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Janaína
Pimenta r Fernanda
Fonseca
deSáAndrade
Andrea
Moreira
VeigadeSouza
Fernanda
Ferreira
daSilva
TNTRODUçAO
\ r'oz infantil, há muito, tornou-se preferência por sua suavidade e inocên-
i.r, personificando anjos nas crianças cantoras que compunham o coro
elestial.Quando cantamos,clamamos Deus três vezesmais, repetiam os
rentes.Para essafunção primordial, o estudo do canto era iniciado muito
:)recocemente.
O objetivo não era cantar simplesmente, mas soar de forma perfeita
iiante dos olhos divinos e, para isso, um caminho longo de estudos rigo-
: ososdeveria começar a ser trilhado por muitas crianças.Contudo, a evo-
.trçãovocal, posteriormente conquistada nessatrilha, era, repentinamen-
.e, desestabilizadapor emissõesinstáveisdos cantores mirins, que come-
üavama produzir notas graves, nunca antes alcançadas, e a perder exten-
.lio e volumg para os sons agudos, tão trabalhados e almejados na tessitu-
ln. Tratava-se do início da muda vocal, na qual o cantor mirim perde a
iuavidade vocal, característicados mensageirosdivinos.
Em meados do século 16, a fim de solucionar essadificuldade do can-
ro associado à puberfonia, iniciou-se apráttica da emasculação, criando-se
,rs primeiros "castrati".Em 1550, foram aceitos os primeiros eunuchi no
coro da Capela Sistina, dando origem a um hábito comum em pratica-
rnente todos os coros. Originou-se, então, uma estranha ciação, os castrati,
homens em tamanho e aparência, dotados de vozes com extensão femini-
Ììa, que podiam ressoar volumosas pela presença de maiores caixas resso-
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160 | 12
Capítulo
REVISÃODE LITERATURA
O desenvolvimento da laringe e davozocorre de forma contínua e intensa
durante toda a vida do ser humano, apresentando o ápice das transforma-
ções na puberdade, a partir da qual ocorre o estabelecimento do padrão
vocal adulto. Modificações anatômicas importantes na laringe ocorrem
durante toda a vida, e o profundo conhecimento dessastorna-se funda-
mental para que possamos compreender todo o complexo processo do
desenvolvimento vocal.
A estrutura vocal do bebê, após o nascimento, não corresponde a
uma miniatura da do adulto. Além do crescimento do trato vocal, ocorre
uma série de alterações na configuração geométrica desse tubo, diferin-
do sua estrutura vocal da estrutura do adulto tanto na forma como na sua
relação com outras partes do corpo (Behlau, 1991).
Ao nascimento, a laringe inicia sua descida. Nos recém-nascidos, a
epiglote situa-seao nível da primeira vértebra cervical (C1), e o limite in-
ferior da cartilagem cricóide em torno da terceira ou quarta vértebras
cervicais (ff e Ca). Por volta dos 5 anos de idade, a cartilagem cricóidea
já se posicionou ao nível da sétima vértebra cervical, onde ficará' até os 20
anos, descendo lentamente até a senescência.Além dessasmodificações
em seu posicionamento, a laringe sofre, ainda, alterações morfológicas:
seu esqueleto de configuração cônica, um funil de diâmetro menor em
VozCantada
na Infância I 161
::ïi:Í"^ï11Ì:l?_g:"do à memória
r ronat, sen_
Lurrdl, ücll-
A; criançascosrumamconfündir o
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ra ela (Jones, lgTl).
Com relação aos cantores mirins, a literatura parece ser muito contro
versa. E definido que a provável extensão que todas as crianças poderiam
acompanhar estaria compreendida entre o ré 3 e oIá3 (Barker, 1987).
A voz infantil carece de ressonância e de grande número de harmôni-
cos; crianças tendem a preferir elevar a intensidade vocal como um modo
de se destacar do coro, privilegiando o volume às características estáticas
da emissão. Desse modo, o regente do coro infantil deve ser conscientiza-
do sobre a importância de uma produção vocal infantil saudávele sem ris-
cos (Behlau, 2001). Alguns autores consideram inapropriado manter a
atividade do canto nessa época. Outros, mais radicais, preconizam o iní-
cio do ensino do canto apenas a partir de 18 a 20 anos, momento em que
se considera que a muda davozse deu por completo. Alguns, mais mode-
rados, afirmam ser possível manter a criança em um trabalho de uso
vocal que modifique, progressivamente, as habilidades de modulação dos
seusalunos (Behlau, 2001).
Outro aspecto importante a ser destacado é o cultural, uma vez que
parece influenciar as características vocais de uma criança e com elas se
relacionarem.
No córtex cerebral, a linguagem e a altura dos sons são processadas
em hemisférios separados, havendo, com o estudo da música, um reforço
das ligações entre essesdois hemisférios. Tal fato explica, possivelmente,
por que crianças sul-africanas que falam as línguas tonais africanas são
mais afinadas que as que falam inglês. As crianças cantonesas parecem
destacar-senas atividades do canto, o que pode estar relacionado, segun-
do o autor, com o treino proporcionado pela língua falada em Cantão,
que utiliza nove tons diferentes, cada um deles envolvendo uma altura ou
uma duração específica(Welch et a1.,1985).
A extensão vocal das crianças parece, também, apresentar variações
de acordo com particularidades culturais. No caso das escolasfrancesas e
alemãs, a região da tessitura vocal escolhida para o canto era mais alta do
que a habitualmente utilizada na Argentina. No Brasil, a maior parte dos
professorestem problemas de disfonia e, por isso,elesescolhem tonalida-
des muito graves para as crianças; assim, o resultado será um canto mais
desafinado (Gonz:íles, 1963). A extensão pode alcançar de uma terça me-
nor a duas oitavasem criançasde 6 a 12 anos,devendo os professoresesti-
mular as regiões mais agudas da tessitura (Moore, 1991).
Em um estudo realizado em 1986, Zimerman cita outras vantagens e
desvantagenspropiciadas pelo canto na infância. Segundo ele, a memória
pode ser vista como aquele estoque de informações codificado pela assi-
VozCantada
na Infância
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milação, que se transforma no material usado pa-ra construir e incorpo-
rar novos conhecimentos.Dessemodo, pode-seconcluir que, para perce-
ber um evento musical, é necessário que ele seja associado a eventos musi-
caispassados;tais consideraçõesnos fazem deduzir que a memória musi-
cal de uma criança serámais desenvolvidase ela convìver,desde cedo, em
ambientes que sejam musicalmente estimulantes. Não deixa de ser provo-
cativo imaginar se a capacidade de pessoas de memorizar númerós, tex-
tos ou eventos poderia relacionar-se com a memória musical.
euanto à
extensàovocalde uma criança,o autor a caracterizacomo pequena,o que
a leva a cantar em uma altura vocalmente confortável sem perceber que
está errada ou fora do tom. com o tempo, essaprática urubuprejudicàn-
do o desenvolvimento da percepção auditiva, e a criança torna-se cadavez
mais desafinada ao armazerrar modelos errados.
As crianças aprendem rápido tanto as informações corretas quanto as
erradas. São capazes de adquirir um repertório relativamente amplo de
habilidades musicais - daí a importância de se garantir moclelos uà"qrru-
dos na infância (Yarbrough et at.,1gg7).
Revelando-se,ainda, como tarefa importante para o desenvolvimento
da criança, é traçado um paralelo entre a linguagem verbal e a musical,
observando, inclusive, que certos conceitos, como ritmo, melodia e har-
monia, que fazem parte da estrutura musical, são, também, utilizados
quando nos referimos à linguagem falada (valle e pereira, z00z). A partir
dessa analogia, talvez possamos supor uma estrutura primária comum
que compõe tanto a linguagem verbal como a musical, levando-nos a
questionar se o aprendizado destanão poderia influenciar positivamenre
no desenvolvimento daquela.
Aspectos emocionais também devem ser levad.osem consideração
quando realizamos a análise daperformancede um cantor mirim. IJma cri-
ança muito tímida pode não conseguir cantar de maneira afinada por não
abrir a boca (Bannan,1988),ao passo que crianças lensas,em geral, são
muifo exigenresconsigo mesmase, possivelmente,uma màe exigentee
crítica seria a causadessatensão (Stene, l969).
A atividade do canto e todos os aspectos descritos anteriormente po-
dem ser influenciados negativamente quando percebemos o valor social
dado às performancesinfantis a ponto de vislumbrar modelos a serem
alcançados,os modelos preferenciais.Em uma pesquisaque buscou defi-
nir as vozesatualmente preferenciais em várias proiissõei, Behlau (2001)
verificou que os traços preferidos nos cantores mirins eram uma voz com
freqüência aguda associada a uma grande variabilidade de freqüência e
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Capítulo
FINAIS
coNSIDERAçoEs
auto-imagem de
uma das mais belas construções é o desenvolvimento da
decisivo' uma vez
uma criança. Nesse momento, os pais possuem papel
fazendo com
que deles partirão os estímulos, os modelos e as castrações'
das suas vidas'
que os pequenos tornem-se' muitas vezes'reflexo
SeuSperso-
A vida moderna, embalada por um ritmo frenético, veste
a sobrevivência eo
nagens de ansiedade' que buscam desesperadamente
freqüentemente'
.onforto das suas criai. Nessa situação' deparamo-nos'
destino com
com criançassendo puxadas pelos pais, que correm Paraum
aquele momento em que seus
hora marcada. As crianças passam a buscar
como
pais se encontrariam mais tranqüilos, pelo menos aparentemente'
aodirigirumautomóvel.Dessemodo,elasteriamachancedeumdiálogo
muitas vezes' divi-
no curto esPaçoentre dois destinos, sendo essetempo'
dido com o irmão.
Arotinatorna-Seaindamaisfrenéticaquando,nãobastanclooritmo
com ajustifica-
dos pais, várias atividades são agendadas para as crianças'
tiva de estimular seu desenvoú-.tto. Para tal desenvolvimento ou des-
a gritar o
taque social, ocorre uma adaptaçáo das crianças' que Passam
tempotodoporumaliderançaetentamprovar'atodoinstante'suashabi-
distúrbios voca-
üdaàes, preferencialmente, incomuns' Em conseqüência'
vocal o distúrbio
is na infância têm-se tornado comuns, sendo o nódulo
principais são o abuso
mais fieqüentemente diagnosticado, cujas causas
a inadaptação
vocal, a iompetição sonora, a estrutura da personalidade,
fônicaeosfatoresalérgicos.Apesardisso,éressaltadoquepaiseprofes-
criança, consideran-
sores dificilmente idenïificam problemas de voz na
de desenvolvimento
do a rouquidão como parte áo processo normal
(Behlau,2001).
grande desta-
Atualmente, uma das habilidades infantis que geram
quesocialéocanto,umcaminhoparaagarantiadosucessoquesetor-
seguem mode-
nou, inclusive, alvo de programas dì televisao' As crianças
e visual quanto ao
los adultos tanto no qrr. ú refere à performancevocal
alcanÇamo favori-
repertório. Aquelas qrr" -ai, se aproximam da adultez'
tisrno, o que corrobora o estudo de Behlau (2001)'
Questionamos,então,quaisosbenefícioseosprejuízospossíveisoca-
podemos deixar de
sioruãos pela atividade dá canto na infância. Não
indiúduo musical por natu-
concordar com o relato de a criança que é um
VozCantada
na Infância
J 16e
reza' característica que
deve ser esdmulada
enão reprimida com determi_
nadoscomenrárior
lsiluu, rgggl."i;r esúmuro...iâ-J.'irrdamentar
portância, uma vez que im_
o canto é u.
semqueapres
enra
pap
erp"d.sósi.;"r,ij;H;ffi
argunsauroresyoai,is_.
:"_,
ÀJ;iü'ìbzs, w"t;;-;',*,'ïàou,f il::,.,:ï1_
Ì986; Yarbroug! et al.,
Iggl, pereira,
zimerman,
Váff. e 2002).AÌém disso, sua
tramenreprejudiciar,
;ïï:ïâ mome:ro gm que desrrói
.:,:ïa possi_
j,;*&fi#,,"".ïq::ïï:.1ïJiïÌ:ti:i:ï
nesariva.r"o.,#. 11
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