Você está na página 1de 15

O uso do hífen segundo o Acordo Ortográfico

Sistematização feita pelo Prof. Dr. em Letras


Roberto Sarmento Lima, da Universidade
Federal de Alagoas

De uso controvertido desde sempre, o emprego do hífen, mesmo com as


novas regras definidas pelo recente Acordo Ortográfico, continua criando
dificuldades para a compreensão do usuário da língua portuguesa escrita e
certamente até as ampliou. A situação torna-se mais dramática ainda depois que veio
a público, em sua quinta edição, o Vocabulário ortográfico da língua portuguesa
(Volp), dirigido e organizado pela Academia Brasileira de Letras, que resolveu
arbitrar e alterar rumos da reforma já aprovada, em conjunto, pelos países que
integram a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP). Alegam os
gramáticos da ABL que havia necessidade de adaptar as normas instituídas à índole
do português brasileiro, o que, em última instância, terminou por descaracterizar a
noção de acordo.
Assim, pensei, neste documento, disciplinar tal uso, confrontando as 21 bases
do Acordo Ortográfico, as recentes publicações sobre o assunto e, evidentemente, as
orientações divulgadas pelo Volp, apesar de muitas incoerências detectadas ao longo
da proposta de renovação de escrita da língua portuguesa nessa obra, especialmente
no que toca ao uso do hífen..
Para tal propósito, dividirei a discussão do seu emprego em duas etapas, sob
os seguintes rótulos gerais: (1) Usa-se o hífen; e (2) Não se usa o hífen. Em cada
seção, aparecem exemplos e, às vezes, algumas justificativas consideradas
necessárias ao esclarecimento dos tópicos apresentados.

1. USA-SE O HÍFEN:

1.1. Continua a ser usado o hífen, na grande maioria das ocorrências do


processo de formação de palavras COMPOSIÇÃO POR
JUSTAPOSIÇÃO: essa é a regra geral. Note-se que, nesse domínio
específico, não devem ser confundidos os compostos com os derivados,

1
com seus prefixos e falsos prefixos — situação que, aliás, exige outra
compreensão.
Desse modo, persiste o hífen em palavras compostas formadas por:

1.1.1. substantivo + substantivo: pombo-correio; médico-cirurgião; tenente-


coronel; decreto-lei; arco-íris; ano-luz
1.1.2. substantivo + adjetivo: amor-perfeito; guarda-noturno; cajá-mirim; obra-
prima; capitão-mor; conta-corrente; erva-doce; casa-grande
1.1.3. adjetivo + substantivo: pública-forma; má-fé; boa-fé; belas-artes; alto-
relevo
1.1.4. adjetivo + adjetivo: azul-escuro; azul-marinho; azul-celeste; russo-
americano; político-social
1.1.5. adjetivo pátrio com forma reduzida + adjetivo pátrio: ítalo-brasileiro
(italiano e brasileiro); hispano-americano (hispânico e americano); luso-
brasileiro (lusitano e brasileiro); afro-asiático (africano e asiático); afro-
lusitano (africano e lusitano)

Observação 1: Interessante notar, para maior segurança do usuário na hora de


pôr o hífen em situações que apenas lembram a regra deste item, que o
composto “afrodescendente”, que aparentemente se encaixa em tal regra,
continua do mesmo jeito, sem hífen. É que, nesse caso, a redução de
“africano” (“afro”) não vem ao lado de outra etnia ou nacionalidade, como
em “afro-asiático” ou em “afro-lusitano”, querendo, agora, apenas dizer que
certo indivíduo descende de africano. O termo “afro” aí age adjetivamente.
Da mesma forma e pela mesma razão elimina-se o hífen em “eurocomunista”
ou em “francofilia” (ao contrário de “euro-africano” e de “franco-russo”, em
que aparecem nitidamente duas nacionalidades ou duas etnias).

1.1.6. numeral + substantivo: primeiro-ministro; segunda-feira; primeira-dama;


primeiro-sargento; primo-irmão; prima-dona

Observação 2: No entanto, escrevem-se primoinfecção e primovacinação,


sem que tenha sido dada nenhuma explicação para esse fato no Vocabulário
ortográfico da língua portuguesa. Por que tais compostos não seguem o
modelo de “primeiro-ministro” ou “primeira-dama” ou, ainda, e a fortiori,
“prima-dona”? Eis aí uma inconsistência sobre a qual simplesmente não
refletiram. Note-se, no entanto, que os pretensos compostos “primoinfecção”
e “primovacinação” não aparecem em dicionários conhecidos e consagrados
no Brasil. Pode-se ainda perguntar, em favor da decisão da ABL em não
hifenizar, se o elemento “primo”, nessas palavras, é de natureza diversa de
“primo/a” que aparece em “prima-dona”. Isto é, “primo”, aí, não seria um
numeral ordinal reduzido, mas, sim, um prefixo de mesmo matiz semântico

2
(daí a falta de concordância nominal entre os termos ligados) e, sendo assim,
tais termos deixariam de ser exemplos de composto e passariam à
classificação de derivado (como “primogênito”), o que justificaria, então, a
ausência do hífen. Talvez por isso é que seja admitida a variante
“priminfecção”.
1.1.7. verbo + substantivo: conta-gotas; guarda-roupa; toca-discos; finca-pé
1.1.8. verbos ou substantivos repetidos: quero-quero; ruge-ruge; ruge-ruge; tico-
tico

Observações gerais:

1. Pouca coisa mudou em relação ao que era, antes do Acordo, nos oito casos
acima explicitados.
2. Não aparece aí nenhum prefixo; trata-se só de termos — de base nominal,
adjetival, numeral ou verbal — formados pelo processo de composição por
justaposição, salvo, talvez, o caso de “primoinfecção” e “primovacinação”. E
a justaposição de palavras, sem incluir jamais prefixos ou falsos prefixos, é
que determina, salvo algumas exceções, que as palavras do conjunto se
separem por hífen.
3. Em sua maior parte, as palavras unidas pelo hífen têm plena autonomia na
língua, podendo encontrar-se separadamente em contextos verbais diversos e
com sentidos variados: “Vou na quinta à escola, e não no sábado”; “Dê-me a
terça parte do que arrecadar”; “O pombo voa”; “O pão está bom”; “O
americano curte muito o Brasil”; “O guarda me parou na rua”; “Ele guarda
tudo nos armários”; “Quero água”; “A obra que você escreveu é sofrível”;
“O médico é bom nos seus diagnósticos” etc.
4. Chama atenção, no Acordo, entretanto, que palavras como “manda-chuva” e
“pára-quedas” (item 1.1.7) perderam extraordinariamente o hífen, passando a
grafar-se “mandachuva” e “paraquedas” (e seus derivados “paraquedista” e
“paraquedismo”). Mantêm-se as antigas formas “para-lama”, “para-brisa”,
“para-choque” e “para-vento”, apenas, agora, sem o acento agudo na forma
verbal “para”. Alegam os gramáticos que os compostos “mandachuva” e
“paraquedas” perderam a noção de composição, cristalizando-se. Pode-se, no
entanto, perguntar: e por que perderam e se cristalizaram? Com entender esse
critério, mais semântico que formal, o da “cristalização”? E, a ser assim, por
que “guarda-chuva”, “para-lamas” ou “para-brisa” continuam a ter o hífen?
Não se cristalizaram? O critério “cristalização” é muito vago e não encontra,
entre os estudiosos da língua, consenso ou justificativa que seja razoável ou
convincente. Trata-se de uma flagrante inconsistência do Acordo Ortográfico.
5. Fato que também chama atenção — por não ter sido resolvido
satisfatoriamente pelo Acordo, nem pela Academia Brasileira de Letras — é
que convivem, lado a lado, ainda, as chamadas locuções substantivas,
adjetivas e adverbiais, às vezes com hífen, às vezes sem ele, mesmo depois da

3
intervenção arbitrária da ABL nesse tópico específico. Aliás, os melhores
dicionaristas do país já não se entendiam. Por exemplo, antes da reforma
ortográfica, o dicionário Aurélio registra “dona-de-casa”, com hifens,
enquanto o Houaiss grafa “dona de casa”, sem hifens. Como o liame entre
composto, locução e lexia complexa tem sido muito impreciso, o
Vocabulário ortográfico da língua portuguesa, da Academia Brasileira de
Letras, resolveu eliminar, apenas na maioria dos casos, o hífen. Assim,
escrevem-se com hífen “cão-de-guarda”, “pão-de-leite”, “cor-de-rosa”, “pé-
de-meia”, “bico-de-papagaio” (planta), “água-de-colônia”, “água-doce”,
“arco-da-velha”, “mais-que-perfeito”, “ao deus-dará”, “copo-d’água”, “copo-
de-leite”, “Timor-Leste”, “cola-de-sapateiro”, enquanto ficam sem hífen “fim
de século” (por analogia, também “fim de semana”, embora esse termo não
apareça na nova edição do Vocabulário ortográfico), “dona de casa” (julga-se
que seja assim, pois não aparece no Vocabulário, mas, se valer a analogia
com “dono da lei”, sim), “dor de cotovelo”, “café com leite”, “pão de ló” (e
por que, então, “pão-de-leite”? ou “pão-de-leite”, nesse caso, é apenas uma
espécie vegetal, justificando-se os hifens?), “pão de milho” (idem), “sala e
quarto”, “quarto e sala”, “cor de carne” (mas “cor-de-rosa”), “cor de burro
quando foge” (idem), “mula sem cabeça”, “à vontade” (tanto faz ser a
locução adverbial quanto o substantivo masculino), “pé de moleque” (mas
“pé-de-meia”), “pé de vento” (idem), “pé de chinelo” (idem), “calcanhar de
aquiles”, “bico de papagaio” (formação óssea), “arco e flecha” (mas “arco-
íris” e “arco-da-velha”), “dia a dia” (tanto faz a locução adverbial quanto a
locução substantiva). Aqui, houve simplificação pela metade e, ao mesmo
tempo, boa dose de arbitrariedade. Dizem os gramáticos e especialistas da
ABL que o contexto verbal é que vai definir se “dia a dia” é substantivo ou se
é advérbio. Mas não se entende por que “copo-d’água” e “arco-da-velha” têm
hifens e “pé de vento” não tem.
6. Tratando ainda das locuções, a que mais sofreu, no passado, engano e
incompreensão foi a locução adjetiva “à-toa”, que tinha hífen para poder
diferenciar-se da homônima adverbial “à toa”, sem hífen, mas que, também
por decisão da ABL, da mesma maneira que ocorreu com o substantivo “dia a
dia”, deixou de ter. Em frases figés como “Não é à-toa que...”, a imprensa
nacional e as grandes publicações brasileiras dificilmente usavam o hífen,
tratando essa locução adjetiva como adverbial, indiferentemente. Note-se
que, no lugar dessa locução, nesse tipo de construção, é sempre possível usar
um adjetivo, e nunca um advérbio: “Não é casual que...”, ou “Não é fortuito
que...”, ou, ainda, “Não é indiferente que...”. Sobre essa filigrana linguística
os dicionaristas e gramáticos sempre se calaram. Particularmente cheguei a
consultar até a Academia Brasileira de Letras, que não soube responder a essa
consulta. Agora, o caso está resolvido, por mais uma dessas simplificações
que passam ao largo do Acordo mas que acabaram de ser impostas pela ABL:

4
a locução adjetiva não tem mais hífen, grafando-se sempre “à toa” como a
sua homônima locução adverbial, em qualquer contexto verbal.
7. No caso das palavras compostas de caráter onomatopeico ou de caráter
expressivo, estas escrevem-se sempre com hífen. Assim, temos “trim-trim”,
“pingue-pongue”, blá-blá-blá”, “tintim-por-tintim”, “zum-zum”, “zigue-
zague”, “reco-reco”, “xique-xique”.
8. O composto antes grafado tanto “vaivém” (de forma aglutinada) quanto “vai-
e-vem” passa, com a reforma, a escrever-se “vai e vem”, sem hifens. Não se
sabe por quê.

1.2. O hífen é usado em COMPOSTOS que indicam topônimos sempre que

1.2.1. contenham os adjetivos reduzidos grão e grã: Grão-Pará; Grã-Bretanha


1.2.2. contenham, como forma inicial, um verbo: Passa-Quatro; Quebra-Dentes;
Traga-Mouros
1.2.3. contenham, no meio da composição, algum artigo: Trás-os-Montes; Entre-
os-Rios
1.2.4. constituam, mesmo fora das três regras ditas há pouco, uma tradição ou uma
cristalização de uso: Guiné-Bissau

Observação: Por isso, por não se enquadrarem nas regras enunciadas neste
quesito, é que se grafam sem hífen “América do Sul”, “Estados Unidos”,
“Costa Rica” etc. No entanto, “Timor-Leste” aparece com hífen no
Vocabulário ortográfico.

1.3. O hífen é usado em COMPOSTOS que nomeiam espécies de plantas


(campo da botânica) e de animais (campo da zoologia), estejam ou não os
seus componentes unidos por preposição:

1.3.1. vegetais ou produtos decorrentes da extração natural ou de preparo industrial


que tomem por base vegetais: erva-do-chá; couve-flor; ervilha-de-cheiro;
ervilha-torta; abóbora-menina; fava-de-santo-inácio; bem-me-quer;
bico-de-papagaio

Observação 1: Escrevem-se, no entanto, água de coco, azeite de dendê e


bálsamo do canadá (resina amarelada e viscosa que sai do abeto-do-canadá).
Observação 2: No entanto, escreve-se “malmequer”, nome de uma flor —
portanto, do campo da botânica. Isto ocorre, contrariando a regra, talvez por

5
causa da contaminação de derivados em que apareça o advérbio mal
funcionando como prefixo. “Mal” só admite hífen quando o segundo
elemento do derivado é iniciado por vogal (como “mal-intencionado”) ou
pela letra h (como “mal-humorado”). Por possível contaminação, a grafia de
“malmequer” faz perder os hífens. (Ver o item 1.4.2, logo a seguir, deste
documento).
1.3.2. animais: bem-te-vi; andorinha-do-mar; formiga-branca; cobra-d’água;
beija-flor; tigre-dentes-de-sabre

1.4. O hífen é usado em quase todos os termos ditos DERIVADOS que


contenham, como se fosse originalmente um prefixo, o advérbio bem —
principalmente quando o segundo termo se inicia por vogal ou h, mas
não só —; e, apenas com essas letras, quando funciona como prefixo o
advérbio mal:

1.4.1. casos do advérbio “bem” como prefixo: bem-humorado; bem-


acondicionado; bem-aceito; bem-arranjado; bem-educado; bem-estar;
bem-afortunado; bem-soante; bem-sucedido; bem-querido; bem-dizer;
bem-disposto; bem-parecido; bem-talhado; bem-nascido; bem-ditoso;
bem-querido; bem-vindo

Observação: Mas, contrariando a regra geral, grafam-se “bendito”, “benfeito”


(não existe mais a forma “bem-feito”), “benfeitor”, “benfeitoria”,
“benquerer” (ao lado de “bem-querer”), “benquisto”, “benquistar”,
“benfazejo”.

1.4.2. casos do advérbio “mal” como prefixo: mal-afortunado; mal-humorado;


mal-educado; mal-assombro; mal-agradecido; mal-apresentado; mal-
apessoado

Observação 1: Com o advérbio bem usado como prefixo, o hífen ocorre


mesmo que a segunda palavra não seja iniciada por vogal ou h (vejam-se os
exemplos de “bem-nascido” ou “bem-soante”, com exceção feita, porém, a
“benfeitoria”, “benfeitor”, “benfazejo” e “benquerer”, forma esta, aliás, que
convive com “bem-querer”); mas, no caso particular do advérbio mal, não
ocorre a mesma flexibilidade, razão por que, diante de consoantes, se
escrevem “malnascido”, “malmandado”, “malsoante”, “malsucedido”,
“malparado”, “malvisto”, “malcuidado”, “malfalante”, “malcriado”,
“malconservado”, “malcasado”, “malcheiroso”, “malcomportado”,
“malmequer” etc.

6
Observação 2: Quando indica o nome de uma doença, a palavra mal aparece,
na quase totalidade dos exemplos, sem hífen. Assim, em menor parte, temos
“mal-canadense” e “mal-caduco”; mas, em sua maior parte, “mal de luanda”,
“mal de gota”, “mal de lázaro”, “mal de holanda”, “mal de nápoles”, “mal de
fígado”, “mal de cadeiras”.
Observação 3: Registre-se a forma “mal-limpo”, que apresenta hífen por
causa da consoante l, que aparece no fim da palavra mal e no início da
palavra “limpo”.

1.5. Emprega-se sempre o hífen quando aparecem, na formação de


DERIVADOS, os elementos aquém, além, recém e sem:

1.5.1. com o elemento aquém: aquém-mar; aquém-Pirineus


1.5.2. com o elemento além: além-mar; além-fronteiras; além-Atlântico
1.5.3. com a preposição sem no papel de prefixo: sem-vergonha; sem-teto; sem-
cerimônia

1.6. Emprega-se sempre o hífen — agora em casos específicos de


DERIVAÇÃO PREFIXAL — quando o segundo termo se inicia ou por
vogal idêntica à vogal que termina o prefixo ou o falso prefixo ou, ainda,
quando o segundo termo se inicia pela letra h:

1.6.1. caso de vogais idênticas: micro-ondas; anti-intelectual; contra-almirante;


semi-interno; auto-observação; infra-axilar; supra-auricular; anti--
ibérico; arqui-inimigo; eletro-ótica

Observação 1: Tal regra não serve nem para o prefixo co- nem para o prefixo
re-, aparecendo, assim, da seguinte maneira, as palavras “coordenar”,
“coocupante”, “coobrigação”, “coerdeiro” (sim, trata-se do antigo “co-
herdeiro”), “reeducar”, “reeleição”, “reempossado”, “reescrita”.
Observação 2: Não havendo coincidência de vogais, em outros casos também
(vogal mais consoante ou consoante mais consoante), o hífen desaparece de
uma vez por todas dos derivados, como se vê em “contracheque”,
“multivalente”, “autoimunidade”, “antiplaca”, “agroindústria”, “contrapé”,
“semiárido”, “radiopatrulha”, “microindústria”, “autopeças”,
“hidroginástica”, “antivírus”, “hidroavião”, “anticaspa”, “antiácido”,
“antiferrugem”, “anteprojeto”, “autoeducativo”, “contragolpe”, “seminovo”,
“radiotáxi”, “megaoperação”, “cardiovascular”, “infravermelho”,
“macroeconomia”, “radiovitrola”, “seminu”, “antimatéria”, “antigreve”,

7
“microempresário”, “autoestrada”, “autodefesa”, “audiovisual”,
“hiperdesconto”, “supermercado”, “intercomunicacional”, “socioeconômico”,
“sobreloja” etc. (consultar os itens 2.2.1 e 2.2.2).
Observação 3: Quando o prefixo termina pela letra r e o radical da palavra
que se lhe segue começa pela mesma letra r, ocorre o hífen: “hiper-
requintado”, “inter-resistente”, “super-revista” (ver o item 1.9 e o 2.2.3).
Observação 4: O conjunto “ensino-aprendizagem”, que apresenta vogais
diferentes no fim de uma palavra e no começo da outra (ensino e
aprendizagem), não se deixa reger, apesar da aparência formal, por essa
regra, porque, aí, em primeiríssimo lugar, não temos prefixo — primeira
condição (ver a Observação 1 do item 1.1. deste documento) —, nem essa
palavra é um composto da mesma maneira que “hispano-americano” ou
“pombo-correio”. É um fenômeno à parte, isolado de todos aqueles que foram
comentados até este momento. Note-se que as duas palavras envolvidas —
“ensino” e “aprendizagem” — têm completa autonomia mesmo no conjunto a
que pertencem, o que não é, evidentemente, o caso de “pombo-correio”, em
que “correio” define o tipo de “pombo”, qualificando-o como se fosse um
adjetivo. Aqui, em “ensino-aprendizagem”, trata-se tão-somente de uma
relação entre termos, como acontece com “estrada Rio-São Paulo”, sequência
nominal em que a cidade de São Paulo não determina a cidade do Rio de
Janeiro e vice-versa. Indicia, pois, uma relação de trajeto, nas duas direções:
do Rio para São Paulo, e de São Paulo para o Rio. O mesmo ocorre com
“ensino-aprendizagem”, em que o ensino leva ou não à aprendizagem ou a
aprendizagem direciona o tipo de ensino, mas não necessariamente. Antes da
reforma ortográfica de 2008, essas cadeias vocabulares eram unidas por
travessão, e não por hífen: “estrada Rio—São Paulo” e “processo ensino—
aprendizagem”. Com o Acordo, deu-se, acertadamente, a simplificação, com
a adoção do hífen.

1.6.2. caso do aparecimento do h iniciando o segundo elemento da derivação: anti-


higiênico; anti-herói; contra-harmônico; extra-humano; super-homem;
pré-história; sócio-histórico; ultra-hiperbólico; geo-história; semi-
hospitalar; sub-hepático; neo-helênico

Observação 1: Acontece, porém, que há palavras cuja raiz começa por h e,


mesmo assim, aglutinaram-se ao prefixo, eliminado o h etimológico, fazendo
perder o hífen, a ponto de contrariar a regra dominante. É o caso de
“desumano”, “subumano”, “subumanidade”, “inábil”, “inumano”, de larga
tradição na língua. Mas, atenção ao caso de “subumano”: o Volp abona
também, ao lado de subumano, a forma sub-humano, que não existia.
Incompreensível essa duplicidade de grafia, porque só faz aumentar o grau de
dificuldades para a compreensão do fato linguístico.

8
Observação 2: Assim como ocorre com o par “subumano”/”sub-humano”,
aparecem outros exemplos de dupla grafia: abrupto agora também pode
escrever-se ab-rupto (aliás, o Dicionário Houaiss já registrava essa forma);
da mesma forma, carboidrato convive com a variante carbo-hidrato; e,
ainda, o já comentado bem-querer, também pode escrever-se benquerer.
Não sei a que se deve tal duplicidade. Decerto, não será por amor à
etimologia, porque, em português, há muito tempo, desde 1943,
desapareceram de uma vez por todas o ph de “farmácia” e o sc de “ciência”.
Ademais, na separação silábica, não se respeita a razão etimológica, pois a
palavra “transatlântico”, por exemplo, se separa “tran-sa-tlân-ti-co” e não
“trans-a-tlân-ti-co” assim como “bisavô” se separa “bi-sa-vô”, e não “bis-a-
vô”. Essa duplicidade gráfica é, portanto, inútil e injustificável.
Observação 3: Como aparece no item 1.6.1, Observação 1 deste documento,
o prefixo “co-” como também o prefixo “re-” não se escrevem com hífen nos
derivados em que aparecem. Segundo determinação da Academia Brasileira
de Letras, que acaba de lançar o Vocabulário ortográfico da língua
portuguesa, escrevem-se “coerdeiro” (e não “co-herdeiro”, como antes),
“cossignatário” (e não mais “co-signatário”) e “coabitar” (que, aliás, já era
“coabitar” antes da reforma ortográfica, sem hífen, por tradição ou
cristalização de uso).
Observação 4: Por decisão da Academia Brasileira de Letras, desaparece o
hífen que havia nos chamados derivados formados com o advérbio “não” e o
advérbio “quase”: “não agressão” (antes, “não-agressão”), “quase delito”
(antes, “quase-delito”).

1.7. Emprega-se o hífen com palavras DERIVADAS formadas com os


prefixos circum- e pan-, quando a eles se seguem elementos iniciados por
vogal, m e n

1.7.1. com o prefixo circum-: circum-escolar; circum-navegação; circum-


murado
1.7.2. com o prefixo pan-: pan-americano; pan-mágico; pan-negritude

1.8. Emprega-se o hífen em DERIVADOS com os prefixos pós-, pré- e pró-


com algumas exceções a essa regra:

9
1.8.1. com o prefixo pós-: pós-graduação; pós-militar; pós-tônico (ao lado da
variante “postônico”)
1.8.2. com o prefixo pré-: pré-escolar; pré-datado; pré-natal; pré-moderno; pré-
molar; pré-letrado; pré-matrícula; pré-história; pré-diluviano; pré-
jurídico; pré-menstrual; pré-menopausa
1.8.3. com o prefixo pró-: pró-reitor; pró-europeu; pró-africano

Observação: Diz a regra que tais prefixos se separam por hífen da palavra
seguinte porque esta tem acento próprio e inconfundível. No entanto, ainda se
escrevem “prever” (“ver” tem vida à parte), “pospor” (idem) e “promover”
(idem).

1.9. Emprega-se o hífen em DERIVADOS com os prefixos hiper-, inter- e


super-, se a eles se seguirem palavras iniciadas pela consoante r:

1.9.1. com o prefixo hiper-: hiper-requintado


1.9.2. com o prefixo inter-: inter-racial
1.9.3. com o prefixo super-: super-revista

1.10. Emprega-se sempre hífen em DERIVADOS com o sufixo ex-, desde que o
sentido seja o de estado anterior:

1.10.1. é o caso de ex-marido; ex-diretor; ex-presidente; ex-primeiro-ministro


1.10.2. mas não se deve confundir com exterior, explicar ou excomungar (no
primeiro e segundo exemplos há a ideia de movimento para fora e o prefixo
está devidamente incorporado à raiz dessas palavras, enquanto no terceiro
não aparece a ideia de uma situação anterior, mas sim aquela que passa a ser,
projetivamente)

1.11. Em DERIVADOS com os sufixos de origem tupi-guarani como –açu,


-guaçu e –mirim, o hífen separa-os da palavra que os precede desde que
esta termine por vogal acentuada graficamente ou, mesmo sem o acento
diacrítico, a palavra tenha uma pronúncia que exija a distinção em
relação a tais sufixos:

10
1.11.1. com o sufixo –açu: andá-açu; capim-açu; jacaré-açu

Observação: Note-se que se deve pronunciar, em “capim-açu”, a palavra


“capim” sem fazer a passagem do som nasal para o sufixo (o que daria
“capimaçu”, de som estranho, chegando até a dificultar a decodificação
imediata do composto e seu significado). Daí, pois, o hífen, a mostrar que não
se deve pronunciar fazendo a ligação fonética entre os elementos do
composto.

1.11.2.com o sufixo –guaçu: amoré-guaçu


1.11.3. com o sufixo –mirim: anajá-mirim; Ceará-Mirim; Paraná-mirim

Observação: Não se usa hífen em “leitor mirim”, por exemplo, porque nem
“leitor” termina por vogal acentuada graficamente (caso de “anajá-mirim”)
nem há o risco de ocorrer ligação fonética entre “leitor” e “mirim” (como em
“capim-açu”), que são as duas restrições da presente regra.

2. NÃO SE USA O HÍFEN

2.1. Nos casos em que o DERIVADO tenha o prefixo terminado por vogal e a
palavra que se segue comece pelas consoantes r ou s, tais consoantes se dobram:
2.1.1. vogal + consoante r: autorretrato; antirreligioso; Contrarreforma;
contrarregra; biorritmo; microrradiografia; radiorrelógio; autorradiografia;
arquirrival; antirracional; contrarrazão; antirracial; alvirrubro;
antirrevolucionário; anterrosto; suprarrenal

Observação: É, no mínimo, estranho o Volp não ter levado em conta, no composto


“contrarreforma”, que este é um substantivo derivado próprio e, portanto, deve ser
grafado com iniciais maiúsculas em ambos os elementos que o compõem, o que
obriga a manter o hífen: Contra-Reforma. Particularmente, recomendo que esse
derivado continue a ser escrito como sempre foi — com iniciais maiúsculas e hífen.
Caso similar é o de “movimento contra-Sarney”. Por acaso seria aceito o termo
“contrassarney”, para obedecer à regra do Acordo, uma vez que Sarney é
substantivo próprio e, assim, rejeitaria a inicial minúscula na grafia do seu nome?
(Ver mais uma reflexão sobre esse termo na Observação 3 contida no item 2.2.3, um
pouco mais adiante.)

11
2.1.2. vogal + consoante s: antissocial; autosserviço; minissaia; autossuficiente;
antissemita; antisséptico; extrassensorial; pseudossufixo; pseudossigla;
multisserviço; contrassenso; autossugestionável; entressafra; ultrassonografia

2.2. Não se usa o hífen nos DERIVADOS em que o prefixo ou o falso prefixo do
termo terminem por uma vogal e o outro elemento comece por vogal diferente
ou quando o segundo elemento se inicie com consoante após uma vogal e, ainda,
quando tanto o fim do prefixo quanto o início do radical da palavra sejam
consoantes:

2.2.1. vogal + outra vogal: antiaéreo; infraestrutura; extraescolar; radioamador;


hidroelétrica; autoinstrução; intrauterino; neoimpressionista; intraocular;
megaestrela (ver Observação 2 do item 1.6.1)

2.2.2. vogal + consoante: inframencionado; hidromassagem; multivitaminado;


cardiopulmonar; antiterrorista (ver Observação 2 do item 1.6.1)

2.2.3. consoante + consoante: intermunicipal; hiperdesconto; supermercado

Observação 1: Ao que consta, este item (consoante + consoante) está restrito


aos prefixos inter-, hiper- e super-.
Observação 2: Este caso se encontra na Observação 3 do item 1.6.1 e no item
1.9 deste documento.
Observação 3: No nome do movimento religioso católico Contrarreforma,
como em outras ocorrências em que aparece o “prefixo” preposicional
“contra-”, há que se refletir bastante se, nesses casos, se trata mesmo de termo
derivado e não de um composto por justaposição. Primeiro, porque a palavra
preposição “contra” se acha na língua muitas vezes usada de forma
independente, substantivando-se e assumindo a flexão de número do
substantivo (como em “Os contras da Nicarágua”); segundo, porque assume
valor de raiz, tem matiz semântico, não tendo, pois, o esvaziamento de
sentido peculiar a outras preposições, como a preposição “a” ou a “de”. Por
falta, pois, de melhor reflexão sobre esse tópico, é de pensar se o melhor —
por se poder considerar tal formação um caso de composição — não seria
grafar “Contra-Reforma”, tal como era antes do Acordo Ortográfico, assim
como, também, “contra-regra”, e não “contrarregra”, como prevê o Acordo,
que julga tais palavras, as mencionadas aqui, formas derivadas. (Sobre o
termo “contrarreforma”, consultar o que aparece na Observação contida no
item 2.1.)
Última observação: O Acordo exige que, na translineação, se deve repetir o
hífen no começo da outra linha, por amor à clareza, indicando, assim, que o

12
hífen colocado no fim da linha realmente existe, fazendo parte de um
composto ou de um termo derivado, e não surgiu ocasionalmente por causa
de eventual separação silábica em fim de linha.

CONCLUSÕES:

1. Desde a oficialização do Acordo Ortográfico, vê-se que o hífen é, ainda hoje,


mesmo com a reforma, maciçamente empregado e atende a maioria dos
casos, havendo apenas sua eliminação em três situações muito específicas:
(1) quando, no caso amplo dos derivados, o prefixo termina por vogal e o
segundo elemento se inicia pelas consoantes r e s (caso de “autorretrato” ou
“autosserviço”); (2) quando, entre o prefixo e o segundo elemento, não há
coincidência de vogais (“autoestrada”), ou a vogal depara com uma
consoante (“anticomunista”), ou simplesmente não há vogais, mas apenas
consoantes (“hipermercado”); e (3) extraordinariamente, entre os compostos,
que utilizam maciçamente o hífen, este desaparece nos casos de locuções
substantivas, adjetivas, adverbiais: “pé de moleque” (doce), “pé de galinha”
(rugas), “cor de burro quando foge”, “pé de vento”, “à toa” (adjetivo ou
advérbio), “dia a dia” (substantivo ou advérbio).

2. As maiores dúvidas que podem existir quanto à eliminação ou não do hífen se


prendem, portanto, mais a casos de derivação prefixal (pelo número grande
de ocorrências prefixais) do que aos casos de composição por justaposição,
em que, em geral, o hífen é bastante usado (assim, temos, por um lado, os
compostos “hispano-americano” e “guarda-roupa” — as exceções seriam
“mandachuva” e “paraquedas” —, claros exemplos de composição por
justaposição, enquanto, por outro lado, temos “hipoícone”, sem hífen, e “anti-
intelectualismo”, com hífen, termos que exemplificam casos de derivação
prefixal).

Fontes bibliográficas consultadas para esta sistematização:

ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA: Resolução nº 17, de 7


de maio de 2008. Recife: Construir, 2008.

13
AZEREDO, José Carlos de (Coord.). Escrevendo pela nova ortografia: como usar
as regras do novo Acordo Ortográfico da língua portuguesa. São Paulo:
Publifolha/Instituto Antônio Houaiss, 2008.

BORBA, Francisco S. Dicionário de usos do português do Brasil. São Paulo: Ática,


2002.

BOSCOV, Isabela. A última do português. Veja. São Paulo: Abril, ano 41, nº 2.093,
31 dez. 2008, p. 192-197.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da


língua portuguesa. 3. ed. totalmente rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
1999.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua


portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

LEDUR, Paulo Flávio. Guia prático da nova ortografia. 3. ed. rev. Porto Alegre:
AGE, 2009.

LIMA, Roberto Sarmento. Estava à toa na vida. Língua portuguesa. São Paulo:
Segmento, ano 2, nº 24, out. 2007, p. 48-50.

LIMA, Roberto Sarmento. Uma pedra no meio do caminho: o Acordo Ortográfico.


Conhecimento prático língua portuguesa. São Paulo: Escala Educacional, ano 3, nº
18, [jul./ago.] 2009, p. 54-61.

MACHADO, Josué. Hora de remarcar os dicionários. Língua portuguesa. São


Paulo: Segmento, ano 3, nº 35, set. 2008, p. 28-32.

MANUAL DA NOVA ORTOGRAFIA. São Paulo: Ática/Scipione, ago. 2008.

MARTINS, Eduardo. Uso do hífen. Barueri, SP: Manole, 2006.

MONTEIRO, José Lemos de. Morfologia portuguesa. 4. ed. rev. e ampl. Campinas:
Pontes, 2002.

NAPOLI, Tatiana. Quem precisa do Acordo Ortográfico?. Conhecimento prático


língua portuguesa. São Paulo: Escala Educacional, ano 2, nº 15, [jan./fev.] 2009, p.
52-60.

NOVO Acordo entra em vigor. Língua portuguesa. São Paulo: Segmento, ano 3, nº
39, jan. 2009, p. 16-17.

14
PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. Os buracos do acordo. Língua portuguesa. São
Paulo: Segmento, ano 3, nº 41, mar. 2009, p. 30-32.

TEIXEIRA, Jerônimo. A riqueza da língua. Veja. São Paulo: Abril, ano 40, nº 2.025,
12 set. 2007, p. 88-96.

VOCABULÁRIO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA / ACADEMIA


BRASILEIRA DE LETRAS. 5. ed. São Paulo: Global, 2009.

Maceió, 19 de julho de 2009.

Roberto Sarmento Lima

15

Você também pode gostar