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Fredd me traz um copo de água enquanto Fadye seca minha testa com
um lencinho azulado. O enjoo que sinto é tão forte que temo cair do
palanque e me quebrar todinha no chão.
Eu matei um homem, não diretamente com as minhas mãos, mas com
as minhas ordens.
Neste instante, percebo que quebrei várias regras do reino e que elas
podem me levar a forca a qualquer momento. Bebo mais um gole de água.
Meu pai vai me matar. Jamais uma mulher deu ordem para os guardas reais
ou os juízes do rei tirarem a vida de alguém. É como se eu tivesse tomado
posse da força do rei Kalayo e possuído o seu lugar de dominio.
Fadye segura minhas costas, temendo que eu desmaiei diante dessa
situação. É demais para mim. É demais para a minha consciência. Como é
que irei dormir agora? Jamais me esquecerei do que fiz. Jamais me
esquecerei deste momento infeliz.
Cássia se aproxima e fala no meu ouvido:
— O show precisa continuar.
Olho para ela confusa e extremamente desorientada.
— Eu não posso mais fazer isso. Alguém tome o meu lugar, por favor.
Minha irmã nega com a cabeça e segura a minha mão. Ela está prestes
a chorar, mas segura o choro.
— Minha querida, acho melhor você terminar essa etapa de hoje. Já
trocamos de condutor duas vezes e o papai não vai ficar nada contente
quando souber o que houve — ela suspira profundamente e tenta me
motivar. — Não se preocupe com o que aconteceu. Você é uma princesa.
Tem o sangue de Kalayo nas veias. Erga a cabeça e encare toda a situação
com dignidade.
— Dignidade? Eu matei um homem, Cássia. Eu. Matei. Um. Homem.
— Saravana, eu…
— Você não sabe de nada. Não sabe de nada. Você não está sentindo
o peso que isso traz a minha consciência — choramingo, com lágrimas nos
olhos. — Isso não é justo. Não é. Eu… eu só queria ter uma vida normal,
sem essas restrições idiotas que o papai criou.
Rubens se aproxima e segura meu braço com força.
— Depois a gente conversa sobre isso, Saravana. Agora volte a
encarar esse povo e mostre que você está no controle de tudo — fala ele,
entre os dentes.
— Você está me machucando — reclamo, tentando me livrar do
aperto dele.
— Solta ela, Rub — pede Cássia, preocupada.
Ele me encara dentro dos olhos.
— Isso não é nada comparado com as consequências que virão caso a
multidão crie uma algazarra no Torneio. Lembre-se que eles pagaram para
ver o espetáculo. Lembre-se que, do lado de fora, tem gente apostando tudo
nos competidores. Lembre-se que é o seu nome que está diante de todo o
reino. Se você falhar agora, talvez não haverá conserto — diz, apertando
ainda mais o meu braço. — Acorda garota. Seja adulta. Você em breve vai
ter que se casar com um dos competidores que está lá embaixo, neste
momento, observando tudo.
Por mais que eu queira gritar com Rubens, algo me diz que ele está
certo. Papai tem trabalhado duro para ter um reino próspero e pacífico.
Graças ao seu modo de governar o dinheiro arrecadados dos impostos, o
povo não passava fome.
Rubens me solta e volta a se sentar na cadeira. Cássia me olha com
uma expressão piedosa no rosto, mas não diz nada.
Assoo o nariz no lencinho que Fadye secou minha testa e me viro
para a multidão que ainda vibra com a morte de Francio, ordenada pelas
minhas mãos.
— Vamos continuar com… a programação — grito, chamando
atenção de todos para mim. Infelizmente o drone sobrevoa na minha frente,
me deixando ainda mais nervosa. — Certo. Do lado direito da arena, uma
salva de palmas para Ad Pomodoro, de 23 anos.
Ad surge com a postura ereta e não faz nenhum gesto para animar a
multidão. Ele segura duas adagas pequenas que parecem meio enferrujadas.
— E do lado esquerdo, Salomé Valktran, de 26 anos — apresento,
com a boca seca novamente.
Salomé caminha até o centro da arena, acena para o céu e faz uma
reverência para Ad. Ele usa uma armadura impecável que reluz conforme a
luz do sol bate no espelho. A espada que o competidor segura é de ouro
puro e nota-se que nunca foi usada em batalha.
Ele é rico. Muito rico.
— É o filho do Duque que trabalha com o papai — escuto minha irmã
sussurrando para o marido.
Me esforço para lembrar do filho do Duque Salazarjo, porém,
nenhum rosto vem à minha mente.
— Boa sorte aos competidores e que vença o melhor — digo, e apoio
o meu corpo no púlpito.
Na vasta arena, sob o olhar atento das arquibancadas repletas de
espectadores ansiosos, os combatentes de estilos completamente diferentes
se preparam para lutar.
O gongo soa mais uma vez e os competidores começam.
Percebo que Ad é extremamente ágil e destemido. Ele empunha as
adagas enferrujadas com destreza e precisão. Por outro lado, sinto que
Salomé, totalmente equipado, confia apenas em suas habilidades e
agilidade.
Os competidores circulam um ao redor do outro, calculando cada
movimento, com seus músculos tensos. A arena ressoa com o som dos
passos ágeis e do tilintar metálico das armas. Ad avança primeiro, girando
suas lâminas em movimentos complexos, criando um redemoinho de aço no
ar. Salomé, movendo-se com uma graça felina, evita os golpes com uma
série de acrobacias impressionantes. O público, cativado pela agilidade e
destreza dos combatentes, irrompe em aplausos e gritos de encorajamento.
Torço mentalmente para que a luta termine o mais rápido possível,
sem mortes, para que eu possa me esconder no meu quarto e me preparar
mentalmente para conversar com Kalayo.
A luta se desenrola como uma dança mortal, com os competidores
trocando golpes rápidos e bloqueios precisos. Ad, apesar de não ter armas
de qualidade, utiliza seus punhos e pernas como extensões de sua vontade,
demonstrando uma técnica formidável e uma velocidade surpreendente. Em
todos os Torneios em que tenho participado, ele é a primeira pessoa que luta
completamente diferente, fora dos padrões.
A arena vibra com a energia do confronto. A cada movimento, o
equilíbrio entre ataque e defesa oscila, mantendo a multidão em suspense. A
tensão é grande enquanto observo que os combatentes exploram as
fraquezas e os pontos fortes um do outro.
Conto doze minutos consecutivos e ainda os vejo se enfrentando com
determinação. Embora desconheça os critérios pelos quais os juízes avaliam
os competidores, parece evidente que ambos alcançam as notas máximas
nesta etapa.
No ápice da batalha, um momento de silêncio paira sobre a arena. Ad
e Salomé se encaram, ambos exaustos, mas ainda repletos de determinação.
Então, num instante de clareza, Ad realiza uma série de movimentos
acrobáticos e, com um golpe preciso, desarma o oponente.
O povo prende a respiração.
Como isso é possível? Será que Ad é artista de circo?
O juiz caminha até o centro da arena, apita e aponta para Ad,
encerrando a luta.
A multidão irrompe em aplausos e aclamações, reconhecendo a
maestria do competidor.
Ambos os combatentes, cansados mas respeitosos, se cumprimentam
no centro da arena, honrando a tradição de respeito e cavalheirismo que
permeia a arte do Torneio do Sol Nascente.
Solto um suspiro demorado.
Chegamos ao fim da primeira etapa, agora com a ausência de dois
competidores. Isso, conforme minha compreensão básica, certamente
desencadeará uma discussão intensa entre os meus familiares. E serei
culpada por tudo, mesmo sem ter tido escolha.
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 18
Estou sentada de frente para uma pequena mesa de madeira. Ela está
repleta de petiscos como amendoim, granolas, frutinhas de verão, sementes,
bolinhas de chocolate, pedaços de cogumelos com açúcar e mais um
montão de coisas para saciar o apetite dos competidores.
Pedi a Louise que permanecesse ao lado de fora do meu quarto,
recepcionando a chegada de cada um. Fadye está no quarto dela,
descansando um pouco. Minha amiga estava meio pálida e parecia que ia
desmaiar a qualquer momento. Não sei o que de fato está acontecendo com
ela, mas estou bastante preocupada com sua situação.
Ouço uma leve batida na porta e, sem esperar por uma resposta,
Sandrino Belchior adentra no meu quarto com uma presença imponente.
Reparo que ele usa um traje digno da realeza. Ele é alto, não muito forte,
mas tem ombros largos. O cabelo cortado de forma baixa combina muito
com seu rosto arredondado. O queixo é pontudo, assim como as orelhas,
fazendo que ele se pareça a um duende de contos de fadas
Dois guardas reais surgem logo atrás dele, posicionando-se na
entrada.
Observo enquanto Sandrino ajusta os detalhes do seu traje, as dobras
meticulosas e os adornos que conferem uma aura de dignidade. Terno azul
marinho. Ele se aproxima e faz uma reverência graciosamente executada
antes de se sentar à mesa.
— Boa tarde, princesa. Como a senhorita está se sentindo? —
pergunta, de forma robotizada.
— Belchior, certo? Eu estou bem, obrigada. É um prazer finalmente
conhecê-lo pessoalmente — digo, soando um pouco forçada demais. —
Aceita uma xícara de chá?
Ele olha para a mesa e faz uma careta engraçada.
— Não estou acostumado com essas formalidades — comenta,
gesticulando para tudo o que Fadye preparou. — Mas não, obrigado. Eu só
queria dizer que sinto muito pela morte do rei Kalayo.
Pego uma xícara de porcelana e coloco um pouco de chá de maracujá.
— Há um tempo determinado para tudo, Sandrino. A vida é curta e
por isso devemos aproveitá-la — complemento, colocando o bulé de volta à
mesa. — Alias, vi como você tem se saído no Torneio até agora. Meus
parabéns.
Ele abre um sorriso abobado no rosto.
— Estou dando o meu melhor para vencer, princesa. Sabe, eu me
imagino com a senhorita quase todas as noites, acredita? Sempre acordo
excitado.
Paro a xícara de chá no meio do caminho, deixando-a suspensa no ar.
— Perdão? — pergunto, enojada. — Acho que entendi errado.
— Eu quero me casar com a senhorita. É um sonho que tenho desde a
adolescência, sabe? Quero encher esse palácio de criancinhas e ensiná-las a
como ser um combatente de verdade. Já pensou nos nomes que daremos aos
nossos filhos? — pergunta, sem nenhum pingo de noção. Quem esse babaca
pensa que é para cogitar minha vida interligada com a dele?
Coloco a xícara de chá na mesa e cruzo os braços.
— Quem disse que quero ter filhos, Belchior? — questiono.
— Bom… eu escutei o Ad conversando com Oed numa madrugada
sobre a senhorita ter mencionado isso no jantar. — revela, um pouco
envergonhado.
Reprimo um sorriso. Então Ad anda inventando coisas para os
competidores?
— Ele deve ter interpretado errado, querido — digo, maquinando
uma mentira para manchar a reputação de Ad. — Na verdade, acho que ele
é um baita de um fofoqueiro. Ficou sabendo que ele peidou durante o jantar
inteiro? Eu quase fui parar na ala hospitalar de tanto gás tóxico que inalei.
Sandrino não consegue segurar a risada e gargalha exageradamente,
batendo as palmas das mãos na mesa. Tenho quase certeza que ele tem
problema.
— Esse cara é muito nojento, princesa. Acredito que se a senhorita
tivesse o poder de eliminar alguém, ele estaria fora do palácio faz tempo —
fala, limpando as lágrimas dos olhos.
Faço que sim com a cabeça, sorrindo para ele.
— Pode ter certeza que sim — finalizo. — Muito obrigada por ter
vindo, Sandrino Belchior. E boa sorte na próxima etapa.
Ele fica de pé, faz uma reverência e sai do quarto, se segurando para
não dar risada outra vez.
Esse, sem dúvidas, foi o pior encontro que já tive em toda a minha
vida. Nunca conversei com um cara que fosse tão convincente assim. Se
Sandrino soubesse que o eliminado pelas minhas mãos seria ele próprio,
sairia chorando horrores daqui.
A porta do meu quarto se abre e Oed entra sem cerimônias. Ele veste
uma camisa amarela desbotada e calças jeans, totalmente o oposto de
Belchior.
— Você pensa que está entrando na sua casa, caipira? — pergunto,
indignada.
— Boa tarde, princesa — cumprimenta, fazendo a reverência. — Eu
já estou em casa.
Ergo uma das sobrancelhas.
— Desde quando você decidiu se estabelecer aqui definitivamente?
Ganhou o Torneio e eu nem fiquei sabendo? E sobre o seu casamento,
quando foi? Mudou de nome pelo menos? Não estou muito animada em
dividir meu sobrenome com a família Assunção — provoco, ajustando uma
mecha do meu cabelo.
Oed praticamente se joga na cadeira e começa a devorar tudo o que
ver pela frente.
— Pensei que nunca me levaria para um encontro.
— Encontro? — questiono, bebendo um pouco de chá. — Isso aqui é
uma reunião de negócios, meu bem. Minha família e eu decidimos que você
não precisa mais permanecer no palácio.
Ele para de comer e olha na minha direção, assustado.
— Você está brincando comigo, não está? — pergunta, mastigando
uma frutinha de verão lentamente. — Eu ainda nem comecei a me divertir
de verdade. Cadê suas primas?
— Respeite a minha familia, idiota. Não brinque com a presença das
minhas primas — repreendo, chutando a perna dele por debaixo da mesa.
— Sim, estou brincando com você. Mas bem que eu gostaria de mandá-lo
para casa ainda hoje. Sua presença me irrita.
— Coisas de melhores amigos.
— Melhores amigos? Quem disse que somos melhores amigos?
— Eu disse e determinei que somos os melhores dos melhores amigos
do mundo.
— Era só o que me faltava. Eu, a princesa mais linda, inteligente e
desejada do reino de Mirassol se tornando a melhor amiga de um caipira de
sobrenome Assunção! — zombo, achando graça disso tudo. — Até parece,
querido. Se toca.
— Se toca você, minha melhor amiga do meu coração.
— Se Fadye souber de uma coisa dessas, ela mata você — aviso.
— Fadye? Quem é que se chama Fadye? É nome de peixe?
Dou um tapa na mão dele.
— Respeite o nome da minha melhor amiga, saco de merda.
Oed para de comer novamente.
— Saco de merda? Desde quando você usa esse tipo de palavreado?
— pergunta, fingindo estar impressionado comigo. — O príncipe Pomodoro
não vai gostar nada disso.
Prendo a respiração.
— Pare de ficar cogitando que eu e Ad somos um casal. Isso só vai
deixar os outros competidores contra ele — argumento, incomodada. —
Você está querendo colocar lenha na fogueira antes do tempo?
Oed dá de ombros e coloca uma boa quantidade de amendoim na
boca.
— Eles já suspeitam que Ad é o favorito da princesa Saravana —
expõe, cuspindo fragmentos do alimento na mesa.
— Você passa fome no palácio?
— Por que a pergunta?
— Quero que me responda, por favor — insisto, afastando minha
xícara para o canto da mesa. Oed é uma pessoa sem classe e viver no
palácio exigiria muito dele.
— Acho que eles deveriam me dar mais comida, entende? Eu como
por quatro pessoas, sem brincadeira — fala, limpando a boca com a mão.
— Eu queimo muitas calorias diariamente devido à minha prática de correr
todas as manhãs.
Louise aparece na porta e sinaliza para eu terminar a conversa.
— Obrigado por ter vindo passar esses minutinhos comigo, Oed —
digo. — E pode deixar que providenciarei mais comida para você.
Ele pega um guardanapo, enche de petiscos e guarda no bolso.
— É por isso que eu gosto de você, princesa — agradece, fazendo
uma reverência curta.
Oed se prepara para sair, quando eu o interrompo:
— Só mais uma coisa. Você não está participando do Torneio do Sol
Nascente por causa de mim. Então é o que? — questiono, curiosa por saber
a verdade.
— Não, não estou — responde, coçando a cabeça. — Na verdade,
estou arriscando a minha vida só para passar um tempo longe da minha
família, recebendo um pouco de glamour — diz ele e sai.
Percebo que Oed nem sequer comentou sobre a morte do rei.
CAPÍTULO 31
Nunca parei para pensar que, talvez, alguns dos competidores estejam
aqui só para fugir da dura realidade da vida. Desconheço as adversidades
que eles enfrentam do lado de fora do palácio. As verdadeiras dificuldades
que encaram permanecem ocultas para mim.
No entanto, arriscar a própria vida como forma de escapar dos
problemas não se alinha com a minha visão de enfrentar as questões. Pode
ser que Oed tenha dissimulado ao mencionar o consumo excessivo de
alimentos como uma maneira de repor calorias. Ele pode ter vivenciado
momentos de extrema escassez, nos quais tomou decisões difíceis sobre
quem teria acesso à comida em determinados dias.
Embora o rei Kalayo tenha implementado medidas para evitar tais
situações, ouço rumores de que as pessoas fora do palácio se endividam
para suprir outras necessidades.
A porta se abre e Ad entra com uma expressão séria no rosto. Ele
veste uma camiseta de manga comprida em tom de azul, acompanhada de
calças jeans e botas pretas.
— É muito bom ver você, caipira — brinco, me sentindo mais
relaxada com sua presença aqui.
Ele faz uma reverência rápida.
— Posso me sentar? — pergunta, rispidamente. O que ele tem agora?
— Algum problema, Ad? Parece que está meio zangado — comento,
empurrando a cadeira dele com a ponta do pé. — Claro que pode.
— Obrigado — responde, se sentando com cuidado. — Sinto muito
pela morte do rei Kalayo, princesa. Acredito que seja um momento difícil
para a senhorita e toda a sua família. Saiba que eu sempre estarei aqui para
o que precisarem de mim.
Olho dentro dos seus olhos. Ad está incomodado com alguma coisa,
mas tenta esconder o problema com falas decoradas. Será que eu fiz alguma
coisa errada?
— Obrigada, de verdade — agradeço.
— Posso tomar uma xícara de chá?
Faço que sim com a cabeça.
Ad escolhe a menor xícara do tabuleiro e se serve logo em seguida.
Percebo que ele está presente fisicamente, mas sua mente parece vagar por
terras distantes. Seu sorriso, habitualmente radiante, está agora tingido por
uma sombra de preocupação, e seus olhos, normalmente expressivos,
parecem esconder algo.
Aproximo a minha mão na dele com cautela, percebendo que algo o
está perturbando, algo que ele hesita em compartilhar. O vestígio de um
suspiro escapa de seus lábios, mas ele não retribui o gesto com carinho.
No entanto, conheço Ad tempo suficiente para discernir quando algo
o está afligindo.
— O que está acontecendo, Ad? Você parece distante hoje —
pergunto, com um certo medo da resposta dele.
Seus olhos encontram os meus por um breve momento. Então, ele
balança a cabeça, como se tentasse afastar os pensamentos que o
atormentam.
— É só... são coisas da vida, princesa. Nada para se preocupar —
responde, cabisbaixo.
Instintivamente, pego suavemente em seu braço, transmitindo que
estou aqui para ele, independentemente do que esteja incomodando sua
alma.
— Ad, você é mais do que um simples amigo. Se algo estiver pesando
no seu coração, compartilhe comigo, por favor — peço, segurando as
lágrimas para não chorar. Tudo o que eu não quero agora é ter que me
afastar do homem que mudou o meu modo de ver o seu mundo.
Ele solta um suspiro resignado, seus ombros relaxando um pouco ao
reconhecer que talvez seja hora certa.
— É a responsabilidade, princesa. Às vezes, penso em como a minha
vida seria aqui no palácio, e percebo que não sou digno para tal
merecimento. Você tem sangue real. Eu sou só mais um caipira falido que
ainda precisa dos sustentos do pai. Não sei se sou capaz de dar o mundo
para você. Eu não tenho dinheiro para satisfazer os desejos mais simples
que um dia você possa ter. As expectativas, as decisões difíceis... tudo isso
— desaba, olhando para as nossas mãos entrelaçadas.
O silêncio paira por um momento enquanto absorvo suas palavras, e a
primeira coisa que descubro é que aquelas palavras não são do Ad que eu
conheci no dia de ontem. Não. Essas palavras são de um Ad manipulado
pela corte, ludibriado por alguém mais influenciável do que ele.
— Quem te disse isso? — questiono, sentindo uma raiva crescer
dentro de mim. — Quem foi a pessoa que colocou essas coisas na sua
cabeça?
Ele demora um tempo antes de confessar:
— O Duque, pai de Salomé, visitou o filho hoje de manhã. E então,
você já sabe o resto. Ele sussurrou palavras de desânimo no meu ouvido,
mostrando o porque seu filho teria mais chance com você do que eu. E ele
está certo. Salomé tem tudo o que você precisa, princesa. Embora ele esteja
aqui só por causa do status social.
— Status social? — pergunto, franzindo a testa. — Do que você está
falando?
Ele me olha com ternura antes de responder:
— Salomé só está no palácio porque foi ameaçado pelo pai. Ele nem
queria ter voltado para o reino, porém o Duque tem planos para o filho
cuidar da administração de Mirassol — explica.
Um desejo de algo mais profundo do que a amizade tradicional
estoura dentro do meu corpo. E é neste momento que, guiada pelo impulso
do meu coração, seguro o rosto de Ad entre minhas mãos e o beijo com
uma intensidade que reflete as emoções que estamos sentindo. O beijo é
carregado de significado, uma troca de confiança e apoio mútuo. Seus
lábios respondem aos meus com uma entrega que transcende as
formalidades da corte. É como se, naquele instante, o mundo ao nosso redor
desaparecesse, deixando apenas nós dois envoltos na magia do clima.
Assim que nos separamos, olhamos um para o outro, e vejo uma
mistura de surpresa e entendimento nos seus olhos.
— Princesa...— começa ele, mas eu o interrompo com um gesto
suave.
— Ad, não precisamos de palavras agora — sussurro e o beijo
novamente.
Ad é o tipo de homem que me deixa excitada só pelo toque. Ele tem
um jeito de acariciar minha pele diferente, concentrado, relaxante. Eu
poderia deixá-lo fazer o que quiser neste momento, mesmo com os dois
guardas reais parados na porta de entrada do meu quarto. Eu não me
importo se eles estão presenciando nosso amor de camarote. Eles foram
treinados para guardar segredos no palácio. Eu poderia transar com meu
caipira agora que eles permaneceriam parados, talvez excitados por
assistirem a dois jovens apaixonados.
Ad coloca uma das mãos sobre a minha coxa, e deixo escapar um
gemido suave. Como eu quero que ele me jogue na cama agora. Como eu
quero que ele me trate como sua garota exclusiva. Como eu quero que ele
entre e saia dentro de mim. Que gema quando me ouvir gemer…
Louise pigarreia na porta e quase caio para trás.
— Princesa, Félix está esperando a vez dele — fala, constrangida pelo
o que viu.
— Só mais um minuto, Lo — falo, arrumando meu vestido.
Ad fica de pé e arruma a calça com dificuldades.
— Espero que isso mostre o quanto eu quero você, Ad Pomodoro.
Não importa o que o Duque disse, porque eu nunca me casaria com o filho
dele. É você que precisa vencer o Torneio do Sol Nascente. É você que eu
quero como o meu campeão. E não aceito nada abaixo disso — disparo,
com a boca seca.
Ad me olha de cima a baixo e diz:
— Como quiser, minha princesa.
CAPÍTULO 32
Faz duas horas que Félix foi levado à ala hospitalar. Está quase
anoitecendo e a terceira etapa ainda não acabou.
A floresta repousa em um silêncio profundo, como se estivesse
envolta em um manto de tranquilidade.
Os últimos raios de sol se filtram entre as densas folhas das árvores,
criando padrões de sombra que pintam o chão de um verde escuro e
misterioso. Noto que o chão da floresta é um tapete de musgo macio que
absorve qualquer ruído, criando uma acústica natural que acentua o
silêncio. Os pássaros, que outrora cantavam enquanto voavam, agora
observam em silêncio, como se também estivessem esperando os próximos
passos dos competidores.
— Preciso usar o banheiro — sussurra Arnaldo para Rubens.
— Pede para Saravana ficar no seu lugar — expõe o marido de
Cássia, ignorando o fato que não estamos nos falando desde a punição. —
Ela já teve a experiência de conduzir o Torneio uma vez.
Arnaldo nem sequer olha na minha direção.
— Aranel, venha cá — chama meu primo.
— Arnaldo, não acho que…
— Fica quieta, Téssia. Eu sei o que estou fazendo — corta ele.
Aranel se aproxima e sobe ao palanque com graciosidade.
— O que eu preciso fazer?
— Se houver qualquer movimento dos competidores, fique atento.
Você só precisa anunciar caso eles morram ou vençam as panteras —
explica.
Dito isso, ele desce do palanque e some de vista.
O drone que perseguia Sandrino ainda continua ativo, mostrando
várias partes da floresta. Deduzo que ele esteja procurando por Ad, mas até
o presente momento não obteve sucesso. À medida que ele adentra mais na
vegetação, o silêncio se intensifica, e o leve soprar da brisa ganha
notoriedade. A quietude é tão profunda que o próprio ar parece estar em
repouso, em um estado de serenidade que transcende o tempo.
— Você quer descansar, Sara? — pergunta Cássia, com a cabeça
apoiada nas mãos. — Acho que não tem problema se quiser dormir um
pouco.
Nego, soltando um bocejo.
— Estou cansada, mas não ao ponto de ter que dormir agora — digo.
— Não quero perder o final dessa etapa por nada.
Ela me olha com amabilidade.
— Você está preocupada com ele, não está?
— Estou preocupada com todos, Cássia. Não acho justo que eles
morram competindo, por mais que vocês insistam que foram escolhas deles.
Todos os Torneios seguiram o mesmo padrão que só poderia haver mortes
na última etapa, caso um dos combatentes não cedesse. Agora tudo mudou.
Rubens tem sede por sangue e você não pode dizer que não é verdade.
— Embora você não acredite, eu também concordo. Porém estamos
sujeitas a esse tipo de situação, Sara. Nossos maridos conquistaram o direito
sobre nós. Devemos respeito a eles — expõem.
— Respeito? Eles são Sub-Príncipes, sangue agregado à realeza. De
acordo com a hierarquia, nossos primos possuem mais direitos do que eles
— rebato, usando a própria lei do reino contra ela. — Vivemos em um
mundo onde as mulheres têm o direito fundamental à igualdade. É um
direito que permeia todos os aspectos da vida, desde o acesso à educação
até as oportunidades profissionais. Não devemos deixar que nossos passos
sejam negados diante da sociedade.
— No mundo, Sara. Isso não diz respeito ao nosso reino — fala ela,
totalmente equivocada no assunto. — Aqui devemos nos sujeitar de corpo e
alma aos…
— As decisões sobre meu próprio corpo são exclusivamente minhas,
Cássia. Este é um direito meu e nada e ninguém poderá mudar minhas
escolhas.
Há um movimento na tela 1 que interrompe a nossa conversa.
A pantera de Oed parece sentir a presença de outra coisa se
aproximando entre os arbustos. A câmera do drone se vira um pouco para a
esquerda e a imagem da pantera da coleira laranja, a mesma que matou
Sandrino, aparece.
A quietude da floresta é rompida apenas pelo farfalhar das folhas sob
as patas dos animais, enquanto os músculos flexíveis dos predadores se
preparam para o confronto.
— Batalha extra — comenta Rubens.
As panteras se movem com graça e agilidade enquanto seus corpos
fluem como sombras entre as árvores.
O primeiro movimento é uma explosão de velocidade, um borrão de
agilidade que se desenrola em meio à folhagem. Gritos agudos rasgam o
silêncio da floresta, enquanto as panteras se enredam em uma luta mortal de
garras e presas afiadas. A força bruta e a destreza estratégica se encontram
em uma coreografia avassaladora, onde cada movimento é calculado para
superar o oponente.
Oed observa a batalha, tentando encontrar um meio de fugir dali.
Os rugidos dos animais ressoam como trovões distantes, criando uma
sinfonia de fúria selvagem. Tenho a impressão que a floresta parece se
contrair com a energia liberada na batalha. As folhas das árvores caem com
a força dos impactos que as panteras produzem ao baterem com os corpos
entre elas e a terra é marcada pelos rastros da pressão da luta intensa.
— As panteras exibem uma beleza selvagem admirável — comenta
Léo, impressionado com a brutalidade do confronto.
Cerca de sete minutos depois, a batalha atinge seu clímax. A pantera
da coleira laranja demonstra cansaço e parece que uma das patas está
machucada. Ela tenta recuperar o equilíbrio, mas é abocanhada pelos dentes
do outro animal. O sangue que jorra do seu pescoço é grosso e pegajoso,
manchando o solo imediatamente.
Percebo que ela tenta ficar de pé enquanto a outra volta a sua atenção
para Oed — que tenta pular para a árvore ao lado.
— O que ele está fazendo? — pergunta Cássia, tampando a boca com
a mão. — Ele só resolveu se mexer agora?
Antes que eu pudesse argumentar, Oed escorrega do galho da árvore e
cai de barriga no chão, de frente com a pantera assassina.
— Não! — exclamo, agoniada.
Ela se prepara para atacar, mas o outro animal ferido morde sua perna
traseira, fazendo com que a pantera da coleira vermelha urre de dor. Sendo
assim, o animal atacado se vira e finaliza a batalha com o seu semelhante,
mordendo o outro lado do pescoço dele.
Sem esperar nem mais um segundo, Oed corre na direção do animal
que o perseguiu até ali, pula e monta em suas costas, tentando estrangulá-lo
com a força do braço. A pantera se sacode violentamente, agoniada com o
peso do competidor sobre ela.
— Ele não percebe que vai morrer a qualquer momento? — comenta
Rubens.
— A esperança é a última que morre — fala Cássia, lembrando do
meu argumento mais cedo.
De repente, uma sombra surge entre a luta, e a fisionomia de Ad toma
o foco da câmera do drone. Ele está completamente sujo, coberto por algo
que parece terra molhada.
— Eu sabia que ele estava vivo — digo, feliz em vê-lo novamente.
Ad se aproxima do animal, ergue um pedregulho para cima e bate na
cabeça da pantera com bastante força. Ela fica desorientada por uns
instantes, mas ainda continua tentando derrubar Oed de suas costas. Então,
Ad se aproxima novamente, aproveitando a desorientação dela, e bate mais
uma, duas, três, quatro vezes antes do corpo do animal desabar no chão.
Em seguida, o silêncio paira pesado na floresta, como se as próprias
árvores segurassem a respiração. Na penumbra das sombras, tanto Ad
quanto Oed permanecem parados, olhando fixamente para o corpo da
pantera estendido no chão.
Meu coração bate acelerado, ecoando o suspense que se estende. A
tensão é quase tangível, como se o próprio ambiente estivesse suspenso no
tempo.
Um sopro de vento balança levemente as folhas das árvores, mas a
quietude persiste. Os olhares atentos da multidão buscam sinais de vida, de
movimento, na esperança de discernir o destino da pantera. E então, em
meio à expectativa ensurdecedora, um movimento sutil quebra o impasse
enquanto Ad vai até o corpo do animal e coloca a mão em seu pescoço.
— Ela está morta ou não? — questiona meu cunhado, um pouco
irritado.
Ad se deita no chão, parecendo estar aliviado pelo fim da
perseguição.
— Senhoras e Senhores, os competidores aliados vencem a terceira
etapa — anuncia Aranel, soando meio nervoso.
CAPÍTULO 39
Estou sendo escoltada por Péricles e mais dois guardas reais até os
aposentos da rainha. Ela solicitou a minha presença imediatamente.
Os corredores do palácio fervilham de atividade enquanto caminho
por entre uma multidão de pessoas apressadas. Tanto os funcionários quanto
os residentes se movem como sombras, carregando vestidos deslumbrantes,
arranjando flores frescas e ajustando os últimos detalhes para o aguardado
baile da Dança da Meia Noite — que acontecerá daqui a quatro dias.
— Por que você não veio conversar comigo ontem? — questiono o
líder dos guardas reais, segurando a barra do meu vestido. Madame Zahir
escolheu um modelo bem diferente do qual estou habituada a usar, cheio e
com babado extra grande.
— Eu estava bastante ocupado com os treinamentos dos novos
guardas reais — justifica, com a mão no coldre da espada. — Sua mãe
pediu para contratarmos mais 20 pessoas antes do baile.
— Por que? Está acontecendo algo que eu não sei?
— Não. É apenas a nova logística do palácio.
Olha para ele de soslaio.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Não fui eu — responde, acenando para um grupo de guardas.
— O que?
— Não fui eu que envenenei a família Valktran ontem a tarde —
sussurra, tomando cuidado para os guardas atrás da gente não escutarem.
Duas auxiliadoras fazem uma reverência para mim.
— Péricles, a tia Ricarda me disse que ainda estava buscando um
meio de derrubá-los e você me fala que não fez nada? — questiono. — Isso
quer dizer...
— Que sua tia mentiu para tirar o dela da reta — fala, não deixando
que eu conclua minha linha de raciocínio.
— Pode ser que Ad esteja certo.
Ele me olha com confusão nos olhos.
— Ad? O competidor?
— Ele escutou uma discussão entre o Duque e meu cunhado Arnaldo
dois dias antes da celebração — explico, sorrindo para a padeira do palácio.
Ela carrega um cesto de pães fresquinhos.
— Mas isso não significa que ele tenha assassinado os Valktran por
causa das divergências políticas — argumenta, antes de virarmos o corredor
para a esquerda.
— Como você sabe que eles discutiam sobre divergências políticas?
— questiono.
Péricles enrubesce.
— Uma pessoa me contou.
— Quem?
— Não importa, princesa — responde, tentando mudar de assunto. —
O que sabemos é que…
— Quem foi a pessoa que disse isso? — insisto, aumentando o tom de
voz.
Com medo de chamar atenção, ele confessa:
— Michelle.
Explodo.
— Você está saindo com a minha prima?
— Ela é bonita, princesa.
— E você um babaca — xingo, completamente irritada. Meu ex-crush
do qual eu nunca tive a oportunidade de dar um selinho, tendo caso com a
prima mais chata da família. Inadmissível.
— Como é que é?
— Esquece, Péricles — peço, voltando ao que interessa — Como ela
ficou sabendo disso?
— Eu não faço ideia — responde, abrindo as portas duplas que levam
para a outra ala do palácio. — Espera um pouco. Como você sabe que o Ad
sabe da discussão entre o príncipe e o Duque?
O líder dos guardas reais é realmente um bom observador.
— Deduções.
— Ah, explicado o sumiço de ontem — diz, pedindo para os guardas
desta ala mudarem de posições. — Princesa, sua mãe não quer que você
tenha contato com os competidores.
— Foda-se o que minha mãe pensa.
Ele arregala os olhos, abismado.
— Sorte a sua de não morar num país onde os filhos são controlados
pelos pais até completarem 40 anos de idade.
— De onde você tirou isso? — indago.
— Boatos da cidade.
Solto o ar pela boca, entediada.
— O negócio é o seguinte: um de vocês três está mentindo. Porque eu
tenho certeza que se Arnaldo for questionado, ele dirá que não fez
absolutamente nada.
Chegamos aos aposentos da rainha.
— De uma coisa eu tenho certeza, princesa: há sombras que se
movem nas entranhas do palácio. Então peço que continue tomando
bastante cuidado — aconselha, em posição de sentido. — Não confie
plenamente em ninguém, nem mesmo na sombra que segue seus passos. O
trono pode atrair aqueles que desejam mais do que cetros e coroas.
Perco alguns segundos, parada, olhando dentro dos olhos dele.
Alguma coisa me diz que Péricles não está mentindo em relação ao
acontecimento de ontem.
— Obrigada, Péricles — agradeço, colocando a mão sobre a
maçaneta. — Não me esquecerei dos seus conselhos.
Antes de eu entrar, ele pigarreia.
— Ah, só mais uma coisinha — fala, cautelosamente. — Por mais
que seja difícil acreditar, lembre-se que a verdade muitas vezes se esconde
nas entrelinhas, e os que parecem amigos podem ser, na verdade, a falsidade
disfarçada.
Seu último conselho ressoa em minha mente como se despertasse
algo totalmente fora de cogitação. Involuntariamente, meu pensamento se
volta para Louise e suas atitudes recentes em relação à minha amiga Fadye.
Será que ela sabe de algo que eu ainda não descobri?
A ideia de que segredos podem estar sendo encobertos me faz
questionar a verdade por trás das relações que mantemos.
Além disso, o fato de que Fadye está se relacionando com Talles
acrescenta uma camada de complexidade às minhas reflexões. Poderia esse
envolvimento afetar a nossa amizade? Sem contar que o meu primo, filho
da tia Ricarda, emerge como uma peça adicional no quebra-cabeça. A
ligação com uma das suspeitas de mandar assassinar a família inteira do
Duque soma uma tensão às dinâmicas familiares. E se Fadye for a
responsável de colocar o veneno nas bebidas dos Valktran, a mandado de
Talles, com medo do Duque denunciá-los à corte?
Por mais que eu a ame de todo o meu coração, não posso deixar de
considerar as possíveis conexões entre eles. Seria esse o motivo de Louise
ter se sentido incomodada ontem a tarde? Talvez ela saiba de algo
totalmente macabro e tenha medo de compartilhar comigo.
Suspiro. Preciso manter os olhos abertos e discernir entre as máscaras
e as verdades para decifrar os enigmas que se desenrolam diante de mim.
Ao entrar nos aposentos da rainha, a atmosfera muda. A quietude
toma conta do espaço, e a decoração suntuosa revela o gosto refinado da
monarca.
Enquanto sigo em direção ao núcleo do palácio, onde minha mãe
provavelmente se prepara para argumentar sobre os homicídios de ontem,
preparo o meu psicológico para aguentar horas e mais horas de discussões.
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 64
Depois de chorar por quase uma hora, Vomina nos oferece bolo de
chocolate com suco de laranja em pó.
Aceito a gentileza, agradecendo pela distração momentânea que a
comida proporciona. O aroma do chocolate parece penetrar até mesmo nos
cantos mais tristes da sala, trazendo uma espécie de conforto.
Sentados ao redor da mesa improvisada, Vomina compartilha
informações que me deixam surpresa. Ela revela que ficou sabendo do
envolvimento da irmã gêmea de Fadye, Fenya, com os rebeldes e que não
aprovava essa ligação. E para garantir a segurança da própria família,
tomou a difícil decisão de mandá-la embora de casa.
— Acho que a senhora fez certo — comenta Grannus, com o canto da
boca suja de chocolate. — Eu também mandaria meu filho embora.
— Cala a boca, Grannus — repreendo, olhando feio para ele. Grannus
nem imagina o tamanho da dor que deve ser mandar um filho para fora de
casa.
— Perdão, princesa — pede.
Enquanto saboreamos o bolo, Vomina conta detalhadamente sobre os
locais onde os rebeldes costumavam se reunir. Sua narrativa vai além,
explicando os motivos pelos quais esses grupos eram contra a política do
reino. Cada palavra dela ressoa com um conhecimento profundo das
circunstâncias, revelando uma realidade que eu desconhecia.
— Se eles não se sentiam um povo livre, então por que não foram
embora de Mirassol? — questiono, bebendo um pouco do suco.
— Eles poderiam viver nas montanhas da zona leste. Lá é a única
região que os guardas reais não monitoram — expõe Péricles, em pé ao
meu lado.
— Não é proibido? Meu pai disse que ali é uma região cheia de
animais selvagens — fala Eudora, cruzando as pernas. — Acho que eles
não iam querer arriscar a própria vida em um lugar desses.
Balanço a cabeça.
— De certa forma, infelizmente, eles pagaram pelos motins que
fizeram — digo, olhando para a mãe de Fadye de soslaio. — Era tão fácil
resolver essa questão.
Aranel muda de assunto.
— E o seu marido, Vomina?
— Ele está trabalhando no campo agora. Só volta para casa nos finais
de semana.
— Diga a ele que estive aqui, por favor.
— Claro, princesa. Ele ficará bastante contente — avisa, segurando
minha mão. — Por falar nisso, e como está o Torneio do Sol Nascente?
— Victorye é super fã do joguinho — comenta Fauno, com uma voz
fininha.
— Estamos chegando na reta final. Não vejo a hora de tudo isso
acabar, sabe? É estressante demais ter que passar horas vendo os
competidores lutarem entre si.
— Meu filho mais velho, Dominique Wilkins, participou do primeiro
Torneio do Sol Nascente — revela ela, perdida em seus pensamentos. —
Mas desistiu quando percebeu que a vida no palácio não era para ele.
Sinto um alívio por ela não dizer que ele havia morrido.
— Téssia deve lembrar dele.
— E onde ele está agora? — pergunta Eudora.
Vomina demora um pouco para responder, refletindo sobre alguma
coisa.
— Ele foi embora e nunca mais voltou — responde, parecendo um
pouco triste.
— Sinto muito, senhora — expressa minha prima, arrependida de ter
feito a pergunta.
De repente, o televisor em cima da pia acende e a imagem da forca do
palácio aparece com algumas interferências na tela.
— O que está acontecendo? — pergunta a mãe de Fadye, abraçando
os filhos com força. Fauno parece estar assustado enquanto Victorye
arregala os olhos para a mãe.
Em cima do palanque, há pelo menos três pessoas com as mãos
amarradas atrás do corpo. Um saco preto esconde a cabeça de cada um,
aumentando ainda mais o mistério que permeia o ambiente. Noto que a
maioria dos funcionários do palácio estão na plateia, em pé, de frente para o
palanque, com os rostos virados para o chão.
— Precisamos voltar agora, Péricles.
— Não dá tempo, princesa. O palácio está a quase uma hora daqui.
Ainda que o motorista acelere o carro, não chegaremos a tempo para
impedir o que quer que esteja acontecendo — explica ele. — Sinto muito.
— Será que pegaram os culpados pelos assassinatos? — pergunta
Aranel, se aproximando do televisor.
— Não acho que seja isso. A rainha não ia permitir que as pessoas
soubessem dos atentados contra os residentes do palácio — responde minha
prima, roubando uma fatia de bolo do prato de Grannus.
O carrasco, vestido em um elegante traje preto, sobe ao palco e,
gentilmente, remove o saco de pano que cobre a cabeça de cada pessoa.
Arfo imediatamente. Kaida, Galadriel e mais uma jovem estão com os
rostos completamente machucados, como se tivessem sido espancados por
alguém.
— Não é a cantora do baile da Dança da Meia Noite? — indaga
Victorye.
— Sim, é ela mesmo. Não é sua amiga, princesa? — pergunta
Péricles.
— Ela não é minha amiga — respondo, tirando o meu da reta. — Ela
só estava perguntando o que eu estava achando do evento.
— E o que eles estão fazendo ali? Parece que foram espancados —
fala Grannus, suando frio. Acho que ele está passando mal.
— Todos os acusados de traição, antes de serem executados, são
violentamente agredidos pelo carrasco — explica meu guarda-costas,
franzindo o cenho. — É a ordem do rei e da rainha.
Sinto aflição.
— E o que será que eles fizeram para serem mandados à forca? —
questiona meu primo, torcendo as mãos nos bolsos da calça.
Olho para Vomina e vejo que ela está derramando lágrimas
silenciosas. Ela deve se lembrar dos casos de suas duas filhas que foram
mortas por traição.
Fadye. Meu coração aperta só de imaginar que ela passou pelo
mesmo sofrimento que Kaida está prestes a enfrentar. Por que ela está ali?
Kaida percebe que o drone está transmitindo sua imagem ao vivo para
todo o reino e abre um sorrisinho sem brilho
A vida nunca foi justa comigo, e por isso estou aqui.
É isso que acontece quando você decide ajudar a realeza.
Eles mandam você para a forca. Eles mandam você para a forca.
Canta a primeira estrofe de uma canção, com bastante dificuldades.
Eu só queria ajudar uma sangue de prata a restaurar a paz,
Mas por causa das minhas escolhas matei o sangue do meu sangue.
Sim, eu mesma matei ao cantar e celebrar com vocês.
Percebo que Kaida se refere tanto a Téssia quanto a Xanthe.
Recebi instruções enigmáticas, para expressar ao mundo.
Elas me trouxeram até aqui, neste momento tenebroso.
Não se esqueçam de mim. Não se esqueçam da minha canção.
Ela olha diretamente para a lente da câmera instalada no drone e
aumenta o tom de voz, parecendo um grito estrangulado.
A culpa sempre será sua, sangue de prata imunda.
Você me fez matar minha saudade.
Ela não vive mais entre nós e eu também não viverei.
Vou me encontrar com ela por sua culpa, sua culpa.
Eu nunca mais vou poder respirar de verdade.
Assim como ele não respira mais.
Você me perguntou dele, e eu te respondi.
Ele ainda respira, mas não perto de mim.
Prendo a respiração. Kaida está falando da nossa última conversa
sobre o amor?
Deixarei de existir, família. Deixarei de existir.
Mas meus companheiros irão comigo, sabia?
Eles estão pagando por me defenderem.
Mas eu espero que você encontre os culpados.
Sim, as cobras aladas que vivem ao seu lado.
Elas...
A transmissão é interrompida.
— Não, espera! O que ela queria dizer? — falo alto, exagerando no
tom das minhas palavras. Puta que pariu. É agora que virão os
questionamentos pela minha exaltação.
— Você está mais preocupada com a música do que a vida daquelas
pessoas, princesa? — começa Péricles, lançando um olhar intenso sobre
mim.
Antes que eu pudesse responder, a tela do televisor volta a piscar
algumas vezes e a imagem do meu primo Léo surge imediatamente.
— Povo amado de Mirassol, boa tarde — fala ele, ajeitando o terno
azul marinho. — Peço desculpas por assumir este papel que normalmente
pertence à nossa respeitada rainha. Infelizmente, ela não está em condições
de estar aqui hoje, e por isso, venho a vocês com uma explicação
necessária.
— Por que ele está comunicando o povo? — indago.
— Possa ser que Arnaldo ainda não esteja bem de saúde — responde
Péricles, enfatizando a última palavra.
— Rubens?
— Nem Rubens, nem Erasmos possuiriam a coragem necessária para
comunicar uma notícia tão delicada, princesa — explica o óbvio. A verdade
é que Rubens sempre foi um cuzão e Erasmos nunca gostou de se envolver
com os problemas do palácio.
— Como todos devem ter percebido, durante as apresentações no dia
do baile da Dança da Meia Noite, uma dos três indivíduos que apareceram
na tela ousou incitar o vandalismo e perturbar a paz que deveria reinar em
nosso reino. Anuncio que tanto ela quanto seus companheiros foram
condenados à pena de morte, devido à gravidade de suas ações — continua
Léo, dando um tapa no cabelo. — Nossa rainha, mesmo fragilizada, tomou
medidas firmes para preservar a ordem e a segurança de Mirassol. Em
momentos como este, é imperativo agir com determinação para garantir que
a justiça prevaleça sobre qualquer tentativa de desordem. Entendemos que
esta notícia pode ser difícil de assimilar, mas confio na sabedoria e
compreensão do nosso amado povo. Que a luz de nossa união e
solidariedade ilumine o caminho adiante. Com respeito, Léo. Sobrinho
legítimo da rainha Elizabelly.
Sinto-me dividida entre o sabor doce do bolo e a amargura do que
acabou de acontecer. A complexidade da situação se desenha diante de
mim, e percebo que há muito mais por trás das cortinas do reino do que eu
imaginava. Kaida morreu por atender ao pedido misterioso de Téssia.
Téssia desapareceu por estar sendo ameaçada pelo assassino do palácio. O
assassino do palácio continua impune, agitando na obscuridade mais
profunda das sombras.
Onde será que esses atentados vão parar?
CAPÍTULO 67
São 16h47.
Meu campeão massageia meus pés enquanto narro tudo o que
enfrentei. Conto a ele sobre correr para procurá-lo em meio à multidão, que
vi corpos despedaçados, que encontrei com Eldarion inconsciente no chão e
que vi Erasmos carregando o corpo de Rubens, que estava todo
ensanguentado.
Ad beija meus pés e me ajeito no travesseiro, reclamando de dores
nas costas. Ele acha que os médicos não deveriam ter me dado alta, mas me
sinto bem o suficiente para ser mais uma para eles cuidarem.
Então, Ad me conta que, assim que a primeira bomba explodiu, ele
foi arremessado para fora do palco e caiu entre as grades que protegiam a
arena. Por sorte, elas não perfuraram seu corpo. Desorientado, ele tentou
ficar de pé, mas a multidão invadiu o espaço onde ele estava e o pisoteou
sem perceber.
— É um milagre estarmos vivos, princesa — diz ele, deitando ao meu
lado.
— Você acha que foi o assassino do palácio? — questiono.
Ele demora um pouco para me responder.
— Pode ser. Mas também devemos considerar que há rebeldes do
lado de fora. Talvez a minha conquista tenha abalado suas emoções.
— Minha mãe disse que todos os rebeldes foram capturados —
exclamo, irritada.
Ad me lança um olhar piedoso.
— Os rebeldes nunca deixaram de existir, princesa.
— Não compreendo.
— O reino é dividido em quatro zonas. E cada zona tem seu campo.
Você acha mesmo que todas as pessoas estão contentes? Você mesmo viu a
vida que a família de Fadye leva. E sobre os mestiços, então? Devem ser
pessoas revoltadissimas com o sistema.
Penso na possibilidade desses tais rebeldes. Por que atacar no dia da
cerimônia do campeão do Torneio do Sol Nascente e matar centenas de
pessoas? Eu até entendo atacarem a família real, mas o sangue do seu
sangue? Não consigo entender. A confusão em minha mente é irritante. Por
que escolher um evento que deveria ser de celebração para semear o caos e
a morte? Os rebeldes buscavam justiça ou apenas queriam causar terror
indiscriminado?
O impacto desse ato de violência reverbera em cada pensamento meu.
A tristeza que sinto pela perda das vítimas é amplificada pela perplexidade
diante do motivo por trás daquele ataque brutal. Me questiono sobre os
objetivos dos rebeldes e a que custo estão dispostos a alcançá-los.
— A única certeza que tenho é que o reino de Mirassol está
mergulhado em um período sombrio, e se não pararmos a tempo, será tarde
para restaurar a paz — comento, bocejando.
— Disse como uma verdadeira rainha — brinca Ad, beijando meus
lábios.
— Eu só quero o bem de todos. Não é justo as pessoas viverem com
medo nas ruas. A segurança ainda precisa ser o ponto primordial de
Mirassol. Era isso que meu pai diria se estivesse aqui.
— Vamos dar um jeito, Sara. Eu prometo. Só preciso me instruir mais
no conhecimento do reino para elaborar ideias que possam melhorar a
qualidade de vida do nosso povo. Eu prezo por isso.
Ad não percebe o quanto fica fofo quando fala desse jeito, sério e
destemido. Beijo ele e ele retribui. Nossos lábios se encontram num gesto
cheio de ternura e cumplicidade. O calor do momento se mistura com a
suavidade do gracejo, criando uma sensação única que nos envolve por
completo.
— Eu amo você, Ad Pomodoro.
— Eu amo você demais da conta, Saravana Grinffos.
Os nossos sentimentos se entrelaçam, e sinto como se o mundo ao
nosso redor contemplasse o nosso amor. É apenas Ad e eu, compartilhando
um momento íntimo e especial. Seus lábios são suaves contra os meus, e a
troca de carinho faz com que nossa conexão seja mais profunda.
— Sara, olhe para os flocos de neve caindo lá fora. O que você vê? —
pergunta ele, sussurrando no meu ouvido.
— Vejo flocos de neve, Ad — respondo o óbvio.
— Sara, olhe para os flocos de neve caindo próximos a janela. O que
você vê?
Franzo a testa, confusa com as perguntas dele.
— Ainda vejo flocos de neve, querido.
— Sara, olhe os flocos de neve pregados na janela. O que você vê?
Acho que entendi o que Ad quer que eu diga.
— Eu vejo o nosso reflexo no vidro.
— Exatamente — ele suspira.
— E você? O que você vê?
Ele demora um pouco para responder, olhando atentamente para a
janela.
— Eu vejo um reino diante de mim. E neste reino há um casal feliz.
Acho que eles estão iniciando uma família. Consegue ouvir os choros dos
bebês?
Uma lágrima escorre do meu olho enquanto meu coração palpita de
alegria.
— Sim, consigo. Acho que o mais novinho está chamando o papai.
Ad me cobre com o seu abraço caloroso e respira em cima da minha
cabeça. Eu gosto quando ele faz isso.
— É o nosso futuro, Saravana. Eu prometo que você terá um futuro
digno de princesa. Longe das atrocidades da vida. Eu estarei ao seu lado,
sempre.
— Você promete?
— Prometo.
— Mesmo?
— Mesmo.
— Para sempre?
— Para todo o sempre.
Naquele momento, percebo que o amor entre um casal é uma força
vital, uma conexão profunda que substitui as palavras e os gestos. É uma
necessidade fundamental, não apenas para satisfazer a busca por
companhia, mas para nutrir a alma e o espírito. É um bálsamo que cura
feridas, proporciona conforto nos dias difíceis e celebra conosco nas
pequenas vitórias diárias. Além disso, ele é um catalisador para o
crescimento pessoal. É uma jornada de autodescoberta, onde aprendemos
sobre nossas próprias virtudes e imperfeições, e onde somos desafiados a
evoluir como indivíduos.
Descubro que essa necessidade de amar e ser amado é a essência da
nossa humanidade, uma chama que arde constantemente em nossos
corações.
Enquanto nos beijamos, consigo perceber o brilho nos olhos de Ad, a
intensidade do afeto que ele também sente. Eu realmente amo esse homem,
e espero que possamos permanecer juntos para sempre.
Alguém bate na porta, interrompendo nosso momento.
— Mais tarde? — pergunta ele, acariciando minha virilha.
— Mais tarde — confirmo, olhando para os lábios dele.
Ad abre a porta e Félix aparece.
— Eu espero não estar atrapalhando o casal — fala, olhando para o
chão.
— Sem problemas, mano. Aconteceu alguma coisa?
— Primeiro quero saber como vocês estão? — pergunta ele, olhando
de Ad para mim.
— Sobrevivendo, caipira — respondo, tentando quebrar um pouco a
tensão.
— Melhor, impossível — zomba Ad, dando um tapa no amigo.
Félix abre um sorriso forçado.
— É muito bom saber que estão bem, mas eu preciso de ajuda. Oed
foi visto na floresta próximo ao palácio e estamos organizando uma equipe
para buscá-lo. Até agora não temos nenhuma informação sobre o que está
acontecendo, mas quero evitar que o nosso amigo faça uma merdade
irreversível. Gostaria de saber se você não quer ir com a gente?
Ad olha na direção e faço que sim.
— Pode ir. Não precisa se preocupar comigo.
— Tem certeza? — pergunta, suavizando as sobrancelhas.
— Absoluta. Qualquer coisa, eu grito e Péricles vem me ajudar —
respondo, tirando uma adaga da bota. — E agora posso me defender
sozinha.
Félix fica boquiaberto.
— Uau. Aprendeu a usar? — indaga ele, admirado.
Lanço a arma em sua direção, mas mirando na madeira da porta. Ela
crava na mosca enquanto Félix estremece, assustado.
— Acho que levo jeito — digo, e dou de ombros. — Aprendi a cortar
gargantas, furar virilhas, rasgar clavículas e estraçalhar coxas musculosas
de homens carrancudos.
Ele olha para Ad, com os olhos arregalados.
— Essa princesa é um animal — diz. — Espero nunca ter que
enfrentá-la.
Ad dá risada e veste o casaco de capuz preto.
— Te vejo antes da meia noite?
— Antes da meia noite — concretizo, dando um selinho nele.
CAPÍTULO 75
Faz duas horas que Ad saiu e duas horas que não paro de pensar nas
atrocidades que aconteceram desde o início do Torneio do Sol Nascente. O
peso de minhas escolhas recai sobre minha consciência como uma sombra
implacável, um fardo que carrego com a lembrança de cada vida ceifada.
Me recordo da ordem dada para a morte de Francio, uma decisão que
selou o destino de um homem. A imagem das vinte cabeças degoladas no
café da manhã ainda ecoa em minha mente, especialmente a da irmã gêmea
de Fadye. A explosão em meu quarto, a interrupção da luta na segunda
etapa do Torneio, as palavras desafiadoras trocadas com Salomé na
biblioteca, a morte do Rei Kalayo, o assassinato brutal da família Valktran,
a punição severa imposta a Arnaldo, a perda de Michelle e Felpudo, a fuga
de Téssia, a agressão de meu cunhado, as mortes da auxiliadora Xanthe, do
meu primo Talles e da minha melhor amiga, o castigo de Kaida por ter
cantado uma canção em duplo sentido, a morte misteriosa do tio de Oed, o
atentado dos mascarados e, por fim, o ataque durante a cerimônia do
campeão do Torneio.
Cada evento compõe o que agora parece um pesadelo contínuo. Meu
coração se enche de tristeza, arrependimento e uma sensação esmagadora
de responsabilidade. Cada vida perdida deixa uma cicatriz indelével, uma
marca na história que não pode ser apagada.
— Preciso colocar um ponto final neste mistério — digo para mim
mesma.
Péricles abre a porta com cuidado para não me assustar.
— Um guarda acabou de comunicar que a rainha está solicitando sua
presença agora mesmo — avisa.
Coloco um casaco de lã, prendo o cabelo em um rabo de cavalo e
guardo a adaga dourada dentro da minha bota. Todo cuidado é pouco.
— Deve ser para falar do que aconteceu ontem — digo, saindo do
quarto.
Caminho pelos corredores do palácio, cujas paredes resplandecem
com a opulência de tempos passados. A luz suave dos candelabros de cristal
banha o chão de mármore, criando um jogo de sombras que dança nas
imensas tapeçarias que adornam as paredes. Quadros de antigos monarcas
observam silenciosamente o meu percurso, como se estivessem curiosos
com a minha presença.
No entanto, mesmo em meio a tanta grandiosidade, algo no ar parece
estranho. Uma sensação sutil, quase imperceptível, paira como uma bruma
invisível. Meus passos ecoam de forma diferente, como se as próprias
paredes sussurrassem segredos não revelados. Olho para as pinturas, e por
um instante, juraria ter visto os olhos dos retratados se movendo, seguindo
cada passo meu com uma atenção desmedida.
— Pelos campos de Mirassol — murmuro baixinho.
— O que disse, princesa? — pergunta Péricles.
— Nada — respondo.
A atmosfera, apesar de toda a magnificência, possui um toque de
melancolia. As velas tremulam, lançando sombras que brincam com a
minha imaginação. A cada esquina, uma sensação de presença inesperada
faz meu coração acelerar. Sinto arrepios percorrendo minha espinha, como
se estivesse sendo observada por algo que não pode ser visto.
Será que estou ficando louca?
Olho para o lado de fora e vejo a metade da arquibancada oculta pela
noite. A arena, agora em destroços, testemunha a tragédia que se abateu
sobre nós. Pedaços retorcidos de metal e concreto contam a história de um
evento que deveria ser de celebração, mas que se transformou em pesadelo.
A poeira ainda paira no ar, mas a sensação de sobrevivência traz um alívio
momentâneo.
De repente, os guardas reais que nos acompanham param, e ouço o
som das espadas sendo retiradas do coldre. Péricles franze a testa,
percebendo tarde demais que é uma emboscada. O guarda da direita
empurra meu guarda-costas contra a parede, enquanto o outro o atinge com
a arma na lateral de sua barriga.
Grito, pega de surpresa pela traição daqueles que deveriam me
proteger.
— Foge, princesa — ordena Péricles, se livrando da espada e dando
uma joelhada no estômago do guarda que o segura.
Em questão de segundos, o som metálico das espadas se chocando
preenche o ar, criando uma cacofonia de perigo iminente. Meu coração bate
descontroladamente. Péricles luta desesperadamente para se defender
enquanto os guardas tentam eliminá-lo.
O choque da traição se transforma em um impulso de sobrevivência.
Instintivamente, tento recuar, mas a parede fria do corredor me impede.
Meus olhos buscam por uma rota de fuga, mas a realidade parece
distorcida, e o perigo está por toda parte. A agitação do confronto consome
meus sentidos, e o pavor se mistura com a ira diante da rebeldia perpetrada
pelos próprios guardas reais.
Neste momento, percebo que a segurança que o palácio deveria
proporcionar se desvanece, substituída pela crueldade de uma realidade
sombria que se desenrola diante dos meus olhos. Se dois deles puderam
trocar de lado, acredito que mais guardas também devem ter se corrompido.
Sendo assim, não me resta mais o que fazer a não ser correr entre os
corredores, que agora percebo o quanto eles estão vazios, para tentar chegar
nos aposentos da minha mãe e avisá-la a tempo antes que seja tarde demais.
Viro a esquerda e depois a direita. Será que peguei o caminho errado?
A confusão me deixa desorientada e o medo cresce a cada respiração.
Espero que Péricles consiga tomar o controle da situação e sair da luta ainda
vivo.
Ouço vários estalos do outro lado da parede, e prendo a respiração.
Isso foram tiros? Como é possível? Armas de fogo são ilegais em Mirassol.
Uma janela enorme estoura assim que um pedaço de tijolo a atinge,
espalhando milhares de fragmentos de vidros no chão.
Preciso sair daqui agora mesmo.
Mais tiros são disparados enquanto gritos histéricos tomam conta de
todos os corredores desta ala. Sinto cheiro de fumaça, como se borracha
estivesse sendo queimada dentro do palácio. Estamos sofrendo um ataque
externo e não tenho como descobrir de onde ele vem.
Corro o mais rápido que consigo e bato de frente com um homem
mascarado.
— Vocês de novo? — pergunto, me afastando imediatamente.
— Olá, princesa. Quem é você? A mais velha? A mais nova? A que
desafiou a Rapina? — questiona, caminhando na minha direção. Ele segura
um mangual de ferro batido com detalhes de caveiras nas laterais.
— Eu não quero machucar você — digo, tremendo da cabeça aos pés.
O mascarado dá risada e tenta me acertar com a arma, mas está longe
demais para isso. Percebo que uma tatuagem em formato de pássaro está
marcada em seu braço direito.
— Você fica tão bonitinha assustada — fala ele, lambendo os lábios.
— Quero comer seu corpinho todinho. Posso?
Bato com as costas na cômoda que serve para guardar os produtos de
limpeza. Então, sem desviar dos seus olhos, pego um frasco de spray e
espirro no rosto dele. Ele grita e solta o mangual, limpando os olhos com as
mãos.
— Sua filha de uma puta desgraçada. Não me interessa quem você é.
Eu vou matá-la mesmo assim.
Aproveito que ele está desorientado e tiro minha adaga da bota. Eu
sabia que a usaria a qualquer momento, só não tinha certeza de quando.
— Eu sinto muito — digo, e enfio a arma na lateral do pescoço dele.
Quando puxo a adaga de volta, o sangue esguicha imediatamente,
sujando meu corpo de vermelho. O mascarado cai no chão, falando palavras
arrevesadas, e morre.
— Demetrius! — uma voz grita atrás de mim. — Você vai pagar por
isso!
Olho para a mascarada que corre desesperadamente na minha direção,
quando o vulto de Péricles aparece e corta a cabeça dela fora.
— Menos 7 agora — fala ele, sorrindo para mim.
Assustada, dou um forte abraço nele.
— Ainda bem que você não está morto — falo, choramingando.
Outro mascarado aparece e lança uma adaga na nossa direção.
Péricles me empurra para a parede e a arma passa zunindo entre a gente.
Antes que o agressor pudesse pegar outra adaga, lanço a minha
dourada na sua direção e acerto bem no centro do peito dele. Ele arregala os
olhos e desaba no chão.
— Boa, princesa — elogia Péricles, admirado.
Pego sua adaga do chão e mais outro mascarado surge no corredor,
avançando com uma espada nas mãos. Péricles tira a sua do coldre e parte
para o duelo, sem pensar duas vezes.
Enquanto observo a luta, alguém puxa meu rabo de cavalo e caio de
costas no chão. O baque do meu corpo colidindo deixa claro que o tombo
quase quebrou uma das minhas costelas, pois respiro e sinto dores nas
laterais.
Pisco várias vezes para afastar a sensação desorientada dos meus
olhos. Tudo está embaçado, como se uma película de plástico borrada
cobrisse minha visão.
— A princesa, não! — ouço Péricles gritar e um tiro ecoa em seguida.
O corpo da pessoa que me derrubou cai sobre mim, morto. Afasto
quem quer que seja o mascarado e tento ficar de pé. No momento que olho
para o meu guarda-costas, ele é atingido na coxa esquerda, e cai de joelhos
no chão. Ainda desorientada, arremesso a adaga emprestada e ela acerta o
braço do agressor que luta com Péricles. Isso dá tempo suficiente para para
Péricles o atingir com a espada sobre a barriga, rasgando o seu corpo até a
metade do peito. O mascarado cai morto no chão.
— É melhor a gente sair daqui — fala ele, mancando um pouco.
Corremos mais alguns corredores e vejo o quão destruídos eles estão.
O grupo de Rapina não só veio para matar, mas para apagar toda a história
que a estrutura do palácio contava.
— O que eles querem? — pergunto, ofegante.
— Sangue e vingança — responde ele.
Assim que alcançamos os aposentos da minha mãe, percebemos que
ele está vazio. Abro a porta que leva ao quarto principal da rainha e dou um
grito. O corpo do mordomo real, Fredd, está todo perfurado e jogado no
canto.
— Fredd! — chamo seu nome, ajoelhando-me ao seu lado. — Ah,
Fredd. Eu sinto muito. Muito mesmo — digo, com lágrimas nos olhos.
Por outro lado, Fredd esboça um sorriso para mim e sussurra:
— Continue. Sendo. Uma. Boa. Menina. Sara — finaliza, e a luz dos
seus olhos se apagam.
CAPÍTULO 76
Foram 79 mortes.
É um número extremamente pequeno se for comparado ao ataque na
arena, mas eram vidas. 57 pessoas faziam parte da rotina do palácio e as
outras 22 eram nossos inimigos. Eles foram cremados, seus corpos
arruinados, esquecidos para sempre no reino de Mirassol. Enquanto os
inocentes estão sendo homenageados neste momento.
Olho para a rainha discursando sobre um palanque improvisado no
meio do cemitério. Ela usa vestes brancas, quebrando a tradição de que só a
família real tinha o direito de serem representados por essa cor. Eldarion,
ainda debilitado, ajusta a altura do drone, garantindo que cada detalhe seja
captado e transmitido ao povo, levando-os para mais perto do momento que
estamos vivendo.
Sinto a mão firme de Ad segurando a minha, uma conexão que
sempre transcende as palavras. De vez em quando, ele me olha de soslaio,
verificando se estou bem.
Suspiro, ainda tentando assimilar a realidade do mistério que chegou
ao seu fim.
A neve ao nosso redor confere ao ambiente uma paz contrastante com
a intensidade das emoções que nos envolvem. Cada floco que cai parece ser
um suspiro da natureza, testemunhando e acalentando os corações
enlutados.
— Caros súditos de Mirassol. É com o coração pesado que
compartilho as palavras que jamais imaginei pronunciar. Nestes últimos
dias, nosso reino foi testemunha de eventos trágicos que abalaram a
essência de nossa sociedade. Lamento profundamente pelas vidas perdidas,
pela dor que assola cada coração e pela escuridão que pairou sobre nós.
“O atentado à arena foi um golpe brutal contra nossa paz. A justiça
está sendo aplicada, e aqueles responsáveis por esse ato covarde estão
sendo julgados e enfrentarão a mais severa das penalidades. A morte dos
inocentes não será esquecida, e suas almas serão lembradas em nossas
preces — expressa minha mãe, cabisbaixa. — Mas, infelizmente, a tragédia
não se limitou à arena. Há dois dias, fomos novamente alvo de um ataque
dentro dos muros do palácio, onde perdemos mais 79 almas, incluindo o
Sub-Príncipe Arnaldo e o valente Capitão da Guarda Real Hawise. Este
golpe atingiu-nos em nossa própria casa, deixando-nos com corações
partidos e um vazio insondável”.
“Quero prestar minha homenagem a todos aqueles que perderam suas
vidas nessas circunstâncias terríveis. Suas memórias serão eternizadas em
nossos corações, e juramos honrar seu legado restaurando a paz e a
segurança em nosso reino. Agradeço aos bravos defensores, Sub-Príncipe
Rubens, Erasmos e Ad, cujas ações corajosas ajudaram a conter a ameaça
que assolou nosso lar. Suas vidas foram marcadas pela coragem diante do
perigo, e suas ações refletem a verdadeira essência da nobreza e da
lealdade”.
“Neste momento, permaneçamos unidos, amparando-nos mutuamente
em meio às adversidades. Juntos, ergueremos Mirassol das cinzas e
restauraremos a luz que sempre brilhou sobre nossas terras. Que a força dos
que partiram nos guie, e que a esperança floresça em nosso caminho. Que
Mirassol se recupere e se torne, novamente, o refúgio de paz e prosperidade
que todos merecemos” — finaliza, limpando as lágrimas com um lencinho.
Enquanto mantenho meu olhar fixo no céu, observo o momento
solene em que 529 pombas são soltas, suas asas brancas cortando o ar como
mensageiras de paz. Cada uma delas representa uma vida que se foi, uma
história que chegou ao fim de maneira abrupta e injusta. Seus voos
entrelaçam-se no ar, formando padrões simbólicos que parecem carregar as
memórias daqueles que partiram.
Uma sensação de paz, misturada à saudade, preenche meu coração.
— Que essas pombas, agora livres, levem consigo as almas de nossos
entes queridos e amigos para um lugar onde a dor e o sofrimento não têm
morada — sussurra Ad, beijando o topo da minha cabeça.
CAPÍTULO 81
Faz cinco dias que me casei, e agora estamos todos na sala do trono
real.
Eldarion conta os votos do povo, enquanto um drone transmite a sua
imagem para todo o reino.
Rubens, Erasmos e Ad estão posicionados ao lado esquerdo da rainha
enquanto eu e minhas irmãs nos mantemos em silêncio ao seu lado direito.
Por mais estranho que pareça, não estou nervosa. Eu simplesmente me
encontro em um momento de paz comigo mesma.
A última conversa que tive com Ad deixou claro o quanto ele estava
preocupado. Disse a ele que, independente do resultado, eu sempre estaria
ao seu lado.
— Eu espero, no fundo do meu coração, que Erasmos não ganhe —
sussurra Donabella, agoniada. — Não pretendemos morar no palácio.
— Vencerá quem o povo considerar o mais apto para a função —
responde Cássia, bocejando de sono.
Não digo nada.
Assumir o papel de novo rei de Mirassol é uma responsabilidade
monumental. O escolhido deverá ser hábil em lidar com desafios políticos e
sociais, buscando soluções que unam em vez de dividir o povo. Além disso,
a sabedoria será uma ferramenta valiosa. Ele precisará tomar decisões
ponderadas, considerando o impacto a longo prazo e buscando o equilíbrio
entre a tradição e o progresso. Cada escolha terá o potencial de moldar o
destino de Mirassol e influenciar a vida de todos os súditos. É uma jornada
de autoconhecimento, de aprender a equilibrar a majestade do trono com a
humanidade do coração.
Eldarion contabiliza o último papel e abre um sorriso.
— Senhoras e senhores, neste momento grandioso, ergo minha voz
em meio à ansiedade que paira sobre o reino. Hoje, aqui, testemunhamos o
ocaso de uma era e o nascimento de outra, em um capítulo que se desenha
nas páginas misteriosas do destino. Atravessamos o véu da incerteza, onde
segredos ocultos dançam nas sombras do passado. No coração dessa
transição, o manto do mistério envolve cada decisão, cada escolha que nos
trouxe a este ponto de inflexão”.
“Em meio aos murmúrios dos ventos que carregam consigo segredos
sussurrados por séculos, preparamo-nos para a ascensão de um novo
regente. A identidade desse líder, um enigma que mantém a mente de todos
envolta em conjecturas, será revelada no momento adequado, quando as
estrelas decidirem alinhar-se e o destino se desvendar diante de nossos
olhos”.
“Que a intriga que permeia este momento nos inspire a olhar para
além das aparências, a enxergar além do visível. Neste limiar entre o antigo
e o novo, há uma promessa de renovação, um renascimento que surge das
sombras da incerteza. A coroa que será conferida ao escolhido, imbuída de
responsabilidades e encargos, será um símbolo do futuro que espreita na
penumbra. Que cada um de nós, cidadãos deste reino, possa abraçar a
mudança com coragem, cientes de que a névoa do desconhecido muitas
vezes guarda tesouros há muito perdidos”.
“Aguardemos, com corações abertos e mentes aguçadas, o desenrolar
deste mistério que, como fios entrelaçados, tece a trama de nossa história.
Que o novo soberano que emergirá das sombras seja guiado pela sabedoria
e pela visão, conduzindo-nos a um amanhã repleto de esperança e
prosperidade. Que a aura do enigma que paira sobre nós seja o prelúdio de
uma era grandiosa, onde segredos revelados transformem-se em histórias
épicas, escritas nas páginas douradas do tempo” — discursa o comentarista,
dando voltas desnecessárias.
Sinto o coração na garganta, enquanto tento controlar minha
respiração entrecortada.
E então, ele anuncia o nome do escolhido, e o resto vocês já sabem.
CAPÍTULO EXTRA
Estou no calabouço.
Assim que chego a cela de Louise, percebo o quanto ela está
desnutrida.
— Sara, o que você está fazendo aqui? — pergunta, com a voz fraca.
Olho dentro dos olhos dela, e suspiro.
— Eu só queria entender, Louise — digo.
Ela demora um pouco para responder.
— Peço desculpas, princesa. Estou completamente perdida. Parece
que tudo se desfez como uma mera ilusão em minha mente agora. Meu
único desejo era realizar os sonhos do Léo, e jamais pretendi que as coisas
escapassem do controle — funga.
Sento no meio do corredor com as pernas cruzadas.
— Fadye não precisava ter morrido, mas mesmo assim você a
condenou.
— Eu não tive escolhas, Sara.
— Sim, Louise. Você teve — acuso, tirando um pedaço de chocolate
do bolso.
— Eu juro que se pudesse voltar no tempo, agiria de maneira
completamente diferente.
Ergo a sobrancelha.
— Então você pretendia me matar também? — indago, mordendo um
pedaço do chocolate. Percebo que ela está com fome, pois olha para a
minha mão de soslaio.
— Não, de jeito nenhum. Léo havia me garantido que a deixaria em
paz.
— Então, por que você afirmou que queria me ver morta? Não faz
sentido.
Ela parece ser pega de surpresa.
— Eu estava sob pressão, descontrolada. Jamais desejava que você
morresse de verdade — justifica, com lágrimas nos olhos. — Você me
perdoa?
Divido o chocolate ao meio.
— Diferente de você, eu não guardo rancor — respondo,
arremessando uma das metades em sua direção.
— Eu não vou comer isso — fala, desconfiada.
Dou de ombros e levo o último pedaço à boca, apreciando o sabor
adocicado.
— Eu perdoo você — conforto o seu coração.
Observando que nenhum efeito adverso ocorreu comigo, ela estende
as mãos e saboreia a outra metade.
— Obrigada — agradece.
Um sorriso se forma em meus lábios, e, decidida, ergo a manga do
meu vestido, expondo uma marca reveladora no meu pulso – uma picada de
cobra. Louise, com os olhos arregalados, interrompe sua mastigação,
incapaz de acreditar na audácia do que acabo de fazer.
— Nem todas as pessoas que são boas com você, tem boas intenções,
Louise — digo, ficando de pé, e me dirijo à última janela do corredor.
Os últimos suspiros de Louise alcançam meus ouvidos, mas resisto à
tentação de olhar para trás.
Então eu paro, observando a desmontagem das estruturas
remanescentes da arena, e sinto um peso se dissipando de dentro de mim.
Por mais que seja difícil acreditar, lembre-se que a verdade muitas
vezes se esconde nas entrelinhas, e os que parecem amigos podem ser, na
verdade, a falsidade disfarçada.
Péricles, capitão da guarda real.
AGRADECIMENTOS
Queridos leitores,
É com imensa gratidão que escrevo estas palavras,
emocionado por saber que vocês concluíram a leitura desta obra.
Agradeço do fundo do meu coração por terem dedicado seu
tempo e energia a mergulhar na história que criei. Espero
sinceramente que tenham encontrado inspiração, entretenimento e
reflexão nas linhas que escrevi.
Vocês, leitores, são o verdadeiro combustível que impulsiona
a minha escrita. Obrigado por permitirem que minhas palavras
façam parte das suas vidas.
Com gratidão, Eddy Valares
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