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EDUCAÇÃO

PSICOMOTORA
DANIEL VIEIRA DA SILVA
Daniel Vieira da Silva © 2005 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor
dos direitos autorais.

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S578e

Silva, Daniel Vieira da, 1956-


Educação psicomotora / Daniel Vieira da Silva. - 1.ed., rev. e atual. - Curitiba, PR :
IESDE Brasil, 2012.
70p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-2981-5

1. Psicomotricidade. 2. Professores - Formação. I. Título.

12-5025. CDD: 152.3


CDU: 159.943

16.07.12 31.07.12 037530


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Educação Psicomotora

Edição revisada

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Shutterstock

Todos os direitos reservados.

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2012 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br
Sumário
Psicomotricidade: considerações preliminares.....................................................................7

Filogênese da motricidade....................................................................................................9

Psicomotricidade: uma categoria em discussão....................................................................13


Estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora......................................................................14

Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias.................................................17


Dados sobre a organização psicomotora: abordagem da regulação sensório-motora
e dos fatores psicotrônicos........................................................................................................................19

O corpo hábil.........................................................................................................................25
Corpo hábil – síntese esquemática............................................................................................................29

Corpo consciente: uma análise das contribuições da Psicologia do Desenvolvimento


para a ciência do esquema corporal......................................................................................33
Corpo consciente – síntese esquemática...................................................................................................37

Corpo significante: o corpo que “fala”..................................................................................43


Corpo significante – síntese esquemática 1..............................................................................................46
Corpo significante – síntese esquemática 2..............................................................................................48
Corpo significante – síntese esquemática 3..............................................................................................52

Espaço vital e espaço relacional: uma reflexão sobre a formação e intervenção


em Psicomotricidade Relacional...........................................................................................55
Espaço vital e espaço relacional...............................................................................................................56
Formação e intervenção............................................................................................................................57

Psicomotricidade Relacional: uma contribuição integradora para o olhar educacional.......59


Psicomotricidade Relacional....................................................................................................................59
Contribuições da Psicomotricidade Relacional para o ambiente educacional..........................................60
Considerações finais.................................................................................................................................61

Revisão..................................................................................................................................63

Referências............................................................................................................................67
Apresentação

O
trabalho que ora apresentamos foi elaborado com o intuito de servir como apoio didático
para as videoaulas. Cientes de que tal disciplina não tem o caráter de formar psicomotricistas,
mas de subsidiar os estudos e a prática da Pedagogia, a partir dos conhecimentos produzidos
no campo da Psicomotricidade, colocamos como meta para este estudo os seguintes objetivos:
conhecer os princípios teóricos e práticos que orientam as várias linhas de abordagem
psicomotora.
apreender os processos históricos que fundamentam os marcos teóricos dessas diversas linhas.
analisar a inserção da Psicomotricidade e suas diferentes perspectivas no campo educacional
e psicopedagógico.
conhecer a relação entre: o movimento e a criança; o desenvolvimento motor e as múltiplas
inteligências.
reconhecer a dança, a expressão dramática e a criatividade como possibilidades a serem
desenvolvidas no sujeito psicomotor.
Para efetivarmos esta tarefa, dividimos o material em unidades temáticas, a partir das quais orientamos
a análise sobre os fundamentos da Psicomotricidade e suas implicações nos processos formativos.
Iniciamos o estudo, deixando explícito o referencial teórico pelo qual abordaremos nosso objeto,
bem como aprofundamos a discussão sobre a centralidade do trabalho no processo de desenvolvimento
da motricidade humana.
Discutimos o conceito de Psicomotricidade, bem como introduzimos os diversos campos de
atuação psicomotora, os quais serão aprofundados nos capítulos subsequentes – Corpo hábil, Corpo
consciente propostos por Jean Le Camus, em sua obra O Corpo em Discussão.
Em algumas aulas é apresentado um texto base, que se segue imediatamente à abertura da
aula – no qual o aluno encontrará um panorama geral do período em questão. Além dos conteúdos
teóricos, elaboramos um resumo esquemático para complementar as informações relativas a cada um
dos conteúdos propostos, tarefa esta que sugerimos ser efetivada em duas etapas: 1) individualmente,
durante a aula; 2) em grupo de discussão, posteriormente à explanação do professor.
Na sequência, apresentamos: O movimento e a criança; um estudo sobre A relação entre
desenvolvimento motor e as múltiplas inteligências; A dança na Educação Infantil e Educação e
Criatividade.
Esperamos que este material, considerando as limitações inerentes a qualquer produção
acadêmica, uma vez partindo de uma perspectiva histórica e crítica do corpo, das técnicas e métodos
que dele vêm se ocupando ao longo dos tempos, possa ampliar o entendimento da Psicomotricidade
como prática educativa e, portanto, como prática social, bem como, adicionar reflexões aos estudos e
à futura prática no campo da Psicopedagogia.
Bom trabalho!
Psicomotricidade: considerações preliminares

Psicomotricidade:
Vídeo Nesta conjuntura, a educação, embora se proponha a ser igualitária e para
todos, tem-se revelado um processo organizado a partir de modos diferenciados
de formação, no qual a classe trabalhadora é submetida a uma educação
considerações preliminares reducionista e simplificada, entendida como suficiente à sua adequação às
necessidades do sistema de produção capitalista.
Desta maneira, não somente o conhecimento fica restrito às necessidades
técnicas das linhas de produção, como também a complexidade do corpo do

A
passagem do modo de produção feudal para o capitalista implicou profundas modificações, trabalhador foi adequada/
acompanhadas de transformações nas formas de organização social, que envolveram diferen- reduzida às funções mecâ-
tes dimensões – cultural, política, educacional e econômica. A prática do artesão, trabalhador nicas e à rotina do tempo
do período feudal, era caracterizada como própria de um trabalhador total, o qual fabril (FOULCAULT, 1988;
MARX, 2001).
[...] dispunha do domínio teórico-prático do processo de trabalho como um todo. Isto é, dominava um projeto Neste contexto, as prá-
teórico, intencional, necessário à realização de um certo produto, e, para produzi-lo, contava com formação anterior ticas corporais foram e são
que lhe assegurava destreza especial, a força necessária e habilidades específicas para operar certos instrumentos de inestimável valor para
sobre a matéria-prima adequada, ao longo de todas as etapas do processo de trabalho. (ALVES, 1998, p. 37) que a normatização da vida
privada e institucional se
A transformação da produção artesanal em manufatureira e, posteriormente, em industrial, com concretize. Sobre este fato,
vistas à obtenção de maior produtividade e lucratividade, só foi possível com a divisão do trabalho e esclarece Foucault (1988,
a transformação do trabalhador total em trabalhador parcial. (ALVES, 1998) p. 126) que “[esses] métodos
que permitem o controle
minucioso das operações do
corpo, que realizam a sujeição
constante de suas forças e
lhes impõe uma relação de
Cena do filme Tempos modernos, extraída da capa do livro docilidade-utilidade, são
Loucura do Trabalho, de Christophe Dejours. o que se denominou por
“disciplinas”.
Frente a esta perspectiva de intervenção direta sobre o corpo, com o objetivo de
normatizá-lo e classificá-lo de acordo com as necessidades dos modos de produção
de determinada sociedade, que a Psicomotricidade, no contexto capitalista, é uma das
áreas que muito tem colaborado para a sistematização de saberes e técnicas corporais,
amplamente utilizados e expandidos pelas instituições educacionais, fato que explicita
“Totalidade, no trabalho sua organicidade com o modo de produção de nossa sociedade.
1 em referência, nada tem a
ver com as imprecisas noções Ao buscarmos, portanto, conceituar esta área do conhecimento e apreender
de ‘todo’, de ‘contexto social’,
sistematicamente presentes nas
os benefícios que ela pode oferecer para o encaminhamento das necessidades
falas dos educadores. Totalidade, relativas ao processo psicopedagógico, coloca-se a necessidade de superar a visão
no caso, corresponde à forma de
sociedade dominante em nosso tendencialmente positivista e biologicista pela qual ela vem sendo, historicamente,
tempo: a sociedade capitalista.
Neste percurso, o trabalhador foi sendo alienado do processo de produção como um todo e, Apreender a totalidade implica, concebida. Neste sentido, o simples conhecimento a respeito das diversas linhas
com os avanços da mecanização industrial, também ficou alheio ao produto em si, transformando-se necessariamente, captar as leis
que a regem e o movimento
e práticas direcionadas à educação, reeducação e terapia psicomotoras parece
num acessório vivo de um organismo morto – a máquina. Expropriado, inclusive, do conhecimento que lhe é imanente” (ALVES, ser insuficiente para tal superação, bem como para revolucionar o entendimento
Gilberto Luiz. Apresentação.
produzido pelo seu próprio ofício, “o operário fabril passou a realizar operações rotineiras que In: Klein, Lígia Regina. a respeito da significativa banalização e reducionismo a que está sujeita a
não exigiam qualquer destreza especial. Com isso, a produção capitalista, enquanto domínio do Alfabetização: quem tem medo
de ensinar? São Paulo: Cortez; dimensão corporal, no ambiente escolar e clínico. É preciso buscar apreender a
trabalho simples, se realizou em sua plenitude” (ALVES, 1998, p. 39). Campo Grande: Editora da
Universidade Federal de Mato
Psicomotricidade enquanto prática social, em seu movimento na história, ou seja,
As ideias de Alves encontram apoio na análise realizada por Marx e Engels (1987, p. 68), na Grosso do Sul. 1996, p. 10). concebê-la numa perspectiva de totalidade1.
qual “[a] indústria e o comércio, a produção das necessidades de vida, condicionam, por seu lado,
a distribuição, a estrutura das diferentes classes sociais, para serem, por sua vez, condicionadas por
estas em seu modo de funcionamento”.
7 8
Filogênese da motricidade

Filogênese da motricidade
Vídeo

Toda riqueza provém do trabalho, asseguram os economistas.


E assim o é na realidade: a natureza proporciona os materiais que o
trabalho transforma em riqueza. Mas o trabalho é muito mais do que
isso: é o fundamento da vida humana. Podemos até afirmar que,
sob determinado aspecto, o trabalho criou o próprio homem.

Engels, 1876

P
ara que possamos entender a Psicomotricidade, seus objetos de estudo e de trabalho, ao longo da
história, faz-se necessário explicitar o fator que jogou a motricidade no processo de hominização.
Ao estudarmos a filogênese da motricidade humana, acompanhando as transformações
anátomocorticais desde os macacos até o Homo sapiens sapiens, evidencia-se com extrema clareza
que, assim como refere Marx (2001), o trabalho é um processo pelo qual o homem, à medida que A mão humana, com os dedos reduzidos, com um polegar relativamente
modifica a natureza externa, modifica a sua própria natureza. comprido, evidenciando a capacidade de rotação sobre o seu próprio eixo,
podendo opor-se aos restantes dedos, permitiu ao Homem a capacidade de
Da quadrupedia terrestre à apropriação do meio arbóreo-aéreo, como modo de remediar sua fabricar [e utilizar] instrumentos, razão fundamental do fenômeno humano.
condição de vulnerabilidade frente aos predadores, nossos ancestrais remotos ficaram imersos em no- (FONSECA, 1982, p. 71)
vas necessidades. Tal situação colocou em marcha uma série de modificações na organização social,
alimentar, esquelética e cerebral desses pré-hominídeos. A partir do refinamento das possibilidades de manipulação da realidade cir-
Explicitando as transformações cerebrais relativas à organização tônica, resultante das novas cundante, a utilização consciente e a produção de instrumentos tornam-se um fato
necessidades impostas pelo habitat aéreo, explica Fonseca (1982, p. 69) que e, ao mesmo tempo, um marco qualitativo na passagem do Homo habilis para o
Homo sapiens sapiens. O objeto, antes tido pelos primatas e hominídeos como
[...] a locomoção aérea põe mais problemas de equilibração e coordenação que a locomoção terrestre, na medida intracorpóreo, ou seja, indiferenciado do corpo, passa a ser diferenciado. Ao ser
em que os estímulos proprioceptivos tendem a multiplicar-se, até porque, se encontram conjugados com os es- (des)incorporado intencionalmente na dinâmica de produção da sobrevivência da
tímulos exteroceptivos visuais, razão pela qual as conexões corticais e cerebelosas se inter-relacionam cada vez comunidade, o objeto torna-se instrumento. Neste sentido, nossos antepassados
mais, favorecendo um desenvolvimento cerebeloso que tem como função coordenar as informações que vêm dos libertam-se da sujeição à natureza externa e passam a produzir modos de intervir
músculos, dos tendões e das articulações e submetê-las à apreciação da motricidade, responsável pela equilibração conscientemente sobre ela, superando suas limitações físicas (o instrumento am-
(sistema extrapiramidal-teleocinático) e pela coordenação (sistema piramidal-ideocinático). plia suas capacidades motoras) e fisiológicas (expansão das estruturas cerebrais)
de sobrevivência.
Tais modificações, de ordem cerebelar, além de terem garantido a precisão dos movimentos
amplos, a partir da independização das mãos pela postura verticalizada, influenciaram decisiva-
mente na possibilidade de manipular objetos e construir instrumentos. Citando Sanides, Fonseca
(1982, p. 69) enfatiza que

[...] [ao] grau mais elevado da diferenciação da representação motora neocortical, com o aperfeiçoamento progres-
sivo dos movimentos unilaterais das extremidades, corresponde um aperfeiçoamento cerebeloso que assegura a
harmonia do movimento mais complicado através de sistemas cerebelosos proprioceptivos.

Neste sentido, Sanides evidencia que a capacidade de planejamento e execução das ações, fator
de distinção entre o homem e seus antecessores primatas, ou seja, o desenvolvimento do neocórtex
Do movimento ao pensamento reflexivo. Das ações à sequência dos seus
bem como a especialização dos hemisférios cerebrais, entre outras coisas, é resultante de um processo efeitos. Ação e representação corolário um do outro. (FONSECA, 1982, p. 99)
que visou equacionar as necessidades impostas pelo meio arbóreo.
Com a emancipação da mão, até então necessária às funções de locomoção arborial, novas
funções apresentaram-se, a princípio, ligadas às necessidades básicas adaptativas, por exemplo, de Deste modo, surgiram as primeiras formas de trabalho propriamente ditas,
preparação alimentar, apanhando e selecionando os alimentos antes de introduzi-los na boca etc. ou seja, as primeiras intervenções intencionais sobre a natureza, provocando a
Assim, a destralidade manual, pouco a pouco, colocou-se como um dos principais instrumentos de expansão do potencial humano pelo uso do instrumento.
apropriação do real e de relação com este. Se o fabrico e uso consciente do instrumento permitiram a superação das
limitações corporais do indivíduo, segundo Marx (2001, p. 382), “[...] ao coope-
rar com outros de acordo com um plano, desfaz-se o [ser humano] trabalhador
9 10
Filogênese da motricidade Filogênese da motricidade

dos limites de sua individualidade e desenvolve a capacidade de sua espécie” Nesta parte do trabalho, relativa à filogênese da motricidade humana, pro-
(colchete nosso). curamos evidenciar o fato de que o trabalho, historicamente, vem se apresentando
A necessidade do trabalho cooperado e planejado oportunizou o flores- como o grande mote da consciência humana.
cer de uma linguagem cada vez mais elaborada e, com isto, a expansão das Criadora da cultura, primórdio da expansão cerebral com suas ilimitadas
capacidades cerebrais dá um salto qualitativo em suas possibilidades de asso- potencialidades associativas, a atividade laboral coloca o potencial humano dia-
ciação e abstração. leticamente dependente de uma organização social cada vez mais complexa, or-
No quadro abaixo, Fonseca (1982, p. 104) oferece uma síntese do processo ganização esta que exigirá e produzirá estreitos vínculos entre a necessidade de
que até agora expusemos e procura enfatizar a profunda conexão entre necessida- desenvolvimento de suas forças produtivas e de seus meios de produção.
des de sobrevivência, trabalho, utilização e fabrico de instrumentos e alterações Na sequência de nossas aulas, continuaremos nossas reflexões, procurando
anatomofisiológicas, que levaram o homem a constituir-se como tal. explicitar o modo pelo qual a Psicomotricidade, enquanto elemento do processo
educacional, tornou-se um dos meios pelo qual os homens vêm intervindo cons-

(FONSECA, 1982, p.104)


cientemente na natureza humana, produzindo especificidades motoras de acordo
com as necessidades de produção de nossa sociedade.

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Psicomotricidade: uma categoria em discussão

Psicomotricidade:
Vídeo Uma vez explicitadas as concepções de Psicomotricidade que nortearão
nossos estudos, podemos passar para as sistematizações explicativas das
principais categorias com as quais trabalha esta área do conhecimento e,
uma categoria em discussão posteriormente, para uma abordagem crítica de sua historiografia.

Q uando perguntamos aos nossos alunos o que entendem por Psicomotricidade, aparecem
respostas como:
Estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora
Uma vez discutida a categoria Psicomotricidade, vamos fazer uma
Movimento, cérebro; introdução relativa às suas áreas de atuação. De modo geral, a intervenção no
Técnicas para desenvolver o conhecimento das partes do corpo; campo psicomotor vem sendo concebida a partir de quatro grandes áreas, a
Ligação corpo-mente; saber: estimulação, educação, reeducação e terapia psicomotora.
Equilíbrio; Para a definição dos campos de intervenção psicomotora, faremos, a seguir,
Técnicas voltadas ao desenvolvimento de pré-requisito para leitura e escrita; uma transcrição de alguns trechos da obra de Bueno (1998), Psicomotricidade:
Corpo e emoção; teoria e prática, por sua fidelidade ao modo vigente de conceber as especificidades
Exercícios de coordenação motora; desta área do conhecimento.
Corpo e cognição; Segundo esta autora, (BUENO, 1998, p. 83)
Desenvolvimento infantil;
Esquema corporal; Entende-se por estimulação psicomotora o [processo] que envolve contribuições para
Lateralidade etc. o desenvolvimento harmonioso da criança no começo de sua vida. Caracteriza-se por
atividades que se preocupam e vão ao encontro das condições que o indivíduo apresenta,
acima de tudo, na sua capacidade maturacional, procurando despertar o corpo e a atividade
Como se pode observar, uma gama bastante vasta, que vai desde concepções mais funcionais por meio de movimentos e jogos e buscando a harmonia constante. Estimulação quer
(maturação do sistema nervoso, processos neuromotores, pré-requisitos, coordenação etc.), até pers- dizer despertar, desabrochar o movimento. Dirige-se prioritariamente a recém-natos e
pectivas mais ligadas aos aspectos relacionais da motricidade humana (corpo e emoção). pré-escolares. Alguns autores referem-se à estimulação psicomotora como estimulação
Esta variedade de noções que surgem, no senso comum, em conexão ao termo Psicomotricida- precoce, mas consideramos o termo errôneo, sendo mais sensato utilizarmos estimulação
de, reflete o próprio processo histórico pelo qual esta área do conhecimento vem se constituindo. essencial.
Preliminarmente, segundo alguns estudos mais difundidos, que procuram explicitar a es-
pecificidade deste campo, podemos visualizar a abrangência da Psicomotricidade por meio do
seguinte esquema: Educação psicomotora
Psico Motricidade Abrange todas as aprendizagens da criança, processando-se por etapas
Aspectos biomaturacionais Movimento progressivas e específicas conforme o desenvolvimento geral de cada
indivíduo. Realiza-se em todos os momentos da vida por meio de percepções
Aspectos cognitivos Ação corporal vivenciadas, como uma intervenção direta nos aspectos cognitivo, motor e
emocional, estruturando o indivíduo como um todo. A educação passa pela
Aspectos afetivos
facilitação das condições naturais e prevenção de distúrbios corporais1. Ela
se realiza na escola, na família e no meio social, com a participação dos
Partindo desta multiplicidade de aspectos que estabelecem uma inter-relação com a motricida- educadores, dos pais e dos professores em geral (professores de natação, de
de, a Sociedade Brasileira de Psicomotricidade (SBP) (fundada em 1980), em meados dos anos 1990, atividades aquáticas, judô, balé, ginástica, dança, arte-educadores, magistério
procurando especificar a abrangência da Psicomotricidade no país, elaborou um primeiro conceito geral etc.). Dirige-se prioritariamente às crianças em condições de frequentar a
desta área do conhecimento: Psicomotricidade é “uma ciência que tem por objeto o estudo do homem, escola e sem comprometimentos maiores. Muitos autores enfatizam essa área
através de seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo interno e externo” (SBP, 1995). 1 Referimo-nos aos distúr-
bios corporais orgânicos,
psicomotores funcionais, de
de atuação e acreditamos que a base educativa acaba permeando as outras
Sentimos a necessidade de especificar um pouco mais o conceito de Psicomotricidade elaborado comportamentos ou sociais, (reeducação, estimulação e terapia).
pela SBP. Neste sentido, superando a visão idealista vigente, concordamos com Silva (2002) quando em que a educação psico-
motora pode e deve intervir,
Le Boulch (1981) comenta que “a educação psicomotora deve ser considerada
afirma que Psicomotricidade, numa perspectiva de totalidade, define-se como, “uma área do conheci- prevenindo-os. como uma educação de base na escola elementar, ponto de partida de todas as
mento que tem por objeto o corpo e o movimento humano em suas relações sociais e de produção”.
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Psicomotricidade: uma categoria em discussão Psicomotricidade: uma categoria em discussão

aprendizagens pré-escolares e escolares”. Ele lutou e conquistou, na década de De Fontaine (1980) diz
1960, a inclusão da educação psicomotora nos cursos primários da França.
Vayer (1969) coloca que A reeducação embasa sua eficácia no fato de que se remonta às origens, aos mecanismos
de base que estão na origem da vida mental, controle gestual e do pensamento, controle
[...] do ponto de vista educativo, o papel e lugar da educação psicomotora na educação das reações tônico-emocionais, equilíbrio, fixação na atenção, justa preensão do tempo e
geral corresponderá, naturalmente, às diferentes etapas do desenvolvimento da criança, do espaço. (apud BUENO, 1998, p. 85)
e assim entendemos que: no curso da primeira infância, toda educação é educação
psicomotora; no curso da segunda infância, a educação psicomotora permanece sendo o
núcleo fundamental de uma ação educativa que começa a diferenciar-se em atividades Terapia psicomotora
de expressão, organização das relações lógicas e as necessárias aprendizagens de leitura-
-escrita-ditado; no curso da ‘grande infância’, a diferenciação entre as atividades Dirigida a indivíduos com conflitos mais profundos na sua estruturação, associados aos
educativas se faz mais acentuadamente, e a educação psicomotora mantém então a [aspectos] funcionais ou com desorganização total de sua harmonia corporal e pessoal. En-
relação entre as diversas atividades que concorrem simultaneamente ao desenvolvimento volve [por exemplo] crianças com agressividade acentuada, pulsões motoras incontroladas,
de todos os aspectos da personalidade. casos de excepcionalidade e dificuldades de relacionamento corporal e também destinada
a indivíduos que possuem associação de transtornos da personalidade. Está baseada nas
Lapierre (1989) coloca que a educação psicomotora “é uma ação relações e na análise dessas relações por meio do jogo de movimentos corporais. (BUENO,
psicopedagógica que utiliza os meios de educação física, com a finalidade de 1997, p. 85)
normalizar ou melhorar o comportamento do indivíduo”.
Picq–Vayer (1969) sugerem que se investiguem as técnicas mais eficazes Como pode-se notar pelas contribuições de Bueno e dos autores a
para obter uma melhora progressiva no comportamento geral da criança. quem ela recorre, as especificidades de atuação no campo psicomotor mais
E Bueno (1998, p. 84) completa dizendo que: amplamente adotadas priorizam as questões biológicas, cognitivas e de
comportamento, embora, por vezes, com um acento mais humanista, porém,
A consciência do corpo, o domínio do equilíbrio, o controle e mais tarde a eficácia das não deixando claro o papel da Psicomotricidade enquanto sistematização de
diversas coordenações gerais e segmentares, a organização do esquema corporal, a uma sociedade que tem necessidades específicas – a de organizar e gerir os
orientação no espaço e, finalmente, melhores possibilidades de adaptação ao mundo modos de produção capitalista.
exterior são os principais motivos da educação psicomotriz.

Reeducação psicomotora
É a ação desenvolvida em indivíduos que sofrem com perturbações ou
distúrbios psicomotores. A reeducação psicomotora tem como objetivo retomar
as vivências anteriores com falhas ou as fases de educação ultrapassadas
inadequadamente. Em termos gerais, reeducar significa educar o que o indivíduo
não assimilou adequadamente em etapas anteriores. Deve começar em um tempo
hábil em razão da instalação das condutas psicomotoras, diagnosticando as
dificuldades a fim de traçar o programa de reeducação.
A atribuição da reeducação está contida em várias áreas profissionais:
pedagogia, educação física, fonoaudiologia, fisioterapia, terapia educacional,
psicologia, arte-educadores, educadores, médicos da especialidade motora
ou psíquica, entre outros. Mas, o mais importante para uma boa reeducação é
a tranquilidade e o intercâmbio afetivo entre o presente do reeducador com o
reeducando, condição básica para uma boa reeducação.
O artigo 7.º da proposição da lei francesa de 15/2/74 cita que a reeducação
deve ser “neurológica em sua técnica, psicológica e psíquica em sua meta, destinada
pela intermediação do corpo a atuar sobre as funções mentais e psicológicas
perturbadas tanto na criança como no adolescente ou no adulto”.

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Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias

Psicomotricidade:
Vídeo Se visto sob uma perspectiva de totalidade, podemos dizer que os saberes
técnicos produzidos por esta área do conhecimento, relativos ao esquema
corporal, justificaram o surgimento de uma verdadeira economia do movimento.
um estudo preliminar de suas categorias Determinados pela necessidade imposta pelo capital, de extração de lucro por
meio do aumento da produção, sem o respectivo aumento de investimento em
mão de obra, tais saberes influenciaram vários setores da sociedade, incluindo a
Educação. Nesse setor, tal visão colocou em marcha, entre outros, um processo de

P
ara iniciar nossos estudos, temos que abordar algumas categorias fundamentais para a reflexão intervenção psicomotora, que justificou a formação da classe trabalhadora, pela
sobre as produções teóricas e técnicas no campo da Psicomotricidade. São elas: esquema corporal, necessidade de um programa compensatório direcionado para o desenvolvimento
imagem corporal e tono. Para as duas primeiras categorias, esquema corporal e imagem corporal, de pré-requisitos que garantissem um bom desempenho nas etapas posteriores de
utilizaremos, fundamentalmente, a obra de Michel H. Ledoux, Introdução à Obra da Françoise Dolto. Já escolarização, frente à precariedade cultural e social da população pobre.
o assunto tono será abordado a partir de um artigo de Vitor da Fonseca, em sua obra Psicomotricidade.
Referente ao esquema corporal, Ledoux (1991, p. 85), psicanalista francês, colaborador de

(FREIRE, 1989, p. 65)


Françoise Dolto, oferece a seguinte formulação:

O esquema corporal especifica o indivíduo como representante da espécie. Mais ou menos idêntico em todas as
crianças da mesma idade, ele é uma realidade de fato, esteio e intérprete da imagem do corpo. Graças a ele, o corpo
atual fica referido no espaço à experiência imediata. Ele é inconsciente, pré-consciente e consciente.

Seguindo esta posição, podemos considerar que o esquema corporal é definido pela área da
Psicomotricidade como a organização de estruturas cerebrais que outorga ao indivíduo a capacidade
funcional, ou seja, o conhecimento progressivo das partes e funções do corpo, a partir de etapas
sucessivas, determinadas pela maturação neurocortical e pela relação da pessoa com o meio físico
e humano. Esta organização, segundo a Psicomotricidade, tem como função propiciar ao indivíduo
noções de globalidade de si, equilíbrio postural, afirmação da lateralidade, entre outras habilidades.
(FREIRE, 1989, p. 194)

A imagem corporal, por sua vez, radica nas impressões resultantes das
relações de prazer e desprazer estabelecidas entre a pessoa e seus pares, sobretudo
na infância, que lhe dispensam cuidados básicos cotidianamente. Segundo Ledoux
(1991, p. 84-85),

[...] [a] imagem inconsciente do corpo não é o corpo fantasiado, mas um lugar inconsciente
de emissão e recepção das emoções, inicialmente focalizado nas zonas erógenas de prazer.
Ela se tece em torno do prazer e do desprazer de algumas zonas erógenas. [...] trata-se de uma
memória inconsciente da vivência relacional, de uma encarnação do Eu em crescimento.
[...] a imagem do corpo, individual, está ligada à história pessoal, a uma relação libidinal
marcada por sensações erógenas eletivas. Como vestígio estrutural da história emocional,
e não como prolongamento psíquico do esquema corporal, ela se molda como elaboração
das emoções precoces com os pais tutelares.
17 18
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias

Essencialmente relacional e inconsciente, a estruturação da imagem do O estado tônico, ligado aos fatores relativos à história biológica do
corpo apoia-se na dialética entre o próprio desejo do sujeito e o desejo do outro, indivíduo, traduz a multiplicidade de fenômenos neurofisiológicos que permitem
influenciando, diretamente, os modos de relação que o indivíduo vai empreender ao movimento emergir do fundo que o suporta, o que o torna implicado, portanto,
com os outros, consigo mesmo1 e com as coisas. com os outros aspectos da iniciativa motora. Encontra-se, também, ligado aos
fatores hereditários e aos da maturação, a partir dos quais se desenvolvem
diferentes estados tônicos relacionados com a vigilância e com os diferentes

(LAPIERRE, 2002, p. 71)


episódios da vida emocional.
A hipotonia aparece, assim, como um fator relacionado com a satisfação das
necessidades, no período de imaturidade corporal; a hipertonia, pelo contrário,
revela-se como o meio de defesa mais eficaz e mais frequente, fator de luta contra
os conflitos e contra as ansiedades criadas por estes.
Foi sob a designação de “armadura caracterial” que W. Reich descreveu
as formas ativas de resistência. Os aspectos tônicos encontram-se ligados a toda
uma cronologia de atitudes, tomada pelo sujeito no decurso da sua evolução
temporal.
A função tônica está ligada à totalidade da personalidade do indivíduo, como
provam vários aspectos do domínio psicopatológico, que nos permitem perceber
melhor as implicações da tonicidade.
Segundo Wintrebert, os conflitos psíquicos inconscientes podem-se
transplantar para a periferia do corpo sob a forma aparente de uma doença orgânica.
1 Por exemplo: uma criança
de três ou quatro anos, de
modo geral, tem um aparato
A esfera psíquica, quando não tolera os conflitos, projeta-os na esfera motora sob
motor e neurológico suficiente- a forma de uma perturbação orgânica (psicossomática).
mente desenvolvido para subir
Neste sentido, Ledoux (1991, p. 89) explicita que alguns degraus de uma escada O estado tônico traduz um equilíbrio entre a periferia e os centros nervosos
e saltar. Em relação à organi-
zação do esquema corporal,
que tocam níveis da personalidade profunda.
[...] [a] comunicação sensorial (emocional) e a fala do outro aparecem como dois substratos ela está apta para empreender As experiências de Baruk mostraram que a alteração do estado tônico não
a tarefa. Porém, nossa prática
dessa imagem do corpo. A simples experiência sensorial (corpo a corpo), sem um mediador clínica e institucional eviden- afeta a perda de execução, mas a iniciativa e o plano do movimento. Por causa
cia que algumas crianças o
humano, só instrui o esquema corporal e não estrutura a imagem do corpo. [...] viver num farão com certa tranquilidade, daquela alteração, os terrenos cerebrais encarregados das funções psicomotoras
esquema corporal, sem imagem do corpo, equivale ao “viver mudo”, solitário. enquanto outras hesitarão e, até
por medo, não o farão. Entre
encontram-se perturbados, o que resulta na perda de contato com o mundo exterior,
as crianças que não o fazem e/ no isolamento, na indiferença emocional, nas alucinações etc.
ou hesitam, podemos encontrar
Essa citação evidencia a estreita relação entre esquema e imagem corporal, uma parcela que é sobrepro- A catatonia, por exemplo, é um problema tônico que se encontra nos
bem como, concebe estas categorias determinadas pelas relações humanas, nas tegida pelas figuras parentais.
Nestes casos, a dificuldade da
esquizofrênicos: nestes indivíduos, verifica-se a persistência de atitudes durante
quais o corpo e a linguagem constituem-se como elementos fundantes das relações e criança em pular não é uma bastante tempo, sem fadiga aparente. Nestes casos, tudo indica que o indivíduo reduz
questão de maturação ou falta
da estruturação do sujeito. Segundo estudos recentes, estas formulações no campo de conhecimento do próprio as suas possibilidades de relação com o mundo exterior e que, ao mesmo tempo,
corpo, mas sim, pode estar re-
da Psicomotricidade vêm justificando uma diferenciação no modo de apropriação ferida à ausência de imagem perde os meios de reconhecimento da imagem do seu corpo. Dão-se uma patologia
da força produtiva do trabalhador, visto que, à economia do movimento, relativa corporal positiva. Uma vez
que a criança é tratada pelos
relacional e uma perda de adaptabilidade com as correspondentes dissociações do
ao esquema corporal, adiciona-se, pelas sistematizações a respeito da imagem seus pais e/ou tutelares como “eu psíquico” do “eu corporal”, que se desintegram progressivamente.
frágil, necessitando ser sobre-
corporal, um novo elemento – a economia do desejo. protegida, ela tem dificuldade A evolução tônica está ligada à historicidade das relações do indivíduo
em reconhecer-se potente o su-
ficiente para utilizar suas com- com o seu meio ambiente, segundo um equilíbrio que, progressivamente, vai-
petências e arriscar, como em
nosso exemplo, um salto.
-se estabelecendo. Pela vivência de crises e conflitos emocionais, o tônus vai-se
constituindo e moldando-se às diferentes situações, adquirindo, assim, reações
Dados sobre a organização psicomotora: mais ajustadas às situações do meio.
abordagem da regulação sensório-motora 2 Texto complementar ao A vivência corporal não é senão o fator produtor das respostas adequadas,
texto “Psicomotricidade:
em que se inscrevem todas as tensões e as emoções que caracterizam a evolução
e dos fatores psicotrônicos2 um estudo preliminar de suas
categorias”: FONSECA, Vítor
da. Dados sobre a organização
3 Tendência patológica para
a execução simétrica de
qualquer movimento, de qual-
psicoafetiva da criança. Segundo as vivências motoras, o tônus adquire uma
psicomotora: abordagem da quer contração muscular que expressão representativa, demonstrada ao longo da evolução da tonicidade e na
regulação sensório-motora e
Inúmeros autores estão de acordo ao aceitarem que o estado tônico é dos fatores psicotrônicos.
executa um membro sem que
a associação possua um signi-
dialética dos seus estados hipotônicos e hipertônicos. O estudo do tônus põe em
uma forma de relação com o meio, que depende de cada situação e de cada In: FONSECA, Vítor da.
Psicomotricidade. São Paulo, SP:
ficado funcional. Disponível prática a relação entre a extensibilidade e a passividade e os estudos da evolução
em: <www.ecoabreu.psc.br/
indivíduo. Martins Fontes, 1993. (p. 49-56) vocabulário.htm>. das sincinesias3. No primeiro aspecto, considera-se o grau de estiramento dos
19 20
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias

pontos de inserção muscular; no segundo aspecto, o movimento produzido à volta lisa e o sistema hormonal, interconexão esta estabelecida pela função tônica que
de uma articulação, ou seja, a sua resistência passiva; e no último, os movimentos intervém na regulação do sistema muscular voluntário (de relação), do sistema
associados e indiferenciados. neurovegetativo e do sistema hormonal, como argumenta Paillard.
Estas propriedades funcionais, ao distribuírem-se quantitativa e Wallon sublinhou que a função tônica intervém na dialética da atividade
qualitativamente, originam os diferentes tipos tônicos. Os hipertônicos de relação e no campo da psicogênese. Entre o indivíduo e o seu meio,
(hipoextensos) mais precoces na aquisição da marcha e mais ativos; os hipotônicos estabelece-se um diálogo corporal, em que a função tônica integra a história das
(hiperextensos) mais avançados na preensão e na exploração do próprio corpo. informações exteriores e inter-relacionais, para dar origem à fenomenologia do
A criança hipotônica tem movimentos mais soltos, mais leves e mais comportamento humano.
coordenados, e acusa um menor desgaste muscular. No aspecto social, uma criança O estudo da função tônica, iniciado no princípio do século XX por
com estas características revela um comportamento estável, que lhe garante uma Sherrington põe em destaque a necessidade de integrar o estudo do tônus na
maior receptividade. As pessoas que a cercam lhe dedicam um “amor sem censura” atividade organizada pelo sistema nervoso. Desde os estudos da atitude deste
e são normalmente “calmas” e “sossegadas”. Este clima afetivo, como é evidente, mesmo autor, e também de Rademaker, Liddel, Granit, Eccles, Kaada e tantos
intervém na formação do caráter da criança, como expressou Wallon. outros, a função tônica situa-se no campo da atividade cinética e também, como
A criança hipertônica apresenta uma multiplicidade de reações que traduzem defendem Mamo e Laget, na vastidão e complexidade da neurofisiologia. Vasto,
uma certa carência afetiva, visto que, pela sua exagerada produção motora (“os porque não é de formação nervosa exclusiva; complexo, porque forma o fundo das
capetas”), provocam, por parte das pessoas, reações de ansiedade e atitudes de atividades motoras e posturais, preparadoras do movimento, fixadoras da atitude,
rejeição. Graças à sua excessiva motricidade, a criança acusa maior poder de projetando o gesto e mantendo a estática e a equilibração.
tentativa, adquirindo, por esse fato e pelos seus próprios meios, as habilidades A função tônica constitui uma função específica e organizada, que prepara a
motoras fundamentais ao seu desenvolvimento. musculatura para as diferentes formas de atividade motora. A posição antigravítica
A precocidade da aquisição motora da marcha, por exemplo, pode originar dos segmentos do corpo é uma ilustração elementar de sua função motora.
obliterações4 afetivas, e como decorrência, os primeiros desgastes materiais. A A aquisição da atitude bípede, grande responsável pela hominização, conferiu
partir daqui, determinados espaços estão interditados e instala-se a privação de ao ser humano uma aptidão para qualquer forma de ação motora suscetível de
movimento. Esta simples situação é suficiente para alterar as relações afetivas satisfazer a sua natureza investigadora e as suas necessidades de ajustamento ao
mãe-filho, que irão repercutir no desenvolvimento posterior da criança. meio ambiente.
Já a criança hipotônica não só encontra envolvimento afetivo conveniente Esta função tônica é a vigilância do ser humano, elemento essencial da vida
e permissivo, como também inicia mais rapidamente as relações cérebro-mão, orgânica emancipada, provocando a estreita relação do somático aos contornos
provocadas pela preensão. A preensão, como estrutura de realização, depende do psiquismo.
da corticalização e favorece a coordenação óculo-manual, elemento essencial de A vigilância, suportada pela função tônica, é o alicerce dos múltiplos aspectos
maturação mental. da função motora. São inúmeras as variedades de tônus que lhe conferem o grau de
Stambak e Lezine realizaram um estudo experimental entre os tipos motores função mais plástica de todas as que constituem a formação e a organização motora.
e a correspondente adaptação caracterial, chegando à conclusão de que as crianças Deste modo, temos: tônus de repouso, tônus de postura, tônus de suporte, tônus motor
hipotônicas são mais tímidas, mais afetivas e mais dependentes que as crianças etc. Paillard defende que o tônus se encontra na base das manifestações organizadas,
hipertônicas, que já são mais raivosas e menos fixadas nos pais. Constataram, harmoniosamente repartidas na musculatura, a serviço de uma função específica –
ainda, que os comportamentos das crianças do mesmo tipo motor variam em equilibração ou movimento bem definido – e de expressões mais difusas, específicas
razão do regime socioeducativo a que estão sujeitas. Apresentando manifestações e de caráter geral. Como resposta a um estímulo que se exerce permanentemente
motoras e caracteriais semelhantes, as crianças podem ser fáceis ou difíceis, (a gravidade), o organismo reage por meio de uma atividade nervosa constate
segundo o ambiente cultural e o nível de tolerância que as cercam. autorregulada e, portanto, inconsciente.
Nesta simples amostragem, somos levados a compreender que a função O que é importante assinalar é a dupla atividade do músculo, que é suscetível
tônica está ligada a todas as manifestações de ordem afetiva, emotiva, cognitiva de atividade clônica (fásica, de movimento) rápida e altamente energética, e de
e motora. atividade tônica, lenta, pouco energética, de suporte, responsável pela postura.
Para muitos autores, como André-Thomas, Ajuriaguerra, Chailley-Bert, Cabe dizer que a análise cuidadosa do tônus requer métodos de estudo,
Mamo, Laget e Paillard, a função tônica é a mais complexa e aperfeiçoada do ser como a eletrofisiologia, a eletromiografia, a eletrofonia, a cinematografia etc., que
humano; encontra-se organizada hierarquicamente no sistema integrativo e toma testemunham com precisão a atividade elétrica desenvolvida pelas miofibrilas e
parte em todos os seus comportamentos. É à função tônica que se deve a inter- pelos motoneurônios.
-relação recíproca entre motricidade e psiquismo. A descoberta da sua função pelo Não vamos entrar num estudo detalhado do fuso neuromuscular, nem nas
aparecimento do fuso pelo e do sistema gama constitui uma virada científica 4 1. ato ou efeito de oblite-
rar-se; 2. destruição, eli-
implicações do sistema gama na organização motora do ser humano; apenas
no estudo do homem, bastante significativa. Em todas as formas de conduta do minação; 3. esquecimento, ol- apontamos novos campos experimentais que possam auxiliar na observação e na
vido; 4. apagamento, extinção.
ser humano há uma interconexão entre a musculatura estriada, a musculatura (Houaiss) compreensão dos fenômenos da motricidade humana.
21 22
Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias Psicomotricidade: um estudo preliminar de suas categorias

O tônus, por se encontrar ligado com as funções da equilibração e com as as sincinesias e as paratonias. Nas sincinesias, verifica-se uma incapacidade de
regulações mais complexas do ato motor, assegura a repartição harmoniosa das individualização motora, observada quando pedimos à criança para fazer um
influências facilitadoras ou inibidoras do movimento. movimento com uma mão e ela tem tendência a fazê-lo com a outra (movimento
A neurofisiologia e a neuropatologia fornecem grande quantidade de de imitação contralateral). Nas paratonias, verifica-se uma incapacidade de
elementos de estudo sobre as regulações inter e suprassegmentar da motricidade, descontração voluntária, não se observando o jogo de oposição básica da
auxiliando-nos na compreensão dos centros e das vias que ela põe em jogo. organização motora: músculos agonistas com os antagonistas, músculos flexores
Resumindo, o tônus tem uma função informática fundamental porque, ao com os extensores e os efeitos dialético-motores da contração e da descontração.
unificar as estimulações, integra-as nos centros responsáveis pela elaboração, Tanto as paratonias de fundo como as paratonias de ação encontram-se em relação
controle e execução do movimento. O tônus não é mais do que a expressão de uma com a função tônica e representam a expressão de seu funcionamento.
dinamogenia que, inicialmente imatura e difusa, vai se organizando em formações Tudo isso quer dizer que o regulamento e a modulação do tônus fazem do
mais adaptáveis e plásticas. Por meio de centros bulbomesencefálicos e sistemas músculo uma unidade disponível, de alerta, em permanente tensão de fundo, de
graviceptivos (a receptividade de gravidade), o tônus integra o bombardeamento onde emerge o movimento.
incessante dos estímulos exteriores que estão na base da aquisição da postura e da
consequente disponibilidade práxico-construtiva.
Toda a evolução humana se desenrola numa aparente oposição tônica,
verificada pela progressiva hipertonicidade do eixo corporal e pela progressiva
hipotonia das extremidades. Todos os movimentos, como argumenta Bergès,
partem do tronco e terminam nele. O movimento da cabeça e ombros é função
do tônus da coluna vertebral. As atividades de exploração e de orientação
desenvolvem-se com o suporte do tônus axial. É através da manutenção da cabeça
que se desencadeiam as estruturas visuais, auditivas e labirínticas, que vão permitir
o acesso à exploração do espaço bucal e do espaço contíguo, de que fala W. Stern.
Toda essa sucessiva maturação, tendo em vista uma autonomia, não é mais do que
uma progressiva organização tônica das vértebras.
Há como que uma dialética de desenvolvimento entre o tônus axial e o
tônus periférico, que encontra relação nos inúmeros casos patológicos.
A exploração do mundo e a descoberta do corpo realizam-se pelas atividades
de orientação e preparação e, posteriormente, pela direção e experiência corporal.
O tônus axial constitui, portanto, o ponto de partida do movimento no
tempo e no espaço, interdependentemente da lateralidade, ou seja, da motricidade
não diferenciada. Não vamos neste campo ampliar o conceito de lateralidade, por
constituir matéria suficiente para novo trabalho; apenas desejamos esclarecer que
toda a organização motora se encontra relacionada com o problema da dominância
hemisférico-cerebral. É, portanto, a motricidade espontânea que se encontra na
base dos fatores da decisão e iniciativa motoras. O tônus, em razão da utilização
do corpo, adquire uma especialização unilateral em conexão com a estruturação
progressiva do cérebro.
Além destas relações, devemos equacionar o movimento como estrutura
que supõe uma integração de mecanismos neurofisiológicos, dependentes da
evolução dos sistemas piramidal e extrapiramidal. O primeiro é responsável pela
motricidade fina, voluntária e ideomotora; o segundo constitui o fundo tônico-
-motor automático, que se opõe ao primeiro, servindo de guia às impulsões
piramidais. Devemos igualmente mencionar o sistema cerebelos, responsável
pela harmonia espacial do movimento.
Se, em qualquer destes sistemas, não existir um equilíbrio de funcionamento
e um potencial relacional com os outros, observam-se algumas síndromes de
debilidade motora, de desordem psicomotora, da patogenia dos hábitos motores,
de instabilidade psicomotora e de desorganização práxica, das quais se destacam
23 24
O corpo hábil

O corpo hábil
Vídeo Vídeo de adequar os movimentos, hábitos e costumes dos trabalhadores aos imperativos
do crescente processo de industrialização1.

E
mbora estudos sobre as práticas corporais considerem os primórdios da Psicomotricidade
datados dos séculos XVII-XVIII, momento em que as técnicas corporais passam a ser uti-
lizadas, deliberadamente, para um investimento político e econômico do corpo, Le Camus
(1986) situa o “nascimento” da Psicomotricidade no final do século XIX. Este marco deve-se ao
fato de o autor considerar a Psicomotricidade como saber derivado das ciências médicas e não
das ciências humanas.
Sendo assim, em vez de concebida enquanto produto e produtora das necessidades materiais
e de organização social do capitalismo moderno, segundo aquele autor, são as descobertas na área
da neurologia as principais responsáveis pelo batismo desta nova área do conhecimento. Segundo
Vigarello (1986, p. 16) “[o] adjetivo psicomotor teria nascido pouco após 1870, quando foi preciso
dar um nome às regiões do córtex cerebral situadas além das áreas propriamente motoras [...] onde
podia operar-se a junção ainda bem misteriosa, entre imagem mental e movimento.”
Segundo estudos sistematizados por Le Camus, o marco inaugural da Psicomotricidade
deve-se às experiências de Broca (1861), que descobre a ligação entre uma lesão cerebral
localizada e os sintomas da afasia. Isto outorga ao conhecimento médico da época a ideia de que
Antiga hipótese de Gall sobre a localização das facilidades mentais. (WELLS &
HUXLEY, 1955, p. 42) Centros do: (1) sentido das dimensões; (2) sentido da causalidade;
Área motora Área somatossensorial (3) disposição para imitar; (4) sentido das cores; (5) sentido do tempo; (6) talento;

(FONSECA, 1982)
(7) sentido da admiração; (8) otimismo; (9) firmeza de caráter; (10) vaidade;
(11) constância na amizade; (12) cuidados com a prole; (13) capacidade de amar;
(14) agressividade; (15) prudência; (16) poesia; (17) sentido da melodia;
(18) sentido da ordem; (19) aptidão matemática; (20) sentido mecânico;
(21) cupidez; (22) astúcia; (23) gula; (24) crueldade.

Neste sentido, o treinamento da classe trabalhadora deveria se dar de


modo a abarcar um número cada vez maior de pessoas e em idades cada vez
mais precoces. A educação escolar, neste contexto, ocupou lugar importantíssimo,
entre outros, como modo de controle e adequação do corpo e do espírito aos novos
ditames do trabalho. Sobre o papel de tal modalidade educacional, no processo de
Área de Broca organização produtiva, Rago (1987, p. 122), explicita que
(output)
Área auditiva Área visual
[...] [na] representação imaginária que os dominantes se fazem da infância, esta é percebida
(input)
como superfície chata e plana, facilmente moldável, mas ao mesmo tempo como ser dotado
Área de Wernicke Gírus angular de características e vícios latentes, que deveriam ser corrigidos por técnicas pedagógicas
Área de córtex envolvidas na fala: Área auditiva (input) para constituir-se em sujeito produtivo da nação.

Área de Wenicke (compreensão)


E Rago (1987, p. 118) acrescenta ainda que, neste processo,
Área de Broca (output)

[...] o poder médico defendeu a higienização da cultura popular, isto é, a transformação


havia uma estreita relação entre movimento e processos cerebrais, estabelecendo-se o que se dos hábitos cotidianos do trabalhador e de sua família e a supressão de crenças e
denominou paralelismo psicomotor. 1 A respeito das transfor-
mações nos modos de
produção daquela época, ver:
práticas qualificadas como primitivas, irracionais e nocivas. [...] Assim, a criança foi
Numa época de grandes transformações no modo de produção industrial, os estudos de Broca GOUNET, Thomas. Fordismo percebida pelo olhar disciplinar, atento e intransigente, como elemento de integração, de
e toyotismo na civilização do
e de tantos outros cientistas que buscaram entender os processos pelos quais se estabeleciam as automóvel. São Paulo: Boi- socialização e de fixação indireta das famílias pobres, e isto antes mesmo de afirmar-se
relações entre mente e movimento, receberam grandes investimentos. Isto se deu pelo fato de que tais tempo Editorial, 1999. como necessidade econômica e produtiva da nação. Constituindo a infância em objeto
estudos respondiam, diretamente, às necessidades da modernidade capitalista resolver a difícil tarefa 25 26
O corpo hábil O corpo hábil

privilegiado da convergência de suas práticas, o poder médico procurou legitimar-se como modalidade enfim: implica uma coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos
tal, demonstrando para toda a sociedade a necessidade insubstituível de sua intervenção de atividade mais que sobre seu resultado e se exerce de acordo com uma codificação que
como orientadores das famílias e como conselheiros da ação governamental. O recorte e a esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos.
circunscrição daquilo que se configurou como o tempo da infância e sua objetivação pela
medicina atenderam, então, ao objetivo maior de legitimação das práticas de regulamentação Ao mesmo tempo que estas formulações científicas possibilitavam uma maior
e controle da vida cotidiana. Os médicos procuraram apresentar-se como autoridade mais propriedade sobre o detalhamento do corpo e das práticas que dele se ocupam,
competente para prescrever normas racionais de conduta e medidas preventivas, pessoais também apresentavam suas limitações. Conforme Marx (1984, p. 44) relatou,
e coletivas, visando produzir a nova família e o futuro cidadão.
[...] [a] principal dificuldade na fábrica automática consistia em sua disciplina necessária,
É nesta perspectiva que as práticas corporais do primeiro período, legitimadas em fazer seres humanos renunciarem a seus hábitos irregulares no trabalho e se identificar
pela tese da privação cultural, no Brasil, travestem-se de um cunho cientificista, com a invariável regularidade do grande autômato. Divisar um código de disciplina fabril
higienista e salvacionista dos processos de desenvolvimento infantil, organizadas, adequado às necessidades e à velocidade do sistema automático e realizá-lo com êxito foi
entre outras formas, sob a égide da disciplina Educação Física. um empreendimento digno de Hércules.
Em 1901 (França), o Doutor Philipe Tissié (p. IX), que se opunha ao
militarismo imperante na área da educação do corpo, defendendo as bases A verdade é que este êxito não foi total, o capital jamais conseguiu
científicas desta disciplina, declara que controlar totalmente a força de trabalho humano. Se por um lado isto constituiu
um problema para o capital, também implementou uma busca incessante neste
[...] [por] Educação Física não se deve entender apenas o exercício muscular do corpo, sentido, fato que resultou em processos cada vez mais requintados de diagnóstico
mas também e principalmente o treinamento dos centros psicomotores pelas associações e encaminhamento das questões relativas à relação corpo-mente.
múltiplas e repetidas entre movimento e pensamento e entre pensamento e movimento. Um exemplo disso são os estudos de Edouard Guilmain, o qual empenhou-
(apud LE CAMUS, 1986, p. 16) -se em “[encontrar] um método de exame direto que [descobrisse] o próprio fundo
do qual os atos são a consequência.” Sua ambição era conseguir identificar quais
Sob estas bases surge uma técnica de abordagem corporal que, auxiliada estruturas psicomotoras, solidariedades interfuncionais, concomitâncias de sintomas
pelos conhecimentos das áreas médicas, paramédicas e das ciências humanas, foi (síndromes) ou de disposições (tipo) que incidiam sobre as esferas motora e afetiva
denominada ginástica educativa, posteriormente, dividindo-se em dois grandes da criança. Deste modo, ao estabelecer um protótipo do Exame Psicomotor (1935),
ramos: ginástica pedagógica, destinada a todas as crianças, e ginástica médica, Guilmain procurou desenvolver um instrumento de medida, meio diagnóstico,
reservada à reabilitação das crianças com necessidades especiais (apud LE indicador terapêutico e de prognóstico das disfunções psicomotoras. Além da
CAMUS, 1986, p. 24). identificação e classificação dos “desviantes” de modo precoce e a sistematização de
Estava, em embrião, lançada a ideia daquilo que posteriormente denominou- um modo de tratá-los, ou melhor, adaptá-los aos imperativos sociais ainda quando
-se Educação Psicomotora e Reeducação Psicomotora. crianças, este tipo de instrumento permitia averiguar as causas de sintomas das
No contexto nacional, este processo de cientificização do corpo encontrará desordens psicomotoras que acometiam a população trabalhadora ativa, e organizar
sua aplicabilidade em escalas maiores a partir dos anos 30, do século passado. medidas para saná-las (Reeducação Psicomotora).
Neste período, enquanto para a primeira infância as intervenções aproximavam- Com o avanço dos processos de produção, o aumento da população, os problemas
-se daquelas tidas como cuidados ideais que a maternidade deveria suprir (noções da automação, as necessidades da sociedade burguesa tornam-se mais complexas. O
alimentares, de higiene, de saúde etc.), a segunda infância e a adolescência eram conhecimento de que psiquismo e dinamismo constituem-se numa díade inseparável
submetidas a processos de exercícios físicos que garantiam a afirmação do ideário já não era mais suficiente para garantir a disciplinarização do corpo e da mente
liberal – ordem e progresso, por meio da máxima grega – mente sã em corpo são. frente às novas necessidades sociais e de produção que se apresentam. O tratamento
Acompanhando o processo de verticalização dos saberes-poderes sobre o mecanizado, autômato, infringido ao corpo, suficiente para o encaminhamento das
corpo, Foucault (1988, p. 126) explicita que necessidades em tempos anteriores, começava a apresentar sinais de falência.
Desse modo, tornou-se premente uma superação dos modos vigentes de forjar,
[...] [muitas] coisas são novas nessas técnicas. A escala, em primeiro lugar, do controle: utilizar e controlar a classe trabalhadora, bem como, o seu potencial produtivo. Mais
não se trata de cuidar do corpo, em massa, grosso modo, como se fosse uma unidade uma vez, ao corpo e às ciências que dele se ocupam, caberia um lugar central neste
indissociável, mas de trabalhá-lo detalhadamente; de exercer sobre ele uma coerção sem processo. Além de recuperar os “anormais” (termo utilizado na época, quando se
folga, de mantê-lo ao nível mesmo da mecânica – movimentos, gestos, atitude, rapidez: referiam a pessoas deficientes) que, pelo seu volume de incidência, já se tornavam
poder infinitesimal sobre o corpo ativo. O objeto, em seguida, do controle: não, ou não um problema socioeconômico, era preciso também criar artifícios compensatórios
mais, os elementos significativos do comportamento ou a linguagem do corpo, mas a que pudessem suprir a precariedade das condições necessárias para um satisfatório
economia, a eficácia dos movimentos, sua organização interna; a coação se faz mais sobre desenvolvimento a que estavam sujeitas as crianças, garantindo, assim, a continuidade
as forças que sobre os sinais; a única cerimônia que realmente importa é a do exercício. A do sistema produtivo e a sobrevivência das classes dominadas.
27 28
O corpo hábil O corpo hábil

Corpo hábil – síntese esquemática Neurofisiológica


“...todo o movimento, mesmo o
mais simples, tem um significado
Período: biológico: o reflexo nociceptivo de
Final do século XIX até 1940 flexão é um ato de defesa, o reflexo
miotático de extensão permite ga-
Organizador: rantir a postura. A medula espinhal
Paralelismo é reconhecida como capaz de “inte-
grar” a informação, isto é, de anali-
Modelo: sar os estímulos e responder a eles
Mecanicista de modo adaptado” (LE CAMUS).
Dualismo cartesiano
(corpo-mente) Autores:
John Hughlings Jackson (1834-1911)
Concepção de corpo: Charles Sherrington (1852-1952)
Receptáculo da tradição

Bases teóricas:
Neurologia
Principais concepções – Neurologia
Neuropsiquiatria infantil
Ernest Dupré (1862-1921)

1901 – Síndrome da debilidade


Principais concepções – Neurologia motora

A debilidade motora é considerada


Anatomofisiológica estática então como um “estado patológico
“Existem íntimas ligações entre congênito da motilidade, muitas
pensamento e movimento... laços vezes hereditário e familiar [...] o
íntimos e recíprocos unem a cere- recém-nascido e o débil motor pato-
bração e a musculação, isto é, psi- lógico não dispõem de um feixe pi-
quismo e o dinamismo” (TISSIÉ, ramidal inteiramente amadurecido e
apud LE CAMUS,1986, p. 24). funcional” (LE CAMUS).

Autores: Henri Wallon


Per Henrik Ling (1778-1839)
Philippe Tissié (1852-1935) 1925 – Independência entre a debi-
lidade motora e mental, podendo ou
Corticopatológica não apresentarem-se associadas e/ou
"Insistindo na variabilidade dos fo- mesmo, serem originados por fatores
cos de lesão que permitiram superar hereditários (LE CAMUS).
o esquema estático da anatomopato-
logia [...] Não é, portanto, a própria “...o movimento é, antes de tudo,
função que se perdeu mas certo uso a única expressão e o primei-
dessa função” (LE CAMUS). ro instrumento do psiquismo”
(WALLON, 1925).
Autor:
Hugo Liepmann
29 30
O corpo hábil O corpo hábil

Edouard Guilmain (1901-1983)

1935 – Protótipo do exame psi-


comotor

“Encontrar um método de exame di-


reto que descubra o próprio fundo
do qual os atos são a consequência
[...] instrumento de medida, meio
diagnóstico, indicador terapêutico e
de prognóstico” (LE CAMUS).

Edouard Guilmain

Reeducação psicomotora

Técnicas utilizadas na neuropsi-


quiatria: exercícios de educação
sensorial; de desenvolvimento de
atenção e trabalhos manuais.
Corrente médico-pedagógica.

31 32
Corpo consciente

Corpo consciente:
Vídeo Vídeo nortearam os seus estudos, no sentido de situar a contribuição de cada um deles para
a sistematização da Psicomotricidade, enquanto ciência do esquema corporal.
O pressuposto comum levado a cabo por esses autores refere-se à
importância fundante das experiências vividas na primeira infância como base
uma análise das contribuições da Psicologia do do desenvolvimento social, emocional, intelectual e físico das crianças. Destas
experiências, ambos ressaltam a importância das percepções táteis, visuais e
Desenvolvimento para a ciência do esquema corporal
motoras, embora apresentem particularidades em suas formulações.
Wallon (1951), por exemplo, coloca o diálogo tônico, ou seja, a relação corporal
O corpo sutil é agora o corpo capaz de acolher, pôr em ordem e afetiva no centro do processo de desenvolvimento do caráter e da inteligência da
conservar a informação emanada do seu próprio funcionamento e do criança. Propondo uma estreita relação entre tono postural e tono emocional, e
meio (físico e humano) no qual se insere [...] Se o corpo sutil do considerando a emoção elemento de ligação entre o orgânico e o social, elabora uma
primeiro período [O corpo hábil] tinha por matriz uma psicologia ainda teoria do desenvolvimento que concebe a criança, desde o seu nascimento, como
muito enfeudada à neurologia, agora uma psicologia mais um ser em sociedade. Sendo assim, para este autor, a estruturação do caráter e da
autônoma irá constituir a principal referência teórica dos investigadores
inteligência depende, fundamentalmente, das relações estabelecidas entre a criança
e técnicos da psicomotricidade
e seus pares. Ajuriaguerra (1962), neurologista francês, citado por Le Camus (1986,
Le Camus, 1986, p. 31

C
p. 39), ao comentar as ideias de Wallon a respeito da importância das relações
corporais afetivas para o desenvolvimento infantil diz que
onforme a citação acima, a qual sintetiza o pensamento de Le Camus com
relação aos referenciais teóricos que nortearam a psicomotricidade do cor-
[...] a constante preocupação de Wallon foi a de destacar a importância da função afetiva
po consciente, acompanharemos que os processos colocados em marcha, a partir
primitiva em todos os desenvolvimentos ulteriores do sujeito, fusão expressa através dos
dos estudos da Psicologia do Desenvolvimento, causaram uma verdadeira revisão
fenômenos motores num diálogo que é o prelúdio ao diálogo verbal ulterior e a que chamamos
nos modos de conceber os processos de aprendizagem e intervir neles.
de diálogo tônico. [...] todos sabem da importância que Wallon concedeu ao fenômeno tônico por
Organizando saberes cada vez mais elaborados, que justificaram, no país,
excelência que é a função postural de comunicação, essencial para a criança pequena, função de
inúmeros programas compensatórios direcionados à infância, utilizados como
troca por meio da qual a criança dá e recebe. É principalmente aí, em nossa opinião, que a obra
barganha pelo governo com a classe trabalhadora, foi adotado pelos profissionais
de Wallon abre uma perspectiva original e fecunda na psicologia e na psicopatologia. A função
brasileiros, a partir de meados dos anos 50, do século XX, um conhecimento
postural está essencialmente vinculada à emoção, isto é, à exteriorização da afetividade.
alusivo à existência de uma íntima relação entre inteligência, motricidade e
psiquismo, o qual influenciou, diretamente, as técnicas de abordagem corporal
nas creches, nas escolas e nos consultórios. Concebendo o processo de desenvolvimento como descontínuo, Wallon
Paulatinamente, passou-se da era do corpo neurológico, isolado e do movimento se contrapõe às teorias elaboradas segundo regras de maturação unívoca e de
condicionado, para a era do movimento consciente, no qual o próprio indivíduo, pelo encadeamento de operações sucessivas do pensamento. Em suas formulações,
ato voluntário, é levado a colaborar para a sujeição de seu corpo. Nesta perspectiva, a o desenvolvimento advém de um processo de superação, por incorporação, de
Psicomotricidade do segundo período1, descrita por Le Camus, constituiu-se como a antigas atitudes e formas de pensamento, motivadas pelas contradições presentes
ciência do esquema corporal ou, como prefere este autor, do corpo consciente. nas novas relações que se estabelecem entre a criança e o meio humano. Neste
Segundo nossos estudos, o esquema corporal foi concebido enquanto dimensão sentido, podemos dizer que para Wallon o homem é um processo histórico,
do corpo, organizadora das experiências dos seres humanos no tempo e no espaço precisamente o processo de seus atos, de suas relações.
presentes. As técnicas, que dele se ocupam, procuraram priorizar o desenvolvimento Conforme podemos acompanhar, Wallon (1951, apud CABRAL, 2000,
da percepção e do controle do próprio corpo, ou seja, a interiorização das sensações p. 271) pressupõe a articulação entre o orgânico e o ser psíquico, afirmando não
relativas a uma ou outra parte do corpo e da globalidade de si mesmo; a apropriação serem estas dimensões isoladas:
de um equilíbrio postural econômico; de uma lateralidade bem definida e afirmada;
de uma independência dos diferentes segmentos do corpo em relação ao tronco e Não são duas entidades que se devam estudar separadamente e, depois, colocar em
entre eles; um domínio das pulsões e inibições estreitamente ligadas aos elementos concordância. [...] Um e outro se exprimem simultaneamente em todos os níveis da
precedentes e ao domínio da respiração (PICQ–VAYER, 1969, p. 13). evolução, pelas ações e reações do sujeito sobre o meio, diante do outro. O meio mais
Entre os autores que influenciaram os profissionais e estudiosos deste
1 Segundo Le Camus, este
período, na França, está
compreendido entre os anos importante para a formação da personalidade não é o meio físico, é o meio social. Pouco a
segundo período da história da Psicomotricidade, enfatizamos Wallon (1879- de 1945 e 1973. (LE CA-
MUS, 1988, p. 48) No Brasil,
pouco, ela que se confundia com o meio vai se dissociar dele. Sua evolução não é uniforme,
-1962) e Piaget (1896-1980). podemos concebê-lo a partir
dos anos 50, do século XX
mas feita de oposições e identificações. É dialética.
Não pretendemos fazer um estudo aprofundado da obra desses autores, porém até, aproximadamente, 1980

reconhecemos indispensável para nossas análises apontar os conceitos básicos que


33 34
Corpo consciente Corpo consciente

Portanto, para Wallon (1951, apud LE CAMUS, 1986, p. 37), segunda década do século XX, que tratam da influência direta do tono postural
[...] [o] esquema corporal não é ‘um dado inicial, nem uma entidade biológica ou psíquica’, sobre o tono emocional e vice-versa, relegando a segundo plano a importância das
mas uma construção.[...] Estudar a gênese do esquema corporal na criança, é indagar-se relações sociais e afetivas; de Piaget, foram incorporados, pela Psicomotricidade,
como a criança chega ‘à representação mais ou menos global, específica e diferenciada de os processos advindos da tendência natural à autorregulação e adaptação.
seu corpo próprio’. [...] Esta aquisição é importante. É um elemento básico indispensável Como resultante destas influências, encontramos, nesse período da
à construção da personalidade da criança [...] É o resultado e a condição de legítimas rela-
ções entre o indivíduo e seu meio. Psicomotricidade, a formulação de um grande número de manuais e práticas
psicomotoras, elaborados de acordo com normas de desenvolvimento pré-
Piaget, por sua vez, fundamentou sua teoria numa visão evolutiva. -determinadas, que visam ao desenvolvimento do esquema corporal e proporcionar,
Diferentemente de Wallon, para o qual o sujeito é antes de tudo um ser social, sobretudo, às crianças pequenas, condições “favoráveis” de adaptação e auto-
Piaget parte de um sujeito biológico, uma espécie de organismo rudimentar que, equilibração voluntárias. Se os fundamentos piagetianos foram adotados para educar
por meio da experiência, desenvolve-se rumo à socialização. Pulaski (1983, os movimentos e legitimar a capacidade universal de adaptação dos seres humanos,
p. 32), com base nos estudos de Piaget, afirma que o bebê da mesma forma, foram os fundamentos de Wallon, relativos à mútua influência entre
[...] vem ao mundo equipado com uns poucos reflexos neonatais, como sugar e agarrar, tono postural e tono emocional, que atribuíram um caráter científico à maneira pela
que fazem parte de sua herança biológica. Além desses, seu comportamento consiste em qual o poder passou a ser incorporado aos comportamentos.
movimentos motores grosseiros, a princípio sem coordenação e sem objetivo.2 Deste modo, podemos dizer que os saberes-poderes sobre o corpo,
formulados no segundo período da Psicomotricidade, restituem ao ser humano
Deste modo, concebe o desenvolvimento como um processo de equilibração a propriedade, a consciência de seu corpo, ao mesmo tempo que consideram
progressiva, que parte de um estado inferior até atingir um estado mais elevado. voluntária a sua participação no encaminhamento das necessidades da sociedade
Processo autorregulador, dinâmico e contínuo, a equilibração tem o papel de capitalista, de produção e de controle social.
promover um balanço entre as funções de assimilação e acomodação que, Automatismo e consciência do movimento tornaram-se o mote da busca de
funcionando simultaneamente em todos os níveis biológicos e intelectuais, superação das dificuldades explicitadas pelos modelos disciplinares autômatos
possibilitam o desenvolvimento tanto físico quanto cognitivo da criança. Esta dos séculos XVIII, XIX e início do século XX:
conceituação baseia‑se nos processos adaptativos referidos pela biologia que,
segundo Piaget, constituem o elo comum entre todos os seres vivos (PULASKI, [...] para crear los automatismos indispensables la consciencia debe pasar a un segundo
1983, p. 23-25). término, habitualmente la participación voluntaria del sujeto es la condición de la educa-
Quatro fatores são apresentados por Pulaski (1983, p. 24-27) como ción o reeducación psicomotriz, estando presente en todos los instantes y dándole caráter.
fundamentais para o processo de desenvolvimento biopsicossocial da criança. São El movimiento “en si” no es educativo. Para que el ejercicio pueda intervenir en la vida
eles: maturação ou crescimento fisiológico das estruturas orgânicas hereditárias; psíquica y contribuir a su desarrollo, es necesario que sea voluntario, pensado, preciso y
experiências física e empírica, pelas quais a criança vai fazer suas próprias
aprendizagens; transmissão social referente às informações aprendidas com seus
3 [...] para criar os automa-
tismos indispensáveis, a
consciência deve passar a um
controlado. (PICQ-VAYER, 1969, p. 25)3

segundo termo; habitualmen-


pares, por via direta ou indireta; equilibração que coordena e regula os outros três te, a participação voluntária Deste modo, o conhecimento da área psicomotora, neste período,
fatores, fazendo surgir estados progressivos de equilíbrio. do sujeito é condição para a
Educação ou Reeducação Psi-
oportunizou uma adequação voluntária dos movimentos humanos ao tempo e
Embora Piaget não tenha definido um conceito de esquema corporal, visto comotora, estando presente em espaço de produção, a partir do desenvolvimento de programas de educação e
todos os instantes, outorgando--
que seus estudos não se propunham a tal tarefa, suas formulações levam-nos a -lhe caráter. O movimento em reeducação psicomotoras, incorporados ao cotidiano das creches e pré-escolas. É
si não é educativo. Para que o
considerar tal esquema como o conhecimento progressivo das partes e funções do exercício possa intervir na vida deste modo que, de maneira precoce,
corpo, constituído a partir de etapas sucessivas, semelhantes em crianças da mesma psíquica e contribuir para seu
desenvolvimento, é necessário
idade, determinado pelos processos de autorregulação e adaptação ao meio exterior. que seja voluntário, pensado, [...] disciplinando las contracciones musculares, aumentando en cuanto sea posible la
preciso e controlado (tradução
A partir desta breve contextualização, podemos considerar que enquanto do autor). acción de los centros superiores sobre los inferiores, se mejorará, disciplinará y educará la
Wallon concebe o esquema corporal como resultante das múltiplas relações que voluntad y la atención. En fin, nada se opone, ya que se trata siempre de la misma función,
o indivíduo estabelece com seus pares, Piaget define esta categoria a partir de uma
visão cognitivista, na qual a consciência do corpo resulta do amadurecimento
4 [...] disciplinando as con-
trações musculares, au-
mentando ao máximo a ação
a que se pueda pasar progresivamente de la inibición muscular impuesta al dominio de
la totalidad del cuerpo e incluso al refrenamiento de los deseos y a la obediencia de los
dos centros superiores sobre
das interações entre as estruturas cerebrais, como processo natural de adaptação os inferiores, se melhorará, imperativos sociales. (PICQ-VAYER, 1969, p. 23)4
ao meio ambiente. Segundo a primeira concepção, o indivíduo toma consciência disciplinará e educará a von-
tade e a atenção. Ao final,
de si a partir de sua inserção no meio social, já, na segunda, esta consciência é Sendo assim, podemos apreender que as técnicas especializadas no
2 Optamos por utilizar Pu- nada se oporá, na medida em
laski em vez de Piaget, que se trata sempre do mesmo
determinada por uma autoequilibração comum a todos os seres vivos. no original, pelo fato de en- objetivo, da mesma função, a desenvolvimento do esquema corporal destinavam-se, de fato, a dar suporte para
de passar progressivamente da
Ao analisarmos a tendência das produções teórico-práticas da contrarmos naquele autor uma
abordagem mais didática e di- inibição muscular imposta ao um processo de apropriação do corpo, com vistas à exploração da força de trabalho
Psicomotricidade, no período considerado por Le Camus do corpo consciente, reta do conceitos piagetianos,
o que entendemos suficiente
domínio da totalidade do cor-
po, inclusive, ao recalcamento
das classes menos favorecidas.
evidenciamos que, de Wallon, foram incorporados os fundamentos elaborados na para o estudo proposto. dos desejos e à obediência aos Outro aspecto a ser analisado refere-se ao caráter universal atribuído às
imperativos sociais (tradução
35 36 do autor). formulações do segundo período da Psicomotricidade (LE CAMUS, 1986), no
Corpo consciente Corpo consciente

tocante à legitimação da ideologia liberal e dos princípios do Estado burguês. Bases Teóricas:
Sabemos, com base nos estudos de Marx, que uma das necessidades da classe Fenomenologia
dominante, para sustentar-se no poder, é tornar universal suas ideias e necessidades. Psicologia Infantil ou do
Assim sendo, cabe recuperar que uma das estratégias principais do sistema liberal Desenvolvimento
para a legitimação e manutenção de seu poder é a meritocracia. Psicanálise
Uma vez que a base ideológica deste sistema funda-se na ideia de igualdade
de condições para todos, fica subentendido, a partir dessa concepção, que o que Principais concepções – Gestalt/Fenomenologia
falta aos indivíduos não é fruto de desigualdades sociais, mas sim, resultante de
uma incompetência pessoal pelo não aproveitamento das oportunidades oferecidas
a todos. O Estado, então, coloca-se na condição de redentor dessas faltas, operando Esquema corporal (conceito)
por meio de programas compensatórios formulados nas áreas educacionais,
médicas e paramédicas, como dispositivos remediadores das desigualdades “...síntese entre o modelo neuroló-
sociais. Deslocando-se, desta maneira, o ponto fulcral da problemática social gico do corpo, herdado de Head, e
para o sujeito, para a família e para os profissionais ligados ao fazer educativo, o modelo psicanalítico do corpo li-
os programas compensatórios, por um lado, tendem a culpar e desqualificar o bidinal e fantasmático, herdado de
potencial profissional e as condições de vida das pessoas e instituições, por outro, Freud” (LE CAMUS, 1986, p. 32).
enaltecem as ações paliativas do sistema. Deste modo, tais programas configuram-
-se como instrumentos de controle das pressões sociais. “...esta imagem tridimensional que
Neste contexto, a Psicomotricidade apresenta-se como um saber-poder que cada qual tem de si próprio, imagem
respalda e viabiliza a ideia de devolver no indivíduo um EU, no caso, corporal, essencialmente dinâmica que integra
reparador do vazio provocado pela expropriação do capital, acenando com a todas as nossas experiências percep-
possibilidade de um lugar de cidadania às gerações futuras. Com isto, produz um tivas, motoras, afetivas e sexuais foi
duplo controle social: exacerba a apropriação da força de trabalho que, pela via chamada por Schilder de imagem
da consciência do movimento, torna-se ainda mais efetiva e, ao mesmo tempo, do corpo ou esquema corporal” (LE
promove o reconhecimento e engajamento voluntários das famílias e profissionais CAMUS, 1986, p. 32).
em programas sociais compensatórios, como solução para suas necessidades de
manutenção da vida. Autor:
Se por um lado, as práticas psicomotoras, pautadas em medidas que buscam Paul Schilder (1886-1940)
normatizar o corpo, adequando-o aos imperativos sociais, às custas de um
processo segregacionista, trouxeram benefícios para o Estado burguês, por outro, Obra:
oportunizaram à classe trabalhadora a possibilidade de colocar em marcha novas A Imagem do Corpo (1950)
contradições sociais e políticas, a partir das quais foram formulados saberes- Período:
-poderes que constituíram o terceiro período da Psicomotricidade, denominado 1945 - 1973
por Le Camus, corpo significante5.
Organizador:
Impressionismo
Corpo consciente – síntese esquemática
Modelo:
Período: Cognitivista comportamentalista
1945-1973 5 Le Camus, ao considerar
sobre este período, pro-
põe-se a analisar as produções Concepção de corpo:
da área da Psicomotricidade
Organizador: entre os anos de 1974 e 1980. Receptor
Sabemos que esta periodi-
Impressionismo zação é um recurso didático,
que intenciona circunscrever
as propostas de estudo daque-
Bases Teóricas:
Modelo: le autor. Sendo assim, vamos Fenomenologia
considerar o período, denomi-
Cognitivista comportamentalista nado pelo autor como corpo Psicologia infantil ou do
significante, extensivo aos
dias de hoje, visto que os pa-
desenvolvimento
Concepção de corpo: radigmas que o fundamentam Psicanálise
ainda se encontram presentes
Receptor na Psicomotricidade atual. 37 38
Corpo consciente Corpo consciente

Fenomenológica da conduta
Autor: Arnold Gesell (1880-1961)
... nossos atos –, e principalmente, o
ato de perceber – devem ser tomados “...descrição das etapas maturati-
como modalidades do ser no mun- vas da ontogênese [...] descrição do
do... (LE CAMUS, 1986, p. 33). comportamento segundo as quatro
principais esferas de atividade” (LE
“o corpo é o veículo do ser no CAMUS, 1986, p. 36).
mundo...”, “meu corpo é o eixo do
mundo...”, “Não é preciso dizer
que nosso corpo está no espaço,
nem que está no tempo. Ele habita
o espaço e o tempo. Eu não estou
diante de meu corpo, estou em meu
corpo, ou melhor, eu sou meu cor-
po” (MERLEAU-PONTY, apud
LE CAMUS, 1986, p. 33).

Autor:
Merleau-Ponty

Obras:
Estrutura do Comportamento (1942);
Fenomenologia da percepção (1945).

Funcional do movimento

“...a maneira pela qual mantemos


o equilíbrio, agarramos, nos defen-
demos, implica muito mais do que
uma sucessão de eventos [...], ela
é definida pelo objetivo, pelo grau
de resultado e, portanto, pelo futu-
ro” (BUYTENDJIK, apud LE CA-
MUS, 1986, p. 34).

Autor:
F. J. J. Buytendjik (nascido em 1887)

Obras:
Tratado de Psicologia Animal
(1952); Atitudes e Movimentos
(1957).
Principais concepções – Psicologia do Desenvolvimento
Biomaturacional
Esquema maturacional de Arnold GESELL, apud BUENO, 1998.
Corrente: comportamentalista
39 40
Corpo consciente Corpo consciente

Inteligência das situações

Corrente: cognitivista

Autor: Jean Piaget (1896-1980)

“Foi na coordenação dos esque-


mas sensório-motores, isto é, dos
sistemas de sensações e movi-
mentos que possam proporcionar
assimilação [incorporação] e aco-
modação [ajustamento ao mundo
exterior], que [Piaget] situou as
origens da inteligência” (LE CA-
MUS, 1986, p. 40-41).

Biomaturacional

Corrente: comportamentalista

Autor: Arnold Gesell (1880-1961)

“...descrição das etapas maturati-


vas da ontogênese [...] descrição do
comportamento segundo as quatro
principais esferas de atividade” (LE
CAMUS, 1986, p. 36).

Relação tônico-emocional

Corrente: sociointeracionista

Autor: Henri Wallon (1879-1962)

“...a constante preocupação de


Wallon foi a de destacar a importân-
cia da função afetiva primitiva em
todos os desevolvimentos ulteriores
do sujeito, fusão expressa através
dos fenômenos motores num diálo-
go que é o prelúdio ao diálogo ver-
bal ulterior e ao que chamamos de
diálogo tônico” (AJURIAGUER-
RA, apud LE CAMUS, 1986,
p. 38).

41 42
Corpo significante: o corpo que “fala”

Corpo significante: Vídeo Vídeo Na área da psicomotricidade, segundo o mesmo autor (1986, p. 61),
“[evidentemente], foi como meio de linguagem que o corpo interessou aos
psicomotricistas: um corpo que sabe falar utilizando a linguagem anterior à
o corpo que “fala” linguagem, uma linguagem constituída de significantes mudos”.
Para este autor, o terceiro período da Psicomotricidade foi marcado por
Vídeo Vídeo uma tendência dos profissionais da área em adotar uma atitude de aceitação e

C
om os processos de abertura política, primeiro na Europa e, reconhecimento do sujeito, bem como, da importância da dinâmica de seus desejos
posteriormente, na América Latina, fruto das pressões sociais e em seu processo de formação. Neste sentido, comenta:
dos movimentos que defendiam os direitos humanos, as técni-
cas de abordagem corporal que propunham a inibição muscular (corpo [...] [a] ruptura parece-nos operar-se em três eixos: o eixo que opõe o cibernético ao
hábil) ou o domínio da totalidade do corpo, incluindo o refreamento termodinâmico; o eixo que opõe o pulsional ao funcional; o eixo que opõe o materno ao paterno.
do desejo e a obediência aos imperativos sociais (corpo consciente), perderam sua força. Tornou- Os psicomotricistas da terceira geração acabam de afirmar sua originalidade acentuando o
-se urgente a produção de um outro conhecimento, que se apresentasse em sintonia com as novas primeiro polo destes pares. Ser psicomotricista em 1980 significava, em termos biológicos, dar
tendências e movimentos que emergiam depois de tantos anos de subjugação em todos os setores da primazia à máquina informacional; em termos psicanalíticos, dar primazia ao papel materno.
sociedade.
Sob o clima de anistia política, liberdade de expressão e enaltecimento dos direitos humanos, os Os psicomotricistas da terceira geração acreditaram que, minimizando
psicomotricistas passam a ser motivados pela ideia de emancipação do sujeito, inaugurando o terceiro ou, até mesmo, abolindo do processo formativo das crianças o formalismo e
período da Psicomotricidade, denominado por Le Camus de corpo significante. o autoritarismo, até então presentes nas técnicas de educação e reeducação
Além de um corpo que ouve e aprende, o foco passou a ser o corpo que “fala”, que se expressa. psicomotora – aspectos ligados à função paterna (lei e ordem) –, seria possível
“Anistia do sujeito pela anistia do corpo”, as formulações levadas a cabo neste período encontraram a superação das dificuldades encontradas por esta área no equacionamento dos
um campo fértil de proliferação na América Latina, sobretudo, no Brasil e na Argentina, a partir de desvios escolares e, sobretudo, guardando ainda uma perspectiva higienista e
meados do ano de 1980. normativa, dos desvios sociais.
Impulsionados por tal tarefa, psicomotricistas, atuantes nas sistematizações
A terceira fase da evolução nos parece marcada pela dispersão e também pelo questionamento das referências do segundo período da Psicomotricidade, paulatinamente, foram reformulando
teóricas, pela ampliação da metodologia para as técnicas semimotoras; pela intensificação e descentralização seus pressupostos e práticas. Entre eles, ressaltamos André Lapierre e seus
do recrutamento dos terapeutas da psicomotricidade, oficialmente chamados doravante “psico-reeducadores”; colaboradores, os quais nos legaram a sistematização de um método de abordagem
enfim, pelo declínio ou, pelo menos, a marginalização daquilo que denominamos de práticas psicomotoras com corporal (França, final dos anos 70, do século XX), denominado Psicomotricidade
objetivo educativo. [...] Teoria e prática parecem ordenar-se em torno de um novo organizador que chamaremos de Relacional. Para este autor:
expressionismo. O “corpo sutil” é agora o corpo capaz de emitir informação [...] um corpo portador de significações
[...] A função informacional está, mais do que nunca, à frente da cena, mas o interesse deslocou-se da vertente [...] [toda] reeducação normativa é evidenciada como uma agressão geradora de
centrípeta à vertente centrífuga, do input ao output. (LE CAMUS, 1986, p. 49) insegurança, culpa e ansiedade. Consegue-se assim um reforço das resistências. Todavia,
chega-se algumas vezes a mostrar mecanismos de adaptação às situações psicomotoras,
Com base em princípios advindos da psicanálise da psicologia das comunicações não verbais, mas esses mecanismos permanecem específicos e, se permitem bons resultados nos “teste
para a qual a expressão corporal se apresenta como um veículo de libertação, e da etologia infantil, de controle”, esses resultados não se transferem ao nível das atividades escolares. [...]
área do conhecimento que concebe que parte importante das mensagens humanas se dá pelas mímicas, Existem, entretanto, reeducações bem sucedidas, sem contrapartida danosa. Percebe-se ao
pelas posturas, pelos gestos, encontramos neste período um movimento de psicotropismo das técnicas analisá-las, que o determinante foi a qualidade da relação e da comunicação afetiva que
do corpo – pautado na relação entre sujeitos –, e um somatotropismo das técnicas verbais que se pôde se desenvolver entre o reeducador e a criança [...] e que as técnicas empregadas
utilizam da experiência sensorial e motora do corpo como trampolim da verbalização (LE CAMUS, tiveram, neste caso, pouco espaço. É de alguma maneira o efeito placebo... (LAPIERRE,
1986, p. 53-59). 1988, p. 13)

Frente ao dualismo platônico, augustiniano e cartesiano, eles [os psicomotricistas] replicaram com o paralelismo Podemos analisar a mudança de eixo proposta por Lapierre que, seguindo
científico de T. Ribot, de P. Janet e P. Tissié, de H. Wallon e de E. Guilmain: é o corpo hábil (“adroit”; o corpo as inclinações da época, coloca a qualidade da relação Educador-Educando como
tem direito: “a droit”); frente ao intelectualismo dos racionalistas dos séculos XVIII e XIX, replicaram com o elemento relevante no processo formativo das crianças. Ao contrário das tendências
impressionismo de M. Merleau-Ponty, de J. Piaget, de S. Freud, de J. de Ajuriaguerra: é o corpo consciente, o que priorizavam o aparato técnico nos processos educativos e reeducativos,
pensamento feito corpo; frente ao verbalismo dos lacanianos, replicaram com o expressionismo dos cientistas da Lapierre procurou trazer para o centro do fazer educativo a valorização da relação
comunicação e dos etologistas: é o corpo significante, o corpo que fala. (LE CAMUS, 1986, p. 67) sujeito educador-sujeito educando. Nesta linha, propôs um trabalho que prioriza
as relações humanas e as potencialidades do indivíduo. A esse respeito, Lapierre
(1988, p. 13-14) declara que
43 44
Corpo significante: o corpo que “fala” Corpo significante: o corpo que “fala”

[...] [queremos] trabalhar com o que há de positivo na criança; interessarmos pelo que uma perspectiva positivista de ciência, não levando às últimas consequências o
ela sabe fazer e não pelo que não sabe fazer. É a partir daí que a relação pedagógica pode potencial revolucionário de suas propostas.
descontrair-se, a situação deixar de ser dramatizada e a criança reencontrar a confiança Ao longo desse texto, refletimos sobre como as técnicas corporais foram
e a segurança.[...] Neste ponto abandonamos o modelo médico: diagnóstico, prescrição, sistematizadas a partir das necessidades e contradições determinadas pelo modo
tratamento, modelo sobre o qual funcionam os estabelecimentos de reeducação. [...] de produção da sociedade capitalista, resultando na elaboração de saberes-poderes
Isto marcou uma etapa decisiva na nossa evolução. A partir daí, com efeito, não existe sobre o corpo, cada vez mais sutis e especializados. Da disciplina do corpo
mais “reeducação”. Tudo se torna educação, tal como nós a concebemos, ou seja, passamos à automação do movimento e, posteriormente, à economia consciente
desenvolvimento das potencialidades próprias de cada criança. do movimento. Com a política dos direitos humanos e de valorização da expressão,
entramos na era do corpo anistiado, culminando, com o último movimento da
Apesar de influenciado pelo modelo científico da ciência positiva, história da psicomotricidade, na era da economia do desejo.
paradigma que justifica o ideal capitalista liberal, Lapierre representa, para a
Psicomotricidade, a possibilidade de quebra com o modelo científico médico Período:
higienista, vigente na Europa e na América Latina, principalmente, no Brasil e na 1974
Argentina. À semelhança da posição inaugurada pela Escola Nova, Lapierre, na
Psicomotricidade, recupera para a criança um lugar de reconhecimento e poder e Organizador:
enfatiza a importância da formação profissional e pessoal do psicomotricista que Expressionismo
pretende trabalhar no campo relacional, ressaltando seu papel estruturante nas
vivências grupais e individuais. “O ‘corpo sutil’ é agora o corpo ca-
Colocando em discussão as relações de poder presentes no fazer educativo, paz de emitir informação [...] um
organizou um método de educação psicomotora para a idade pré-escolar, procurando corpo portador de significações [...]
integrar as relações afetivas, a estruturação da personalidade e a sistematização A função informacional está, mais
do conhecimento, numa proposta lúdica, emancipatória e democrática. Nesta do que nunca, à frente da cena, mas
direção, Lapierre (1988, p. 20) ressalta que o interesse deslocou-se da verten-
te centrípeta à vertente centrífuga,
[...] [podemos] então retornar ao grupo, cada vez mais numeroso: não se trata mais do o input ao output” (LE CAMUS,
mesmo grupo-refúgio, mas de um grupo composto de indivíduos autônomos, capazes de 1986, p. 49).
cooperar, de levar coisas aos outros e de receber, mas sem se diluir na massa. A experiência
nos prova que em tal grupo o líder, questionado, se dilui e mesmo desaparece em proveito Modelo:
de uma organização democrática, o que nem sempre ocorre sem choques nem conflitos. Semimotor
[...] Nesta ótica, o trabalho individual aparece como um fechar-se em si mesmo, não num Psicoafetivo
espírito narcisista, mas como uma regeneração da pessoa de modo a permitir sua reinserção Psicotropismo das técnicas do corpo
no grupo, que ela beneficiará com sua busca pessoal. [...] É uma sequência de rupturas Somatotropismo das técnicas verbais
(ruptura consigo mesmo, ruptura com os outros), um balanço dialético do qual renasce, cada
vez, o desejo inverso com a segurança constante de reencontrar o outro ou a si mesmo. Concepção de corpo:
Emissor de informações
Como Lapierre, os psicomotricistas da terceira geração organizaram-se “Foi como meio de linguagem que
em torno da necessidade de construção de uma imagem corporal positiva, como o corpo interessou aos psicomotri-
forma de emancipação afetiva e intelectual do sujeito. Embora esses profissionais cistas: um corpo que sabe falar utili-
tivessem na base de suas formulações o mesmo referencial teórico, a Psicanálise, zando a linguagem anterior à lingua-
na prática, constituíram métodos e técnicas diversas. A concepção de imagem gem, uma linguagem constituída de
corporal como uma organização psíquica inconsciente, fruto das relações de significantes mudos” (LE CAMUS,
prazer e desprazer que o sujeito estabelece com seus pares cuidantes, nem sempre 1986, p. 61).
resultou em práticas de abordagem psicomotora que privilegiassem o corpo, o
processo grupal, o lúdico, as relações afetivas diretas, como meio facilitador de Bases Teóricas:
suas práticas. Psicanálise
Mesmo alguns que pretenderam, como Lapierre, propor uma educação de base Psicologia das comunicações não
psicomotora, integradora, inclusiva, pautada nas relações afetivas, ao alienarem- verbais
-se de uma atitude crítica e histórica de suas práticas, continuaram adotando Etologia infantil
45 46
Corpo significante: o corpo que “fala” Corpo significante: o corpo que “fala”

Corpo significante – síntese esquemática 1 Obra:


Expressão Corporal, Linguagem do
Freudiana Silêncio (1974).
“Como definir o corpo em sua per-
tença ambígua ao real e ao imagi- Michel Bernard
nário? [...] No limite do dentro e do “...contribuiu amplamente desde
fora, da percepção e do fantasma, 1970 para a consolidação e difusão
o corpo é um esquema de repre- do que se poderia chamar a teoria
sentação incumbido de estruturar francesa da psicomotricidade [...]
a experiência do mundo nos níveis Sua tese de doutorado (M. BER-
consciente, pré-consciente e incons- NARD, 1976), constitui uma obra
ciente” (SAMI-ALI, apud LE CA- monumental que articula as abor-
MUS, 1986, p. 52). dagens filogenética, ontogenética,
fenomanológica e semiológica da
Reichiana expressividade do corpo...” (LE
“...teoria segundo a qual a repressão CAMUS, 1986, p. 55).
sexual exercida pela família e, mais
geralmente, pela Sociedade (W. REI- Obras:
CH, 1952 e 1974) gera distúrbios O Corpo (1976);
neuróticos que se enraizam simul- A Expressividade do Corpo (1976).
taneamente no caráter e no revesti-
mento muscular (W. REICH, 1971) Jacques Corraze
[...] sustentava que a história socioa- Obras:
fetiva incrusta-se no estado tônico do Esquema Corporal e Imagem do
sujeito e que os defeitos da ‘couraça’ Corpo (1973);
traduzem os avatares da pulsão” (LE As Comunicações Não Verbais
CAMUS, 1986, p. 53). (1980); Imagem Especular do Cor-
po (1980); Os Problemas Psicomo-
Contribuições da Psicanálise tores da Criança (1981).

P. Parlebas
1967 – Sociomotricidade (estatu-
tos e papéis sociomotores, redes de
comunicação e contracomunicação Contribuições da Psicologia das Comunicações não verbais
motora, espaço sociomotor).

Influências: Corpo significante – síntese esquemática 2


Psicologia Social; linguística

Claude Pujade-Renaud Fundamentos I – categorias de estudo


1968 – Expressão Corporal
“...a expressão corporal era apresen- Interacionismo
tada como o lugar da libertação. [...]
onde se raciocinava em termos de “Entendemos como interacionismo
superação e de enfrentamento, os a possibilidade de transformar um
expressionistas introduziam a lingua- objeto e transformar-se atuando so-
gem da autenticidade e da partilha.” bre ele” (FRANCH, 1990, p. 5).
(LE CAMUS, 1986, p. 54). sujeito epistêmico
47 48
Corpo significante: o corpo que “fala” Corpo significante: o corpo que “fala”

Inter-relacionismo Objeto; relação objetal; objeto externo e objeto interno

“O inter-relacionismo contempla
sempre um processo de adapta- Instinto
ção entre sujeitos desde uma dupla
perspectiva: são sempre dois indiví- Pautas inatas de comportamento,
duos que estão em mútua relação” complexas e específicas, baseadas
(FRANCH, 1990, p. 5). em mecanismos neurais pré-organi-
sujeito afetivo-relacional zados no sistema nervoso do indiví-
duo, pelas quais estímulos internos
Interacionismo e inter-relacionismo ou externos preparam condutas es-
tereotipadas que levam ao ato con-
Objeto sumatório que satisfazem o instinto
(GARCIA, 1988).
Toda pessoa, coisa, ente animado,
inanimado abstrato ou toda parte Pulsão
dos mesmos para os quais dirigimos
nossas pulsões ou motivações fun- Podemos entender o termo pulsão
damentais e que convertem-se, por como referente à uma motivação
este motivo, em objeto de nossas inata no ser humano, ancorada no
pulsões (GARCIA, 1988). limite somato-psíquico que pode
ser vivenciada por nós em forma
Relação objetal de um impulso, uma tensão, clara-
mente perceptível, proveniente e
Relação mantida com objetos exter- atuante no somático através de ór-
nos a nós mesmos e também com gãos de “ação” e órgãos “efetores”
nossas representações mentais dos tais como os que formam o substra-
mesmos (GARCIA, 1988). to biológico da pulsão de amor ou
psicossexual e da pulsão agressiva
Objeto externo (GARCIA, 1988).

Pessoas, coisas, seres animados ou Fantasia inconsciente


inanimados ou entes abstratos; que
geram nossa conduta e nossas re- “...inscrição no conjunto ou estru-
presentações mentais. Sua ação está tura de nossas representações, da
sempre mediatizada pelo proces- significação individual, profunda-
samento interno de cada indivíduo mente ligada ao corporal e às vivên-
(GARCIA, 1988). cias e emoções muito corporaliza-
das inicialmente, de determinadas
Objeto interno experiências conflitivas primárias e
reiteradas sobre as quais se estrutu-
Representação do objeto externo. Sedi- ram, no futuro, a realidade interna
mento experencial que produz em nós do indivíduo, existindo sempre uma
o conjunto de nossas relações com ampla autonomia com respeito à
um objeto externo ou classe deles – concordância ou não entre a reali-
conjunto de ansiedades, sentimentos, dade externa e tais representações
ideias, recordações etc., com que o re- mentais básicas” (GARCIA, 1988,
presentamos (GARCIA, 1988). 1 (GARCIA, 1988, p. 39-
49.) p. 43).
49 50
Corpo significante: o corpo que “fala” Corpo significante: o corpo que “fala”

Instinto, pulsão e fantasia inconsciente1 Fantasia básica de confiança e de desconfiança2

Fantasias inconscientes Corpo significante – síntese esquemática 3

São o conteúdo primário dos processos mentais inconscientes. Fundamentos II – A ontogênia da relação com o outro
Referem-se à corporalidade e representam tendências pulsionais em
Todos os intercâmbios entre sujeito e meio se realizam, em
direção aos objetos.
um primeiro momento, através do corpo dos participantes deste
São representantes mentais das pulsões de apego e agressividade, de primeiro ato do vir a ser humano, que é a criação
amor e de ódio. da “trama afetiva”. Neste estreito “corpo a corpo” é que se cria
Elaboram-se mediante a experiência com a realidade externa, mas não a estrutura básica da personalidade, os objetos internos e fantasias
depen dem dela ou a refletem diretamente. inconscientes básicas da futura realidade mental
Garcia, 1988, p. 52
Não têm forçosamente uma expressão em palavras ou icônica, ainda
que, em certas condições, possa expressar-se em palavras ou imagens e,
assim, são designadas com fins didáticos de comunicação verbal. Fantasia básica de desconfiança
Seus elementos mais primitivos são meras percepções e sensações. Mais
tarde são acrescentadas outras representações mentais mais elaboradas, Funções parentais;
como, por exemplo, sentimentos, representações plásticas, dramáticas Funções de peito;
etc. Funções de toilette;
Têm efeitos tanto mentais como corporais e de conduta: sintomas de Função de consonância emocional;
conversões e somatizações, personalidade e caráter, inibições etc. Capacidade de contenção.
Exercem uma influência contínua durante toda a vida, em todos nós, (GARCIA, 1988, p. 51-52)
como substratos últimos de nossas condutas e representações mentais, em
especial, das mais conflitivas e/ou ansiógenas, assim como das imbuídas Vínculo afetivo
de maior importância pessoal ou vital. Poderíamos dizer, tomando
cuidado para não cairmos num mecanicismo exagerado, que são nossas O vínculo é, assim, o significado de
“programações” fundamentais. um conjunto de significantes, for-
(Esquema traduzido da obra: GARCIA, J.T. Apuntes para una Psicología mados de objetos e atos de conduta
Basada en la Relación. Barcelona: Hogar del Livro, 1988, p. 47.) que a mãe põe em contato físico-
-mental com o ser humano em for-
mação (GARCIA, 1988, p. 52).
Fantasia básica de confiança
Unidade originária
Resultante das relações primárias
estabelecidas pelo sujeito com seus “Estado relacional primitivo de
pares cuidantes, os quais se lhe unidade entre as figuras do pai, da
apresentaram como estruturantes, mãe e da criança. Em tal estado, no
acolhedores e, por consequência, qual o bebê teria uma certa capaci-
asseguradores. dade para a percepção e as relações
de objeto, tanto quanto os pais, se
Fantasia básica de desconfiança acham estimulados pela capacida-
de de réverie, se promovem as ba-
Resultante de reiteradas relações ses sobre as quais se assentam as
de qualidade afetiva negativa, es- fantasias de uma boa relação pa-
tabelecidas pelo sujeito com seus ternal” (M. Pérez-Sanches, apud
pares cuidantes, ao longo de sua GARCIA, 1988, p. 59).
primeira infância. 2
(GARCIA, 1988, p. 44.)

51 52
Corpo significante: o corpo que “fala” Corpo significante: o corpo que “fala”

Funções parentais, vínculo afetivo e unidade originária Ansiedade persecutória

Ansiedade, ansiedade confusional, “A ansiedade persecutória ou para-


ansiedade persecutória e ansidedade depressiva noide é experimentada como uma
ameaça de desintegração ou deses-
Ansiedade truturação por ataque ou agressão.
Sua origem estaria tanto em ataques
Perspectiva freudiana: externos, reais, como na fantasia de
ser atacado por causa da projeção
A ansiedade é atribuída à libido in- da própria agressividade. A conse-
satisfeita, que não pode descarre- quência desta projeção é a prolife-
gar-se adequadamente e se transfor- ração de fantasias mais ou menos
ma em uma emoção desagradável e primitivas de haver danificado o
penosa (GARCIA, 1988, p. 92). objeto e, junto com elas, temores de
retaliação, de vingança consecuti-
A ansiedade ou angústia é um “si- va” (GARCIA, 1988, p. 100).
nal intencional criado pelo ego” e
permeia um processo defensivo, tal Ansiedade depressiva
como por exemplo a repressão, pro-
cesso que se põe em marcha diante “O temor pela desintegração psico-
de um perigo interno ou externo, física, causada pela perda do objeto,
imaginário ou real (GARCIA, 1988, será vivida como consequência da
p. 92). percepção da totalidade e autono-
mia do mesmo e, portanto, por nos-
Abordagem relacional: sa ambivalência amor/ódio. [...] As
ansiedades depressivas estão sem-
A ansiedade é concebida como um pre ligadas à preocupação com o
sinal psicofísico que nos avisa e avi- objeto, por isso são chamadas, em
sa ao objeto de apego sobre a possi- algumas ocasiões de reparatórias
bilidade do rompimento do vínculo, (GARCIA, 1988, p. 101).
sempre que esta situação se dá ou
pode chegar a dar-se (GARCIA,
1988, p. 93).

Ansiedade confusional

A ansiedade é vivida como uma


ameaça de desintegração, de de-
sestruturação interna por confu-
são. Quando dominados por ela
não entendemos o mundo interno
e/ou externo. Em geral, as ansieda-
des confusionais primitivas predo-
minam em situações de simbiose e
ambiguidade (BLEGER). Também
pode ser usado o termo “ansiedades
de diferenciação-indiferenciação”
(GARCIA, 1988, p. 98).
53 54
Espaço vital e espaço relacional

Espaço vital e espaço Espaço vital e espaço relacional


No texto anterior, podemos dizer que a área compreendida entre o ponto
relacional: uma reflexão sobre a onde o animal passou a notar a presença da atendente, até o momento em que
demonstrou sinais de apreensão (orelhas em riste, corpo tensionado, rosnar etc.),
formação e intervenção em Psicomotricidade Relacional1 denomina-se espaço relacional.
Até uma determinada distância, o bicho não se sente ameaçado e, dependendo
de como se desenrola a aproximação, há chances de se estabelecer uma confiança
por parte do animal, ponto de partida para a criação de um vínculo.

O
s conceitos de Espaço Vital e Espaço Relacional foram desenvolvidos A partir do perímetro explicitado pelas marcantes modificações tônicas do
a partir da necessidade de fundamentar a importância da percepção do bicho, entramos no seu espaço vital, área de sobrevivência, onde o primordial é
próprio corpo e do corpo do outro no âmbito das relações humanas. a autopreservação. Ao avançar neste espaço, sem a prévia construção de uma
Por meio destes conceitos, pretendemos analisar que, tanto numa confiança básica, não há como deter o animal em sua intenção de ataque ou fuga,
comunicação direta, corpo a corpo, quanto indireta, através de mediadores visto que tal situação o remete a um contexto de vida ou morte.
como a voz, objetos etc., as variáveis tônicas dos envolvidos, analógicas e A demarcação desses perímetros são variáveis, dependendo da natureza e
subjacentes a qualquer ato consciente são determinantes na codificação e na grau de sua relação com quem se aproxima. Diante de seu dono, por exemplo, a
construção de uma atitude de receptividade ou de repulsa do que está sendo área de espaço relacional chega ao contato físico entre ambos. Pelo contrário,
comunicado ou proposto. frente a uma pessoa desconhecida, como no caso de nossa história, a fronteira
Para esclarecer essa temática, utilizaremos uma situação bastante corriqueira, vital estendeu-se por vários metros do corpo do animal, restringindo o espaço
ou seja, a aproximação de uma pessoa de um animal doméstico. Não pretendemos relacional, tendo em vista que a forma pela qual o estranho se colocou foi
com isso, equiparar o comportamento humano ao do animal, apenas amplificar, vivenciada como uma ameaça.
por meio desse exemplo, as condutas pulsionais de preservação da vida que, nos Os conceitos, bem como a história acima colocada, podem ser transpostos
animais, aparecem de maneira instintiva, isenta das variáveis psicossociais a que para as relações humanas e articulados às questões de afetividade, percepção mútua,
estamos sujeitos. autopercepção, limite, ansiedade e preservação da continuidade psicossomática.
Refirimo-nos, especificamente, a uma experiência compartilhada com um Nos quadros abaixo, pode-se acompanhar as manifestações corporais e
grupo de atendentes de creche, durante um curso realizado em minha clínica. psíquicas diante de cada situação, bem como, atitudes niveladoras que tendem a estar
Neste local, havia uma cadela da raça fox, animal com um senso de territoriedade presentes nas relações humanas. Adicionamos a este quadro algumas possibilidades
dos mais apurados para a espécie e de respostas muito claras diante da ameaça de de intervenção do psicomotricista relacional diante do contexto apresentado.
seu território.
Nossa história começa quando uma das alunas fez a tentativa de estabelecer Tipo Manifestações Manifestações Condutas Postura do psicomotricista
uma relação com a referida cachorra. A situação desenrolou-se da seguinte corporais psíquicas niveladoras relacional como facilitador
maneira: a cachorra, presa em seu reservado, de longe percebe a aproximação
da atendente, respondendo com um leve direcionamento do olhar. A atendente, Extremos tônicos Medo, temor Precaução Clareza de comunicação dos enqua-
não demonstrando nenhuma modificação em sua atitude de acercamento, foi Tensão muscular Desconfiança Cautela dres do jogo, das responsabilidades
prontamente “contestada” pelo animal, desta vez com um movimento brusco de generalizada Pânico, terror Indagações pessoais e grupais.
levantamento da cabeça e das orelhas, um retesamento da musculatura corporal e Movimentos dire- Impossibilida- Fuga Facilitar a expressão espontânea e
um rosnar baixo, preparando-se para o ataque. Mesmo diante de todos esses sinais, ESPAÇO tos e bruscos de de planejar Contra-ataque autônoma.
a pessoa não modulou sua aproximação, sendo surpreendida por um “súbito” VITAL Paralisia por a ação Autoafirmação Ajudar na desidealização e elabora-
avanço da cachorra em sua direção. Digo “súbito”, pois esta foi a vivência da excesso Tendência ao agressiva ção das negações.
pessoa que se aproximava. Ansiedades Olhar tenso isolamento Personalizar as relações
No exemplo descrito, interessa-nos observar como a atendente, embevecida persecutórias Sorriso nervoso ou às relações Respeitar a distância inicial imposta
com suas intenções carinhosas frente ao animal, desconsiderou todos os sinais Zona de Choro duais pela criança.
de incômodo e ansiedade expressos por meio da atitude tônica e corporal, tanto contrastes Prefere estar em pé Incapacidade Auxiliar na diminuição dessa distância
de sua parte como da parte do animal, perdendo o sentido do que estava sendo Manipulação para simbo- por meio dos mediadores de comuni-
comunicado, corporalmente, pela cadela e pelo seu próprio corpo, onde certamente 1 Trabalho apresentado como
tema livre e publicado em
circular de objetos lizar cação e modulação tônica adequada.
estes sinais repercutiram. Esta situação nos servirá de apoio para conceituar anais. VII – Congresso Brasilei-
ro de Psicomotricidade, 1998,
Tiques Enfatizar as potencialidades da
Espaço Vital e Espaço Relacional. Fortaleza, Ceará, Brasil. criança.

55 56
Espaço vital e espaço relacional Espaço vital e espaço relacional

forma singular e acolher as produções das crianças. Entendemos que, por meio
Tipo Manifestações Manifestações Condutas Postura do psicomotricista destas condutas, o psicomotricista estabelece uma consonância emocional
corporais psíquicas niveladoras relacional como facilitador necessária para laboração e evolução dos conflitos psicoafetivos colocados
em jogo, nas sessões de Psicomotricidade Relacional.
Tono equilibra- Ambivalência Preencher-se Auxiliar na elaboração do luto,
do, com modula- Amor/ódio Criar da perda e da culpa.
ção adequada a Tristeza/alegria Elaborar o luto Ajudar na percepção de si e do
cada situação Recolhimento/ Construir meio, oferecendo possibilidades
ESPAÇO Misto de movi- mania Compartilhar de inter-relação.
RELACIONAL mentos diretos e Possibilidade Divertir-se Ajudar a criança a responsabi-
flexíveis para as relações lizar-se pelos próprios atos, a
Ansiedades Atitude na ação triangulares e colaborar e a encontrar meios de
depressivas ou Proximidade grupais reparação.
reparatórias física Acesso ao sim- Evitar sentimentos extremos.
Zona de nu- Circulação nos bólico Manter clareza na comunicação.
ances diversos planos Confiança
do espaço pesso-
al e geral

(Ideia tomada de GARCIA, 1988 – amplamente modificada pelo autor.)

Formação e intervenção
A intenção fundamental do Psicomotricista Relacional é auxiliar o sujeito
na detecção de suas dificuldades psicoafetivas e no seu processo de conquista
da identidade e autonomia, com vistas à socialização.
Para cumprir esse papel, aqui entendido como estruturante, o
psicomotricista necessita apresentar-se receptivo às questões colocadas em
jogo, tanto por ele quanto pelas crianças. Reconhecer sua história pessoal,
suas emoções e sentimentos, determina a maneira como o psicomotricista
contribui para o desenvolvimento harmônico da personalidade daqueles a
quem dirige o seu trabalho. É, portanto, fundamental que a formação deste
profissional considere não só dados teóricos mas, sobretudo, a possibilidade
de identificar suas potencialidades e dificuldades, seus limites de espaços
vital e relacional.
Desta maneira, para que o psicomotricista possa evitar ou minimizar
atuações desnecessárias e inadequadas, comprometendo o seu trabalho de
ajuda, torna-se imprescindível uma abordagem que articule o conhecimento
teórico ao pessoal.
Entre outras razões, consideramos importante uma formação nesta
direção, tendo em vista ser a Psicomotricidade Relacional um processo de
humanização, em que tanto o profissional quanto o cliente estão imersos num
diálogo, ditado pelos componentes da história pessoal de ambos e por suas
constantes transformações.
Ao adquirir a possibilidade de reconhecer-se na relação, o psicomotricista
é remetido concomitantemente ao reconhecimento e identificação do outro,
condição para adotar uma atitude de escuta, modular suas intervenções de
57 58
Psicomotricidade Relacional

Psicomotricidade Relacional: Vídeo de uma carga emocional, esses encontros marcam a totalidade psicossomática
do indivíduo, formando a âncora emocional fundamental que influenciará suas
possibilidades de afirmar-se diante dos processos de individuação e socialização.
uma contribuição integradora para o Assim, a Psicomotricidade Relacional está vinculada às abordagens de
Wallon e Ajuriaguerra em que estes conceituam a organização tônica do sujeito
olhar educacional1 como resultante de sua história relacional, atribuindo a ela um conteúdo simbólico.
A esta ideia, Lapierre acrescenta a noção de que tal organização tônica também é
condicionada, em parte, pela vivência imaginária do indivíduo em suas relações

E
ste relato tem como base experiências de campo desenvolvidas ao longo corporais com o outro.2
de cinco anos, nas creches municipais da cidade de Curitiba – Paraná, Segundo o esquema abaixo representado, pode-se acompanhar o fluxo do
como parte de um projeto de capacitação de pessoal, fundamentado na processo evolutivo das sessões de PR.
Psicomotricidade Relacional.
Tomando como referência a teoria e o método sistematizados por André
Lapierre, o projeto e as reflexões elaborados nesse período são fruto dos resultados
obtidos com as crianças e das vivências compartilhadas entre os profissionais,
durante as sessões de Psicomotricidade Relacional (PR).
Considerou-se importante apontar, mesmo que brevemente, as mudanças de
papel assumidas pelas creches, desde o seu surgimento em Curitiba, em meados
da década de 1970, até o momento desta pesquisa, com o intuito de evidenciar
como a PR participou deste processo.
No Brasil, como em outros países, a instituição creche tem sua origem na
necessidade das famílias em terem um local de guarda para seus filhos, mediante
o ingresso da mulher ao mercado de trabalho. Em Curitiba, as creches municipais
foram implantadas em 1975, por ocasião do plano de desfavelamento que consistia
na relocação das famílias para conjuntos habitacionais na periferia da cidade.
Inicialmente, estes equipamentos tinham um caráter assistencialista, uma
vez que, ao priorizar os cuidados com a alimentação e higiene das crianças,
restringiam sua ação aos aspectos orgânicos. Paulatinamente, as creches passaram
a valorizar o aspecto cognitivo das crianças e, consequentemente, a incluir Todos temos uma história pessoal determinada pelo inter-relacionamento
propostas pedagógicas em sua rotina. com o meio, e que fica perpetuada em nossa unidade psicossomática através de
Em meados de 1980, as creches tornam-se, de fato, um espaço de educação, contrações tônicas, que com o passar do tempo tornam-se crônicas e involuntárias.
aqui entendida como processo de desenvolvimento global do indivíduo, que inclui, Por meio do jogo espontâneo, o psicomotricista relacional faz uma
além dos aspectos orgânicos e cognitivos, questões relacionais-afetivas. decodificação simbólica dos conteúdos jogados pelo sujeito e traça suas intervenções
Nesta mudança de paradigma, a PR deu sua contribuição, uma vez que no sentido de auxiliá-lo a evoluir em suas questões relacionais, a flexibilizar seu
concretizava, no espaço pedagógico, a importância das relações interpessoais no padrão tônico-relacional, possibilitando ao indivíduo expressar seus desejos e
desenvolvimento infantil. necessidades e, portanto, reencontrar e refazer a relação com seus pares e o meio
circundante, fato que vai repercutir diretamente na sua história pessoal.

Psicomotricidade Relacional
Contribuições da Psicomotricidade Relacional
Sistematizada por André Lapierre e seus colaboradores, no final dos anos
1970, a PR, método de abordagem corporal, tem por objetivo recuperar a história
para o ambiente educacional
corporal-afetiva do indivíduo. Em seus estudos, Lapierre perseguiu a origem da Por meio da atividade lúdica espontânea, como já dito, a PR oferece
formação dos sintomas, ditos psicomotores, concluindo que estes são influenciados ao indivíduo espaço e tempo adequados, nos quais este pode expressar suas
pelas relações tônico-afetivas, estabelecidas pelo indivíduo em suas experiências dificuldades relacionais, com o objetivo de oferecer-lhe a possibilidade de
primárias.
1 Texto apresentado no VII 2 FRANCH, N. La Psico-
motricidade Relacional
reencontrar e reconstruir a relação com o “outro”.
Como relações tônico-afetivas, compreende-se os encontros corporais vividos Congresso Brasileiro de una Hierrementa Educati- Quando nos referimos aos encontros corporais afetivos e citamos pais e/
Psicomotricidade 1998, For- va. Texto inédito. Barcelo-
originalmente entre as figuras parentais e/ou substitutos e seus filhos. Carregados taleza, Ceará, Brasil. na: 1990. ou substitutos como parte essencial dessas vivências, inclui-se aí, a figura do
59 60
Psicomotricidade Relacional Psicomotricidade Relacional

educador como substitutivo dos vínculos afetivos familiares e coparticipante na pela impossibilidade de entender o sintoma como manifestação de uma necessidade
estruturação da unidade psicossomática infantil. e, por último, pelo desconhecimento do papel fundamental que os educadores
Como exemplo, pode-se citar o caso de uma menina que trazia em sua operam na estabilidade emocional e cognitiva das crianças.
história pessoal a marca de maus tratos, o que lhe criou bastante dificuldade em Trabalhar a partir de um ponto de vista relacional implicou uma revisão,
confiar nos educadores da creche. Sua maneira de expressar essa desconfiança não somente da proposta pedagógica das creches, mas também das atitudes
era não se comunicando, mantendo-se sempre isolada e calada, olhos baixos das atendentes e de toda a equipe de funcionários implicados no processo de
e, ao menor sinal de aproximação dos adultos, ficava paralisada, tono corporal desenvolvimento infantil, sobre a atitude adotada diante das crianças.
enrijecido, olhos arregalados e expressava um sorriso cristalizado na face ou seja, Os resultados, embora com todas as dificuldades inerentes a um processo
ficava em pânico. como esse, numa instituição de porte, foram bastante animadores. A partir desse
Dentro do trabalho regular de sala não era possível trabalhar a questão de projeto, ainda que não contemos com dados estatísticos, constatamos, através
sua desconfiança, pois o processo parte, na maioria das vezes, do adulto para a do acompanhamento linear comparativo, os seguintes benefícios atribuídos à
criança, e ela apresentava-se com bastante dificuldade em aceitar o educador e intervenção pela Psicomotricidade Relacional:
o que quer que viesse dele, provocando um movimento contratransferencial por Além de colaborar diretamente na adaptação e socialização das crianças,
parte dele, traduzido em irritabilidade e pouca disponibilidade, fato que acentuava na estruturação de sua dimensão agressiva, na possibilidade de expressão
ainda mais os padrões relacionais da educanda. de suas ideias, necessidades e desejos, apresentou-se uma maior
Nesse caso, a PR auxiliou, pois sua abordagem não diretiva, o psicomotricista, participação no desenvolvimento das propostas pedagógicas.
reconhecendo a desconfiança e o medo dessa criança em relação ao meio, Baixa de ansiedade e acréscimo da espontaneidade das educadoras, a partir
generalizadamente hostil, traçou suas intervenções utilizando-se de todos os de uma melhor compreensão dos aspectos comunicados pelas crianças por
mediadores de relação (gestos, sons, objetos etc.) no sentido de, paulatinamente, meio de suas múltiplas manifestações.
à medida que a criança abria uma chance de proximidade, ele respondia a essa Essa atitude foi incorporada aos procedimentos cotidianos das educadoras,
abertura com uma atitude de escuta, de respeito e de afetividade. Essa atitude, extrapolando o contexto das sessões de PR.
pouco a pouco foi ressignificando a presença desse adulto, não somente como Pela linguagem comum criada pela convivência, supervisores, atendentes
possibilidade de agressão, mas também de troca e reconhecimento, proporcionando e diretoras adquirem ação mais integrada no trato com as crianças,
para a educanda uma nova maneira de ver essa figura de poder, e estar dentro do tornando as supervisões mais proveitosas, visto que partiam de uma
ambiente institucional. experiência compartilhada por todos.
Com esta sucinta apresentação, procuramos lançar luz sobre a maneira como Os encontros de reflexão e os seminários de desenvolvimento infantil
a PR pode auxiliar na compreensão dos processos comunicacionais infraverbais adquirem uma possibilidade concreta de aplicação, redirecionando a
e enfatizar a necessidade de se resgatar para o ambiente educacional a linguagem ótica sobre os processos de desenvolvimento infantil.
tônico-afetiva. Concluindo, podemos apontar a Psicomotricidade Relacional como um
Sua ação não se restringe aos casos de introversão, pois, dada a sua concepção processo de humanização com repercussões bastante profundas, não somente no
unificadora do indivíduo e por apoiar-se no discurso corporal, infraverbal, que tange ao crescimento das crianças, mas também como alavanca explicitadora
incidindo diretamente na história tônico-afetiva das pessoas, abre uma gama de dos processos relacionais/comunicacionais de toda a instituição.
possibilidades de manutenção da saúde psicoafetiva dos implicados. Sabendo que o ser humano é um ser eminentemente relacional e que
todas as construções advindas das inter-relações do sujeito com o meio passam
necessariamente pelo corpo, intencionamos, com essa explanação, explicitar, a
Considerações finais partir de nossa experiência, as contribuições que a Psicomotricidade Relacional
pode oferecer à formação de um processo educacional que leve em conta não
Em nossa trajetória com a PR nos ambientes educacionais, anteriormente somente os aspectos cognitivos, mas também a diversidade de componentes que
citados, notamos que a maioria dos educadores, em sua prática cotidiana, e mesmo integra o sujeito e lhe possibilita uma utilização criativa desse conhecimento para
durante a participação nas sessões de Psicomotricidade Relacional, guarda em sua seu desenvolvimento e de sua sociedade.
natureza uma disponibilidade inerente para estabelecer vínculos afetivos e opera
esse fato de uma maneira empírica com bastante eficiência.
Infelizmente, grande parte desse potencial vincular transforma-se numa
espécie de “lixo relacional”, dada a impossibilidade de os educadores, por
motivos diversos, agirem conscientemente sobre os conteúdos comunicacionais
não verbais. Essa situação ocorre por causa da dinâmica acelerada da rotina da
instituição, pela supervalorização do cumprimento dos conteúdos programáticos,
pela falta de reconhecimento da importância das comunicações tônico-afetivas,
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Revisão

Revisão Vídeo Vídeo Jean Piaget – corpo biopsicossocial.


Henri Wallon – corpo sociopsico-maturacional.
Sigmund Freud – corpo pulsional.

Corpo hábil (contexto)


Corpo consciente (características)
Final do século XIX até 1940 (França).
Organizador: Paralelismo. Passagem do corpo neurológico para o movimento consciente.
Corpo = receptáculo da tradição. Programas compensatórios: da moralização do gesto à objetivação do
Surgimento do termo Psicomotricidade. movimento.
Modelo mecanicista de concepção e abordagem do corpo. Psicomotricidade = ciência do esquema corporal.

Corpo hábil (principais concepções) Esquema corporal


Concepção anatomofisiológica estática. Organizador das experiências dos seres humanos no tempo e no espa-
Concepção córticopatológica. ço presente.
Concepção neurofisiológica. Desenvolvimento da percepção e controle do próprio corpo.
Concepção neuropsiquiátrica.

Esquema corporal (técnicas)


Corpo hábil
Interiorização das sensações relativas a uma ou outra parte do corpo e da
Exame Psicomotor (1935 – Edouard Guilman). globalidade de si mesmo.
Reeducação Psicomotora. A apropriação de um equilíbrio postural econômico; de uma lateralida-
de bem definida e afirmada.
Independência dos diferentes segmentos do corpo em relação ao tronco
Reeducação Psicomotora (propósitos) e entre eles.
Domínio das pulsões e inibições estreitamente ligadas aos elementos
Reeducar a atividade tônica (exercícios de atitude, de equilíbrio e de mímica). precedentes e ao domínio da respiração (PICQ–VAYER, 1969).
Melhorar a atividade de relação (exercícios de dissociação e de coordenação motora com
apoio lúdico).
Desenvolver o controle motor (exercícios de inibição para os instáveis e de desinibição para Corpo significante (contexto)
os emotivos).
Período: 1974-1980.
Organizador: Impressionismo.
Reeducação Psicomotora Corpo = emissor.
O corpo que “fala”.
Técnicas utilizadas na neuropsiquiatria: exercícios de educação sensorial; de desenvolvi-
mento de atenção e trabalhos manuais.
Corrente médico-pedagógica. Corpo significante (características)
Psicotropismo das técnicas do corpo.
Corpo consciente Somatotropismo das técnicas verbais.
(principais autores e respectivas concepções de corpo)

Paul Schilder – corpo perceptual.


Arnold Gesell – corpo biomaturacional.
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Revisão Revisão

Corpo significante (transformações)


Do eixo termodinâmico ao cibernético.
Do eixo funcional ao pulsional.
Do eixo paterno ao materno.

Corpo significante (perspectivas conceituais)


Corpo como lugar de prazer: regência das zonas erógenas.
Catexia como substrato da funcionalidade.
Efeitos das carências afetivas precoces.
Conceitos centrais: transferência e inconsciente.

Psicomotricidade – corpo significante

Psicomotricidade – síntese geral


O psiquismo tem dois níveis: consciente e inconsciente.
O corpo tem dois níveis: estruturado e fantasmático.
A atividade motora tem dois níveis: racional e projetivo.
A Psicomotricidade tem dois níveis: racional e relacional.

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Referências

Referências
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Anotações

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EDUCAÇÃO
PSICOMOTORA

Fundação Biblioteca Nacional


Código Logístico ISBN 978-85-387-2981- 5

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