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História Econômica Geral

A Oficina do Mundo e o Livre-


Câmbio: notas sobre a Ordem
Liberal Burguesa
Frederico Mazzucchelli

Roberto R. Simiqueli
roberto.simiqueli@feac.ufal.br

Henri Meyer, China: o bolo de reis ...e imperadores (1892)


Notas sobre a Ordem Liberal Burguesa

A industrialização originária

O ciclo ferroviário

A oficina do mundo e as
industrializações atrasadas

A ‘Grande Depressão’ e a IIª Revolução
Industrial

As rivalidades internacionais e a
eclosão da guerra

Edward Linley Sambourne,


O Colosso de Rhodes: caricatura de Cecil John Rhodes (1892)
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A Oficina do Mundo e o Livre-Câmbio: Notas sobre a Ordem Liberal Burguesa

Galbraith: grande ponto de mutação da contemporaneidade foi Primeira Guerra Mundial, de 1914 a
1918.

Conflito assinala o fim da Ordem Liberal Burguesa. Sua conclusão demarca o colapso da ordenação
mundial comandada pela Inglaterra.

Hegemonia britânica se deve ao pioneirismo na indústria, à primazia da marinha inglesa e ao domínio
das finanças.

Mazzucchelli caracteriza esse período como marcado pela preeminência de uma Ordem Liberal
Burguesa. Tríplice adjetivação é elemento central.
– Ordem: estruturação ou ordenamento da economia e da política mundiais a partir da Inglaterra
– Liberal: livre movimentação de mercadorias, capitais e homens é peça chave
– Burguesa: generalização das relações econômicas, sociais e políticas do capitalismo (modo de vida
burguês) pelo mundo

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A Oficina do Mundo e o Livre-Câmbio: Notas sobre a Ordem Liberal Burguesa

Traços da assim chamada “era concorrencial do capitalismo”: livre circulação de mercadorias e exterioridade do
Estado à acumulação de capital

“Este é o momento em que a Inglaterra se afirmou como a “oficina do mundo” (workshop of the world). As
relações entre Estado e acumulação eram, então, manifestamente tênues, o que permite caracterizar o Estado
Liberal como um fenômeno associado ao capitalismo concorrencial”(MAZZUCCHELLI, 2009:13)

Hobsbawm: da não-convergência entre Estado e economia à convergência plena entre interesses estratégicos e
valorização de capital

Grande depressão do século XIX se configura como ponto de transição entre capitalismo concorrencial e
monopolista. Momento decisivo: “A Ordem Liberal Burguesa se transfigura, já que a ação deliberada do Estado -
o que inclui o crescente protecionismo comercial da década de 1880 – passa a ser um elemento determinante na
vida das nações. Após a Depressão – que atingiu de modo especial a economia inglesa - a Inglaterra assiste à
progressiva superação de sua indústria pela concorrência americana e alemã nos mercados mundiais. A partir de
então, sua dependência face às operações da City, à ação de sua rede de serviços internacionais (fretes, seguros,
traders) e às relações com o Império, torna-se crucial. Ao mesmo tempo, a concorrência internacional se exacerba,
e culmina com a vertiginosa corrida colonial de finais do século XIX.”(MAZZUCCHELLI, 2009:14)

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A industrialização originária

Reconstituição da trajetória inglesa: revolução agrícola, constituição do Estado nacional,
articulação internacional, hegemonia a partir da dominância industrial e financeira

Inglaterra estava muito aquém da superioridade tecnológica

Emergentes industriais eram pequenos proprietários, muitas vezes comerciantes que
ascendiam à posição de capitães de indústria

Necessidades de financiamento recaiam predominantemente sobre capital comercial

Como requisitos de capital eram baixos e escala de operação era muito modesta, bancos
não participavam diretamente da organização industrial.

Indústria têxtil revolucionou estrutura econômica e social. Notável salto quantitativo.

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A industrialização originária

Império Britânico se torna virtual monopolista do mercado manufatureiro mundial.
Nesse sentido, construção da teoria econômica acompanha desenvolvimentos da
economia-mundo capitalista: “Não por acaso, em 1817, Ricardo, ao mesmo tempo em
que advogava a eliminação das Corn Laws, estabeleceu o famoso postulado das
vantagens comparativas no comércio internacional: para a Inglaterra, alimentos e
matérias primas. Para o resto do mundo ... manufaturas inglesas.”(MAZZUCCHELLI,
2009:17)

Indústria têxtil irradia estímulos para outros setores, como mineração de carvão,
metalurgia de ferro, máquinas a vapor, construção civil, química e infra-estrutura em
geral.

Expulsão dos trabalhadores do campo condicionava pressão baixista sobre os salários,
condenando massas à indigência social

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O ciclo ferroviário

1830: impactos da indústria têxtil são evidentes. Invenção de enorme importância: transporte
ferroviário.

Peso das ferrovias não pode ser superestimado: “A construção ferroviária não apenas reduzia os
custos de transporte e enlaçava as regiões mais remotas – com impactos notórios sobre a
circulação de mercadorias, a incorporação de novas áreas de produção, a ampliação dos mercados,
as migrações e a própria defesa nacional – como produzia estímulos diretos sobre as indústrias de
carvão, ferro e equipamentos. Tratava-se, portanto, de uma dinâmica interna ao Departamento I,
com efeitos abrangentes sobre o conjunto das relações setoriais.”(MAZZUCCHELLI, 2009:19)

Construção ferroviária na Inglaterra suscita transformações na forma de organização das empresas
e apoio do sistema de crédito.

Efeitos dinâmicos da ferrovia são sentidos na industrialização dos EUA, da Alemanha e da França.

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A oficina do mundo e as industrializações atrasadas

Economia britânica propaga estímulos pela economia-mundo capitalista

Trajetória relativamente simples (no que diz respeito à técnica e à concentração de capital)
permite sua reprodução em países atrasados.

Da mesma forma, havia montante considerável de capitais disponíveis para outras economias em
processo de modernização. Setor bancário inglês não era tão intimamente ligado à indústria
inglesa: “A City, assim, derivou sua força e sua influência não das relações que estabeleceu
internamente com a indústria, mas de seu caráter internacional e das múltiplas operações
financeiras que veio estabelecer em escala mundial.”(MAZZUCCHELLI, 2009:22)

Relações que a economia inglesa estabelece com demais integrantes da economia-mundo
depende, fundamentalmente, da posição relativa dessas outras nações. Economias centrais
recebem aportes de capital para modernização industrial e se tornam consumidoras de bens de
capital ingleses; economias periféricas se tornam espaço privilegiado de capitais mercantis, com
controle britânico sobre as commodities.

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A oficina do mundo e as industrializações atrasadas

Revogação das Corn Laws (1846) é marco da subordinação da aristocracia agrária ao capital
industrial

“Em relação aos Estados Unidos e Europa, a adesão ao livre-cambismo não apenas era conveniente
aos exportadores de produtos primários, como benéfica aos interesses industriais emergentes. A
importação de meios de produção e de capitais da Inglaterra, no momento em que o ciclo
ferroviário se propagava nestes países, significava a possibilidade de captar internamente o
dinamismo da economia inglesa e avançar rumo à industrialização.”(MAZZUCCHELLI, 2009:23)

Financiamento externo e oferta de meios de produção eram garantidos pelos ingleses

Nas industrializações atrasadas, setor têxtil não é capaz de desencadear estímulos para indústria de
bens de capital. É preciso intervenção estratégica do Estado.

Ferrovia revolucionou vida econômica destes países ao abrir e integrar mercados, reduzir custos de
transporte, permitir deslocamento de trabalhadores e integrar demanda de ferro, carvão e máquinas.

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A oficina do mundo e as industrializações atrasadas

Sobre a trajetória das industrializações retardatárias: “Se é verdade que a ferrovia, em si e por si, não
explica o processo de industrialização, não há dúvida que os países de capitalismo atrasado puderam e
souberam captar internamente os efeitos dinâmicos da construção ferroviária. E, aqui, a articulação
com a Inglaterra foi decisiva: importando máquinas inglesas – que “logo puderam ser fabricadas nos
Estados Unidos, na França e na Alemanha”, apropriando-se dos conhecimentos técnicos pela
imigração de trabalhadores especializados ingleses, contando com o financiamento externo inglês e
complementando a oferta doméstica de insumos e equipamentos com importações inglesas, os países
atrasados conseguiram progressivamente estabelecer um padrão produtivo semelhante ao da
Inglaterra. Este catching up representou, na verdade, um salto: enquanto a industrialização inglesa
processou-se, sem descontinuidades, do setor de bens de consumo (têxtil) para o setor de meios de
produção, nas industrializações atrasadas, a implantação do setor de meios de produção representou
uma mudança qualitativa vis-à-vis a estrutura econômica pré-existente. E esta mudança só se tornou
possível porque, para além das especificidades nacionais, a tecnologia de ponta era passível de
apropriação e a livre circulação de mercadorias, de capital e de trabalhadores – vale dizer, o livre-
cambismo - antes favoreciam do que inibiam a industrialização”(MAZZUCCHELLI, 2009:24)

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A oficina do mundo e as industrializações atrasadas

Já na América Latina, na Ásia e na África esse ciclo de expansão do capitalismo mundial
resulta na configuração e enrijecimento de economias primário-exportadoras. Ao mesmo tempo
em que a Pax Britannica proporciona incentivos às industrializações retardatárias na no centro
da economia-mundo capitalismo, ela sedimenta a posição subordinada ocupada pela periferia.

Processo assimétrico: somente algumas nações se industrializavam e se alçavam ao patamar
produtivo da Inglaterra.

Difusão das relações capitalistas pelo mundo culmina na superação da Pax Britannica a partir
de novas tecnologias, novos produtos, novas matérias-primas e novas formas de organização
produtiva, sediadas nas economias que capitaneiam essa segunda onda de industrializações.

Economia inglesa progressivamente abandona seu primado industrial e se concentra em
serviços financeiros

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A ‘Grande Depressão’ e a IIª Revolução Industrial

“A Grande Depressão (1873-1896) representa um ponto de inflexão na trajetória do capitalismo
no século XIX. Ela marca a transição do capitalismo concorrencial ao capitalismo monopolista.
Marca, também, o momento em que a “oficina do mundo” se torna progressivamente obsoleta,
com a indústria inglesa perdendo uma liderança até então inquestionável. Ao final da Grande
Depressão, a economia e a política mundiais haviam sofrido transformações radicais: a euforia
efêmera da Belle Époque apenas disfarçou a exacerbação das rivalidades que iriam desaguar na
carnificina de 1914-1918.”(MAZZUCCHELLI, 2009:27)

Produção mundial não entra em estagnação, continua a aumentar acentuadamente.

Grande Depressão na verdade é Grande Deflação. Compressão dos preços agrícolas penaliza
agricultores, estimulando intenso fluxo migratório.

Em ambiente deflacionário, concorrência entre os capitais tende a se tornar mais aguda.
Concorrência internacional se intensifica com acirramento da hostilidade militar entre
envolvidos.

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A ‘Grande Depressão’ e a IIª Revolução Industrial

Conjunto de transformações múltiplas e conexas:
– “Gestação dos elementos que irão conformar a IIª Revolução industrial: aço, motor a combustão interna,
química fina e eletricidade, com a incorporação da ciência aos processos de produção;
– Aumento das escalas de produção, com a conseqüente centralização do capital produtivo e o controle dos
mercados por grandes empresas;
– Concentração do sistema bancário;
– Difusão das sociedades anônimas como forma de organização das empresas;
– Estreitamento das relações entre bancos e indústria através do crédito de capital (Alemanha) e da fusão
de interesses entre os negócios bancários e industriais (EUA);
– Convergência explícita entre economia e política através da ação do Estado na imposição de tarifas
protecionistas, na promoção dos negócios e na corrida imperialista.”(MAZZUCCHELLI, 2009:29)

Longo processo de sedimentação. Grande Depressão foi fase de transição, em que capitalismo concorrencial
e monopólico ainda conviviam e se entrelaçavam.

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A ‘Grande Depressão’ e a IIª Revolução Industrial

Movimento amplo de concentração e centralização do capital: “As transformações,
contudo, avançavam. Nos Estados Unidos e na Alemanha, os mercados (sobretudo nas
indústrias do aço, petróleo e química) iam sendo dominados por grandes empresas – o
que provocava reações, como a legislação anti-trust nos EUA -, os bancos participavam
ativamente na estruturação e na condução dos negócios, e as inovações eram
progressivamente disseminadas no aparato produtivo. A centralização do capital, nesses
países, foi se impondo de modo inexorável. A Inglaterra não acompanhou este processo:
seu sistema bancário nunca teve um envolvimento mais profundo com a indústria, e esta
- em razões dos vultosos investimentos pretéritos (1850-1870) - não apenas revelava
elevados níveis de imobilização, como exibia formas de organização ainda tradicionais.
Enquanto os bancos ingleses se concentravam e, mais do que nunca, se voltavam para o
financiamento de operações internacionais, a indústria britânica permanecia refém de sua
estrutura concorrencial”(MAZZUCCHELLI, 2009:30)

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A ‘Grande Depressão’ e a IIª Revolução Industrial

Inglaterra abandonava a posição de oficina do mundo ao mesmo tempo em
que se consolidava como centro financeiro

E estreitava, também, os laços com seu imenso império colonial.
Mazzucchelli não se debruça detidamente sobre esse ponto, mas há avanços
notáveis no assim chamado Império informal também.

Assim, apesar da perda da primazia industrial, Inglaterra do quartil final do
século XIX ainda é nação singularmente forte

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As rivalidades internacionais e a eclosão da guerra

Desfecho inevitável: agravamento das rivalidades internacionais

Guerra de todos contra todos – fenômeno vivo e perceptível de escalada protecionista e avanço sobre
as áreas periféricas

Instabilidade crescente no coração da Europa, após Guerra Franco Prussiana (1870-1871), formação
do Império Germânico (1871), unificação da Itália (1871), fragilização econômica da Rússia Tzarista
e agravamento progressivo das tensões separatistas no interior do Império Austro-Húngaro.

Política externa alemã se pautava pelo isolamento político da França e pela escalada da agressão
política a partir da atuação de Otto von Bismarck. Estabelece-se, em 1882, a Tríplice Aliança,
conformada pela Itália, Alemanha e Áustria-Hungria. Contraparte da Aliança é o acordo defensivo
entre franceses e russos em 1894.

Fragilização do Império Otomano propicia ocupação do Canal de Suez pela Inglaterra em 1882.
Franceses e ingleses têm relações diplomaticamente tensas; Entente cordiale só se consolida em
1904.

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As rivalidades internacionais e a eclosão da guerra

Ações da elite militar alemã redundam na exacerbação das tensões internacionais.

No fim da década de 1890 alemães se engajam em corrida naval com os ingleses.
Disputas políticas no norte da África catalisavam a hostilidade entre as grandes
potências.

Oficialato militar alemão via necessidade de enfrentamento com potências da
Entente como forma de consolidar a posição alemã no continente.

Crise dos Bálcãs condiciona evolução dos acontecimentos. Eclosão de duas
guerras dos Bálcãs entre 1912 e 1913, envolvendo Sérvia, Grécia, Bulgária e
Turquia. Avanço sérvio pressionava Império Austro-Húngaro, que se decidia por
invasão da Sérvia (que, por sua vez, motivaria resposta russa e colocaria as
alianças em movimento)

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As rivalidades internacionais e a eclosão da guerra

“A competição pelo poder entre as nações, a exacerbação do nacionalismo e a rigidez do sistema
de alianças revelavam a precariedade do equilíbrio internacional. A perspectiva de um confronto
de maiores proporções lançou as nações envolvidas em uma corrida militar em 1912-14. As
condições para a paz tornavam-se cada vez mais débeis: a Alemanha exprimia sua intenção
inequívoca em exercer a dominação da Europa Continental, e suas ambições expansionistas se
viam ameaçadas pelo fortalecimento da gigantesca Rússia vis-à-vis a Áustria-Hungria. A Rússia,
ao mesmo tempo, não podia admitir o controle dos Bálcãs (Constantinopla e Dardanelos eram
vitais para a rota de suas exportações) por um bloco germânico-áustro-húngaro, e se aliou
firmemente à Sérvia. O separatismo sérvio, de sua parte, minava a estabilidade do Império Austro-
Húngaro. A França, por seu turno, se sentia ameaçada pelas pretensões expansionistas de uma
Alemanha fortemente armada e industrialmente mais desenvolvida. A Inglaterra, por fim, não
poderia assistir passivamente às redefinições do balanço de poder na Europa Continental. Na
avaliação de Henig (2005: 59), “assim como a Alemanha buscava aumentar seu poder, a Inglaterra
e a França buscavam contê-la, se necessário por meios militares”.”(MAZZUCCHELLI, 2009:36)

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As rivalidades internacionais e a eclosão da guerra

Guerra não foi raio em céu azul ou produto acidental dos acontecimentos

“A expectativa, ao se iniciarem os conflitos, era que a guerra terminasse “por
volta do Natal”. Entretanto, o flagelo interminável das trincheiras e a
capacidade de destruição da geração de armamentos desenvolvida a partir da
IIª Revolução Industrial redundaram em uma prolongada carnificina, que nos
campos de combate eliminou 9 milhões de pessoas, às quais devem se somar
5 milhões de óbitos por privações e enfermidades, 7 milhões de
incapacitados permanentes e 15 milhões de feridos. Era impossível que o
mundo permanecesse o mesmo ...”(MAZZUCCHELLI, 2009:37)

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