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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Faculdade de Ciências Sociais


Departamento de História

O Descobrimento da América sob a ótica Científica e Religiosa

Carolina Gonçalves Mazzio Pereira


RA00224054
MBA/3

Moderna I - Amilcar Torrão Filho


Sumário

1. Introdução………………………………………………………………………………... 2
2. O Descobrimento e a Ciência………………………………………………………….. 2
3. O Descobrimento e a Religião…………………………………………………………. 5
4. Conclusão………………………………………………………………………………... 7
5. Bibliografia……………………………………………………………………………….. 9

1
1. Introdução
No período da Modernidade, a palavra descobrir aparece cada vez mais
frequentemente nas cartas e documentos históricos europeus. Isso se deve não
somente pelo encontro com um Novo Mundo — o continente americano — mas
também pelas descobertas científicas que possibilitaram os trajetos marítimos em
direção ao Atlântico sul e, portanto, a chegada europeia às terras distantes da
América.
No entanto, a discussão em torno do descobrimento vai além das técnicas que
os europeus desenvolveram e empregaram nas navegações do século XV. Muitos
autores, desde os contemporâneos da chegada de Colombo ao Novo Mundo até os
historiadores atuais, questionam o episódio e as noções que o envolvem. Mais
adiante, serão discutidas as formas que Cristóvão Colombo se utilizou para justificar
e legitimar a posse das terras, as quais pensou serem pertencentes às Índias, e
levar adiante o projeto de colonização.

2. O Descobrimento e a Ciência
Pedro Nunes, cosmógrafo real português, escreveu em 1537 que Portugal,
além de ter achado novas ilhas, novas terras, novos mares e novos povos, havia
encontrado um novo céu e novas estrelas. Aqui chegando, em 1500, o piloto-chefe
da expedição portuguesa, Mestre João (famoso por nomear a constelação Cruzeiro
do Sul) “não descreveu nem a terra, nem seus habitantes, mas os céus sobre sua
cabeça” (SEED, 1999, p. 144). A descoberta das terras ao sul do Equador só foi
possível pela relação que a Coroa portuguesa manteve com a ciência e,
consequentemente, pelo desenvolvimento da sua astronomia náutica.
Todo esse conhecimento deve muito aos saberes de astrônomos islâmicos e
judeus. Ao contrário dos sábios cristãos da Idade Média, os especialistas islâmicos
permitiam que outras religiões participassem de suas discussões e seus debates
científicos. Por conta disso, os judeus mantiveram proximidade com os trabalhos
astronômicos que se desenvolveram desde o início do período islâmico,
estendendo-se do século VIII até o século XIV.
Sabe-se que a Igreja Católica preservava normas demasiadamente
conservadoras quanto a difusão dos estudos, além da intolerância religiosa que ela

2
praticava, principalmente dentro do contexto das Cruzadas. Isto posto, por volta do
século XV, os muçulmanos deixam Portugal, depositando a tradição científica nas
mãos dos sábios judeus. Além disso, “os monarcas portugueses tinham um motivo
adicional para preferir os astrônomos judeus. Pelo fato de os portugueses
considerarem seu projeto como uma guerra ideológica (cruzada) contra o islamismo,
os estudiosos judeus eram provavelmente muito mais politicamente aceitáveis para
a realeza de Portugal que os islâmicos” (SEED, 1999, p. 159).
Dentro desse contexto, ainda, é importante assinalar que os primeiros
califados árabes ocuparam territórios anteriormente habitados por gregos e
romanos, cultivando os ensinamentos antigos.1 Dessa forma, árabes e judeus
tiveram contato com obras como o Quadrivium de Pitágoras, o Tetrabiblos de
Ptolomeu, além dos conhecimentos sobre matemática, trigonometria e geometria
em geral, importantes para o desenvolvimento da astrologia e dos saberes náuticos.
O conhecimento relacionado à navegação oceânica dos portugueses
aconteceu de forma gradual. o Atlântico sul apresentava desafios desde as fortes
correntezas e a falta de cartas náuticas até os ventos que prejudicavam as
navegações. Para isso, desenvolveram as caravelas e a toleta, uma tabela que
continha as distâncias a bolinar, cujo desenvolvimento dependeu dos
conhecimentos de geometria e trigonometria plana.
Junto a isso, para que atingissem o pioneirismo das navegações do oceano ao
sul, os marinheiros lusitanos precisavam descrever uma posição enquanto
navegando em alto mar, não podendo se ater às técnicas clássicas dos
exploradores terrestres. De início, tentaram utilizar a bússola, que foi ineficaz devido
a variação do norte magnético. Os pilotos, então, voltaram-se para a observação
astronômica na década de 1440.
Alguns anos mais tarde, os portugueses passaram a utilizar a latitude, ao
medir o ponto mais alto da Estrela Polar acima do horizonte. Com essa técnica
fixaram, finalmente, novas localizações pelo emprego de números e pelas
descrições celestes. O estabelecimento de latitudes, a observação de estrelas e dos

1
BARBOSA NETO, Geraldo. As ciências que os astros assinalaram: Uma abordagem
histórico-filosófica do universo de conhecimento de Abraham Zacuto (1478-1496). Novas Edições
Acadêmicas, 2017.

3
ciclos lunares demarcaram a descoberta objetiva e científica utilizada para se
localizar no meio marítimo, viabilizando outros tipos de descoberta.
Ao sul do Equador, porém, a Estrela Polar fica invisível, tornando-se inútil
utilizá-la como ponto de referência. A astronomia contida nessa técnica, porém,
seria mais uma vez a solução para a chegada ao Novo Mundo: nesse “processo,
criariam o mais importante instrumento de navegação em alto-mar dos cem anos
seguintes — o astrolábio — e também estabeleceriam pela primeira vez o globo em
sua forma moderna: um conjunto de linhas imaginárias uniformes chamadas
latitudes” (SEED, 1999, p. 157). Essa ferramenta facilitava a determinação das
constelações celestes e das horas da noite, cujo uso e fabricação consistia em uma
sofisticada ciência.
Para fazer uso do astrolábio no hemisfério sul, os portugueses precisaram
adaptá-lo, transformando-o em um instrumento diurno, fundamentado na constante
de ambos os hemisférios. Baseado no Sol e na sua posição, os marinheiros
lusitanos eram capazes de identificar a posição em relação ao hemisfério (norte/sul)
e depois calcular a localização em graus de latitude.
Um meio de demarcar a descoberta portuguesa de novas terras era por
números de latitudes, registrados em diários de bordo e transferidos para mapas.
Esse não era o único meio, porém: utilizavam um pilar de pedra ou uma cruz,
representando, de certa forma, suas ambições e interesses políticos no hemisfério
sul também como uma nação cristã. Ainda assim, os portugueses eram os únicos
que realizavam um ritual astronômico contendo um significado de certa forma
religioso, mesmo que principalmente político: navegar pelos oceanos e descobrir
novas terras utilizando-se das estrelas era uma forma de estabelecer, também, o
domínio cristão, embora a realização política e tecnológica tivessem peso maior a
essa altura.
Através de todo o conhecimento técnico e científico necessário para as
navegações que até então nenhuma nação européia tinha desenvolvido, Portugal
tentou justificar e reivindicar o monopólio comercial sobre as regiões que seriam
inacessíveis sem seus saberes. Também consideravam legítimo o direito a algum
tipo de compensação — ou seja, o monopólio sobre o comércio marítimo em
relação às novas terras — devido aos grandes gastos que obtiveram por conta do

4
desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Encontraram, obviamente, oposição
por parte das outras nações europeias.
“O conceito de um direito ao que haviam descoberto originou-se da natureza
‘laboriosa’ do esforço que os portugueses haviam feito e das ‘dificuldades da
descoberta’. Nasceu do sacrifício de vidas humanas, bem como dos custos
financeiros — ‘as vidas [de seu país] e seus tesouros’” (SEED, 1999, p.169). Ao
contrário das justificativas para tomada de posse das terras do Novo Mundo a partir
do descobrimento, em seu sentido científico contemporâneo, a palavra
descobrimento significa obter conhecimento pela primeira vez de algo anteriormente
desconhecido. Esse conceito, entre diversos outros, abre espaço para o
questionamento da ideia do aparecimento da América como resultado do seu
descobrimento e portanto do direito às terras encontradas.2

3. O Descobrimento e a Religião
Em missão patrocinada pela Espanha, envolvida com o empreendimento da
conquista, Cristóvão Colombo, ao chegar no que pensou ser as Índias, proclama
uma grande vitória, tomando posse das ilhas americanas e atribuindo-lhes nomes.
Nesse ritual — executado por homens cuja cultura leva extremamente a sério tanto
cerimônias como formalidades jurídicas3 — Colombo parece direcionar os atos
linguísticos aos nativos das ilhas, deliberadamente impedidos de entender e,
portanto, impossibilitados de opor-se a tomada de suas terras. Por que, então, teria
o explorador realizado tal ato?
Antes de responder, é importante apontar que nessa ocasião o navegador
italiano profere as palavras “não fui contradito”, ou seja, não houve oposição por
parte dos nativos, tornando-se, a partir de uma base legal e formal, legítima a posse
do território. “Ele não está preocupado com uma consciência subjetiva particular
correspondente à proclamação, mas com ausência formal de uma objeção às suas
palavras. O porquê de não existir objeção não tem maiores conseqüências; tudo o

2
O’GORMAN, Edmundo. História e crítica da idéia do descobrimento da América, In.: A invenção da
América: Reflexão a respeito da estrutura histórica do Novo Mundo e do sentido do seu devir. São
Paulo: Unesp, 1992.
3
GREENBLATT, Stephen. Maravilhosas Possessões. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n. 3,
1989.

5
que importa é que não haja objeção” (GREENBLATT, 1989, p. 46). Esse formalismo
demonstra uma completa indiferença à consciência do outro: “[...] capacita Colombo
a encenar um ritual legal que depende da possibilidade formal de contradição sem
de fato permitir semelhante contradição; ou seja, capacita-o a esvaziar a existência
dos nativos, reconhecendo ao mesmo tempo oficialmente que eles existem”
(GREENBLATT, 1989, p. 48).
“De acordo com os conceitos medievais de lei natural, territórios desabitados
tornam-se possessão de quem primeiro os descobre. Poderíamos dizer que o
formalismo de Colombo tenta tornar as novas terras desabitadas pelo esvaziamento
da categoria do outro” (GREENBLATT, 1989, p. 46).
O episódio da proclamação por parte de Colombo foi contestado por seus
contemporâneos. Oviedo, por exemplo, elogia a viagem por sua ousadia visionária,
seu uso sem precedentes de instrumentos de navegação e seu significado
geopolítico, mas entende que a pretendida descoberta é, na verdade, uma
redescoberta. Mesmo assim, "Observe-se o cuidado de Deus", declara ele, “em dar
as Índias a seus verdadeiros donos!".
“Colombo toma posse absoluta em favor da coroa espanhola a fim de fazer
uma doação absoluta; busca o ganho terreno a fim de servir a um propósito divino;
os índios devem perder tudo para receber tudo; os inocentes nativos se desfarão de
seu ouro por quinquilharias, mas receberão um tesouro muito mais precioso que o
ouro; os nativos maus (os canibais) serão escravizados para serem libertados de
sua própria bestialidade. Permitir esses paradoxos é uma antiga retórica cristã”
(GREENBLATT, 1989, p.50). O discurso do imperialismo cristão pretende juntar a
conversão de bens e a conversão espiritual. Cristóvão Colombo, homem cujos
entendimentos ainda se enquadravam em parte no imaginário medieval, ansiava
poder, status e riqueza — anseios estes que o colocava em confronto com a moral
cristã.
Colombo se contradiz, também, ao descrever os povos que encontrou na
América. Inicialmente, o explorador italiano os descreve como inofensivos e muito
maravilhosamente tímidos. Em um segundo momento, porém, são apresentados
como rebeldes — além de canibais, sendo tal prática cultural inaceitável dentro da
religião cristã. São povos que vivem nas margens, mesmo que se reconheça a

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existência de uma ordem política e social, e indicando, além de tudo, a dificuldade
de pacificá-los e contê-los.
A transparência discursiva do navegador é, portanto, uma ilusão. Quanto à
utilização da ideia do maravilhoso ou assombroso, os leitores de Colombo
esperavam pelo monstruoso nas terras do Novo Mundo, porém há surpresa na
timidez humana. “Colombo não usa o discurso do maravilhoso para criar uma
amnésia momentânea sobre suas ações; ele induz uma amnésia momentânea
sobre suas ações para criar o discurso do maravilhoso” (GREENBLATT, 1989, p.
52). Ele se utiliza desse discurso para legitimar o ato legal, e o faz, entre outras
coisas, através do batismo — quando dá nome às ilhas do Novo Mundo: do ritual
legal, através da experiência do maravilhoso, ao entendimento místico e ao poder
apropriativo da atribuição de nomes. A reivindicação da possessão fundamenta-se
no poder do assombro.

4. Conclusão
O descobrimento do Novo Mundo se deu pelo desenvolvimento de novas
técnicas e ciências, abrindo, além de tudo, as portas para a Modernidade. Esses
conhecimentos traçaram o caminho que a Europa percorreu, junto à Igreja Católica
e os anseios por riqueza e poder, em direção ao propósito da colonização. A
concepção de mapas, por exemplo, criava cada vez mais uma nova dimensão de
mundo, na qual a Europa se localizava no centro dele, estando no comando, como a
cultura civilizada, superior às outras e a qual deveria ser seguida pelos povos
encontrados nos demais continentes.4
Dentro dessa concepção, entende-se o descobrimento como o encobrimento e
o esvaziamento da existência do outro: uma indiferença à consciência dos povos
encontrados aqui, que impedidos de entender os rituais europeus de posse, não
seriam legalmente (dentro, novamente, de uma noção europeia de legalidade)
capazes de se opor e validando, aos olhos do colonizador, a posse do outro. A ideia
de um descobrimento por si só é meramente uma interpretação que se utilizou da

4
O’GORMAN, Edmundo. História e crítica da idéia do descobrimento da América, In.: A invenção da
América: Reflexão a respeito da estrutura histórica do Novo Mundo e do sentido do seu devir. São
Paulo: Unesp, 1992.

7
ciência e da religião para legitimar a posse das terras do Novo Mundo. Esse ponto
de vista se trata, pois, de uma opinião recebida e simplesmente recolhida e repetida.

8
Bibliografia

SEED, Patrícia. “Novo céu, novas estrelas”: As ciências dos árabes e judeus, a
marinha portuguesa, e a descoberta da América, In.: Cerimônias de posse na
conquista européia do Novo Mundo (1494-1640). São Paulo: Unesp, 1999, pp.
143-207.

BARBOSA NETO, Geraldo. As ciências que os astros assinalaram: Uma abordagem


histórico-filosófica do universo de conhecimento de Abraham Zacuto (1478-1496).
Novas Edições Acadêmicas, 2017, pp. 18-60.

GREENBLATT, Stephen. Maravilhosas Possessões. Estudos Históricos, Rio de


Janeiro, vol. 2, n. 3, 1989, pp. 43-62.

O’GORMAN, Edmundo. História e crítica da idéia do descobrimento da América, In.:


A invenção da América: Reflexão a respeito da estrutura histórica do Novo Mundo e
do sentido do seu devir. São Paulo: Unesp, 1992. pp. 25-68.

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