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jornal.usp.br/cultura/a-maquina-de-escrever-entre-a-arte-e-a-burocracia/
26 de outubro de 2018
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Houve um tempo de sentidos à flor da pele. Um território barulhento, tomado por tal
magnitude de ruídos que as vozes se elevavam nas redações dos jornais tomadas pelas
brumas da nicotina. Um mundo tátil, no qual cada palavra cobrava dos dedos seu quinhão
de energia e vontade de existência. Um universo linear e testemunhado, com os percalços
da criação registrados em erros, rascunhos e lápis. Uma realidade material, fundida em
metal, papel e tinta, preenchendo baús e gavetas com cápsulas do tempo regularmente
lançadas ao encontro das saudades e nostalgias.
As cinzas dessa época ganham a paisagem mais uma vez no Museu de Arte
Contemporânea (MAC) da USP, com a exposição Ecos Mecânicos
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Jornal Dobrabil, de Glauco Mattoso (1977/81) –
Foto: Divulgação
Com curadoria de Cristina Freire, docente do MAC, a mostra, que começa neste sábado, dia
27 de outubro, entrelaça duas abordagens, histórica e artística. Na primeira, a trajetória da
máquina de escrever é delineada a partir de exemplares e documentos de coleções do
Museu Paulista (MP) e do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), ambos pertencentes à USP.
Para Cristina, a máquina de escrever, com seu anacronismo tátil e mecânico, convoca um
passado próximo que destoa do mundo digital. “Como uma espécie de tipografia padrão, a
máquina de escrever funcionou, até há algumas décadas, como uma prensa portátil e
acessível, capaz de associar a escrita, a fala e a publicação”, comenta.
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rastro. Se quer registrar, deve grifar duas vezes.”
Extrativismo cognitivo
Dos personagens que bateram seus nomes na história das máquinas, a exposição destaca
João Francisco de Azevedo (1814-1880), padre paraibano criador de um dos primeiros
modelos de máquina de escrever. “O que me chamou a atenção em sua história é que eu
jamais havia ouvido falar desse nome”, relata a curadora.
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Na visão da curadora, o caso do padre Azevedo é ilustrativo de um fenômeno mais
abrangente. “É um tipo de extrativismo que observamos nos países periféricos, sem
condições de tornar públicas suas invenções, que não conseguem extroverter suas
possibilidades intelectuais e acabam sendo usurpados, o que chamo de extrativismo
cognitivo.”
A arte da máquina
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A maior parte das obras pertence ao acervo do próprio MAC, mas há itens vindos de
coleções particulares. Segundo Cristina, a exposição conta com arquivos de Décio Pignatari
e Haroldo de Campos e o próprio Augusto de Campos também enviou trabalhos. Houve
ainda convite a artistas jovens, que trabalham com a máquina de escrever em múltiplas
linguagens, como a performance, vídeo e desenho. Pensando nos nostálgicos e na geração
pós-rumor das teclas, máquinas de escrever foram disponibilizadas pela área da mostra
para contatos imediatos de quinto grau.
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Os Telefonemas, de Mira Schendel (1974) –
Foto: Divulgação
“Os poetas concretos, desde meados dos anos 1950, tiveram com a máquina de escrever
uma parceria de plano e projeto, distante do artesanal. O espaçamento padrão e o branco
da página funcionaram como elementos gráficos-estruturais”, pontua a curadora. “Com
máquinas de escrever, muitos artistas contemporâneos realizaram trabalhos em processos
intermídia, resultando em poesia visual, incluindo cartas-poemas, poemas concretos,
datiloscritos e datiloarte.”
Cristina destaca também o papel da máquina de escrever nas publicações marginais dos
anos 1970, como em Jornal Dobrabil, de Glauco Mattoso, que integra a exposição. Ou
mesmo como instrumento musical, caso da peça A Máquina de Escrever, do compositor
estadunidense Leroy Anderson, executada pela Filarmônica de Minas Gerais, na qual a
máquina se torna instrumento percussivo e ganha protagonismo como solista da orquestra.
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Perfomances de escrever
Duas performances estão programadas para a abertura da exposição, neste sábado, dia 27,
às 11 horas. Performance de Uma Pessoa Escrita, de Tatiana Schunck, usa uma máquina
de escrever para registrar o contato com o público e a experiência do encontro com
desconhecidos. Já 43 Estudiantes de Ayotzinapa, de Javier del Olmo, é a datilografia ao
vivo de um dos 43 rostos de estudantes secundaristas desaparecidos pelas forças policiais
mexicanas em 2014.
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43 estudiantes de Ayotzinapa, de Javier del Olmo (sem data) – Foto: Divulgação
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Carta ao Pai, de Élida Tessler (2015) – Foto: Divulgação
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Profilograma dp, de Augusto de Campos (1987) – Foto: Divulgação
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