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DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DO PORTO


2023/2024

CASO PRÁTICO N.º 2

Caso relativo ao direito de passagem por território indiano de 12 de Abril de 1960

O caso relativo ao direito de passagem por território da Índia (Portugal contra a


Índia) foi remetido ao Tribunal em virtude de um pedido apresentado a 22 de Dezembro
de 1955. Nesse pedido, o Governo de Portugal manifestava que o seu território a
Península Indiana incluía os enclaves de Dadra e Nagar-Aveli rodeados por território da
Índia. A questão versava sobre o direito de passagem de Portugal por território indiano
para a comunicação entre os ditos enclaves e de estes com o distrito costeiro de Damão.
No pedido se afirmava que, em Julho de 1954, o Governo da Índia impediu Portugal de
exercer esse direito de passagem, o que colocou Portugal numa posição em que se lhe
tornava impossível exercer os seus direitos de soberania sobre os enclaves.

Depois da apresentação do pedido, o Governo da Índia apresentou ao Tribunal seis


excepções preliminares. (...)

Na sua decisão, o Tribunal: (...)

c) Decidiu, por 11 votos contra 4, que Portugal tinha em 1954 um direito de


passagem através do território indiano que separava os enclaves de Dadra e Nagar-
Aveli e estes do distrito costeiro de Damão, na medida necessária para exercer a
soberania portuguesa sobre os enclaves e com sujeição às atribuições de
regulamentação e de fiscalização da Índia, em relação aos particulares,
funcionários civis e mercadorias em geral;
d) Decidiu, por 8 votos contra 7, que Portugal não tinha em 1954 o referido direito
de passagem em relação às forças armadas, à polícia armada, a armas e munições;
e) Decidiu, por 9 votos contra 6, que a Índia não tinha atuado de forma contrária à
obrigação que lhe correspondia como consequência do direito de passagem de
Portugal em relação com os particulares, funcionários civis e mercadorias em
geral.

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*

(...)

O Tribunal apurou a data por relação à qual devia determinar se o direito invocado
existia ou não. Dado que o caso se tinha colocado ao Tribunal em relação com a
controvérsia referente aos obstáculos colocados pela Índia a dita passagem, o Tribunal
considerou que a data para determinar se existia ou não esse direito deveria ser o dia
anterior à data em que se puseram tais obstáculos. (...)

Portugal baseou-se no Tratado de Poona de 1779 e nos sanads (decretos) ditados


pelo governante márata em 1783 e 1785, nos quais conferia a Portugal a soberania sobre
os enclaves, com direito de passagem de acesso aos mesmos. A Índia tinha objectado que
o suposto Tratado de 1779 nunca se havia concluído validamente nem tinha adquirido
força de lei como tratado que obrigasse os máratas. O Tribunal considerou, sem prejuízo,
que os máratas nunca puseram em dúvida a validade ou o carácter obrigatório do tratado.
A Índia tinha objetado, ainda, que o Tratado e os dois sanads não transferiam a soberania
sobre as aldeias atribuídas a Portugal, mas unicamente outorgavam, com a relação às ditas
aldeias, uma concessão. (...)

O Tribunal considerou que a situação tinha sofrido uma mudança com a chegada
dos britânicos como soberanos daquela parte do país em substituição dos máratas: a
soberania portuguesa sobre as aldeias tinha sido reconhecida pelos ingleses de facto e
implicitamente, e posteriormente tinha sido reconhecida tacitamente pela Índia. Como
consequência disso, as aldeias tinham adquirido o carácter de enclaves portugueses dentro
do território da Índia, e se tinha implantado uma prática entre os portugueses e o país
soberano do território em relação com a passagem aos enclaves, prática na qual se apoiava
Portugal para estabelecer o direito de passagem reivindicado. Tinha-se objetado, em nome
da Índia, que não se podia estabelecer nenhum costume local entre dois Estados
unicamente, mas o Tribunal não viu razões para que o número de Estado entre os quais
se podia estabelecer-se um costume local baseado numa prática contínua tivesse de ser
necessariamente maior do que dois.

Ambas as partes reconheciam que durante o período britânico e pós-britânico a


passagem de particulares e de funcionários civis não tinha estado sujeita a nenhuma
restrição, aparte o controlo ordinário. Também tinham passado livremente mercadorias

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que não fossem armas ou munições, com a sujeição unicamente, em certos momentos,
aos regulamentos aduaneiros e a outras disposições e fiscalizações exigidas por
considerações de segurança ou de política fiscal. Por conseguinte, o Tribunal chegou à
conclusão de que, em relação com os particulares, os funcionários civis e as mercadorias
em geral, tinha existido uma prática contínua e uniforme que permitia a livre passagem
entre Damão e os enclaves. Em vista de todas as circunstâncias do caso, o Tribunal estava
convencido de que a referida prática se tinha aceitado pelas partes como sendo o Direito
e dado nascimento a um direito e a uma obrigação correspondente.

Pelo que respeita às forças armadas, à polícia armada, às armas e às munições, a


situação era diferente. (...)

Depois de admitir que Portugal tinha em 1954 um direito de passagem em relação


aos particulares, aos funcionários civis e às mercadorias em geral, o Tribunal passou a
considerar finalmente se a Índia tinha atuado de forma contrária à obrigação que lhe
correspondia como consequência do direito de passagem de Portugal em relação com
qualquer dessas categorias. Portugal não tinha sustentado que a Índia tivesse actuado
contra a dita obrigação antes de Julho de 1954, mas sim que, posteriormente, tinha negado
a passagem a nacionais portugueses de origem europeia, a portugueses indianos naturais
do país ao serviço do Governo português e a uma delegação que o governador de Damão
projetou enviar em Julho de 1954 a Nagar-Aveli e Dadra. O Tribunal considerou que os
acontecimentos ocorridos em Dadra nos dias 21 e 22 de Julho de 1954, que tinham tido
por resultado o derrube da autoridade portuguesa no enclave, tinham originado uma
situação de tensão no distrito indiano circundante; tendo em conta tal situação, o Tribunal
considerou que a recusa da Índia a permitir a passagem se fundava na sua faculdade de
regulamentar e fiscalizar o direito de passagem de Portugal.

Por tais razões, o Tribunal pronunciou-se como se disse acima.

Fonte: sumário do acórdão reproduzido em Resumenes de los fallos, opiniones


consultivas y providencias de la Corte Internacional de Justicia, Nova Iorque: Naciones
Unidas, 1992, pp. 72-74, disponível na página oficial do Tribunal: <https://www.icj-
cij.org>.

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1. Qual o âmbito do direito de passagem reconhecido pelo Tribunal?

2. De que fontes se serviu o Tribunal para fundar a sua decisão?

3. Quais os obstáculos que se podem colocar ao reconhecimento de um costume


bilateral?

4. Pronuncie-se sobre o sentido útil da decisão do TIJ.

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