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Formação das fronteiras latino-americanas

conforme expresso no Artigo VIII do Primeiro Tratado de Utrecht,


de 1713, dando ganho de causa ao Brasil.
Já a fronteira marítima Brasil-França é regulada pelo Tratado
de delimitação marítima entre Brasil e Guiana Francesa, firmado em
Paris a 30 de janeiro de 1981.546

3.41.4 Fronteira Brasil-Guiana (terrestre)


A formalização das linhas de fronteira atualmente em vigor
entre Brasil e República Cooperativa da Guiana remonta ao período
pré-descolonização, quando o território guianense correspondia à
antiga Guiana Inglesa ou Britânica.
Entre os então vizinhos Brasil e Grã-Bretanha configurou-se,
desde princípios do século XIX, um litígio territorial referente à posse
de territórios a oeste do rio Rupununi (ou Rupunani), na Amazônia
setentrional, área correspondente, hoje, à região fronteiriça entre o
estado brasileiro de Roraima e a República Cooperativa da Guiana.
Os limites originais haviam sido traçados em 1748 pelos
holandeses, que então controlavam a Guiana Holandesa, traçado que
viria a ser adotado pelos portugueses a partir de 1783. Ocupada a
região pelos ingleses a partir de 1810, passaram estes a defender a
ocupação da área, inicialmente com base em um relatório elaborado
pelo explorador Robert Schomburgk (1804-1865), que alegava falta de
exercício de soberania por parte do Império do Brasil. Em novembro
de 1843, os governos brasileiro e britânico apresentaram propostas
divergentes para o traçado dos limites, o que tornariam a fazer décadas
mais tarde, em 1891 (proposta inglesa) e 1897 (proposta brasileira).547

546 BRASIL; FRANÇA. Tratado de delimitação marítima entre Brasil e Guiana Francesa. Paris, 30 de janeiro
de 1981.
547 Cf. Carte des frontières entre les États Units du Brésil el la Guyane Britannique. In: BARÃO DO RIO
BRANCO. Questões de limites. II: Guiana Britânica. Ministério das Relações Exteriores. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, 1945.

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Com vistas a solucionar a controvérsia, que ficou conhecida


como Questão do Pirara ou Questão da Guiana Inglesa, os dois
países celebraram o Tratado de Arbitramento para a fixação dos
limites entre o Brasil e a Guiana Britânica, assinado em Londres,
a 6 de novembro de 1901, cujas ratificações se trocaram no Rio de
Janeiro, a 28 de janeiro de 1902.548
Por meio desse tratado, as partes acordaram em submeter a
questão à decisão do árbitro escolhido de comum acordo, que viria
a ser o rei da Itália, Vítor Emanuel III, monarca que prontamente
aceitou o encargo.
Instruído o processo arbitral, o governo brasileiro designou
para atuar como seu advogado o diplomata e jurista Joaquim
Nabuco (1849-1910), quem viria a preparar um memorial
intitulado O direito do Brasil.
Em sua sentença arbitral, proferida em 6 de junho de 1904, o
árbitro alegou não ser possível decidir qual o direito preponderante,
resolvendo-se por dividir entre as potências litigantes as áreas
contestadas. A exposição de motivos é bastante eloquente quanto
à dificuldade do árbitro em estabelecer critérios:
Noi, Vittorio Emanuele III, per grazia di Dio e volontà
della Nazione Re d’Italia, Arbitro per decidere la
questione della frontiera tra la Guaiana Britannica ed il
Brasile.
[...] Tenuto giusto conto di tutto, abbiamo considerato:
[...]
Che per acquistare la sovranitá delle regioni le quali
non siano nel dominio di alcuni Stato, è indispensabile

548 OLIVIERA, 1912b: 298.

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di effettuarne l’occupazione in nome dello Stado che


intende acquistarne il dominio;
Che l’occupazione non può ritenersi attuata fuorchè colla
presa di possesso effectiva, non interrotta e permanente,
in nome dello Stato; e non può bastare la semplice
affermazione dei diritti di sovranità, o la manifestata
intenzione di volere rendere effectiva l’occupazione; [...]
Che quindi, tutto giustamente considerato, non si può
ritenere che il Portugalo, dapprima, ed il Brasile di poi,
abbiano attuata la presa di possesso effettivo di tutto
il territorio in contesta; ma si può riconoscere soltanto
che essi si siano posti in possesso di alcuni luoghi del
medesimo, e che vi abbiano esercitato i loro diritti
sovrani.
Dall’altra parte abbiamo considerato: [...]
Che però il diritto dello Stato Britannico, nella sua qualità
di successore dell’Olanda, cui apparteneva la Colonia, è
basato sull’esercizio dei diritti di giurisdizione da parte
della Compagnie Olandesa delle Indie Occidentale, la
quale, munita di poteri sovrani dal Governo Olandese,
fece atti di autorità sovrana su alcuni luoghi della zona
in discussione, regolando il commercio che da lungo
tempo vi si esercitava dagli Olandesi, disciplinandolo,
assoggettandolo agli ordini del Governatore della
Colonia, ed, ottenendo che gli indigeni riconoscessero
parzialmente il potere del medesimo;
Che tali atti di autorità e di giurisdizione rispetto ai
commercianti ed alle tribú indigene furono poi continuati
in nome della sovranità Britannica, quando la Gran

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Bretagna entrò in possesso della Colonia appartenente


agli Olandesi;
Che tale affermazione effetiva di diritti di giurisdizione
sovrana fu a grado a grado sviluppata e non contradetta,
e di mano in mano si andò altresì, accettando dalle
tribù indigene indipendenti, abitanti le regioni, che
non potevano essere retenute nel dominio effetivo nella
sovranità Portoghese e di poi Brasiliana; [...]
Che ponderati e valutati al giusto i Documenti a Noi
esibiti, non resultano da essi titoli storici e giuridici
su cui fondare diritti di sovranità ben determinati e
ben definiti, a favore dell’una o dell’altra delle Potenze
contendenti, su tutto il territorio in questione, ma
soltanto su alcune parti del medesimo;
Che il limite della zona di territorio sulla quale debba
ritenersi stabilito il diritto di sovranità dell’una o quello
dell’altra delle due Alte Parti neppure esso può essere
fissato com precisione;
Che non si può neanche decidere sicuramente se sia
prevalente il diritto del Brasile o quello della Gran
Bretagna;
In tale condizione di cose, dovendo Noi fissare la linea di
frontiera tra i dominii delle due Potenze,
Ci siamo convinti che, allo stato attuale della conoscenza
geographica della regione, non è possibile dividere il
territorio contestado in due parti ugali per estensione
o per valore, ma che s’impone la necessità di partirlo
tenendo conto delle linee tracciate dalla natura, e di
prescegliere la linea che, essendo meglio determinata in

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tutto il suo percorso, più presti ad un’equa ripartizione


del territorio controverso. [...]549
Fundamentada a decisão, o árbitro procedeu então à partilha
da área em questão, atribuindo cerca de 19.600 km2 à Guiana

549 Sentença arbitral de Sua Majestade Victor Emmanuel III rei da Itália. In: MENCK, José Theodoro
Mascarenhas. A Questão do Rio Pirara (1829-1904). Brasília: FUNAG, 2009. p. 487-490. Tradução livre:
“Nós, Vítor Emanuel III, pela graça de Deus e vontade da Nação Rei da Itália, Árbitro para decidir a
questão da fronteira entre a Guiana Britânica e o Brasil.
[...] Tendo em conta o direito de todos, consideramos: [...]
Que, para adquirir a soberania de regiões que não estão no domínio de algum Estado, é indispensável
efetuar sua ocupação em nome do Estado que pretende adquirir o domínio;
Que a ocupação não pode ser considerada implementada exceto com a tomada de posse efetiva,
ininterrupta e permanente, em nome do Estado; e não pode bastar mera afirmação dos direitos
soberanos, ou a manifesta intenção de querer tornar efetiva a ocupação; [...]
Que, então, tudo justamente considerado, não se pode concluir que Portugal, em primeiro lugar, e
o Brasil, depois, tenham implementado a tomada de posse efetiva de todo o território em disputa;
mas se pode reconhecer unicamente que eles se puseram em posse de alguns lugares daquele, e que
exerceram os seus direitos soberanos.
Por outro lado, consideramos: [...]
Que, no entanto, o direito do Estado Britânico, na sua qualidade de sucessor da Holanda, à qual
pertenceu a Colônia, é baseado no exercício dos direitos de jurisdição da parte da Companhia
Holandesa das Índias Ocidentais, a qual, munida de poderes soberanos pelo Governo Holandês,
realizou atos de autoridade soberana sobre alguns lugares da zona em questão, regulando o comércio
que há muito tempo lá se praticava pelos holandeses, disciplinando-o, sujeitando-o às ordens do
Governador da Colônia, e conseguindo que os indígenas reconhecessem parcialmente o seu poder;
Que tais atos de competência e de jurisdição no que diz respeito aos comerciantes e às tribos
indígenas foram depois continuados em nome da soberania britânica, quando a Grã-Bretanha
tomou posse da Colônia pertencente aos holandeses;
Que tal afirmação efetiva dos direitos de jurisdição soberana foi desenvolvida por graus e não
contestada, e também passou de mão em mão, aceitando as tribos indígenas independentes,
habitantes das regiões, que não poderiam estar retidas no domínio efetivo da soberania portuguesa
e, em seguida, brasileira; [...]
Que, pesados e​​ medidos com justiça os Documentos a Nós expostos, deles não resultam títulos
históricos e jurídicos sobre os quais basear direitos de soberania bem determinados e bem definidos,
a favor de uma ou outra das Potências litigantes, sobre todo o território em questão, mas somente
em algumas de suas partes; [...]
Que não se pode mesmo decidir com segurança se é preponderante o direito do Brasil ou o da Grã-
Bretanha;
Neste estado de coisas, devendo Nós fixar a linha de fronteira entre os domínios das duas Potências,
estamos convencidos de que, no estado atual do conhecimento geográfico da região, não é possível
dividir o território contestado em duas partes iguais em extensão ou em valor, mas que se impõe
a necessidade de parti-lo tendo em conta as linhas traçadas pela natureza, e pré-selecionar a linha
que, sendo mais determinada em todo o seu percurso, mais se preste a uma repartição equitativa do
território disputado. [...]”

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Inglesa e cerca de 13.500 km2 ao Brasil. Ou seja, 60% para o Reino


Unido da Grã-Bretanha e 40% para os Estados Unidos do Brasil,
aproximadamente.
O Laudo de 1904 costuma ser criticado, na historiografia
brasileira, por sua escassa tecnicidade e fraca fundamentação. Ao
permitir acesso aos ingleses à Bacia Amazônica, a partir de seus
afluentes Takutu e Ireng, pode-se inferir que os critérios de partilha
adotados pelo árbitro desconsideraram a tradição diplomática
regional, que remonta ao Tratado de Madri de 1750, de sobrepor
os limites aos acidentes geográficos. In casu, ignorou-se a afluência
dos rios na formulação da partilha.
De qualquer forma, pode-se considerar que o Laudo de
1904 ao menos ponderou o princípio do emprego de acidentes
geográficos para a delimitação de fronteiras, ao afirmar o árbitro
estar convencido de que, “no estado atual do conhecimento
geográfico da região, não é possível dividir o território contestado
em duas partes iguais em extensão ou em valor, mas que se impõe
a necessidade de parti-lo tendo em conta as linhas traçadas pela
natureza”.550
Em 1926, o traçado definido pelo Laudo de 1904 sofreria
pontuais modificações, estabelecendo sua configuração atual.
A demarcação foi realizada entre 1932 e 1939.
Em 1966, a Guiana Inglesa se tornou independente do Reino
Unido, convertendo-se em República Cooperativa da Guiana,
Estado soberano que sucedeu à antiga metrópole em direitos e
obrigações concernentes ao território, dentre os quais os relativos

550 Sentença arbitral... In: MENCK, 2009: 489, tradução nossa. No original: “[...] allo stato attuale della
conoscenza geographica della regione, non è possibile dividere il territorio contestado in due parti
ugali per estensione o per valore, ma che s’impone la necessità di partirlo tenendo conto delle linee
tracciate dalla natura”.

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