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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES


DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

EVELLYN CRISTINA CARVALHO NUNES

ARTEMISIA GENTILESCHI E AS QUESTÕES DE GÊNERO NA ARTE


BARROCA

VIÇOSA
2019
RESUMO

As clássicas representações femininas feitas no decorrer da história da Arte, como por exemplo, a
tradição iconográfica da Vênus e sua frequente reprodução, serviram como suporte para construir um
ideal corporal e comportamental para as mulheres de diferentes épocas. Utilizada como solução
artística que permitia a exposição desses corpos nos museus de arte europeus, essas figuras femininas,
geralmente nuas, encarnavam seres mitológicos e alegóricos a fim de justificar e tornar adequada sua
exibição ao grande público. Essas representações estavam pautadas nas construções sobre a presença
social da mulher, carregando noções como a da sensualidade e a da passividade feminina. Assim, se
tratava de corpos idealizados e que incorporavam um padrão comportamental socialmente designado às
mulheres, como forma de controle e imposição do que era ou não adequado a elas. Produzidas em sua
grande maioria por artistas homens e como mero objeto de contemplação dos mesmos, essas pinturas
podem nos mostrar alguns critérios pelos quais as mulheres têm sido observadas e julgadas,
contribuindo para reforçar ainda mais esses valores e perpetuando um imaginário feminino ideal. A
partir de duas obras da artista barroca dos séculos XVI e XVII, Artemisia Gentileschi, em que retrata as
histórias bíblicas de “Susana e os Anciãos” e “Judite decapitando Holofernes”, essa investigação
propõe-se a analisar a influência do olhar masculino nas representações feitas de figuras femininas e
propor uma comparação destas com obras de mesma temática, mas realizadas a partir do olhar das
próprias mulheres.
Palavras-chave: Gênero; Corpo feminino; Artemisia; Representação; Arte barroca.

ABSTRACT

Abstract: The classic female representations made during the history of Art, such as the iconographic
tradition of Venus and its frequent reproduction, served as support to build a corporal and behavioral
ideal for women of different times. Used as an artistic solution that allowed the exhibition of these
bodies in European art museums, these female figures, usually naked, embodied mythological and
allegorical beings in order to justify and make their exhibition to the general public adequate. These
representations were based on constructions about the social presence of women, carrying notions such
as sensuality and female passivity. Thus, it was about idealized bodies that incorporated a behavioral
pattern socially assigned to women, as a way of controlling and imposing what was or was not suitable
for them. Mostly produced by male artists and as a mere object of contemplation, these paintings can
show us some criteria by which women have been observed and judged, contributing to further reinforce
these values and perpetuating an ideal female imagination. Based on two works by the 16th and 17th
century Baroque artist, Artemisia Gentileschi, in which she portrays the biblical stories of “Susana and
the Elders” and “Judite decapitating Holofernes”, this investigation proposes to analyze the influence of
the male gaze on representations made of female figures and propose a comparison of these with works
of the same theme, but made from the perspective of the women themselves.
Keywords: Gender; Feminine body; Artemisia; Representation; Baroque art.
3

INTRODUÇÃO

A partir de questões postas nos últimos tempos, passamos a problematizar as


funções sociais que foram construídas para a figura feminina. As discussões que hoje já
estão mais recorrentes nos mostram que as categorias usadas para definir homens e
mulheres são construções sociais, mas que por estarem enraizadas são tidas como
naturais.

Apesar dos avanços nos debates, muito ainda precisa ser feito, e as discussões
de gênero que propõe a quebra da distinção binária, ampliam ainda mais as relações.

Nesse sentido, é preciso analisar como esses elementos estão presentes em


diversos setores da sociedade, entre eles, a Arte. As tradições iconográficas da História
da Arte contribuíram para conservar e disseminar certas normas sociais a respeito do
corpo feminino. Construindo um corpo idealizado e lógicas de comportamento
considerados adequados principalmente às mulheres, mostravam como as relações de
poder existentes na sociedade de cada período poderia ser expressado nas
representações pictóricas.

Sendo assim, nos propomos a analisar a influência de um olhar masculino que


influenciava nas representações feitas dos corpos femininos, principalmente nus, que
buscavam criar o ideal de feminilidade, regulamentando esses corpos.

Em contrapartida, mostraremos como as representações de mulheres feitas por


artistas femininas, muitas vezes nos mostram um outro lado, uma outra forma de ver
esses corpos, e outras possibilidades de atuação dos mesmos.

Partindo de questões postas principalmente por John Berger, e utilizando-se de


outros autores que partilham dos mesmos argumentos, iremos analisar as representações
feitas das histórias bíblicas de “Susana e os Anciãos” e “Judite decapitando
Holofernes”, consideradas temas tradicionais na arte. Também utilizaremos as obras da
pintora do barroco italiano Artemisia Gentileschi, exemplos de como pinturas com
temáticas semelhantes podem apresentar diferenças importantes.

REPRESENTAÇÃO FEMININA NA ARTE

Para adentrarmos a questão das representações femininas feitas no decorrer da


História da Arte, é importante nos atentar sobre a criação das chamadas Academias de
Arte. Se tratava de instituições responsáveis pela formação de artistas, mas sobretudo,
4

pela tentativa de valorização do ofício dando a este um caráter formal que se distanciava
das associações e vínculos artísticos existentes principalmente na França. Não sendo
mais caracterizados como simples artesãos, esses artistas trabalhariam agora com as
normas técnicas, estéticas e formais do estilo das academias.

Dessa forma, as academias garantiriam a formação científica e humanística dos


artistas, introduzindo temas como geometria e anatomia, além de aulas de história e
filosofia. Os acadêmicos poderiam ser considerados assim, teóricos e intelectuais, e arte
perderia seu caráter de artesanato. Buscavam também, romper com a ideia de gênio
individual, baseado em um talento inato, defendendoantes a criação de arte através do
domínio de regras comunicáveis.

As academias também poderiam promover, além do ensino oficial, exposições,


viagens, prêmios, gerando um controle da produção artística e criando padrões de gosto.
A primeira academia de arte propriamente dita seria a Academia de Desenho de
Florença, criada em 1562 pelo pintor, arquiteto e biógrafo italiano Giorgio Vasari.

Nas academias de Arte francesa, que influenciavam o ensino artístico em toda a


Europa, a metodologia praticada era baseada em um modelo ideal francês, de
valorização do Classicismo, do desenho racional, além da importância dada à figura
humana.1 Nessa lógica, o desenho ganhava um papel central, na medida em que
garantiria essa racionalidade à prática artística. Assim,“atribuir importância ao desenho
com o objetivo de associá-lo a um status racional era a maneira de racionalizar a
Academia, de aproximar as criações deste espaço do cientificismo.” 2

Nesse ambiente, a representação anatômica científica é de suma importância e


nesse sentido, o corpo se torna tema fundamental nessas instituições. Sendo base do
aprendizado, era preciso conhecê-lo interna e externamente. Para tanto, era utilizado um
ensino por fases, em que primeiro se estudava o corpo humano por partes (cabeças,
mãos, pés), e só depois o corpo por inteiro. As técnicas utilizadas nos desenhos também
eram empregadas dessa forma, da mais simples a mais complexa, resultando no produto
final que era a pintura. 3

1 OLIVEIRA, Brenda Martins de. Olhar para o corpo: um estudo do “nu feminino” de Baptista da costa do
Museu Mariano Procópio e sua relação com a pintura do entre séculos XIX e XX. Dissertação. UFJF, Juiz
de Fora, 2019, p. 39.
2 Ibidem, p. 39.
3 Ibidem, p. 47.
5

O ensino especializado da figura humana aconteceria também por meio da


criação das Aulas de Nu, e a utilização dos modelos vivos. Depois de passar por todas
as fases do desenho, o artista começaria os estudos com esses modelos, o qual daria
resultado as chamadas academias,que se tratava justamente dos “exercícios artísticos
fruto da observação do modelo vivo”. Como mencionado anteriormente, esse estudo
tinha como objetivo principal adquirir conhecimento da anatomia, das musculaturas, das
posições possíveis de um corpo, etc. 4

De acordo com John Berger, “o nu na pintura a óleo europeia é geralmente


apresentado como uma expressão admirável do espírito humanista da Europa”. 5 Esse
gênero, no entanto, é muitas vezes caracterizado pela utilização de mulheres como
objeto recorrente. Nesse sentido então, é que as Academias se tornam fundamentais para
compreendermos as representações femininas feitas na arte ocidental. E é através dele é
que podemos observar a construção de modelos ideais de feminilidade.

Podemos usar como exemplo a Vênus, como é conhecida pela mitologia romana
ou Afrodite na mitologia grega. Deusa do amor e da beleza, era filha de Júpiter e de
Dione, mas outra versão sugere que tenha saído da espuma do mar. Zéfiro a levou sobre
as ondas, até a Ilha de Chipre, onde foi recolhida e cuidada pelas Estações, que a
levaram, depois, à assembleia dos deuses. Todos ficaram encantados com sua beleza e
desejaram-na como esposa. Júpiter deu-a a Vulcano, em gratidão pelo serviço que ele
prestara forjando raios. Desse modo, a mais bela das deusas tornou-se esposado menos
favorecido dos deuses.

Temática muito presente em toda a história da arte, a Vênus teceu um modelo


ideal de beleza feminina, além de introduzir elementos como a feminilidade,
sensualidade e delicadeza da mulher.

4 Ibidem, p. 48.
5 BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999, p.64.
6

Figura 1 Sandro Botticelli (1445-1510). Nascimento de Vênus, 1483. Têmpera sobre tela,
172.5 x 278.5. GalleriadegliUffizi, Florença.

Figura 2 Alexandre Cabanel. Nascimento de Vênus, 1863. Óleo sobre tela, 130 x 255 cm. Musée
d'Orsay, Paris.
7

Figura 3 William-Adolphe Bouguereau. Nascimento de Vênus, 1879. Óleo sobre tela,


Assim, “a sensualidade que emana desses corpos atinge a forma plástica que foi
compreendida pela história como ideal. E os artistas se baseiam nesse posicionamento
seguindo-o como uma tradicional solução formal, é um clássico.” 6 Vale ressaltar que
haviam técnicas para a representação desse corpo feminino ideal, uma escala
matemática.

A unidade de medida é a cabeça. Tem a altura de sete cabeças; há a


distância de uma cabeça entre os seios, uma do seio ao umbigo, e
uma do umbigo à divisão das pernas.No entanto, o mais importante
desse aprendizado não é necessariamente essa forma matemática e
sim o que Clark chama de “princípios plásticos essências do corpo
feminino.7

Figura 4 Dürer, Il velo, rete o graticola. Homem desenhando uma mulher reclinada.De Unterweysung
der Messung, Nuremberg, 1538.

6 OLIVEIRA, Brenda Martins de. Op. Cit., p. 118.


7 Ibidem, 118.
8

Outra técnica de nu ideal foi sugerida pelo artista alemão Albert Dürer (1471-
1528). Segundo ele o nu deveria ser formado a partir do rosto de um corpo, os seios de
outro, as pernas de um terceiro, os ombros de um quarto, as mãos de um quinto, e assim
por diante. 8

OLHAR MASCULINO

Como é possível notar a partir da seleção das obras feita acima, a esmagadora
maioria das obras clássicas do gênero Nu são assinadas por artistas masculinos. Nesse
sentido, o presente artigo pretende analisar como esse olhar masculino sobre o corpo da
mulher, em diversos âmbitos, mas na Arte em especifico, influenciou nas representações
desse corpo.

Essa questão é discutida no trabalho de John Berger, Modos de Ver. Em que


propõe analisar o processo de significação das coisas, que nunca existem em si, mas são
vítimas de um determinado conhecimento subjetivo, construído para além da imagem.
Assim, nossa maneira de ver está sempre influenciada pelo que somos, acreditamos e
sabemos. Logo, "nunca olhamos para uma coisa apenas, estamos sempre olhando para a
relação entre as coisas e nós mesmos.” 9

Nesse sentido, toda imagem incorpora uma forma de ver que, no caso das obras
de arte do gênero Nu, são uma forma de ver masculina. Dessa maneira, podemos notar
que estas obras carregam uma ideia sobre o corpo feminino pautada nas construções
sobre a presença social da mulher, e a sua diferença em relação à presença social
masculina. Assim,

Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico,


psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no
seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse
produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de
feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um
indivíduo como um Outro.10
As representações femininas na arte ocidental solidificaram uma imagem das
mulheres, que de acordo com a ordem social vigente, deveriam basear seus
comportamentos na necessidade de agradar aos espectadores, geralmente homens.
Assim, "a presença social da mulher desenvolveu-se como resultado de sua habilidade
8 BERGER, John. Op. Cit., p. 64.
9 Ibidem, p.11.
10 DE BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Nova Fronteira, 2014, p.9.
9

em viver sob essa tutela e dentro desse espaço delimitado". 11

A mulher era então idealizada em todos os aspectos, devendo agir de forma


passiva e submissa, além de expressar certa sensualidade, características que faziam
parte do que se entendia por feminilidade. O status dominador masculino era reforçado
enquanto a mulher deveria permanecer inerte, sujeita ao poder social, físico e
econômico masculino.

Assim, a passividade que caracterizará essencialmente a mulher


"feminina" é um traço que se desenvolve nela desde os primeiros anos.
Mas é um erro pretender que se trata de um dado biológico: na
verdade, é um destino que lhe é imposto por seus educadores e pela
sociedade. 12
John Berger argumenta que, há na mulher um fiscal masculino, que observa suas
ações, e dita o que seria "permissível" ou não em sua presença. Logo, a sua vontade de
ser por si mesma, é substituída pela noção de estar sendo apreciada por um outro. 13

Dessa maneira, ela se torna objeto de contemplação masculina, e será entendida a partir
de uma série de premissas construídas sobre sua maneira de agir. Portanto, "[...] na
mulher há, no início, um conflito entre sua existência autônoma e seu "ser - outro";
ensinam-lhe que para agradar é preciso procurar agradar, fazer-se objeto; ela deve,
portanto, renunciar à sua autonomia." 14

O gênero Nu, que tem as mulheres como principal tema de representação,


principalmente a partir do século XIX, na medida em que carregavam essas noções, nos
mostram alguns critérios pelos quais as mulheres têm sido observadas e julgadas,
contribuindo para reforçar ainda mais esses valores e perpetuando um imaginário
feminino ideal.

Utilizando-se de outros autores, Nayara Matos nos mostra em seu artigo, como
as exposições de nudez feminina foram usadas como forma de controle sobre os
comportamentos das mulheres, e também como forma de impor o que era considerado
como apropriado às mulheres e ao mundo feminino. Dessa forma,

os quadros que circulavam nas grandes galerias retratavam mulheres


idealizadas, que denotavam padrões vigentes naquela sociedade e cujo
comportamento deveria ser seguido. Por isso, Nead explica que o
surgimento de um gênero pictórico como o “nu feminino” foi um ato

11 BERGER, John. Op. Cit., p. 48-49.


12 DE BEAUVOIR, Simone. Op. Cit., p. 21.
13 BERGER, John. Op. Cit., p. 48.
14 DE BEAUVOIR, Simone. Op. Cit., p. 22.
10

de regulação, e que uma de suas principais finalidades teria sido


conter e regular o corpo sexualizado da mulher. 15

É importante ressaltar que muitas vezes o nu, é entendido na história da arte


como categoria atemporal, capaz de transcender épocas e estilos, ignorando o fato de se
tratar de um tema historicamente localizado, que carrega aspectos sociais e culturais de
uma época específica.16 Não sendo algo dado, ou natural, "o nu sempre é
convencionado – e a autoridade para as convenções do nu deriva de uma certa tradição
da arte." 17

Sendo assim, algumas das convenções em torno do nu que foram criadas na


história da arte, é a distinção feita entre a nudez e o nu baseada no ensaio de Kenneth
Clark intitulado "O nu: Um estudo sobre o ideal em Arte". Neste o autor sustenta que
nudez é simplesmente estar despido, o que implica em um certo desconforto, já que
estamos sendo nós mesmos. Em contrapartida o nu seria uma forma de arte ou forma de
ver, que não gera desconforto ou pudor. Entende-se assim, que

Estar nu é ser visto despido por outros e, contudo, não ser reconhecido
como quem se é. Um corpo despido tem de ser olhado como um
objeto a fim de tornar-se um nu. (Vê-lo como objeto estimula seu uso
como objeto.) A nudez revela a si mesma. O nu é colocado em
exibição. 18
Não questionar as questões que envolvem as representações do nu, retirando sua
visão canônica e idealizada na Arte, pode fazer com que discussões mais amplas como
as representações do nu feminino, abordadas nesse artigo, não sejam levadas em
consideração. De acordo com Gabriela Oliveira, em sua dissertação,

Ao trabalhar o nu em sua gênese, seus modelos ancestrais pautados


por uma pureza clássica, suas formas ideais, proporções, entre outros
elementos vistos como 'atemporais', essa visão contribui para tornar
este tipo de construção imagética neutra. No entanto, o nu, na verdade
é um depositário de tensões e disputas das mais diversas, as quais
atingem seu ápice no século XIX, tensões, sobretudo de caráter moral,
[...].19
Também nesse sentido é que possível compreender a criação de subterfúgios que

15 BARRETO, Nayara Matos. Do nascimento de Vênus à arte feminista após 1968: um percurso histórico
das representações visuais do corpo feminino. Trabalho apresentado no GT de História d a Mídia
Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013, p. 2.
16 OLIVEIRA. Gabriela Rodrigues Pessoa de. Entre pinturas e escritos: aspectos da trajetória de Virgílio.

Maurício (1892-1937) em uma narrativa particular. São Paulo. Dissertação de Mestrado, p. 221.
17 BERGER, John. Op. Cit., p. 55.
18 Ibidem,
p. 56.
19 OLIVEIRA. Gabriela Rodrigues Pessoa de. Op. Cit., p. 222.
11

permitissem a representação do corpo feminino. Um deles é a própria representação da


Vênus, já que se tratava de uma deusa mitológica, o nu poderia estar presente sem
causar grandes escândalos na sociedade, que no momento de produção dessas obras era
influenciada por uma moral religiosa e conservadora. Além disso, as pinturas de gênero,
caracterizadas pela abordagem da vida cotidiana, também eram escapes para a
representação das mulheres, bem como para reforçar os papéis sociais que estas
deveriam exercer.

Os artistas partiam do pressuposto de que o nu não deveria ser representado ou


não seria visto com bons olhos se não estivessem inseridos em uma narrativa, que
justificasse a nudez desses corpos.20

Encobertos pelas pesadas vestes no cotidiano, o corpo da mulher era


exposto com frequência nos Salões parisienses, personificando seres
mitológicos e alegóricos: corpos deslocados para contextos
idealizados, distantes, como os haréns do Oriente, ou mesmo p ara os
tempos remotos da história pátria. Tal recuo espaço-temporal garantia
a exibição do nu feminino de modo adequado aos olhos do grande
público. 21

SUSANA E OS ANCIÕES

Podemos ver essas questões postas na tradição iconográfica de Susana e os


Anciões. Sendo uma história bíblica, foi utilizada como subterfúgio para a
representação do nu feminino por muitos artistas ao longo da história da arte. Para que
se possa avaliar a maneira como a cena foi representada pelo olhar de artistas
masculinos, utilizaremos algumas obras produzidas entre os séculos XVI e XVII.

Esta é uma história extraída do livro do Profeta Daniel, mais especificamente o


capítulo 13 da Bíblia católica. O fato bíblico situa-se no Antigo Testamento e é
ambientado no período em que os judeus viviam em cativeiro na Babilônia, talvez antes
de 538 a.C. Segundo a narrativa, Susana era uma jovem bela e virtuosa, educada
segundo as leis de Moisés por pais devotos. Era casada com Joaquim, importante e rico
proprietário da época. O casal habitava em uma grande casa, com jardim e pomar, junto
a um rio, onde costumavam receber visitas de judeus ilustres. Entre os convidados mais
frequentes estavam dois velhos juízes, eleitos para atenderem aos problemas da
população.

20 Ibidem, p. 223.
21 OLIVEIRA, Brenda Martins de. Op. Cit., p. 128.
12

Esses dois homens, de tanto verem Susana passeando pelo jardim, começaram a
desejá-la secretamente. Impossibilitados de declarar um para o outro o seu desejo por
Suzana, um dia ambos se despedem, mas com a intenção de ficar mais tempo para ver a
mulher cobiçada. Depois de fingirem a despedida, os dois velhos retornaram aos seus
lugares confessando as suas intenções. Combinaram então uma ocasião em que
pudessem abordá-la sozinha.

Em um dia quente de verão, Susana pediu óleo e bálsamo a duas criadas para
que pudesse se banhar em seu jardim. Escondidos nos arbustos, à espreita, os anciãos
aguardaram as criadas se retirarem. Imaginando-se sozinha, Suzana começou a se
despir. Os velhos escondidos, então, esperando o momento certo para abordá-la,
surpreenderam-na exigindo que se entregasse a eles ou seria acusada de ter sido vista
com um amante.

Temente a Deus, a esposa de Joaquim lamenta: “que angústias me envolvem por


todos os lados! Consentir? Eu seria condenada à morte! Recusar? Nem assim eu
escaparia de vossas mãos! Não! Prefiro cair, sem culpa alguma, em vossas mãos, do que
pecar contra o Senhor.” 22 Aos gritos Susana optou por ser julgada, atraindo para o
jardim as suas criadas. Sendo acusada publicamente de adultério, os velhos juízes
passaram a exigir a sua morte.

Nesta época, a resposta ao crime de adultério era o apedrejamento até a morte.


Susana então é levada a julgamento e clama aos céus por justiça “Ó Deus eterno, que
conhece as coisas ocultas, que sabes todas as coisas antes de sua origem, Tu sabes que é
falso o testemunho que levantaram contra mim. Eis, pois, que vou morrer, não tendo
feito nada do que estes maldosamente inventaram a meu respeito.” 23

E suas súplicas foram atendidas. Um jovem chamado Daniel, que estava no


local, suspeitando de uma armação dos velhos interveio no julgamento sugerindo que os
depoimentos fossem ouvidos separadamente. Os juízes contaram histórias diferentes, se
equivocando a respeito da árvore em que o adultério teria ocorrido, o que comprovou o
falso testemunho. Assim, Susana foi inocentada e os velhos foram condenados e mortos.

22 Martinez,Viviana Carola Velasco. “Suzana E Os Velhos”: Sedução, trauma e sofrimento psíquico.


Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 3, p. 475 -485, jul./set. 2012, p. 479.
23 COSTA, Ricardo da NEVES, Alexandre Emerick. Volúpia e Desejo: Susana e os Anciãos na Arte. In:

COSTA, Ricardo da. Visões da Idade Média. Santo André, São Paulo: Editora Armada, 2019, p. 289 -310.
13

O momento em que Susana é abordada e assediada pelos anciões foi


frequentemente representado pelos artistas, e em cada uma delas ela receberia uma
forma e feição, no entanto, a ideia de fragilidade e impotência em relação aos velhos
esta presente em quase todas as obras. Um dos exemplos que podem ser citados é a obra
“Susana e os Anciões” de Peter Paul Rubens.

Figura 5 “Susanna e os Anciãos”. Peter Paul Rubens, 1607 - 1608. Óleo sobre tela, 94x66.

Figura 6 "Susanna e os Anciãos", Alessandro Allori, 1561. Óleo sobre tela, 202x117.

Produzida entre os anos 1607 e 1608, e apresentando características que lhe


inserem na arte barroca, a obra representa o momento em que Susana nota a presença
dos velhos. Com um semblante assustado e amedrontado, aspecto que denota
fragilidade, esta Susana não parece capaz de se desvencilhar dos anciões. Outros
elementos podem garantir essas noções, como o contraste da cor da pele da jovem, que
se destaca em relação ao fundo escuro em que se encontram os juízes. Além disso,
Rubens dá atenção às bochechas de Susana, que estão rosadas podendo representar o
pudor de descobrir que estava sendo observada nua.

Em outra obra, do artista Alessandro Allori, produzida no século XVII, podemos


notar outros elementos que envolvem a representação feminina. Aqui, a feição de
Susana e a posição em que se encontra, serviu para mais uma vez conferir a esta figura
14

uma passividade em relação às atitudes dos velhos. Já dominada por eles, ela
possivelmente não conseguiria escapar. Mais que isso, a maneira como esta posicionada
e as suas expressões dão a entender que ela não faz muitos esforços para se livrar deles.
A escolha do artista de posicionar a mão de Susana de forma que tocasse o rosto de um
dos anciãos contra a sua vontade, e a maneira como ela o olha, também parecem
garantir certa sensualidade à figura, dando a entender que estaria conivente com a
situação.

Figura 7 Suzana e os Velhos. Tintoretto, 1555. Óleo sobre tela.

Nesta outra versão pintada por Tintoretto, no século XVI, a cena ganha outra
dimensão. Se tratando de momentos antes de notar que não estava sozinha, enquanto os
velhos ainda estavam a observá-la, Susana olha para o espectador como se notasse a sua
presença. Isso lhe confere certa sensualidade, além disso, expressões de pudor ou
desconforto não estão presentes, como se gostasse de ser observada.

Vista como objetos de contemplação, esta mulher parece atender a desejos


alheios aos seus, nesse caso os desejos dos anciãos no canto da tela, e os do espectador.
John Berger aponta que nas pinturas europeias o protagonista principal nunca é
representado. Assim, “na forma artística do nu europeu os pintores e os proprietários-
espectadores eram geralmente homens, e as pessoas, em geral mulheres, eram tratadas
como objetos.” 24 Nesse sentido, as mulheres não são pintadas por si só, já que essas

24 BERGER, John. Op. Cit., p. 65.


15

pinturas pressupõem a existência ou o desejo de um espectador “ideal” masculino, cuja


imagem feminina deverá agradá-lo.

JUDITE DECAPITANDO HOLOFERNES

Outro tema bíblico recorrente na história da arte é o da Judite decapitando


Holofernes. Judite e Holofernes são personagens de um texto bíblico, escrito no século
II e que compõe o Antigo Testamento, especificamente o Livro de Judite.

A história conta do general Holofernes, que a mando do rei Nabucodonosor, da


Babilônia, deveria destruir os seus inimigos. Nesta lista estava inclusa a cidade de
Betúlia, na qual vivia Judite. Viúva de Manassés e mulher muito admirada pelo povo,
por ser devota a Deus. Ao ver sua nação ameaçada, Judite se oferece para tentar salvá-
los e sem explicar seu plano, sai arrumada e acompanhada de sua serva Abra para o
território inimigo. Ao chegar lá, convence os guardas do exército adversário que estava
a serviço de Nabucodonosor e estes, impressionados com sua beleza e charme deixam-
na entrar sem muitos questionamentos.

Holofernes ao ver a bela viúva, também fica admirado e a convida para um


jantar em sua tenda, ela aceita e, durante a refeição, depois de alguns vinhos, deixa
Holofernes embriagado. Aproveitando este momento de fraqueza do general, Judite
decapita-o e, com a ajuda de sua serva, volta para sua cidade com a sua cabeça em um
cesto. Os betúlios penduraram a cabeça do lado de fora dos muros da cidade, para exibi-
la ao povo como demonstração de vitória sobre os assírios. Por esse feito, Judite ficou
conhecida como a salvadora de sua nação.

A cena foi retratada diversas vezes, mas uma em especial nos chama mais
atenção. A obra do artista Caravaggio, datada do século XVI, época de predominância
das obras barrocas, a pintura mostra o momento em que Holofernes, já embriagado, é
decapitado por Judite com a ajuda de sua criada.
16

Figura 8 "Judite e Holofernes". Caravaggio, 1599. Óleo sobre tela, 144 cm × 195 cm.

Apesar de se tratar de um ato heróico, que pressupõe coragem da figura feminina


em questão. A Judite de Caravaggio apresenta uma expressão assustada, franzindo a
testa, ela parece não acreditar no que esta fazendo. Além d isso, também se afasta do
corpo de Holofernes, demonstrando repulsa. Assim, a escolha de tons fortes e o
contraste com um fundo escuro em comparação a iluminação da cena em primeiro
plano, apesar de conferir uma abordagem forte e com grande realismo, ao representar a
figura de Judite não faz jus ao papel que esta exerce na narrativa. Nesta obra, a mulher
que se encarregou de salvar a sua nação de um inimigo, não parece estar segura de suas
ações.

ARTEMISIA GENTILESCHI
Para abordamos a existência de uma diferença entre as representações femininas
feitas por artistas homens, ou seja, carregadas de um olhar masculino sobre o corpo da
mulher, e as representações desse corpo feitas por mulheres, iremos utilizar duas obras
da autora do barroco italiano Artemisia Gentileschi.

Nascida em Roma no dia 8 de julho do ano de 1593, primogênita dos seis filhos
de Prudenza Montore e Orazio Gentileschi, perdeu sua mãe precocemente, cabendo ao
pai, pintor reconhecido na época, criar os filhos. Entre eles, foi Artemisia quem
demonstrou maior interesse e aptidão para a pintura.
17

Gentileschi era conhecida como responsável por transmitir o estilo do pintor


Caravaggio em Florença, Gênova e Nápoles. Em sua época adquiriu fama por meio de
seus retratos, mas suas pinturas religiosas demonstram um conhecimento sofisticado de
anatomia e perspectiva e um forte apelo pessoal pelo dramático.

Tendo o privilégio de possuir um pai artista, com seus incentivos, Artemisia


pôde desde cedo ter contato com o mundo artístico, possibilitando assim, que adquirisse
os aprendizados necessários para se fazer uma boa arte nos critérios do período. Assim,
quando Orazio decidiu que sua filha precisava de mais instruções em desenho, foi
perfeitamente natural para ele contratar o colega de profissão e amigo, Agostino Tassi,
que trabalhava com Artemisia na presença de uma dama de companhia.

Um dos momentos mais importantes da história de Artemisia é no ano de 1611,


em que seu pai abre um processo contra Tassi, acusando-o de ter estuprado a sua filha.
Isso resultou em um julgamento que duraria alguns meses, em que Artemisia afirmava
ter sido violentada mais de uma vez, e que o agressor havia prometido se casar com ela.
Para comprovar a veracidade de seu testemunho, Artemisia passou por um exame
ginecológico e foi interrogada sob tortura, procedimento comum em processos judiciais
da época. O processo se encerrou com Agostino Tassi alegando sua inocência, e após
passar oito meses na prisão, foi absolvido.

Possivelmente para escapar do escândalo provocado pelo processo, um mês


depois do ocorrido, Artemisia casou-se com o florentino, Pietro Antonio de Vicenzo
Stiattesi, e mudou-se para a cidade natal do marido. O casamento não foi bem sucedido,
mas o casal teve uma filha, Palerma, que também se tornou pintora como a mãe.
Enquanto isso, Gentileschi alcançou considerável sucesso com seu trabalho em
Florença, sendo a primeira mulher a juntar-se à Academia de Desenho aos vinte e três
anos.

Vale lembrar que durante toda a sua carreira, Artemisia recebeu apoio e
comissões da Corte de Médici e também de outras pessoas influentes em sua época,
além disso, a maior parte dos seus trabalhos foram frutos de encomendas, que eram
pagas antes mesmo de receberem a obra finalizada. Dessa forma, essas questões
favoreceram a sua carreira e sua boa inserção no meio artístico, que era
predominantemente masculino.
18

É importante lembrar também que o imaginário artístico ocidental utiliza a


mulher enquanto objeto de representação masculina, como vimos com o gênero Nu,
mas que ao mesmo tempo exclui as mulheres do campo de criação artística. Linda
Nochlin aprofunda essas questões em seu trabalho intitulado “Por que não houve
grandes mulheres artistas?” e nos mostra as posições privilegiadas que possuíam as
mulheres que conseguem se inserir no ambiente artístico, ingressar nas academias de
arte e construir uma carreira nessa área.

Assim, a autora aponta que a resposta ao questionamento proposto no titulo de


seu artigo, está em um problema estrutural que não cria e não criava espaços para as
mulheres nas instituições. E quando conseguiam entrar nesses locais entendidos como
masculinos, eram criados mecanismos que levassem a sua invisibilidade, como é o caso
da Artemisia, que só seria de fato conhecida quando os estudos feministas trariam seu
nome à tona.

Dessa forma, conclui-se que

Na realidade, como todos sabemos, as coisas como estão e como


estiveram nas artes bem como em centenas de outras áreas, são
entediantes, opressivas e desestimulantes para todos aqueles que,
como as mulheres, não tiveram a sorte de nascer brancos,
preferencialmente classe média e acima de tudo homens “25

Em 1630 Gentileschi estabeleceu-se em Nápoles, onde permaneceu até sua


morte, que se acredita que tenha ocorrido em 1654.

Muitos trabalhos apontam que o acontecimento traumático na vida de Artemisia


repercutiu em suas obras. Já que o homem que a violentou não foi devidamente julgado,
ele o seria em suas representações artísticas. Assim, as obras mais conhecidas de
Gentileschi foram as que representavam heroínas do Antigo Testamento, entre elas
Judite, Esther, Betsabé e Susana. Embora sejam temas bíblicos recorrentes, Gentileschi
teve uma abordagem inovadora frente às histórias e suas interpretações nas obras,
congelando a ação em um determinado ponto dramático ou revelando aspectos dos
personagens principais que eram normalmente desconsiderados.

25 NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? São Paulo: Edições Aurora, 2016,
p.8.
19

Figura 99 "Susana e os anciãos", 1610. Artemisia Gentileschi, óleo sobre tela. Coleção Schönborn,
Pommersfelden.

Figura 10 Artemisia Lomi Gentileschi. Judite decapitando Holofernes (1620-1621). Óleo sobre tela, 199 x
162 cm. Galleria degli Uffizi, Florença - Itália.

Em um dos seus primeiros e mais famosos quadros “Susana e o Anciãos”


produzido em 1610, é possível notar a distinção que o olhar feminino de Artemisia
confere à obra. Ao representar a história bíblica que mencionamos acima, a artista pinta
uma Susana muito diferente do que se tinha feito até então. Aqui, a figura feminina
deixa claro todo o seu desconforto e repugnância em relação a abordagem dos velhos. A
posição em que se encontra, e o movimento que faz com as mãos sugerem que ela está
prestes a correr.

Ao aproximarmos a imagem, vemos que Susana franziu a testa, outro elemento


que contribui para demonstrar que ela não é conivente com a situação e com as
intenções dos anciãos, e que fará o possível para se defender deles.

Em sua outra obra com temática bíblica (Figura 10), Gentileschi também
podemos perceber um certo contraste. Apesar de se utilizar das mesmas técnicas
barrocas presentes na obra de Caravaggio que vimos acima, como o uso de tons claros
em relação a um fundo totalmente escuro, ressaltando a cena e dando um caráter de
20

realidade à obra. O instante em que Judite decapita Holofernes dá destaque ao papel da


Judite.

Sendo mulheres visivelmente fortes, tanto Judite quanto sua criada Abra,
podemos ver nessas figuras femininas que estavam seguras do propósito que deveriam
cumprir. A expressão facial da Judite, e a força empregada por ela para segurar o corpo
que se debate, demonstra determinação e confiança. Mulheres que capazes de passar
segurança ao seu povo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No presente trabalho, conseguimos notar como as representações femininas


naturalizadas na história da Arte, estão na verdade, influenciadas por questões sociais e
culturais do momento em que foram produzidas. Para, além disso, também carregam
elementos que revelam as relações de poder nas quais estão baseadas as construções
feitas sobre os papéis que devem ser ocupados por homens e mulheres em determinado
espaço e tempo.

Essas categorias e amarras sociais limitam qualquer um dos lados, mas nos
atemos aqui às limitações impostas à figura feminina. Pensar o gênero enquanto
categoria analítica nos mostra como a criação de um discurso sobre o que ou não
adequado, ou do que se espera ou não do comportamento de uma mulher são
construções inteiramente sociais, que são responsáveis por sujeitar os indivíduos.

Além disso, o patriarcado, sistema social que expressa essas relações de poder,
surtiu efeito em vários âmbitos, na medida em que fez do corpo feminino um objeto
para atender às necessidades masculinas, tirando deste corpo sua autonomia e vontade
própria.

Através da comparação feita entre as obras de autoria masculina, e as de autoria


feminina, notamos a presença desses elementos nas artes, e que contribuíram para
perpetuar e solidificar ainda mais a visão sobre a mulher e seu corpo. Transmitindo
noções do que seria o corpo ideal, e do que se esperava do comportamento de uma
mulher, vemos como as obras favoreceram a construção de uma imagem do que era
feminilidade.
21

Vale ressaltar, como aborda John Berger, “só vemos aquilo que olhamos. Olhar
é um ato de escolha.” 26Assim, da mesma forma que os pintores em suas respectivas
épocas representavam mulheres baseados em sua própria visão de mundo, e a partir de
premissas que estavam inseridas no contexto em que viviam. Também aqui estamos nos
baseando em discussões que foram postas pelo presente a um determinado passado.
Dessa maneira, as categorias utilizadas para se avaliar as obras de arte como Beleza,
Verdade, Gênio, Civilização, Forma, Status, Gosto, etc, eram outras e dificilmente eram
questionadas.

“Hoje os comportamentos e valores que informaram aquela tradição se


exprimem através de outros meios mais largamente difundidos (a propaganda, os
jornais, a televisão). Mas a forma essencial de ver a mulher, o uso básico a que se
destina sua imagem, não mudou.” 27 Sendo assim, é importante que se questione essas
noções, para que a arte não mais sirva como forma de reproduzir tais vícios.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BERGER, John. Modos de ver. Rio de Janeiro: Rocco, 1999.

DE BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. Nova Fronteira, 2014.

BARRETO, Nayara Matos. Do nascimento de Vênus à arte feminista após 1968: um


percurso histórico das representações visuais do corpo feminino. Trabalho
apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º
Encontro Nacional de História da Mídia, 2013, p. 1-15.

FERREIRA, Gabriela. As artistas mulheres atuantes durante os séculos XVI e XVII


na Europa. Rev. Belas Artes, N.26, Jan-Abr, 2018.

OLIVEIRA, Brenda Martins de. Olhar para o corpo: um estudo do “nu feminino” de
Baptista da costa do Museu Mariano Procópio e sua relação com a pintura do
entre séculos XIX e XX. Dissertação. UFJF, Juiz de Fora, 2019.

ARAUJO, Yasmin de. QUESTÕES DE GÊNERO: A representação feminina em


Judite decapitando Holofernes. TCC. UFF, Rio das Ostras, 2018.

26 BERGER, John. Op. Cit., p. 10.


27 Ibidem, p. 66.
22

OLIVEIRA. Gabriela Rodrigues Pessoa de. Entre pinturas e escritos: aspectos da


trajetória de Virgílio Maurício (1892-1937) em uma narrativa particular. São
Paulo. Dissertação de Mestrado.

NOCHLIN, Linda. Por que não houve grandes mulheres artistas? São Paulo:
Edições Aurora, 2016.

COSTA, Ricardo da NEVES, Alexandre Emerick. Volúpia e Desejo: Susana e os


Anciãos na Arte. In: COSTA, Ricardo da. Visões da Idade Média. Santo André, São
Paulo: Editora Armada, 2019, p. 289-310.

DINIZ, Carmen Regina Bauer. Suzana e os anciãos: as diferentes formas de


representação na arte ocidental: contraponto de olhares masculinos e um olhar
feminino. XIII Seminário De História Da Arte.

Martinez, Viviana Carola Velasco. “Suzana E Os Velhos”: Sedução, trauma e


sofrimento psíquico. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 17, n. 3, p. 475-485, jul./set.
2012, p. 479.

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