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Módulo 1 - Introdução

1 - Artes Visuais: um campo em expansão

Neste momento inicial vamos nos deter em uma breve análise


que o ajudará a identificar o campo de pesquisa e trabalho sobre o
qual pretendemos nos debruçar ao longo do curso. Esse campo
abrange o universo de transformações processadas na produção
visual dos últimos 150 anos, que se constitui a partir das novas
condições – econômicas, sociais, culturais – que a expansão da
Revolução Industrial, no século XIX, trouxe à vida na Europa e nas
Américas. Novos meios de trabalho, diversão e consumo, novas
exigências de moradia e circulação, novos hábitos, necessidades e
maneiras de sentir e compreender a existência humana: surgem,
afinal, novas condições de experiência e produção estética. O foco de
nosso interesse está, justamente, nas profundas mudanças que
desde então passam a ocorrer nas artes visuais, que incluem as artes
plásticas em suas linguagens mais tradicionais, como a pintura e a
escultura, e as novas linguagens decorrentes dos meios de
reprodução mecânica, como a fotografia, o cinema, o design e a
moda. Leia este texto com atenção, pois nele delimitamos as
questões e motivações que nos acompanharão em todo o nosso
percurso de estudos.
Para começar, lembremos que há aproximadamente 150 anos,
em meados do século XIX, tanto a produção de pintura, escultura e
arquitetura quanto a produção dos mais variados objetos nas
chamadas “artes aplicadas” eram baseadas em modelos e estilos
provenientes do passado, como o clássico, o gótico e o barroco.
Exemplos disso eram a prevalência do neoclassicismo na pintura e do
ecletismo nos objetos utilitários. Ambos demonstram quanto o gosto
europeu era dominado pelos ideais estéticos que há muitos anos
vinham sendo difundidos nas Academias de Belas-Artes, instituições
onde o ensino da pintura obedecia a regras clássicas, por isso ditas
“acadêmicas”, e onde se perpetuavam os padrões formais do
passado, que eram copiados e muitas vezes misturados entre si na
confecção de objetos, por isso considerados “ecléticos”. Havia,
portanto, um horizonte estético comum a essas diferentes atividades
que, sob um ponto de vista mais genérico, ainda pertenciam ou
faziam referência a uma mesma tradição artesanal, marcada pela
habilidade técnica manual do artista ou artesão.
O questionamento desses modelos e padrões coincide, não por
acaso, com o desenvolvimento dos meios de reprodução mecânica no
século XIX, que vieram a afetar toda a esfera da produção e do
consumo humanos, substituindo o fazer manual, lento e em pequena
escala, pelo fazer a máquina, rápido e em larga escala. Do mesmo
modo que o início da pesquisa moderna em pintura, a partir do
Impressionismo, pode ser relacionado ao advento da fotografia,
podemos associar o surgimento de uma concepção moderna de
design à crescente hegemonia da indústria sobre a manufatura. A
invenção da fotografia trouxe um novo problema à pintura, o de
redefinir a função específica de sua imagem: se a máquina fotográfica
produz as imagens mais verossímeis, então o valor de um pintor já
não dependeria de seu virtuosismo acadêmico, mas sim de seu
empenho em investigar os processos da percepção e a função
estruturante da cor, aspectos que diferenciavam a sua atividade da
atividade do fotógrafo. Por sua vez, a industrialização trouxe a
necessidade de uma adequação formal dos produtos aos materiais e
processos da fabricação seriada, que levou à recusa da ornamentação
excessiva do ecletismo, sugestiva de um tipo de acabamento
artesanal incompatível com o sistema industrial. A linguagem do
design moderno foi definida a partir dessa recusa, em busca da
racionalização estrutural e da simplicidade das formas geométricas,
mais favoráveis à padronização e à produção em massa.
Seguindo o mesmo raciocínio sobre o impacto dos meios de
reprodução mecânica na visualidade da segunda metade do século
XIX, poderíamos considerar ainda as conseqüências da invenção do
cinema que, como a fotografia, determinou profundas transformações
na psicologia da visão humana e no próprio sentido do que seriam, ou
não, imagens realistas. A formação de uma “indústria
cinematográfica”, tanto quanto a formação de uma “indústria gráfica”
e de uma “indústria da moda”, revelam a dimensão que o modo de
produção industrial alcançou no século XX, imprimindo a sua lógica e
o seu ritmo à cultura em geral – daí também podermos falar em uma
“indústria cultural”. Eis, em breves traços, a situação de amplas
mudanças em que se estabelecem as linguagens modernas da
fotografia, do cinema, do design, da moda e da arte. Vejamos, então,
com mais calma alguns casos específicos das relações entre essas
atividades, que nos permitirão apreender melhor o contexto a que se
referem, suas novas condições de experiência e de significação.
Tais relações põem em jogo dois pontos de vista, o da
produção de artistas e o da produção de fotógrafos, cineastas,
designers, estilistas e figurinistas. Nos últimos 150 anos, porém, o
diálogo entre esses pontos de vista foi tão intenso que às vezes
tornou-se difícil distingui-los. A própria arte do período foi se
constituindo com a expansão de sua atividade para as novas técnicas
e linguagens. Entende-se o interesse imediato dos artistas modernos
pelos meios da fotografia, do cinema e da produção seriada de
objetos ou impressos: estes eram, por definição, os meios dos novos
tempos, característicos de uma época definida pela reprodutibilidade
mecânica, pela transformação das cidades em metrópoles industriais,
pelo consumo e pelo entretenimento em massa, enfim, pela
experiência do anonimato e da massificação social. Logo, esses meios
significavam uma direção diferente daquela apontada pelo sistema
tradicional das belas-artes e do artesanato, e eram mais próximos ao
dinamismo da vida urbana. Ao mesmo tempo, à medida que os novos
recursos técnicos se organizavam como novas linguagens visuais,
seus criadores buscavam nas artes plásticas algumas referências
fundamentais para a definição de seu próprio valor enquanto
atividades de ordem estética, recorrendo, de modo geral, à produção
artística mais “à frente” de seu tempo.
São notórias, por exemplo, as relações entre os cartazes
publicitários da virada do século XIX para o século XX e algumas
questões artísticas da época. A presença desses impressos pelas ruas
das grandes cidades, continuamente fixados e logo substituídos,
correspondia a novas condições de sociabilidade, consumo e
apreciação estética, diferentes daquelas ligadas às formas e técnicas
acadêmicas. Como linguagem visual tipicamente urbana, de
informações sintéticas, forte apelo cromático e reduzido conteúdo
verbal, os cartazes foram criados para um tipo de sensibilidade
dispersa no ritmo cada vez mais acelerado do cotidiano. É possível
identificar a sua proximidade com a pintura impressionista e pós-
impressionista, de pinceladas rápidas, sensíveis aos estados efêmeros
da luz e à beleza fugaz das situações e dos habitantes urbanos.
Cenas da vida pública, parisienses nos cafés e nos parques, o teatro
de variedades e a vida noturna dos cabarés eram motivos para essas
pinturas e cartazes, porém temas inaceitáveis na tradição das belas-
artes. O caso mais exemplar é o do pintor e cartazista Henri de
Toulouse-Lautrec, cujos traços flexíveis e insinuantes traduziram a
linguagem gráfica em linguagem pictórica.
Também são ricos os diálogos que podemos traçar a partir dos
célebres estudos fotográficos que Étienne-Jules Marey realizou no
final do século XIX, conhecidos como cronofotografias. São trabalhos
dedicados à análise do movimento, fascinados com a nova
capacidade humana de deter e decompor a sensação visual de um
corpo veloz, que recentemente se tornara possível graças à invenção
da câmera fotográfica. Esses trabalhos influenciaram toda uma
geração de artistas. O espaço plástico da cronofotografia mostrou-se
muito mais flexível e vibrante do que o espaço pictórico tradicional. O
facetamento das figuras de Marey não só pode remeter-nos às
pesquisas cubistas e futuristas como também, sem dúvida, está na
gênese do cinema: traz a idéia de que uma superfície plana pode
conjugar diferentes visões de um mesmo objeto, sejam visões
simultâneas, no caso da tela cubista, sejam visões sucessivas, no
caso da tela cinematográfica. Levando ainda mais além esse paralelo
entre o desenvolvimento do cubismo e o desenvolvimento do cinema,
podemos notar que ambos dependeram fundamentalmente da criação
de um mesmo tipo de recurso lingüístico, a colagem e a montagem,
que são procedimentos correlatos. Eles têm em comum a produção
de unidades a partir da justaposição de elementos descontínuos,
como os instrumentos musicais feitos de papéis colados por Pablo
Picasso e a articulação narrativa de um filme pela montagem de
planos cinematográficos, tal como teorizou Serguei Eisenstein.
As diversas tendências genericamente chamadas de
vanguardas históricas constituíram um momento muito fértil das
relações interdisciplinares no campo da visualidade, sobretudo no
período entre a primeira e a segunda guerras mundiais. A superação
de limites técnicos e formais no interior de cada atividade e entre as
diferentes atividades foi uma característica das vanguardas: pintura,
escultura, literatura, música, figurino, teatro, cinema, fotografia,
design e arquitetura foram questionados e interligados. Como
momento de radical experimentalismo, as vanguardas foram cruciais
na abertura de possibilidades para a criação visual no século XX,
inclusive para a área específica de cada uma das atividades aqui
mencionadas. Testando as fronteiras da linguagem cinematográfica,
vanguardistas como Eisenstein, Dziga Vertov, Man Ray e Luis Buñuel
ajudaram a fundar o cinema moderno. Testando as fronteiras da
linguagem fotográfica, Anton Bragaglia, Raoul Hausmann e Alexander
Rodchenko também fundaram a fotografia moderna, e assim por
diante – poderíamos dizer o mesmo de Tommaso Marinetti e Tristan
Tzara na literatura, de El Lissitzky e Herbert Bayer no design, de
Kasimir Malevich e Liubov Popova no figurino. Observe-se, ainda, que
muitos dos citados não se restringiram a um único tipo de atividade,
mas transitaram entre vários.
No contexto das vanguardas e sob sua forte influência, a
Bauhaus desenvolveu o seu projeto pedagógico. A escola alemã, que
também existiu no período entre as duas grandes guerras, foi outro
caso exemplar de trocas entre diferentes áreas. Sua concepção de
ensino englobava arte, design gráfico, design de produto, design
têxtil, fotografia, arquitetura e teatro em um processo de
aprendizagem multifacetado, que teve entre seus mestres figuras
relevantes como o pintor Wassily Kandinsky e o arquiteto Walter
Gropius. Intimamente conectada às questões e tendências de seu
tempo, a Bauhaus foi um importante agente da estética
construtivista, processando influências do construtivismo russo e do
neoplasticismo holandês. O vocabulário plástico da geometria e das
cores primárias, que no âmbito desses movimentos artísticos
correspondia à base de uma linguagem-padrão de alcance universal,
marcou muitos projetos da escola: está no design de cadeiras,
luminárias e cartazes, em pinturas e fotogramas, em cenários e
figurinos criados por alunos e professores. As obras de László Moholy-
Nagy são significativas sob esse aspecto. Esse artista de interesses
diversificados dirigiu o curso introdutório e a oficina de metal da
escola, onde desenvolveu um ensino marcado pela ênfase na
abstração e no racionalismo construtivo. Moholy-Nagy praticou
diferentes atividades, mas são especialmente relevantes as suas
fotografias e esculturas, que aproximam a arte do universo mecânico
com formas geometrizadas, orientadas à lógica da padronização
visual. Um tipo de associação que permitia o vínculo entre geometria
e processo industrial, muito comum tanto na Bauhaus quanto em
outras produções vanguardistas, a exemplo das obras do pintor
cubista Fernand Léger.
No período posterior à segunda guerra mundial, podemos
destacar o surgimento de uma visualidade envolvida com a
consolidação da indústria cultural, que ocorrera baseada sobretudo na
expansão dos mass media e nos mecanismos inerentes à sociedade
do consumo e do espetáculo. Referimo-nos ao advento da pop art e à
trama de relações que a partir dela podemos sugerir. A própria obra
de Andy Warhol já nasceu de um diálogo produtivo com o mundo das
imagens reproduzidas e distribuídas em larga escala, mundo que
inclui o cinema, os cartazes e revistas com fotografias de
celebridades, os anúncios publicitários, os jornais e a televisão. Suas
serigrafias de imagens banais repetidas em série, como garrafas de
coca-cola, latas de sopa ou retratos de artistas famosos, constituem
uma visão um tanto amarga e cética da sociedade americana, cujo
ideal de vida teria se reduzido ao prazer superficial do consumo.
Outros artistas contemporâneos de Warhol trabalharam com a
estrutura da repetição e da apropriação de produtos industriais, como
vemos nas “acumulações” de Arman e nas instalações minimalistas,
onde séries de materiais anônimos, como as caixas de Donald Judd
ou os tijolos refratários de Carl Andre, também falam de um
ambiente cultural massificado. Ou, ainda, se nos aproximamos da
moda, é possível ver essa mesma estrutura nas roupas criadas por
Paco Rabanne, construídas a partir de vários elementos iguais, unidos
lado a lado. Entre outras coisas, Rabanne lançou mão de placas de
metal e plástico, trazendo para o vestuário um vocabulário de formas
e materiais semelhantes aos que podiam ser vistos na arte e no
design da época.
O termo “pop” alcançou, para além da esfera artística, um
significado mais amplo no contexto da cultura de massa. Estaria
associado à atmosfera juvenil, às tendências descartáveis na música
e na moda. Assim, surgiu na década de 1960 o que se pode chamar
de pop design, um tipo de produção que lidava diretamente com as
novas condições contemporâneas de experiência e consumo. Muitas
vezes carregados de sentido irônico e certo artificialismo proposital,
bem à maneira da pop art, os produtos pop eram concebidos como
objetos coloridos, às vezes divertidos e quase sempre pouco
duráveis, confeccionados com materiais baratos como o plástico. Os
móveis criados por Gaetano Pesce mostram essa questão e nos
permitem perceber o seu viés crítico: neles está implícito um
questionamento do que seriam os valores, conquistas e fracassos do
design de matriz bauhausiana, que havia disseminado uma estética
funcional do produto. Os móveis pop rejeitaram a austeridade e o
racionalismo do design modernista e procuraram resgatar a dimensão
simbólica e lúdica do consumo de objetos. Por isso, eles foram
precursores da produção de alguns grupos surgidos nas décadas
seguintes, como o Studio Alchimia, que teve em Alessandro Mendini
um de seus principais expoentes, e o grupo Memphis, genericamente
associados ao que seria uma tendência pós-modernista no design.
Toda a produção visual contemporânea tem sido marcada por
influências e diálogos entre essas diferentes atividades. Muitas das
manifestações artísticas mais recentes, como a land art, a arte
conceitual, a performance e a videoarte, têm produzido e propagado
as suas obras nas linguagens da fotografia e do vídeo. Na medida em
que estes tornaram-se os meios dominantes de registro e difusão
visual na sociedade – portanto, na medida em que são determinantes
na experiência estética que a atualidade nos proporciona –, a
fotografia e o vídeo tornaram-se meios característicos da arte
contemporânea, mais freqüentes, inclusive, que os meios da pintura
e da escultura. E é claro que o crescente desenvolvimento de
recursos eletrônicos, com a computação e a Internet, dará
continuidade à transformação ininterrupta das linguagens artísticas,
do mesmo modo que a expansão das novas tecnologias nas áreas
específicas do design, da moda, do figurino, do cinema e da fotografia
irá também colaborar para aproximações à arte. Tal como se sugere
hoje, o futuro das artes visuais passará pelo crescente cruzamento e
pela superposição de meios.
O estudo combinado de diversas linguagens visuais é, nesse
sentido, perfeitamente coerente com o próprio desenvolvimento
histórico dessas linguagens, como demonstramos nos exemplos
acima. Por essa razão, o conjunto de obras que estudaremos neste
curso mistura diferentes tipos de trabalho e diferentes possibilidades
de abordagem. Ao iniciar, a seguir, seu percurso pelos dez Blocos
Conceituais que integram o Módulo 1 do curso, você poderá perceber
que não estabelecemos separações e delimitações de fronteiras entre
os distintos procedimentos, materiais e recursos expressivos reunidos
em cada Bloco. E perceberá também, nas interpretações e reflexões
sobre cada obra, que tampouco estabelecemos essas delimitações
entre a sua análise crítica, o seu contexto histórico e a investigação e
observação de suas especificidades técnicas e formais. Ao contrário,
lhe convidamos a trabalhar permanentemente no universo talvez
mais difícil, porém mais instigante, das inter-relações. Assim, o
propósito deste texto - introduzi-lo à diversidade, às trocas e fusões
características da visualidade moderna e contemporânea - irá
estender-se aos propósitos do curso – estimulá-lo à inserção ativa,
consciente e produtiva na riqueza deste campo em expansão.

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