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I - O Território

a) Conceito de Territórios e conceitos adjacentes

O segundo elemento do conceito de Estado é o território. Normalmente, não se


concebe um Estado sem território, já que aquele supõe a fixação de uma colectividade a título
permanente num território. O Estado é um «fenómeno essencialmente espacial», conforme
afirma MAURIOE HAURIOU1.

O elemento espacial do Estado consiste no domínio geográfico em que o poder do


Estado faz sentido, o que se denomina por território estadual, ou seja, uma parcela de espaço
físico que se submete ao respetivo poder político soberano, que também pode tomar o nome
de senhorio territorial ou de domínio eminente2.

Só em circunstâncias excepcionais existiram Estados antes mesmo da definitiva


fixação de fronteiras (por exemplo, a Polónia depois da I Grande Guerra) e não se concebe
um Estado contemporâneo da base nómada3.

O território de um Estado integra o solo e o subsolo (território terrestre), o espaço


aéreo (território aéreo) e o mar territorial, no caso de se tratar de um Estado ribeirinho
(território marítimo).

O território terrestre é delimitado pelas fronteiras naturais ou artificiais do Estado.

Embora, em tese, o território terrestre abranja todo o subsolo correspondente à


superfície da crosta terrestre demarcadas pelas fronteiras, de facto ele encontra-se limitado
pelas faculdades científicas e tecnológicas de exploração.

O território aéreo abarca o espaço aéreo compreendido entre as verticais traçadas a


partir das linhas naturais ou artificiais de separação, ou seja das fronteiras terrestres. Ele pode
englobar ainda ao espaço que recobre o mar territorial, no caso de este existir:

A problemática da delimitação do espaço territorial aéreo foi suscitada pela I Grande


Guerra, partindo do princípio de que cada Estado devera exercer domínio exclusivo no seu
espaço aéreo, tendo poderes para autorizar expressamente o seu sobrevoo por terceiros.

1
Marcello Rebelo de Sousa, Direito Constitucional...,p 118
2
GOUVEIA, Bacelar, Direito Constitucional Moçambicano, p. 135
3
Idem, p. 118
Subsequentemente, foram celebradas inúmeras convenções internacionais para regular
a navegação aérea: a Convenção de Paris de 1919, a Convenção de Madrid de 1920, a
Convenção de Havana de 1928, a Convenção de Varsóvia de 1929 e a Convenção de Chicago
de 1944.

Com a constituição da Organização Internacional da Aviação Civil foram delineadas


as «cinco liberdades» relativas à utilização do espaço aéreo estrangeiro, que têm sido objecto
da contratação interestadual:

a) a liberdade de sobrevoar território estrangeiro sem aterrar;


b) a liberdade de aterragem em território estrangeiro com fins não comerciais (por
exemplo abastecimento ou emergência);
c) a liberdade de desembarcar passageiros, carga e correio provenientes do país de
origem da aeronave;
d) a liberdade de embarque com destino ao país de origem da aeronave;
e) finalmente, a liberdade de embarque de passageiros e mercadorias no território de
outro Estado.

Quanto a determinação exacta dos limites do espaço aéreo várias propostas têm sido
apresentadas:

A problemática da delimitação do espaço territorial aéreo foi suscitada pela I Grande


Guerra, partindo do princípio de que cada Estado devera exercer domínio exclusivo no seu
espaço aéreo, tendo poderes para autorizar expressamente o seu sobrevoo por terceiros.

- o mínimo de 500 e o máximo de 18 000 milhas, para corresponder aos limites


mínimo e máximo da atmosfera terrestre;

- o máximo de 25 milhas, que corresponde à máxima altitude atingível por aparelhos


que se desloquem por forca de ar ou gás;

- o máximo de 500 milhas, relativo ao ponto a partir do qual qualquer voo perde a sua
ligação à terra, passando a ser «interplanetário» ou «espacial».

De acordo com o «Tratado sobre o Espaço Exterior», de 1968 entende-se que a


jurisdição estadual não pode exceder a mais baixa altitude arbitral, ficando o chamado
«espaço exterior» ou supra-aérea na situação de «res extra commercium» inapropriável por
qualquer Estado.
O território marítimo compreende uma faixa marítima calculada a partir das costas
dos Estados ribeirinhos, numa distância que varia de acordo com as legislações nacionais e as
convenções internacionais.

O princípio do reconhecimento da jurisdição estadual sobre o mar adjacente às suas


costas inspira-se em GROCIO, e é considerado a partir de BYNKERSHOECK, em pleno
seculo XVIII, que o reporta a uma extensão correspondente ao alcance do tiro de canhão
disparado da costa ou seja acerca de 3 milhas.

Ao século XX tem sido um tempo de permanente debate sobre a extensão do mar


territorial, sem que sucessivas conferências internacionais tenham podido delinear um
consenso significativo sobre esta matéria.

A Convenção de 29 de Abril de 1958 veio, contudo reconhecer que o mar territorial se


integra no território de um Estado ribeirinho, e fixar o seu limite máximo em 12 milhas.

A mesma Convenção definiu um conceito adjacente do de mar territorial, o de zona


contígua, que é «uma zona do alto mar contígua ao mar territorial». A zona contígua não faz
parte do território do Estado ribeirinho, já que nela este não exerce a plenitude da sua
soberania, mas apenas o poder de fiscalização do acatamento de certas disposições
alfandegárias, fiscais, de emigração e sanitárias.

A zona contígua não pode estender-se para além de 12 milhas a partir da linha base
que serve de ponto de partida para medir a largura do mar territorial. Isto significa que o mar
territorial e a zona contígua em conjunto teriam sempre como limite máximo de extensão 12
milhas4.

No entanto, o conceito de zona contígua perdeu grande parte da sua relevância prática
com o aparecimento de um novo conceito, o de zona económica exclusiva, nascido na III
Conferência do Direito do Mar, patrocinada pela ONU em 19735.

A zona económica exclusiva, cuja extensão tende a ser de 200 milhas contadas a partir
da costa, não pertence ao território do Estado ribeirinho. Este exerce nessa zona poderes
limitados, tais como os relativos ao controlo da pesca por embarcações estrangeiras, a

4
Marcello Rebelo de Sousa,...,p. 121
5
Idem,…121
preservação e investigação científica dos recursos naturais, a exploração económica, bem
como a montagem de instalações artificiais para fins conexos com estes objectivos6.

Em 29 de Abril de 1958, foi celebrada uma Convenção em Genebra, paralela à que


dispôs sobre o mar territorial e a zona contígua, que definiu a plataforma continental como: a)
o leito do mar e o subsolo das regiões submarinas adjacentes às costas, mas situadas fora do
mar territorial, até uma profundidade de 200 metros, ou, além deste limite, até o ponto onde a
profundidade das águas superjacentes permita a exploração dos recursos naturais das
referidas regiões; b) o leito do mar e o subsolo das regiões submarinas análogas, que são
adjacentes às costas das ilhas (Artigo 1.˚).

A Convenção em causa consagrou os «direitos soberanos sobre a plataforma


continental para efeitos da sua exploração e da extração dos seus recursos naturais», pelo que
se entende comumente que a plataforma continental ou submarina pertence ao território do
Estado ribeirinho.

b) Alterações territoriais7
As formas usuais de alterações territorial são cinco: a ocupação, a anexação, a cessão,
a situação post colonial e a rectificação de fronteiras.

Nelas a aquisição de território por parte de um Estado equivale à sua perda por parte de outro
Estado, salvo no caso de ocupação.

Precisamente a ocupação consiste na apropriação de territórios despovoados, não


pertencentes a qualquer Estado.

A anexação corresponde à integração unilateral de um território de certo Estado no


território de outro, normalmente operada através de um acto de força.

A cessão é a transmissão contratual, a título gratuito ou oneroso, da posição de um


Estado sobre determinado território para outro Estado.

Contratada entre os Estados limítrofes é a rectificação de fronteiras, que apenas,


compreende as aquisições e cedências de territórios indispensáveis à exacta definição dos
limites do território nacional, conforme explicita o Prof. JORGE MIRANDA.

6
Idem,...,p. 121
7
Marcello Rebelo de Sousa,...,
A situação post-colonial corresponde ao reconhecimento do direito dos povos
colonizados à auto-determinação e à independência, direito esse cujo exercício se traduz na
independência de um Estado novo Estado Soberano.

c) Relevância Jurídico-política do território8

A relevância jurídico-política do território é tripla:

a) Constitui uma condição de independência nacional;


b) Circunscreve o âmbito do poder soberano do Estado;
c) Representa um meio de actuação jurídico-política do Estado.

O primeiro aspecto, de natureza essencialmente politica, realça o papel do território


como uma das inúmeras condições de garantia da independência nacional, que é um dos
objectivos susceptíveis de prossecução por um Estado (Artigo 11.˚ alínea a) da Constituição
da República. Daí resulta a imposição de salvaguarda da integridade territorial do Estado, que
caracteriza uma das funções das Forças Armadas nos Estados contemporâneos (Artigo 263.˚
n.˚ 1 da Constituição).

A segunda faceta da relevância do território, segundo a qual este circunscreve o


âmbito do poder soberano do Estado, é eminentemente jurídica. O território delimita a
soberania do Estado, isto é, o espaço geográfico no qual exercem os seus poderes os órgãos
soberanos desse Estado. Inerente a esse exercício de soberania é o facto de o território de um
Estado demarcar o âmbito de aplicabilidade do direito desse Estado.

A terceira faceta da relevância jurídica do território consiste no facto de ele, ou


melhor uma parte dele, constituir um meio de actuação do poder político do Estado.

Com efeito, as zonas do território, cuja propriedade pertence a entidades públicas, são
por estas utilizados para a prossecução dos objectivos que o Estado se propõe realizar – os
chamados fins do Estado.

II - O território moçambicano

O território nacional de Moçambique resultou do traçado fronteiriço conforme a


ordem impero-colonial da Conferência de Berlim (1885)9 que foi sendo, durante os primeiros

8
Idem
9
Conferência de Berlim decorreu entre 15 de Novembro de 1884 e 26 de Fevereiro de 1885.
décimos do sec. XX, executado pelo regime colonial português, no âmbito geral da presença
colonial em África dos ocupantes europeus. A divisão dos territórios africanos em geral, e de
Moçambique em especial, mereceu procedimentos daqueles governos mediante os interesses
político-económicos, não respeitando os interesses dos povos dominados, tendo resultado em
fronteiras artificiais que, em nada, reflectiram a organização tradicional das nações
encontradas. Com o fim da colonização a situação manteve-se como herança para os novos
Estados independentes, o que constitui hoje continuidade daqueles traçados geográficos10.

Quanto ao nosso país, o território da República de Moçambique, situa-se na faixa sul-


oriental do Continente Africano, entre os paralelos 10/27' e 26/52' de latitude Sul e entre os
meridianos 30/12' e 40/51' longitude Este. Ao Norte limita com a Tanzânia; ao Oeste com o
Malawi, Zâmbia, Zimbabwe e Swazilândia; e ao Sul com a África do Sul.

Toda a faixa Este, banhada pelo Oceano Índico numa extensão de 2,470 km, tem um
significado vital tanto para Moçambique como para os países vizinhos situados no interior

Participaram nesta conferência 14 países, entre os quais Portugal, incluindo alguns Estados que não dispunham
de colónias, como foi o caso dos países escandinavos e dos EUA.
Três pontos principais constituíram a agenda da Conferência: (1) a liberdade de comércio em toda a bacia do
Zaire e sua foz; (2) a aplicação dos princípios do Congresso de Viena quanto à navegação nos rios
internacionais (entre outros, do Níger); (3) a definição de “regras uniformes nas relações internacionais
relativamente às ocupações que poderão realizar-se no futuro nas costas do continente africano”; (4) estatuir
sobre o tráfico de escravos.
Portugal conseguiu assegurar dois resultados da Conferência: (1) Impedir o estabelecimento da “Associação
Internacional Africana” na margem direita do Zaire; (2) a não inclusão no Acto Geral da referência inglesa à
internacionalização do Zambeze.
Em 26 de Fevereiro de 1885 Portugal assina o Acto Geral da Conferência de Berlim.
Os representantes portugueses a esta Conferência foram António Serpa Pimentel, António José da Serra Gomes
(Marquês de Penafiel), Luciano Cordeiro, Carlos Roma du Bocage (adido militar), José P.Ferreira Felívio
(adido) e Manuel de Sousa Coutinho (segundo secretário).
10
Em 1861, os ingleses, temendo que os boers ocupassem Lourenço Marques, desembarcaram nas ilhas de
Inhaca e dos Elefantes. Na sequência do protesto do Governo de Lisboa, acabaram por retirar, sendo
substituídos por tropas portuguesas.
Em 24 de Junho de 1875 é conhecida a decisão arbitral do Presidente francês MacMahon sobre o território de
Bolama.
Em 7 de Junho de 1884, o Chanceler Bismark rejeita, por nota, o Tratado do Zaire. Outros países, como França,
Holanda e EUA, contestaram este acordo que acabou por não ser ratificado. Na sequência deste incidente, o
Ministro dos Negócios Estrangeiros português, José Vicente Barbosa du Bocage, lança a ideia de uma
conferência internacional destinada a resolver as contendas.
Em 12 de Outubro de 1884 os Governos de Paris e Berlim endereçam o convite para Portugal participar na
Conferência de Berlim.
Em 15 de Novembro de 1884 tem início a Conferência de Berlim, convocada pela França e Grã-Bretanha e
organizada pelo Chanceler da Alemanha. O Chanceler Bismarck, como “continentalista” que era, estava mais
interessado nas questões da Europa Central, mas também estava sob forte pressão dos grupos industriais e
comerciais alemães. Só depois da demissão de Bismark, a Alemanha iniciou uma política expansionista
colonial. Bismark abre a conferência definindo como objetivo da mesma o estabelecimento do direito no acesso
de todas as nações ao interior de África.
que só têm ligação com o oceano através dos portos moçambicanos. A superfície do seu
território é de 799,380 km 2.

Moçambique adquiriu a actual forma geográfica, em Maio de 189111, altura em que


foi assinado o tratado Anglo-Português de partilha das zonas de influência em África. Tal
tratado serviu para legitimar, entre as nações coloniais europeias, uma ocupação que no caso
de Moçambique remonta do século XVI, período em que Portugal iniciou a ocupação da
costa oriental de África.

O País tornou-se independente de Portugal em 1975 e herdou as fronteiras coloniais,


após dez anos de luta armada de libertação nacional movida pela FRELIMO (Frente de
Libertação Nacional de Moçambique). A independência política de Moçambique foi
negociada entre a Frelimo e o Governo português no acordo de Lusaka a 7 de Setembro de
1974. Um governo de transição chefiado por Joaquim Chissano, então Primeiro-Ministro,
governou até 25 de Junho de 1975, dia da Independência de Moçambique12.

11
O Tratado Anglo-Português de 1891 foi um acordo entre o Reino Unido e o Reino de Portugal que fixou os
limites entre o Protetorado Britânico da África Central (hoje Malwi), e os territórios administrados
pela Companhia Britânica da África do Sul em Maxonalândia e Matabelelândia (hoje parte do Zimbábwe) e
pela Rodésia do Noroeste (hoje parte da Zâmbia) e Moçambique Português, e também entre os territórios
administrados pela Companhia Britânica da África do Sul na Rodésia do Nordeste (hoje na Zâmbia) e a Angola
Portuguesa.
Este tratado pôs fim a cerca de 20 anos de crescente desacordo sobre reivindicações territoriais conflitantes na
parte oriental da África Central, onde Portugal reivindicava o Mapa Cor-de-Rosa, faixas de terra sob descoberta
e exploração prévia de longa data, mas onde os cidadãos britânicos criaram missões e ações comerciais
exploratórias no Planalto de Chire (hoje no Malawi), a partir de 1860. [carece de fontes]
Essas divergências foram aumentadas em 1870 e 1880, em primeiro lugar por uma disputa sobre a pretensão
britânica de parte da Baía de Maputo (então chamada Baía da Lagoa) e pelo fracasso das negociações bilaterais
entre os dois países ao longo dos limites dos territórios portugueses, e, em segundo lugar, como resultado
da Conferência de Berlim de 1884-1885, que estabeleceu a doutrina da ocupação efetiva. Após a Conferência de
Berlim, Portugal tentou estabelecer uma zona de ocupação efetiva ligando as suas colónias de Angola e
Moçambique através de expedições fazendo tratados que estabelecem protetorados sobre os povos locais e obter
o reconhecimento de outras potências europeias.
O relativo sucesso desses esforços portugueses alarmou o governo britânico de Lord Salisbury, que também
estava sob pressão de missionários no Planalto de Chire, e também Cecil Rhodes, que fundou a Companhia
Britânica da África do Sul em 1888 com o objetivo de controlar a maior parte do centro-sul da África como
poderia. Por estas razões, e em resposta a um conflito armado menor no Planalto de Chire, Lord Salisbury
emitiu o ultimato britânico de 1890 que exigia a Portugal a evacuação das áreas em disputa. Lord Salisbury
recusou o pedido Português para a arbitragem e, depois de uma tentativa frustrada de corrigir os limites dos seus
respetivos territórios em 1890, o Tratado Anglo-Português de 1891 foi aceite por Portugal sob coação.
12
No século XIX o continente africano passou a ser encarado como uma região apetecível de ocupação.
Concorreu para este facto, a curiosidade científica, a procura crescente de produtos tropicais, a necessidade de
matérias-primas e o potencial de novos mercados, que a Revolução Industrial exigia.
O comércio internacional e intercontinental sofreu um incremento notável com a navegação a vapor, com o
aparecimento dos EUA a partir de 1865 e da Alemanha, depois de 1870, que vieram pôr em causa a hegemonia
britânica. Todo este tráfico trouxe uma pressão concorrencial muito forte sobre os produtos portugueses, que
sofriam de falta de competitividade. A devastação havida na primeira metade do século XIX, contribuiu também
para que Portugal falhasse a primeira revolução industrial.
O Artigo 6.˚n.˚1 da Constituição da República moçambicana define o território do
Estado moçambicano como abrangendo toda a superfície terrestre, a zona marítima e o
espaço aéreo13 delimitados pelas fronteiras nacionais.

Está implícito neste conceito de cariz geopolítico que o território é a parte física
delimitada pelas fronteiras internacionais dentro das quais o Estado moçambicano exerce a
sua soberania.

Os territórios dos Estados são delimitados14 ou separados por fronteiras, que podem
ter um significado mais amplo do que a linha ou a faixa que os separa.

Para além deste histórico papel como linhas de separação de Estados, nos actuais
processos de globalização económica e de cooperação transfronteiriça, as fronteiras vão
assumindo novos papéis e conceitos, tornando-se instrumentos de inclusão cultural, social e
económica. Diminui, assim, a possibilidade de surgimento de disputas e conflitos
fronteiriços, quando as mesmas são eficazmente delimitadas ou caracterizadas, melhorando a
sua gestão conjunta.

Antes da Conferência de Berlim, a presença portuguesa nas colónias limitava-se à administração e ocupação de
áreas estratégicas ao longo da costa, prevalecendo no desconhecimento todo o hinterland. A directiva do
Marquês de Sá da Bandeira de 1836 deparou-se com a falta de recursos para ocupar o interior, com destaque
para a ocupação e desenvolvimento da Bacia do Congo. Os territórios ultramarinos portugueses só passam a ter
alguma importância para as exportações a partir de 1880, com o crescimento dos mercados em Angola e
Moçambique, que absorvem parte dos produtos que não se consegue colocar noutros destinos. A situação
deficitária e política não permitiu dispensar os meios para uma mais larga colonização efectiva, em particular da
vasta área entre Angola e Moçambique que havia sido objecto apenas de algumas viagens de exploração.
A partir de meados do século XIX, as questões pela luta contra a escravatura e a tendência europeia para o
alargamento da sua influência em África, contagiou a própria opinião pública começando a surgir as
“Sociedades de Geografia” que, no caso português, foi fundada em 11 de Novembro de 1875.
As viagens de exploração sucederam-se e toda esta actividade veio a culminar, no plano político, na realização
da Conferência de Berlim.
Após as viagens de exploração entre Angola e Moçambique por Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, de 1877
a 1880, a "Sociedade de Geografia" de Lisboa publica um mapa onde grande parte de África Central aparece
agora sob domínio português, abrindo inclusive uma subscrição pública para o estabelecimento de “estações
civilizadoras” ao longo do território africano. Projecto que o Governo português não viria a apoiar
publicamente.A “Comissão Nacional Portugueza de Exploração e Civilização d’Africa”, da "Sociedade de
Geografia de Lisboa", abre uma subscripção permanente, cujo produto constituirá um a”Fundo Africano”
destinado a auxiliar a exploração científica, comercial e agrícola da Africa equatorial e austral, de Angola a
Moçambique.
13
Convenção sobre aviação civil internacional, de 7 de Dezembro de 1944 – é um instrumento jurídico
internacional que estabelece princípios e medidas tendentes ao desenvolvimento da aviação civil internacional
de maneira segura e ordenada, assim estabelece que os serviços internacionais de transportes aéreos devem ser
desenvolvidos numa base de igualdade de oportunidades e a exploração dos serviços de forma eficaz e
económica.
14
Delimitação de fronteira – Processo negocial da afirmação de uma fronteira para o reconhecimento da
soberania do Estado, que culmina com a assinatura de acordos político-diplomáticos entre as partes, nos quais se
estabelecem os contornos da linha a adoptar;
É com a preocupação de delimitar o território nacional de Moçambique que a CRM
lhe reserva preceito próprio, assim esclarecendo os seus diversos espaços, em artigo dedicado
ao “Território”, com duas disposições:

– território em geral: “O território da República de Moçambique é uno, indivisível e


inalienável, abrangendo toda a superfície terrestre, a zona marítima e o espaço aéreo
delimitados pelas fronteiras nacional"15.

– espaço marítimo em especial: “A extensão, o limite e o regime das águas territoriais,


a zona económica exclusiva, a zona contígua e os direitos aos fundos marinhos de
Moçambique são fixados por lei”16.

Numa palavra: o território moçambicano inclui as três categorias possíveis que


ficaram assinaladas, que são o território terrestre, o território marítimo e o território
aéreo.

No tocante ao espaço terrestre, a CRM preferiu o método da cláusula geral na sua


delimitação, em detrimento do método tipológico alternativo para localizar certas zonas
territoriais, referindo-se a toda a “superfície terrestre (…) delimitados pelas fronteiras
nacionais”

Em rigor, o território terrestre não configura apenas uma dimensão superficial, mas
inclui também a profundidade desse mesmo território17.

Em relação ao espaço marítimo, o texto da CRM é um pouco mais explícito e utiliza


uma enunciação tipológica, com a alusão aos vários tipos de espaços marítimos, com diversa
intensidade no plano dos poderes quanto ao respetivo aproveitamento: “A extensão, o limite e
o regime das águas territoriais, a zona económica exclusiva, a zona contígua e os direitos aos
fundos marinhos de Moçambique são fixados por lei”18.

A definição constitucional do território moçambicano tem o mérito de individualizar o


reconhecimento do território aéreo, o qual é inserido no preceito genérico que define a
soberania territorial. Ainda assim, bem podia o legislador ter ido mais longe na sua
explicitação, porquanto somente realiza uma referência singela ao “espaço aéreo”, não

15
GOUVEIA, Jorge, p.150
16
Idem, p. 150
17
Idem
18
Idem, 150
dizendo sobre o qual o mesmo se delimita, sobretudo considerando a contraposição espaço
terrestre e espaço marítimo19.

III - A Política de Fronteiras de Moçambique assenta nos seguintes princípios


fundamentais:

Soberania e Unidade Territorial – O Estado moçambicano é soberano, sendo seu


território uno, indivisível e inalienável, abrangendo toda a superfície terrestre, a zona
marítima e o espaço aéreo delimitados pelas fronteiras nacionais;

Igualdade Soberana – Nas suas relações com outros Estados, a República de


Moçambique observa o princípio de respeito mútuo pela soberania e integridade territorial,
igualdade, não ingerência nos assuntos internos e reciprocidade de benefícios;

Respeito pelos Tratados Internacionais – Na determinação, delimitação e reafirmação


das fronteiras e espaços marítimos, o Estado moçambicano pauta pela aplicação das normas
do direito internacional, pelo respeito dos tratados internacionais e pela observância dos
princípios e resoluções adoptados pela então Organização da Unidade Africana (OUA) e pela
União Africana (UA), relativos a fronteiras;

Reafirmação20 e Manutenção das Fronteiras Continentais

a) O Estado garante a reafirmação das fronteiras continentais (terrestres, lacustres e


fluviais);

b) O Estado assegura a manutenção contínua da faixa interna da fronteira terrestre,


incluindo marcos, monumentos e outros sinais fronteiriços, de modo a mantê-los claros e
identificáveis;

c) O Estado promove a participação da comunidade local e da sociedade civil nas acções


de manutenção da faixa interna da fronteira continental bem como de preservação dos
sinais fronteiriços.

19
GOUVEIA, Jorge, p.153
20
Reafirmação de fronteira – Processo de verificação do alinhamento da fronteira, tal como consta nas
disposições dos tratados e acordos que lhe deram origem e seu realinhamento caso se mostre pertinente;
Delimitação dos Espaços Marítimos

a) O Estado garante a delimitação dos espaços marítimos, em conformidade com o


preceituado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, com
vista a assegurar os direitos que lhe são conferidos por esta Convenção;
b) Os espaços marítimos são medidos a partir das linhas de base definidas pela
legislação nacional e de acordo com o preceituado na Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar de 198221;
c) O Estado garante e assegura a determinação e actualização do traçado das linhas de
base da costa marítima da República de Moçambique.

Soberania e Gestão do Espaço Aéreo

a) O Estado garante o exercício da completa e exclusiva soberania sobre o espaço


aéreo delimitado pelas fronteiras do território da República de Moçambique;

b) O Estado assegura a gestão criteriosa do espaço aéreo sob jurisdição nacional, em


estrita observância dos normativos técnicos da aviação civil, de forma a possibilitar o
movimento seguro, ordenado e expedito das aeronaves.

21
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982 – É um instrumento jurídico internacional que
regulamenta os oceanos e a soberania dos Estados nos espaços marítimos, adoptado em 10 de Dezembro de
1982, em Montego Bay, Jamaica, que entrou em vigor a 16 de Novembro de 1994;
I – O Poder político

O poder político, poder de soberania, constitui o terceiro (e segundo alguns autores, o


mais importante) elemento do Estado. Assim, vejamos: a importância do poder político reside
no facto de que um povo que tenha o seu território sem organização jurídica e politicamente
definida não pode constituir-se em Estado soberano. Só o poder político constitui a forma
efectiva de se governar e governar o seu território com as faculdades próprias para a sua
regência22.

Já vimos os conceitos gerais e genéricos de poder político, desenvolvidos por


Marcello Caetano. Importa referir que o poder político define-se como a faculdade exercida
por um povo de por autoridade própria (não recebida de outro poder) instituir órgãos que
exerçam a jurisdição do território e nele criem e imponham normas jurídicas, dispondo dos
necessários meios de coação23. Assim, «os governantes fazem tanto parte do povo como os
governados. Tem de ser cidadãos do país, tem de vir do povo – seja qual for a sua condição
social e sejam quais forem as formas de designação»24.

O poder político é o poder do Estado. Estrutura-se em diversos órgãos que actuam


harmonicamente, mas no âmbito da separação de poderes. O poder político do Estado
revela-se assim na capacidade de traçar os destinos dos demais cidadãos, definindo
regras de conduta colectiva e fazendo cumprir regras, com a devida aplicação de sanção
aos refractários a elas. Neste sentido, «a criação dos órgãos do poder político do Estado
traduz-se na criação e execução de normas jurídicas, utilizando todos os meios de coação
necessários para garantir essa execução»25.

O Estado surge em virtude de se instituir um poder que transforma uma colectividade


em povo. Esta instituição é um fenómeno jurídico – ainda quando nasce em normas
ordenadas a esse resultado; e a própria criação revolucionária do poder é portadora de
jurisdicidade plena, pois que não só define relações jurídicas entre os cidadãos como se funda
no Direito natural ou, se se preferir, na ideia do Direito dominante na colectividade em certa
circunstância.

22
CAPOCO, Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, 2015, p. 187
23
CAETANO, Marcello, Manual de Ciência Política e Direito constitucional, p 130
24
MIRANDA, Jorge, Teoria do Estado e da Constituição, p. 186
25
SOUSA, Marcelo Rebelo, Direito...p.130.
O poder político do Estado é o poder de soberania. E por soberania pode entender-se,
com base na clássica formulação de JEAN BODIN acolhida na teoria politica, o poder
político máximo, aquele que aparentemente não está limitado por nenhum outro poder na
ordem interna do Estado; e independente face a outros poderes também (de Estados)
independentes e, por isso, iguais em soberania, na ordem internacional. É o que se chama de
igualdade soberana. É, pois, o poder político que exerce a soberania do Estado, quer na sua
dimensão jurídico-política, que se revela através de vários modos de exteriorização, quer na
dimensão territorial – Soberania territorial – que concretiza nas varias formas de jurisdição
com que se dispõe a distribuição do poder do Estado.

O terceiro dos elementos que caracterizam o Estado é o exercício do poder político.


Embora não se trate de uma característica exclusiva do Estado, importa salientar que a forma
mais comum e paradigmática de poder político é a que tem lugar no âmbito dos Estados26.

Para MARCELO REBELO DE SOUSA27, o poder político é a faculdade de que é


titular um povo de, por autoridade própria, instituir órgãos que exerçam, com relativa
autonomia, a jurisdição sobre um território, nele criando e executando normas jurídicas,
usando os necessários meios de coação.

Nestes termos, o poder politico que se exerce nos Estados é:

um poder constituinte, originário, que tem um fundamento próprio e que não está
dependente de qualquer outro poder;

A expressão soberania surgiu pela primeira veza, com JEAN BODIN, em 1576, na
sua obra «Les Six Livres de la Republique».

um poder de auto-organização, que tem por objectivo permanente e continuado a


criação de condições para a manutenção da segurança, administração da justiça e a promoção
do bem-estar da comunidade política;

um poder de decisão que faz as opções consideradas adequadas à organização da


vida da comunidade politica, nomeadamente através da produção de regras jurídicas;

O poder político é exercido no âmbito do Estado por um conjunto de órgãos do


Estado, que são poderes constituídos e que devem actuar na estrita observância das

26
BASTOS, Fernando, Ciência Política, Lisboa, 1999, p. 137
27
Direito Constitucional...,p 129
competências previstas na lei. Daqui resulta que o poder político que é exercido no âmbito
do Estado está limitado pelo Direito. Por um lado, e antes de mais, pelo Direito que é
produzido internamente por esse mesmo poder político. E, por outro lado, em termos
externos, pelo Direito Internacional.

Deve ser, no entanto, salientado que se trata de uma limitação material e não de uma
limitação meramente formal. Como ensina o Prof. Jorge Miranda, o que se trata «... não é de
limitação pelas formas dos actos, mas de limitação por regras que impeçam o poder de
invadir (ou deixar invadir por outros poderes sociais) as esferas próprias das pessoas.
Limitação material significa disciplina do poder – inclusive, do poder constituinte –
contenção dos governantes e defesa dos direitos dos governados; traduz-se no respeito pela
autonomia destes últimos; implica instrumentos jurídicos de garantia»28

A organização política implica, nestes termos, a distinção entre governantes e


governados, no âmbito do povo. É, aliás, de salientar que mesmo o modelo democrático de
organização da sociedade não implica que todos os cidadãos devam (e possam) participar
directa e efectivamente no exercício do poder político. Nesse sentido, afirma o Prof. Jorge
Miranda que «... não são simples de relações entre os governantes e governados e a
configuração que patenteiam pode servir para classificar os diferentes sistemas e regime. Mas
nenhum sistema político, por mais democrático que seja, suprime a distinção; só a pode
mitigar ou reordenar mais em coerência com os princípios»29.

O fundamental é, assim, que os governantes actuem tendo em consideração o


interesse dos governados e que os direitos e vantagens resultantes do cargo sejam
entendidos em termos funcionais e não transformados em vantagens pessoais.

Importa, ainda, distinguir os governados entre cidadãos activos, que são os titulares
dos direitos políticos e cidadãos não activos, que são aqueles que não têm capacidade de
participação politica, nomeadamente em razão da idade.

II – A divisão do poder

A divisão do poder tem na sua origem a contraposição entre as concepções de


Montesquieu e de Rousseau. Por um lado, a ideia de Montesquieu da separação de poderes,
nos termos da qual «para que ninguém possa abusar do poder», é preciso que pela disposição

28
Manual..., vol. III, p. 161.
29
Manual…, vol, p. 55.
das coisas o poder limite o poder»30. E, por outro lado, a concepção oposta de Rousseau de
que a função legislativa é a única função soberana.

Segundo o Prof. Jorge Miranda, na actualidade, a ideia da separação de poderes


continua a ser valida, pelo menos nos seguintes termos:

1 – Que é indispensável, por um imperativo de racionalidade jurídica e por


necessidade de ordem política, que o poder se encontre dividido por órgãos com
competências próprias de modo a os seus detentores se limitarem reciprocamente;

2 – Que nem é isso infirmado por se reconhecer que não existe coincidência entre os
três poderes – legislativo, executivo e judicial – de que ainda cuidam varias constituições e as
funções do Estado – política, legislativa, administrativa e judicial;

3 – Que se a atribuição do poder legislativo e do poder executivo (ou das funções


legislativa, governativa e administrativa) a órgãos absolutamente separados não é possível ou
não é conveniente, nem por isso se justifica menos o primado de competência legislativa do
parlamento, enquanto assembleia representativa, com composição pluralista e que reúne em
condições de publicidade;

4 – Que é essencial ao Estado de Direito, pelo menos, a separação de poderes no


tocante ao poder judicial, ou seja, a reserva de função jurisdicional aos tribunais;

5 – Que é igualmente essencial ao Estado de Direito, pelo menos, a subordinação dos


órgãos administrativos à lei;

6 – Que, para além da repartição jurídica do poder, a efectividade da separação de


poderes depende da intervenção de diversos partidos e forcas políticas no poder.

III– Poder político soberano e não soberano

O poder político soberano deve ser entendido como um poder político que é supremo
e independente e que, em conformidade, não está dependente de qualquer outro poder
político. Daqui resulta a distinção, com a raiz no Direito Internacional, entre Estados
soberanos, Estados semi-soberanos (ou com soberania reduzida ou limitada) e não soberanos.

IV - Origem do Poder

30
Montesquieu, Del Espirit dês lois, cit. pelo Prof. Jorge Miranda, Ciência..., p.99.
Ao longo da história política, desenvolveram-se três correntes para a explicação da
origem do poder político: naturalista, teológica e voluntarista31.

a) Corrente naturalista
Para os defensores desta corrente, o poder político é necessariamente à organização
social, para qual os seres humanos tendem, mesmo contra a sua vontade individual, só
ai se realizando plenamente, de acordo com a sua sociabilidade inata.
b) Corrente teológica

O poder político e outros poderes derivam de Deus, por níveis de intermediação,


sendo Deus a causa final de tudo e de todos. No pensamento teológico, todo o poder tem
origem divina.

Esta corrente, que dominou durante vários séculos, principalmente na Idade Média,
contribuiu para a formulação da concepção cristã do poder, fundamentada na tradição bíblica
e desenvolvida, dentre vários autores cristãos, por SANTO AGOSTINHO e SAO TOMÁS
DE AQUINO. Já para o ANSELMO DE AOSTA, a supremacia divina está sobre todas as
coisas, o que se poder exprimir no aporema id quo maius cogitari nequit (Deus é Aquele do
qual não se pode pensar outra coisa maior).

Por sua vez, MARCELLO CAETANO reconhece ao Apostolo S. Paulo a primeira


formulação da doutrina crista da legitimidade do poder, que veio dar origem a duas correntes
a corrente da doutrina do direito divino sobrenatural e da doutrina do direito divino
providencial32.

Assim, o Estado deve ser um reino da justiça e da paz; a lei que nele impera deve ser a
lei do amor e do perdão. A fraternidade origina o princípio de igualdade.

c) Corrente voluntarista

O poder tem o seu fundamento e origem não em Deus, mas antes naqueles que detêm
o poder político e com base na vontade destes, encarando em cada momento a fonte desse
mesmo poder que pode desdobrar-se em múltiplas modalidades, em que se integram as
opções voluntaristas de timbre minoritário, moldadas pelas concepções absolutistas,

31
Cf. GOUVEIA, Jorge Bacelar, Manual...vol.I, pp. 111ss;
32
Ibidem, p. 444
marxistas e leninistas ou fascistas do Estado, atribuindo a grupos socialmente minoritários,
como as elites pensantes, o proletariado ou as corporações, a origem do poder político.

V - O poder público soberano moçambicano

O elemento funcional estruturante do Estado Moçambicano, que diz respeito à


natureza do poder público que lhe está atribuído, não faz sobrar qualquer dúvida sobre a sua
feição soberana.

Isso é mencionado em diversos passos da CRM, nos quais se sublinha a ideia comum
do caráter soberano do poder político, genericamente representado pela República de
Moçambique como uma “…República (…) soberana…”33e que a “A soberania reside no
povo34".

Esta mesma conclusão é reforçada pela opção fundamental que o texto constitucional
fez no sentido do unitarismo como esquema de estruturação do Estado Moçambicano,
evidenciando-se esse elemento em preceito constitucional autónomo: “A República de
Moçambique é um Estado unitário, que respeita na sua organização os princípios da
autonomia das autarquias locais"35.

Da perspetiva da explicitação da origem deste poder estadual, tomando por referência


o critério da sua primariedade, registe-se que são múltiplos os elementos normativo-
constitucionais que o comprovam.

Primeiro, a própria ideia de o texto constitucional ser o produto da vontade do povo


soberano, tal como ela vem a ser apresentada no preâmbulo da CRM: “A presente
Constituição reafirma, desenvolve e aprofunda os princípios fundamentais do Estado
moçambicano, consagra o caráter soberano do Estado de Direito Democrático, baseado no
pluralismo de expressão, organização partidária e no respeito e garantia dos direitos e
liberdades fundamentais dos cidadãos”36

Depois, a nitidez da afirmação do princípio da constitucionalidade, que interessa aqui


não tanto sob o prisma da superioridade hierárquico-formal do texto constitucional quanto

33
Vide art. 1, CRM
34
Vide o n.˚. 1 art. 2 da CRM
35
GOUVEIA, Jorge, p. 148
36
idem
sobretudo por inculcar o sentido de que a lei constitucional é o acto fundador da Ordem
Jurídica Estadual, ao dizer-se que “A soberania reside no povo".

Finalmente, é de referir todas as limitações que a CRM apresenta quando permite a


manifestação do poder de revisão constitucional, através de uma extensa cláusula de limites
materiais de revisão constitucional, nela não olvidando a “independência, a soberania e a
unidade do Estado” como o primeiro desses limites37.

Atendendo às duas vertentes da soberania estadual, o Estado de Moçambique é


duplamente definido como soberano na ordem interna e na ordem externa, assinalando-se as
marcas que comprovam tal especial modalidade de poder político, que é o poder político
soberano:

- ao nível interno, todos devem obediência ao Estado através da sua Constituição,


dado que a constitucionalidade dos atos jurídicos praticados depende da conformidade com o
respetivo texto constitucional;

– ao nível externo, as relações internacionais de Moçambique devem pautar-se por


importantes princípios, sendo um deles o do “…respeito mútuo pela soberania e integridade
territorial;

A confirmar tudo quanto se refere está ainda o facto de a soberania moçambicana, no


plano interno, não ser motivo para impedir outros esquemas de organização política.

É verdade que se afirma o princípio da unidade do Estado, não apenas na própria


definição do Estado de Moçambique como noutros preceitos constitucional.

Simplesmente, essa conclusão acomoda no seu seio esquemas de descentralização


administrativa, de diversa índole38:

– de descentralização administrativa geral, ligada a toda a Administração Pública, de


base territorial ou não;

– de descentralização territorial local, através da criação de organismos do Poder


Local;

37
idem
38
Vide art. 8 da CRM
No relacionamento internacional, a soberania moçambicana é com patível com a
adoção de compromissos internacionais, assim como a sua pertença a várias instâncias
internacionais, que nele projetam os respetivos ordenamentos jurídicos.

A CRM confere uma especial ênfase à cooperação entre Estados e Povos de África e
da Lusofonia: “A República de Moçambique mantém laços especiais de amizade e
cooperação com os países da região, com os países de língua oficial portuguesa e com os
países de acolhimento de emigrantes moçambicanos.

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