-se numa perspectiva reducionista e empobrecedora, gerando uma contradição

no interior da Modernidade. De um lado, a Modernidade iluminista apresenta uma ruptura

com uma cultura baseada na autoridade e na tradição, introduzindo a crítica metódica,

gerando, assim, liberdade e a exigência de igualdade, uma vez que todo ser humano é

reconhecido como ser dotado de razão autônoma. De outro, a razão, que na Cultura

Moderna de matriz iluminista, exclui toda verdade que nela não cabe e anula as diferenças

ao reivindicar para si a universalidade, gera mecanismos novos de dominação. Mesmo

afirmando-se que todo ser humano é ser de razão, considera-se que nem todos a

desenvolvem no mesmo grau ou a usam plenamente. Nesta perspectiva alguns, devido ao

gênero (mulheres) ou etnia, ou predisposição pessoal, são inclinados a se deixarem

dominar pelas paixões, pelas emoções ou são apegados a superstições e a ignorância9.

9
Veja-se S. Best e D. Kellner, Postmodern Theory. Critical interrogations, Macmillan, London,
1994, p.181-214.
6

Desta forma, a Modernidade iluminista, embora tenha avançado significantemente em

direção a um projeto libertário, acaba por não o realizar plenamente10.

Havia também uma promessa profundamente ligada ao processo de progressiva

racionalização, compreendido como processo civilizatório que consistia na crença de que

a razão afastaria a violência e a guerra. Todos os conflitos, inclusive os conflitos

internacionais, seriam resolvidas pelo sujeito racional através de negociações e

diplomacia. A violência seria parte dos instintos animais, domados pela razão e a

civilização. De fato, por quase cem anos a Europa viu-se livre de grandes guerras ou de

grandes conflitos entre as grandes potencias civilizadas. Alguns conflitos que ocorreram

nos cem anos que antecedem a Primeira Grande Guerra, em 1914, foram não só

localizados, mas também breves, tal como ocorreu na Guerra da Criméia (1854-56)11. O

advento da Primeira Grande Guerra (19414-18) foi um duro golpe nesta convicção. Esta

Guerra foi uma guerra total, produzindo uma devastação sem precedentes pela sua

extensão e profundidade12. Nela pela primeira vez foram usadas armas modernas de

destruição como o submarino e o avião, com seus torpedos e os bombardeios aéreos. As

metralhadoras, minas e tanques de guerra tiveram também enorme papel ao ceifarem

muitas vidas. Desde esta guerra, chamada pelos europeus simplesmente de A Grande

Guerra, nunca mais o mundo conheceu um período duradouro de paz13.

10
Veja-se A. Badiou, Il século, Feltrinelli, Milano, 2006.p.25-47.
11
Veja-se E. Hobsbawn, Era dos extremos, O breve século XX, 1914-1991, Companhia das Letras,
São Paulo, 2013, p.30-31.
12
Ibidem, p. 52.
13
Ibidem, p.58.
7

A ruptura no imaginário social provocada pela Grande Guerra abre uma crise no

percurso da Cultura Moderno Iluminista verso sua hegemonia. Nos anos 20 e 30 surge

seja nos ambientes de vanguarda artística e cultural, seja no ambiente popular uma forte

crítica à razão moderna e à sua capacidade de levar homens e mulheres à felicidade14. A

afirmação do indivíduo feita a partir de uma redução do mesmo à dimensão racional havia

levado, na prática, à negação da subjetividade. A afetividade, as paixões, a mística e a

espiritualidade deveriam ser subjugadas pela razão em nome da própria felicidade

humana. A redução de toda a verdade ao racional leva a considerar tudo o que não é

racionalizável e passível de ser controlado pela razão moderna como falso ou ao menos

inferior. O processo civilizatório era então entendido como um processo de progressiva

racionalização, onde homens e mulheres se tornam cada vez mais humanos ao se

clarificarem através da crítica da razão e do controle de suas paixões15. Este controle

também ia ao encontro da necessidade de transformar homens e mulheres adequando-os

às exigências da produção industrial marcada, sobretudo, pelo ritmo mecânico da esteira

de montagem e de sua racionalidade. Este novo homem e mulher industrial eram também

convocados a sacrificar muitas vezes suas aspirações em nome do futuro, da acumulação

de capital16. Observe-se que esta demanda de sobriedade e autodisciplina colocada pela

Ordem Simbólica na Sociedade Industrial do Século XIX e início do Século XX (O

grande Outro, de que nos fala Lacan), é bem expressa na figura do operário ideal

apresentado nas tentativas de realização de Cidades-Vilas Utópicas do inglês R. Owen no

século XIX e retomada no ideário social do italiano Adriano Olivetti, em meados do

14
Ibidem, p 178-197.
15
Veja-se R. Bodei, Geometria delle passioni. Paura, speranza, felicita: filosofia e uso político.
Feltrinelli, Milano, 1992.
16
Veja-se Z. Bauman, O mal estar na pós-modernidade, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1998.
Idem, Modernidade e ambivalência, Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 1999.
8

Século XX17. As figuras de ideal de eu da Modernidade Iluminista contrastam com as

experiências vividas nos Estados Unidos e nas principais Capitais Europeias nos anos

após a primeira Grande Guerra, de modo especial na Paris dos anos 20, os chamados anos

loucos, com sua explosão de gozo e de subjetividades onde as paixões se rebelam e saem

do controle racional e o princípio enunciado por Pico della Mirandola ganha novo

significado, parecendo dar outro rumo à Modernidade: que cada um possa se auto realizar

segundo o seu desejo, sem nenhuma barreira, nem a da religião nem a da razão18.

Se esta primeira crise da Modernidade apresenta aspectos extremamente positivos

permitindo a emergência de novas sensibilidades e denunciando o quanto o domínio do

racionalismo pode ser também opressor, sem dúvida também nela já estão presentes

aspectos perturbadores como o da rejeição de critérios objetivos e da própria razão. O

historiador holandês J Huizinga escreveu em 1935 um ensaio sobre a crise da cultura nos

anos 20 e 30 intitulado Nas Sombras do Amanhã; Diagnóstico da Enfermidade Espiritual

do nosso Tempo19. Já no início de seu ensaio, J. Huizinga destaca a visão ingênua do

progresso típica dos séculos XVII e XVIII que associou uma “noção puramente

geométrica do progresso” a “um melhoramento simultaneamente qualitativo e

quantitativo”. Para J. Huizinga, “não há a mínima parcela de paradoxo na afirmação de

17
Para R. Owen, veja-se T. Paquot, A Utopia. Ensaio acerca do Ideal, Difel, Rio de Janeiro, 1999,
p. 39-44; Sobre A. Olivetti veja-se F. Ferrarotti, La concreta utopia di Adriano Olivetti, EDB, Bologna,
2013, especialmente p. 81-90
18
Veja-se aqui W. Wiser, Os anos Loucos. Paris na Década de 20, José Olympio, Rio de janeiro,
1994.
19
Esta obra foi traduzida por Manuel Vieira e publicada no Brasil em 1946: J. Huizinga, Nas
Sombras do Amanhã; Diagnóstico da Enfermidade Espiritual do nosso Tempo, Saraiva & Cia editores, São
Paulo, 1946. Atualmente existe uma nova edição, traduzida por Sérgio Marinho: J. Huizinga, Nas Sombras
do Amanhã; Diagnóstico da Enfermidade Espiritual do nosso Tempo, Caminhos, Goiânia, 2017. Usaremos
aqui nas citações a edição brasileira de 1946.
J. Huizinga foi Reitor da Universidade de Leyden e tornou-se conhecido como um dos mais
importantes historiadores da Cultura no século XX. Sua obra Homo Ludens, sobre o jogo como elemento
da Cultura, (J. Huizinga, Homo Ludens, Ed.Perspectiva, São Paulo, 2014) é considerada um dos mais
fundamentais estudos em filosofia da história.
9

que uma cultura pode soçobrar no meio de um progresso real e palpável” 20. Em outras

palavras não existe para este autor nenhuma relação direta entre a evolução da hegemonia

da cultura moderno iluminista e do progresso a ela conexo e a felicidade humana. O

progresso na esfera do pensamento científico é claro e ininterrupto, ainda que passando

por crises, mas o mesmo não se dá nas outras dimensões da cultura, e segundo J. Huizinga,

pode-se mesmo afirmar que “na verdade, há motivos suficientes para se falar duma crise

do pensamento e do conhecimento modernos, tão violenta e tão extensa no espaço e no

tempo, que dificilmente se poderá encontrar igual em qualquer época do passado nossa

conhecida”21

Alguns anos depois, quando cumpria prisão domiciliar em Steeg, perto de Arnhem,

e pouco antes de sua morte ocorrida em 1945, ainda antes do fim da Grande Guerra, este

autor retomou o tema em uma obra que foi publicada postumamente22. Nesta segunda

obra J. Huzinga vê a segunda Guerra e o Nazismo como expressão máxima da decadência

da civilização. Como havia já assinalado em sua obra anterior a ascensão do nazi-

fascismo se deveu a uma decadência da modernidade e dos valores éticos que permeavam

a sociedade. O Militarismo, o descrédito da democracia, a dissolução da vida pública são

sintomas e componentes desta decadência e regressão civilizatória que acompanham a

crise da razão23.

Nos anos que se seguem a Segunda Grande Guerra e que correspondem ao ápice do

dos anos de ouro, seja do Fordismo Capitalista, seja do Sovietismo, a Cultura Moderno-

20
J. Huizinga, Nas Sombras do Amanhã...(1946) p 44.
21
Ibidem p.52
22
Veja-se a edição italiana: J. Huizinga (a cura di Lucio Villari), Lo scempio del mondo. Bruno
Mondadori, Milão, 2004
23
Ibidem, p 69-105.
10

Iluminista reafirma-se esteira da experiência de bem estar trazida pela tecnologia e pela

ciência nos anos 50, tornando-se muito difícil colocar em dúvida o valor do pensamento

cientifico e sua promessa de felicidade. A critica à Modernidade emergirá no fim da

década de 60, nos movimento de vanguarda, na Contra Cultura Norte Americana, nos

Movimentos Terceiro Mundista, que embora surjam já na década de 50 ganham plena

cidadania na década de 60 e nos movimentos operários e estudantis na Europa em 68.

A crise de mal estar na cultura amplia-se na contemporaneidade na década de 70 e

torna-se avassaladora no final dos anos 80 com a crise do Fordismo, o colapso do Estado

de Bem Estar Social e a expansão sem limites da Sociedade de Mercado no tardo

capitalismo. A nova Ordem Simbólica instituída pelo Mercado convoca o sujeito ao gozo

sem limite levando à ruptura do imaginário social da Modernidade Iluminista ordenado

pelo ideário de parcimônia, disciplina e de sacrifício endereçado à construção do futuro

ideal. Observe-se também que as relações de mercado são relações fundamentalmente

instrumentais. O mercado neoliberal reduz os sujeitos enquanto produtores a concorrentes

que por sua vez ofertam seus produtos a outros sujeitos reduzidos a consumidores. Nesta

perspectiva, emerge também o caráter fetichista das relações de mercado que se supõem

regidas por uma lei cega, mecânica e autômata (a mão invisível do mercado), onde cada

um deve buscar, antes de tudo, seu próprio interesse e ao fazê-lo se produz um equilíbrio

que resulta em um bem maior para todos. Na medida em que o mercado se torna

omniabrangente e omnipresente através da Globalização, e que suas relações se tornam a

matriz de todas as relações sociais, se coloca a questão do enfraquecimento do laço social

e da criação prevalente de laços perversos entre os sujeitos24. Neste sentido o sujeito

24
Veja-se S. Zizek, The ticklist subject, Verso, New York, 2000.
11

contemporâneo instituído pelo mercado, submetido à demanda do gozo sem limite, é

colocado na posição do sujeito perverso e tem dificuldade de constituir laços que não

sejam instrumentais e possam sustentar uma sociedade25. As sociedades tendem a se

tornar cada vez mais desagregadas e violentas26.

Na crise da Modernidade Iluminista emerge a formação de uma nova subjetividade

onde a ideia-força27 cartesiana, “penso, logo existo”, transforma-se em “sinto logo

existo”, sendo a razão trocada pela sensação. Nega-se, nesta tendência, a possibilidade da

razão moderna levar os homens e as mulheres à felicidade. Ao se negar o valor da razão

moderna, afirma-se uma radical relativização dos valores e das ideias. Se nada tem

sentido, tudo também pode ter, e a tolerância se transforma em indiferentismo, onde não

vale a pena nenhum debate e nenhuma idéia deve ser discutida, pois os argumentos não

têm valor. Só possuem valor os sentimentos e afetos que são confundidos e identificados

com as sensações. Junto com o descrédito da razão, chega-se ao descrédito do saber e do

conhecimento científico, à perda da função social do intelectual, e ao desprestígio da

educação formal e das instituições clássicas de ensino.

Como referido anteriormente J. Huizinga já havia observado isto na Crise da

Modernidade que eclodiu no entre Guerras. Em sua obra de 1935 ele afirma algo de

incrível atualidade: “desde há muito que todos nós deixamos de viver sob a férula dum

25
Veja-se aqui M. Fleig, O desejo perverso, CMC editora, Porto Alegre, 2008. Também E. Pulcini,
L’individuo senza passione. Individualismo moderno e perdita del legame sociale. Bollati Boringhieri,
Torino, 2005.
26
Veja-se S. Zizek, Violence, Picador, New York, 2008.
27
Usamos aqui o conceito de idéi- força no sentido de significantes que servem como princípio
estruturante e suporte de uma particular formação do imaginário social. Veja-se C. Taylor, Modern Social
Imaginaries, Duke University Press, London, 2004. Idem, A Secular Age, The Belknap Press of Havard
University Press, Cambridge, 2007.
12

raciocínio tiranicamente consistente. Sabemos que nem tudo pode ser avaliado pela

razão. O próprio progresso do pensamento nos fez compreender a sua insuficiência. Uma

intuição mais rica e mais profunda do que simplesmente racional, concedeu um maior

sentido ao nosso conhecimento. Mas enquanto o sábio encontra, graças a uma

capacidade mais vasta e mais livre para ajuizar, um sentido mais profundo nas coisas da

vida, o néscio julga-se autorizado a dizer toda casta de disparates. Consequência

verdadeiramente trágica: no processo de aperceber as limitações da razão o espírito

moderno tornou-se suscetível a absurdos de que durante muito tempo estivera imune”28.

A disseminação hodierna das Fake News que mesmo sem qualquer verossimilhança são

assumidas como verdades, a negação contemporânea de princípios físicos e biológicos

cujo conhecimento constitui o patrimônio cientifico básico de nossa civilização tais como

a Teoria da Relatividade, a Teoria da Evolução, o Heliocentrismo e a afirmação de

concepções anticientíficas como o Terraplanismo, o Criacionismo, assim como o

negacionismo histórico, difundidos pelas redes sociais como verdades concorrentes com

outras verdades, e a redução de toda a ciência à mera opinião nos assombram. Os novos

meios de comunicação e de difusão das ideias tais como a Internet não criaram este

cenário, apenas ampliaram o que já ocorria na época de J. Huizinga. Se a razão gerou

dominação, não é menos verdade que “o sonho da razão produz monstros” como escreveu

Goya em uma de suas gravuras que compõe a série Los Caprichos de 1899.

Caminha-se por esta estrada rumo ao mais radical individualismo, onde a pessoa se

dobra sobre si mesma já que fora de si nada é seguro, objetivo ou não ambíguo. Na década

de 70 o escritor e jornalistas Tom Wolfe escreveu um ensaio intitulado A Década do Eu

28
J. Huizinga, Nas Sombras do Amanhã...(1946) p 68-69.
13

e o Terceiro Grande Despertar que se tornou paradigmático29. O termo Década do Eu

descreve o surgimento de uma nova atitude comum a muitos norte americanos na década

de 70 de caminharem rumo a um individualismo atomizado em claro contraste com os

valores sociais prevalentes na década de 60. Ele mostra como este novo sujeito encontra

em práticas religiosas, inclusive cristãs pentecostais, e nas novas práticas de autoajuda

uma base para esta nova atitude. O tema foi posteriormente aprofundado por Christopher

Lasch em sua obra de 1979, A Cultura do Narcisismo30. A Crise da Modernidade

Iluminista acompanhada com a realidade do tardo capitalismo onde as estruturas de

mercado tornam-se matriz de todas as relações acaba por dar lugar a uma Cultura onde

prevalentemente estruturam-se sujeitos narcísicos, fortemente autocentrados, com pouca

capacidade empática e de resiliência.

Na esfera política a exacerbação da subjetividade em detrimento da objetividade

leva em alguns casos a uma dissociação total entre esfera pública e privada com a

atribuição de valor somente a esta última e o desprestígio da política e da noção de

representatividade31. Além da baixa capacidade para formar laços sociais autênticos, um

outro aspecto trágico deste novo modo se subjetivização prevalente, a partir do final dos

anos 70, em muitos lugares é que, em última instância, a atitude indiferentista e a recusa

de buscar um sentido ou significado para a experiência e a vida humana acabam por

produzir uma degradação existencial com um empobrecimento do imaginário e uma

29
Publicado originalmente na revista New Yorker Magazine em agosto de 1976 com o título “The
“Me” Decade and the Trird Great Awakening”. Seguimos aqui a edição brasileira publicada em T. Wolfe,
Décadas Púrpura, L&PM Editores, Porto Alegre, 1989, p. 339-374 com o título A Década do Eu e o
Terceiro Grande Despertar. O ensaio havia sido publicado em parte já anteriormente em 1973 na revista
The Critic.
30
Veja-se aqui a edição italiana, La Cultura del Narcisismo,. L’individuo in fuga dal sociale in
un’età di disillusione colletive, Bompiani, Milão, 1992
31
Veja-se R. Sennett, O declínio do homem público. As tiranias da intimidade. Companhia das
Letras, São Paulo, 1999.
14

retração do desejo. Instala-se então uma contradição onde o mandato superegóico do

gozo é acolhido por um sujeito que ao buscar realizá-lo aliena o seu desejo e perde

paradoxalmente a capacidade de maravilhar-se, de entusiasmar-se, de ordenar a vida em

função de um ideal e de amar. Dito de outro modo, o sujeito se torna entorpecido e por

isso incapaz de conseguir gozar. Se anteriormente a situação de mal estar na civilização

era produzida pelos limites impostos pela instância superegóica ao gozo, na

contemporaneidade é produzida por uma instância superegóica que impõe um mandato

de gozo incapaz de ser cumprido32.

A impossibilidade de realização universal da promessa fundamental da

Modernidade de que cada um possa ser aquilo que quiser ser e ter o que quiser ter,

articulada com a injunção superegóica ao gozo sem limite impossível de ser alcançado

abre no sujeito contemporâneo um ferida narcísica que produz um sofrimento tanto maior

quanto menor for sua capacidade de resiliência e de enfrentar a falsidade de tal promessa

e a pressão superegioca. Neste contexto surgem duas possíveis reações. Se o sujeito

assume em si de modo radical a culpa por não conseguir cumprir tal injunção superegóica

e por não conseguir ser aquilo que corresponde a seu ideal do Eu, termina por cair em

uma quadro de depressão crônica muitas vezes grave que constitui na contemporaneidade

uma situação frequente33.

32
Veja-se C. Melman, O homem sem gravidade. Gozar a qualquer preço. Companhia de Freud, Rio
de Janeiro, 2008.
33
Veja-se M R Khel, O Tempo e o Cão. A atualidade das depressões, Boitempo, São Paulo, 2009,
de modo especial, p. 273-298.
15

Outra reação possível diante desta ferida narcísica encontra-se no ressentimento. A

lógica do ressentimento, como observa M R Khel34, privilegia o indivíduo em detrimento

do sujeito que assim busca sustentar uma integralidade narcísica independente do sucesso

de seus empreendimentos. Como mostrou Lacan o sujeito se constitui tendo em seu centro

uma falta fundamental, e esta falta é condição para a autonomia do mesmo e para a

vivência de relações de alteridade e a criação de laços sociais. No ressentimento a versão

imaginária da falta fundamental é interpretada como prejuízo. Alguém tira alguma coisa

dele, a falta é vivida como um impedimento e não se torna a condição de possibilidade

do próprio sujeito. O ressentido deseja vingança.

No caso brasileiro amplos setores das classes médias, ainda mergulhadas em um

imaginário escravagista, consideram que os pobres querem sempre fraudá-las e que

qualquer avanço social dos setores populares é feito em detrimento de sua situação de

classe, de seu bem estar35. Estes indivíduos ressentidos nos fazem lembrar a observação

feita por Santo Ambrósio em uma homilia sobre As vinhas de Nabot (1 Reis 21) em torno

ao ano de 395: Vocês Ricos...estimam que é uma injuria feita a vocês se o pobre possui

algo que vocês julgam digno apenas da posse de um rico. Creem que é um prejuízo

infringido a vocês tudo aquilo que pertence aos pobres36. Assim, as dificuldades que estes

setores encontram no tardo capitalismo e sua incapacidade de satisfazer ao mandato

superegoico do gozo sem limites são quase sempre vividas como uma injúria, como se

alguém estivesse tirando algo deles, impedindo-os de serem o que desejam e terem o que

34
Veja-se aqui também de M R Khel, Ressentimento, Casa do Psicólogo, São Paulo, 2015. P. 13.
Para o desenvolvimento do conceito de ressentimento em Nietzsche, veja-se F. Nietzsche, A Genealogia
da Moral, Vozes, Petrópolis, 2017. Veja-se também a importante contribuição de Max Scheler para o
ulterior desenvolvimento deste conceito em M. Scheler, O Ressentimento na Construção das Morais em
M. Scheler, Da reviravolta dos valores, Vozes, Petrópolis, 2012, p. 43-182.
35
J Souza, Subcidadania Brasileira, Leya, Rio de Janeiro, 2018, p. 153-178.
36
Veja-se o texto completo em Restituto Sierra Bravo, Doctrina Social y Economica de los Padres
de la Iglesia, COMPI, Madri, 1967. P.660-682; p.663; ML 14, 765 ss.
16

quiserem. Trata-se de encontrar o culpado contra o qual nutrem desde já sentimentos de

vingança. Neste contexto os meios de comunicação ligados às classes dominantes

encontraram um terreno fértil para criar o antipetismo militante e raivoso. Retorna a

narrativa anticomunista reativando anacronicamente um passado que parecia superado.

São eles, os petistas e todos os esquerditas e comunistas, que através da política de cotas,

da bolsa família, e de outras políticas sociais de promoção da igualdade estão tirando algo

dos que trabalham e merecem, para dar a pobres que são pobres por serem vagabundos,

preguiçosos, incapazes, a ralé. Aeroportos cheios, pobres que frequentam lugares que

deixam de ser exclusivos, que têm acesso à Universidade, tudo isto é causa de profundo

ressentimento. E os culpados estão ali, nos que governam e roubam o país, ou melhor me

roubam, para continuar no poder, pois sem isto não se explica, nesta perspectiva, como

conseguem ganhar as eleições. A perspectiva machista e misógina também entra neste

caldeirão. Estão promovendo o empoderamento das mulheres para destruir a família e a

sociedade, jogando as mulheres contra os homens. Promovem o comportamento

homossexual com o mesmo objetivo.

b) O Libertarianismo

Para além do neoliberalismo desenvolve-se no contexto hodierno a chamada escola

austríaca que cria uma interpretação da sociedade, da economia e da ética que serve

fortemente de suporte ao ressentimento. O fundador desta escola é o austríaco, radicado

nos Estados Unidos, Ludwing von Mises. Entre os principais ideólogos desta corrente de

pensamento encontram-se Hans-Hermann Hoppe e Murray Rothbard, cujo livro Ética da

Liberdade coloca claramente os fundamentos filosóficos desta escola37. Segundo

37
Para uma melhor compreensão desta corrente de pensamento veja-se: L. Von Mises, As seis lições,
Reflexões sobre o hoje e amanhã, LVM Editora, São Paulo, 2017 ; H-H Hoper, Uma Teoria do Socialismo
17

Rothbard, o direito à propriedade constitui-se como único e fundamental direito universal.

Trata-se de um direito absoluto, que se inicia com o direito à propriedade absoluta do

próprio corpo e que inclui todos os bens que possa adquirir. Deste direito fundamental

deriva um outro que é o direito absoluto de não agressão à propriedade e o direito de

defender minha propriedade através de qualquer meio, revidando qualquer ataque com os

meios necessário a tal defesa. O Estado é apontado como o grande usurpador da

propriedade. Por isto esta corrente é conhecida seja como libertarianismo seja como

anarcocapitalismo. O livre mercado é tido como sendo a única instituição ética. Qualquer

contrato entre dois indivíduos no mercado livre é considerado como sendo essencialmente

ético. Todos devem ser compreendidos como portadores dos mesmos direitos em um

mercado livre, isto é, como portadores do único direito fundamental: dispor de sua

propriedade como achar melhor, segundo seus objetivos e as estratégias adotadas para

atingi-los. Um ponto de interesse, tendo em vista a disseminação das chamadas Fake

News nas últimas eleições em diversos países, é que M. Rothbard, defende a sua

legitimidade ética em todo um capítulo de sua obra Ética da Liberdade38. Segundo este

autor para que cada indivíduo possa melhor traçar suas estratégias para atingir seus

objetivos, ele deve poder dispor de todas as informações possíveis e ninguém tem o

direito de selecionar quais informações ele deva receber, mesmo baseado em um critério

de verdadeiro e falso que busque eliminar as noticias falsas. Informação verdadeira é a

que me é útil no estabelecimento de minhas estratégias e objetivos. Trata-se de um

conceito utilitarista da verdade, que de fato elimina qualquer relação objetiva entre uma

notícia e um fato ocorrido.

e do Capitalismo, Instituto Ludwig Von Mises Brasil, São Paulo, 2013; M. Rothbard, Anatomia do Estado,
LVM, São Paulo, 2018 e M. Rothbard. A Ética da Liberdade, Instituto Ludwig Von Mises Brasil, São
Paulo, 2010.
38
M. Rothbard. A Ética da Liberdade...,p.187-195.
18

Cada indivíduo é o único responsável pelos objetivos escolhidos para si e pelas

estratégias desenvolvidas como sendo as mais adequadas para atingi-los. Se os objetivos

conduzirem a uma situação difícil ou se algo falhar nas estratégias desenvolvidas,

ninguém pode ser responsabilizado. Assim, se alguém consumir todo o seu capital para

gozar a vida na juventude e não poupar para a velhice, morrerá na miséria coerentemente

com seus objetivos e estratégias e ninguém deve ser obrigado a socorrê-lo. O mesmo se

dá se em decorrência de seu estilo de vida o indivíduo vier a adoecer. Um usuário de

tabaco, por exemplo, não deve ter nenhum socorro social se adoecer por causa deste uso.

O Estado ao cobrar impostos e oferecer saúde gratuita, aposentadoria, escola gratuita,

obriga-me à solidariedade social e cria parasitas que vivem de minha propriedade, na

medida que qualquer imposto é considerado uma forma de confisco da propriedade.

Temos aqui uma concepção do Estado Mínimo muito mais radical do que a

promulgada pelo Neoliberalismo. Nem saúde, nem educação, nem previdência, nem

segurança pública, nem justiça. O Estado é sempre ineficiente e todo imposto é uma

agressão à propriedade. Todo grupo político que chega ao poder no estado passa a usar o

Estado para se beneficiar e para permanecer indefinidamente no poder, roubando para

isto. A segurança deve estar na mão de seguranças privados contratados inclusive para

exercer a justiça criminal, o exército deve ser composto por pouco homens e a defesa

garantida por grupos mercenários especializados. A justiça civil deve ser exercida por

empresas de conciliação contratadas livremente pelas partes em litígio.

No Brasil, este pensamento é produzido e divulgado pelo Instituto Mises Brasil, onde

se destaca o economista Ubiratam Iorio, pelo Instituto Millenium, Instituto Lide,


19

Movimento Brasil Competitivo, Estudantes pela Liberdade (EPL) e Movimento Brasil

Livre entre outros. Um partido no Brasil assumiu esta ideologia como sua: o partido

Novo. O Fórum de Liberdade reúne periodicamente em Porto Alegre partidários desta

escola. Sites de noticia como o Antagonista e a revista digital Crusoé também se

constituem como importantes veículos divulgadores desta ideologia através da qual o

individuo ressentido das classes médias brasileiras aprende como nomear o autor da

injuria sofrida: o Estado Brasileiro, os Políticos profissionais que vivem do Estado, de

modo especial os de esquerda, categoria que passa a incluir todos os que de algum modo

defendem o Estado, desde os comunistas, os socialista, os Sociaisdemocratas até o

Nazismo. A Esquerda é particularmente culpada por tentar promove a justiça social,

expropriando a propriedade da classe média. Os pobres são vistos como indivíduos que

escolheram objetivos errados ou estratégias deficientes, ou por serem incapazes, ou por

serem vagabundos ou por outro vício moral, e exigem posteriormente serem socorridos.

Estes devem ser abandonados à própria sorte, arcando com as consequências de suas

escolhas. O mérito deve ser o único critério de ascensão social e ele inclui

necessariamente a escolha de bons objetivos e boas estratégias. O mais é o chamado

mimimi de perdedores, onde são incluídos afrodescendentes, mulheres, e lgbts que não

conseguem ascender socialmente e são considerados pelos ressentidos, apoiados na

ideologia libertarianista, como fracassados que exigem privilégios.

Esta ideologia conflita em sua raiz com a Doutrina Social da Igreja. Desde a

Rerum Novarum até a Laudato Si’, o Estado é compreendido com um bem, pertencendo

à ordem da criação, pois os homens foram criados para a vida social e esta exige um

princípio de autoridade que promova a harmonia e justiça no grupo. A solidariedade

social é compreendida não como caridade opcional, mas como dever de justiça e
20

constitui-se em um dos objetivos primordiais do Estado. Deve ser lembrada aqui a

afirmação de feita por Bento XVI, em conformidade com a filosofia platônica e

Agostinho: “A justiça é o objetivo e, consequentemente, também a medida intrínseca de

toda a política. A política é mais do que uma simples técnica para a definição dos

ordenamentos públicos: a sua origem e o seu objetivo estão precisamente na justiça, e

esta é de natureza ética. Assim, o Estado defronta-se inevitavelmente com a questão:

como realizar a justiça aqui e agora? Mas esta pergunta pressupõe outra mais radical:

o que é a justiça?” (DCE 28). A Justiça tem por base a Ética e também Bento XVI afirma:

"Sobre este argumento, a doutrina social da Igreja tem um contributo próprio e

específico para dar, que se funda na criação do homem « à imagem de Deus » (Gn 1,

27), um dado do qual deriva a dignidade inviolável da pessoa humana e também o valor

transcendente das normas morais naturais. Uma ética econômica que prescinda destes

dois pilares arrisca-se inevitavelmente a perder o seu cunho específico e a prestar-se a

instrumentalizações; mais concretamente, arrisca-se a aparecer em função dos sistemas

econômico-financeiros existentes, em vez de servir de correção às disfunções dos

mesmos. Além do mais, acabaria até por justificar o financiamento de projetos que não

são éticos” (CV 45). A defesa dos direitos dos pobres e das minorias é central na Doutrina

Social da Igreja e em especial no Magistério do Papa Francisco.

O ponto de partida fundamental da Escola Austríaca se encontra na afirmação do

direito absoluto à propriedade privada, como único principio e valor universalizável que

legitima inclusive qualquer forma de violência para sua defesa. Esta concepção é

radicalmente oposta à Doutrina Católica. Para a Teologia e o Magistério Social Católico

a propriedade privada nunca foi compreendida como sendo um princípio absoluto, antes
21

pelo contrário, sempre se afirmou sua subordinação ao Bem Comum. Desde a Patrística

se afirma o Princípio da Destinação Universal dos Bens segundo o qual Deus criou os

bens da terra para satisfazer a necessidade de todos os homens e mulheres. Baseado neste

princípio São Basílio Magno escreveu, no século IV, em sua famosa homilia sobre Lucas

12, 16-21 as seguintes palavras, que traduzem a doutrina comum dos Padres da Igreja:

“O que faço de errado, diz ele, guardando o que é meu? Dize-me, de que modo é teu?

Donde tiraste, tomando-o para teu sustento? É como alguém que, indo ao teatro, se

apoderasse do espetáculo e quisesse excluir os que entrassem depois, pretendendo ser só

seu aquilo que é comum a todos os que se apresentam, conforme lhes parece bem. Assim

são os ricos. Pois, apoderando-se primeiro do que é de todos, tudo tomam para si por

uma falsa ideia. Se cada um tirasse para si o que lhe é necessário e entregasse ao

indigente o que sobra, ninguém seria rico, ninguém pobre. Não saíste nu do útero e não

retornarás nu para a terra (cf. Jó 1,21)? Os bens que possuis, de onde vêm? Se dizes que

provêm do acaso, és ímpio, não reconhecendo o Criador e não dando graças ao doador.

Se, ao invés, admites que são de Deus, dize-me por que os recebeste. É talvez injusto

Deus, que nos distribui os meios de subsistência de modo desigual? Por que tu és rico e

aquele é pobre? Certamente para que tu pudesses receber a recompensa da bondade da

fiel administração e aquele pudesse conseguir o magnífico prêmio da paciência. E tu,

quando procuras abarcar tudo nos insaciáveis ventres da avareza, julgas não fazer

injustiça a ninguém, privando tanta gente do necessário? Quem é o avarento? Aquele

que não se contenta com aquilo que lhe é suficiente. Quem é o ladrão? Quem tira aquilo

que é de outro. Não és avaro? Não és ladrão, tu que fazes tua a propriedade que recebeste

para administrar? Quem espolia alguém que está vestido é tido como ladrão; e quem,

podendo fazê-lo, não reveste quem está nu merecerá outro nome? O pão que tu reténs

pertence ao faminto, o manto que guardas no armário é de quem está nu; os sapatos que
22

apodrecem em tua casa pertencem ao descalço; o dinheiro que tens enterrado é do

necessitado. Porque tantos são aqueles aos quais fazes injustiças, quantos aqueles que

poderias socorrer.39”

São Tomas de Aquino na Suma Teológica, trata da questão da propriedade dos bens

na questão LXVI, da IIa IIae. No primeiro artigo dessa questão São Tomás afirma o

princípio da Destinação dos Bens e a legitimidade da posse dos mesmos pelos homens e

mulheres para que estes possam satisfazer a necessidade de todos, citando o Salmo 8,8.

Trata-se aqui não da posse privada, mas do ato de possuir. No segundo artigo defende a

legitimidade da posse privada recorrendo apenas a um argumento de conveniência:

porque como cada um trata melhor o que é seu do que é comum, os bens destinados a

todos podem ser melhor aproveitados se cada um possui uma parte dos bens de modo

privado. Fala-se então que a propriedade privada é de Direito Natural secundário, pois

sua legitimidade está condicionada e subordinada à Destinação Universal dos Bens. Isto

é, segundo São Tomás, os bens destinados a satisfazer a necessidade de todos são melhor

aproveitados se distribuídos em forma de propriedade privada. Porém se a posse privada

se torna um obstáculo a que estes bens possam satisfazer a todos, ela não é legítima. Este

princípio levou o Papa João Paulo II a formular a famosa sentença: “É necessário

recordar mais uma vez o principio típico da doutrina social cristã: os bens deste mundo

são originariamente destinados a todos. O direito à propriedade privada é válido e

necessário, mas não anula o valor de tal principio. Sobre a propriedade, de fato, grava

«uma hipoteca social»” (SRS 42). Não há nenhuma compatibilidade possível entre os

conceitos do Libertarianismo e a Doutrina Social da Igreja.

39
Para o texto completo veja-se Restituto Sierra Bravo, Doctrina Social..., p.169-178, p. 177. M.G.,
31,261-277.
23

c) O Neopentecostalismo no Brasil

Como já referido, Tom Wolfe em seu ensaio a “Década do Eu” já havia percebido

com clareza em meados da década de 70 o papel que o cristianismo carismático iria ter

nas próximas décadas a partir da Crise da Modernidade. Neste ensaio ele escrevia: Hoje

são precisamente as religiões mais racionais, mais intelectuais, secularizadas,

modernizadas, atualizadas, pertinentes – todos os heroicos e inovadores movimentos da

Cultura Ética, Unitário e Swedenborgiano do passado recente – que estão acabadas,

arquejantes, no suspiro final. O que a Juventude Urbana quer da religião é um pouquinho

de...Aleluia!...e falar línguas...Louvar o Senhor! Precisamente isso! Nas escolas

teológicas mais prestigiadas da atualidade, católica, protestante e episcopal, o

movimento de vanguarda – a ala avançada- é o “Cristianismo

carismático”...caracterizado pelas “línguas estranhas”,visões, beatices e outras

práticas não-racionais, irracionais mesmo”40.

No Brasil, na década de 60 surgem derivadas do Pentecostalismo tradicional as

chamadas Tendas de Cura Divina, precursoras do neopentecostalismo. Neste contexto,

em 1960 Walter Robert Maclister funda a Igreja Pentecostal de Nova Vida, de onde saem

depois para fundar suas Igrejas Neopentecostais tanto Edir Macedo (Igreja Universal do

40
T. Wolfe, op cit, p.361
24

Reino de Deus, 1977) como Romildo Ribeiro Soares (Igreja Internacional da Graça de

Deus, 1980). Também são Neopentecostais as Igrejas Comunidade Sara Nossa Terra,

Renascer em Cristo, Bola de Neve, Batista da Lagoinha, entre outras41.

Os Neopentecostais cresceram vertiginosamente no campo religioso brasileiro a partir

da década de 80. Hoje, conforme os dados do Censo de 2010, em conjunto com os

Pentecostais chegam a atingir mais de 50% da população em algumas cidades. O número

de adeptos é particularmente alto no Rio de Janeiro42. Mas, para além do número de

adeptos, através de uma massiva programação nas televisões e nas rádios o que tem sido

logrado é uma grande transformação na cultura brasileira que parece substituir seu ethos

católico por um ethos neopentecostal. Esta mudança também tem sido possível graças ao

crescimento do Movimento Carismático Católico, cuja cosmovisão é muito mais próxima

do Neopentecostalismo Evangélico do que de outras expressões católicas43. Expressões

como “Só Jesus no comando”, “Deus está te dando um manto”, “Eu calcei sapatos de

fogo”, “Irmão vai soprar um vento na sua vida”, “Estou contigo neste decai”, “Deus vai

amassar vasos nesta noite”, “Dar Livramento” tornam-se comuns. Trata-se de uma nova

visão de mundo que tem em seu fundamento a Teologia do Domínio, também conhecida

como Teologia da Batalha Espiritual da qual deriva a Teologia da Prosperidade.

41
Veja-se A. Gouvêa Mendonça e P. Velasques Filho, Introdução ao Protestantismo no Brasil,
Loyola, São Paulo, 1990, p. 46-60; Também Ari Pedro Ouro, A. Corten, J-P Dozon (orgs) A Igreja
Universal do Reino de Deus. Os novos conquistadores da fé, Paulinas, São Paulo, 2003.
42
Veja-se M Bingemer e P Andrade (orgs), O Censo e as religiões no Brasil , ED Reflexão, 2014.
43
Veja-se C. Steil Renovação Carismática Católica: porta de entrada ou de saída do Catolicismo?
Uma etnografia do Grupo São José, em Porto Alegre (RS), Religião e Sociedade, v 24, n 1, 2004, p. 11-
36.
25

A Teologia da Batalha Espiritual recupera na contemporaneidade, de forma

anacrônica, antigas narrativas judaico-cristãs extrabíblicas que se encontram

particularmente em três textos apócrifos: A Vida de Adão e Eva (apócrifo do Antigo

Testamento), o Evangelho de Nicodemos (algumas vezes chamado de Atos de Pilatos) e

o Evangelho de Bartolomeu (que incorpora parte da Vida de Adão e Eva)44. Nestes textos

é narrado que após criar a Terra e ao homem, à Sua imagem e semelhança, Deus convoca

a corte celeste para prestar homenagem a Adão. Os Arcanjos Miguel, Gabriel e Uriel

prestam homenagem a Adão, mas Satanás, também um poderoso Arcanjo, se recusa fazê-

lo afirmando: “Eu fui feito de fogo e água e com anterioridade a esta criatura; eu não

adoro o barro da Terra” e então se coloca contra Deus ameaçando-o. Deus se enfurece e

abre as comportas do Céu, determinado a Miguel que expulse Satanás, o exilando na

Terra junto com os anjos que o seguiam e que também se recusaram a prestar homenagem

a Adão. Satanás, agora inimigo de Deus torna-se inimigo de Adão, causa de sua queda.

Seduz a Adão e Eva que caem na sedução e desobedecem a Deus. Deste modo o demônio

ganha domínio sobre a Terra e sobre os homens e mulheres e usa este domínio para fazê-

los sofrer. Deus, porém, envia Jesus para salvar os homens e mulheres, retirando para

aqueles que O aceitam o poder do demônio sobre eles.

No núcleo fundamental do Neopentecostalismo está esta concepção de que, desde a

Criação e a queda de Satanás, vivemos no Cosmo uma guerra, composta de muitas

batalhas tendo de um lado Deus e seus Anjos e do outro Satanás e seus Companheiros, os

anjos decaídos ou seja, os demônios. Satanás, o inimigo de Deus e dos homens e

44
Para A Vida de Adão e Eva veja-se o texto em Daniel-Rops, La Bible Apocryphe em marge de
lÁncien Testament, Cerf-Fayard, Paris, 1975 p. 215-221. Para o Evangelho de Nicodemos veja-se M
Craveri, I Vangeli Apocrifi, Einaudi, Turim, 1976, p. 299-377. Para O Evangelho de Bartolomeu veja-se
A. Santos Otero, Los Evangelios Apocrifos. Edición Critica y Bilingüe, BAC, Madri, 1983, p.530-566
26

mulheres, tem domínio sobre as nações, famílias, pessoas e usa as chamadas brechas, isto

é, atos de rebeldia à vontade de Deus feito pelos homens e mulheres, para ter poder sobre

eles e dominá-los. A Guerra um dia será vencida por Deus e seus Anjos. Deus oferece

aos homens e mulheres a possibilidade de escapar do domínio do Demônio, caso estes

tomem a decisão de se colocar ao lado de Deus nesta Guerra aceitando a salvação trazida

por Jesus. O modo de se colocar do lado de Deus é tornar-se seu sócio, renunciando a

Satanás e entregando através da Igreja seus bens a Deus45. É neste ponto que a Teologia

da Prosperidade nasce como desdobramento da Teologia do Domínio. Se através do

dízimo dou parte dos meus ganhos a Deus, este se torna meu sócio e tira o poder do

Demônio de minha vida. Sem o demônio para me prejudicar, prospero na vida. Meus

negócios correm bem e tenho sucesso na vida profissional e afetiva, obtenho saúde, etc...

Note-se que a noção de conversão é reduzida a aceitar Jesus e tornar-se sócio de Deus

através da contribuição monetária. A noção de pecado, em sentido católico, é de certo

modo diminuída, pois os atos contrários à vontade de Deus que cometo são frutos da

influência do demônio que me domina. Deus ao retirar este domínio faz com que os atos

que pratico sejam bons. A noção de moralidade é ambígua, pode-se mesmo cometer atos

ilícitos se estes forem colocados à serviço de Deus na Batalha Espiritual. Christina Vital

da Cunha publicou uma excelente etnografia da relação entre tráfico e

neopentecostalismo nas comunidades de Santa Marta e Acari no Rio de Janeiro46. Existe

hoje em Acari e em outras comunidades do Rio uma geração de traficantes evangélicos

que frequentam as Igrejas Neopentecostais, pagam dízimo e têm seu trabalho abençoado.

45
Para justificar esta posição nas Igrejas Neopentecostais são referidas de modo especial algumas
citações bíblicas Antigo e Neotestamentárias tais como: Gn 3,15; Mt 4, 1-112Cor 10,3-5;Rm 13.12-14; Is
52,7-9, Is 59,17; Efe 4,15; Ef 6,13-18.
46
C. Vital da Cunha, Oração de Traficante. Uma etnografia, Garamond, Rio de Janeiro, 2015.
27

Em sua etnografia Christina recolhe uma oração feita na época da pesquisa na rádio

comunitária de Acari, todos os dias, as 5:30 da manhã, por um traficante: “Senhor: Fazei

com que a vida torta que eu vivo sirva para ajudar as pessoas a viver uma vida melhor e

direita. Senhor: Eu te peço Senhor, que neste dia, nesta manhã, como em todos os dias,

proteja os trabalhadores que saem agora para o trabalho. Proteja as crianças que saem

para a escola. Senhor: eu te peço proteção para os líderes comunitários desta

comunidade. Que o Senhor ilumine suas cabeças e toque seus corações e os livre da

ganância e do egoísmo e olhem para o bem que busquem o melhor para nosso moradores

sofridos e pesados pelos governantes poderosos. Senhor: eu te peço proteção não para

mim, mas para meus amigos. Que os livre da morte, Senhor que eles não sejam mortos

covardemente e que não matem nenhum polícia ou inimigo que venham atacar nossa

favela. Em nome de ti, Senhor é só o que peço. Agora vamos orar uma oração que todos

conhecem e que serve para todas as religiões: Pai Nosso que estais no Céu...”47. Dentro

da perspectiva da Batalha Espiritual e de um imaginário que coloca as religiões afro-

brasileiras como demoníacas, a violência dos traficantes evangélicos tem sido usada para

atacar Centros de Umbanda e Terreiros de Candomblé, expulsando as práticas das

religiões de matriz africana do território das Comunidades. Este é um outro modo como

a organização criminosa do tráfico torna-se abençoada por participar da Batalha Espiritual

contra os demônios e seus seguidores, tirando deste modo a Comunidade do Domínio

territorial de Satanás.

O Neopentecostalismo congrega um grande número de pessoas que pertencem às

classes populares. Segundo os dados do Censo de 2010, 63,7% de seus fiéis ganham

47
Ibidem, p.381-382.
28

apenas um salário mínimo, enquanto entre os católicos este percentual é de 55,8%.

Existem hoje Igrejas neopentecostais voltadas para a classe média e até mesmo para

grupos pertencentes aos extratos econômicos superiores. A Teologia do Domínio oferece

ao seu modo também um forte suporte para o ressentimento e de certo modo sua

cosmovisão converge com a do anarcocapitalismo. O Estado é compreendido como

instituição dominada pelo demônio que o usa para prejudicar e subjulgar as pessoas. Os

políticos são instrumentos dos demônios para exercer este domínio. Quando meu filho

entra para a Universidade por meio da política de cotas vejo nisto apenas um dom, um

presente de Deus que afastou o demônio de minha vida, e não uma oportunidade gerada

por políticas públicas voltadas à redução de desigualdades, já qualquer dificuldade, como

encontrar-se desempregado, é atribuída aos políticos ladrões, instrumento de Satanás.

Desta maneira aqui também se aprende a nominar aquele que me prejudica, me injuria:

são os políticos, todos corruptos e corruptores, instrumentos de Satanás. Associam-se

inclusive perversões morais e sexuais aos políticos para demonstrar como estes estão

ligados aos demônios e são seus instrumentos. As Fake News amplamente utilizadas nas

campanhas eleitorais são aceitas como verdade a priori, pois se encaixam plenamente na

lógica narrativa mais ampla da Batalha Espiritual. Elas apenas confirmam o que já se

sabia.

A partir desta concepção se compreende a importância para um fiel neopentecostal de

se eleger homens e mulheres que sendo Pastores e pessoas da Igreja sabem lidar com os

demônios e conter seu poder. Tudo se resume à Batalha Espiritual, ao cuidado das pessoas

nesta Batalha, conforme a campanha para prefeito do Bispo Crivella no Rio de Janeiro.

A convergência desta concepção de mundo com o ideário anarcocapitalista, onde o


29

Estado é visto como intrinsicamente mau, produz alianças no Congresso entre a bancada

neopentecostal e políticos eleitos pela defesa de bandeiras libertarianistas, conforme

noticiado pela Folha de São Paulo em 7 de novembro de 2018.

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