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DIREITO FINANCEIRO

QUESTÃO DISCURSIVA
(Valor 2,0)

Curso: Direito

Determinado Prefeito fez um grandioso projeto de revitalização de um Parque da cidade


no último ano do seu mandato (Exercício 2020). O projeto inclui a pavimentação de uma
pista de caminhada em torno de um lago já existente e a execução de um moderno Teatro
para apresentações de orquestras e corais. Espera-se que, com essa medida, aumente o
número de turistas, proporcionando espaços de lazer e fortalecendo o comércio local. O
tempo estimado para a execução da obra é de pouco mais de um ano e as despesas,
somadas, chegam a R$ 3 milhões. Com o objetivo de terminar tudo antes das próximas
eleições (15/11/2020), e sem que haja dotação específica para esse fim, ele decide abrir
um crédito extraordinário por decreto no valor de R$ 500 mil, já que precisa efetuar o
pagamento referente à primeira parte da obra, já concluída há cerca de 30 dias. Como
não possui orçamento suficiente, determina uma operação de crédito por antecipação de
receita no montante de R$ 3,1 milhões e, aproveitando-se do mesmo Projeto de Lei que
tratava da criação de uma Banda Municipal, faz um remanejamento de outras dotações
orçamentárias na ordem de R$ 150 mil para dar conta de eventuais aditivos. Informações
do Departamento de Contabilidade dão conta, ainda, do seguinte:

- A obra foi devidamente licitada e teve início há cerca de 1 ano (Exercício 2019);
- O Projeto não consta no PPA ;
- Tanto o decreto quanto o Projeto de Lei foram encaminhados sem anexos contendo
cálculo de estimativa ou qualquer outro documento;
- Foi registrado que a dívida consolidada do Município ultrapassou o limite no final do
primeiro quadrimestre do Exercício 2020;
- O Prefeito isentou da cobrança da contribuição de melhoria os moradores vizinhos que
tiveram os seus imóveis valorizados pelo empreendimento;
- Não se sabe ao certo o valor da despesa. Sabe-se, apenas, que ela pode ultrapassar os
R$ 3 milhões.

Com base no caso relatado e nas informações obtidas, redija um Parecer


apontando as irregularidades cometidas pelo Prefeito, os eventuais crimes que
poderiam lhe ser imputados e se houve afronta a algum princípio de Direito
Financeiro ou Orçamentário, cintando todos os artigos pertinentes.

PARECER N° XXX/2020
CONSULENTE: ...

EMENTA: PROJETO DE REVITALIZAÇÃO DE PARQUE. NECESSIDADE DA


INCLUSÃO NO PPA. INTERESSE PÚBLICO. LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL.
ABERTURA DE CRÉDITO EXTRAORDINÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE RECEITA
ORÇAMENTÁRIA. PROGRAMA DE DURAÇÃO CONTINUADA.

Recebo para exarar o parecer referente à legalidade e a constitucionalidade do


Projeto de revitalização de um Parque da cidade, de determinado Prefeito, no ano de seu
último mandato. O Projeto tem objetivo de incluir a pavimentação de uma pista de
caminhada em torno do lago e a execução de um Teatro destinado a apresentação de
orquestras e corais. O tempo estimado para sua execução é de um pouco mais de um
ano, com despesas de R$ 3 milhões. Observa-se que, foi aberto um crédito extraordinário
por decreto no valor de R$ 500 mil, uma vez que alega precisar efetuar o pagamento
referente à primeira obra, já concluída há cerca de 30 dias. Menciona que não possui
orçamento suficiente, e sendo assim, determina uma operação de crédito por antecipação
de receita, valor de R$ 3,1 milhões. A fim de fazer um aproveitamento do Projeto de Lei
que tratava da criação de uma Banda Municipal, fez um remanejamento de outras
destinações orçamentárias no valor de R$ 150 mil.

É o breve relatório.
Passo a opinar.

Inicialmente, importa destacar que a Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece


normas de finanças públicas objetivando a gestão fiscal, portanto ao fazer a análise
técnica do parecer, acerca da legalidade das questões expostas, levarei em conta a LRF,
bem como legislações cabíveis.
Isto posto, passo a análise da legalidade do caso em tela.
Conforme o artigo 5°, §5° da LRF, dispõe que a Lei Orçamentária (LOA) não
consignará dotação para investimento com duração superior a um exercício que não
estiver previsto no plano plurianual (PPA), seguindo o artigo 167, §1° da Constituição
Federal.
Art. 5º (...)
(...)
§ 5º A lei orçamentária não consignará dotação para investimento com duração
superior a um exercício financeiro que não esteja previsto no plano plurianual ou
em lei que autorize a sua inclusão, conforme disposto no § 1º do art. 167 da
Constituição.

Art. 167. (...)


§ 1º Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro
poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que
autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade.

Neste sentido, segue o artigo 165 §1° da Constituição Federal que refere-se às
despesas relativas aos programas de duração continuada.

Art. 165. (...)


(...)
§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as
diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de
capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração
continuada.

Diante disso, é estabelecido um requisito para que essa despesa seja legal, a qual
estabelece que deve estar prevista no PPA, bem como, trata-se de previsão
constitucional, em que veda o início de investimentos seja execução ultrapasse um
exercício financeiro, sem que haja previa inclusão no PPA.
Neste sentido, destaco ainda o artigo 4º, §3° da LRF:

Art. 4º (...):

§ 3o A lei de diretrizes orçamentárias conterá Anexo de Riscos Fiscais, onde serão


avaliados os passivos contingentes e outros riscos capazes de afetar as contas
públicas, informando as providências a serem tomadas, caso se concretizem.

IV - empregar subvenções, auxílios, empréstimos ou recursos de qualquer


natureza, em desacordo com os planos ou programas a que se destinam;

V - ordenar ou efetuar despesas não autorizadas por lei, ou realizá-Ias em


desacordo com as normas financeiras pertinentes;

XVI – deixar de ordenar a redução do montante da dívida consolidada, nos prazos


estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da
aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal; (Incluído pela Lei
10.028, de 2000)

XVII – ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites


estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária ou na de
crédito adicional ou com inobservância de prescrição legal; (Incluído pela
Lei 10.028, de 2000)

XX – ordenar ou autorizar, em desacordo com a lei, a realização de operação de


crédito com qualquer um dos demais entes da Federação, inclusive suas
entidades da administração indireta, ainda que na forma de novação,
refinanciamento ou postergação de dívida contraída anteriormente;
Respeitando o princípio da exclusividade, o Projeto deve determinar o seu objetivo,
considerando a vedação do aproveitamento de outro Projeto para dispor de receita.
Ademais, da análise do caso, verifico que o Prefeito realizou a abertura de um crédito
extraordinário por decreto, considerando ainda que o decreto e o Projeto de Lei foram
encaminhados sem o anexos contendo o cálculo de estimativa ou qualquer documento.

Art. 15. Serão consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio


público a geração de despesa ou assunção de obrigação que não atendam o
disposto nos arts. 16 e 17.

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que


acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

I - estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva


entrar em vigor e nos dois subseqüentes;

II - declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação


orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o
plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

Outrossim, quanto ao tempo estimado para o pagamento das despesas, é


indispensável a leitura do artigo 17, caput, da LRF, o qual dispõe que de acordo com os
programas de duração continuada, em conformidade com as despesas de capital, são
aquelas cuja execução exceda um período de dois exercícios, se enquadrando no caso
em tela.

Art. 17, LRF: Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente


derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para
o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois
exercícios.

§ 1o Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata


o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e
demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

§ 2o Para efeito do atendimento do § 1o, o ato será acompanhado de


comprovação de que a despesa criada ou aumentada não afetará as metas de
resultados fiscais previstas no anexo referido no § 1 o do art. 4o, devendo seus
efeitos financeiros, nos períodos seguintes, ser compensados pelo aumento
permanente de receita ou pela redução permanente de despesa.

§ 3o Para efeito do § 2o, considera-se aumento permanente de receita o


proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração
ou criação de tributo ou contribuição.

§ 4o A comprovação referida no § 2o, apresentada pelo proponente, conterá


as premissas e metodologia de cálculo utilizadas, sem prejuízo do exame de
compatibilidade da despesa com as demais normas do plano plurianual e da lei de
diretrizes orçamentárias.
§ 5o A despesa de que trata este artigo não será executada antes da
implementação das medidas referidas no § 2o, as quais integrarão o instrumento
que a criar ou aumentar.

§ 6o O disposto no § 1o não se aplica às despesas destinadas ao serviço da


dívida nem ao reajustamento de remuneração de pessoal de que trata o inciso X
do art. 37 da Constituição.

§ 7o Considera-se aumento de despesa a prorrogação daquela criada por


prazo determinado.

Acerca da abertura do crédito extraordinário, dispõe o artigo 167, §3° da


Constituição Federal, que é vedado a abertura do crédito, salvo em caso de atender a
despesas imprevisíveis e urgentes, como decorrentes de guerra, comoção interna ou
calamidade pública, evidentemente não se aplicando ao caso.

Art. 167. São vedados:

§ 3º A abertura de crédito extraordinário somente será admitida para atender a


despesas imprevisíveis e urgentes, como as decorrentes de guerra, comoção
interna ou calamidade pública, observado o disposto no art. 62.

Ao tratar-se da operação realizada para a antecipação de receita orçamentária,


dispõe o artigo 38 da LRF, que o crédito antecipado destina-se a insuficiência de caixa
durante o exercício financeiro, bem como é proibida a realização no último ano de
mandato do Prefeito.

Art. 38. A operação de crédito por antecipação de receita destina-se a atender


insuficiência de caixa durante o exercício financeiro e cumprirá as exigências
mencionadas no art. 32 e mais as seguintes:

I - realizar-se-á somente a partir do décimo dia do início do exercício;

II - deverá ser liquidada, com juros e outros encargos incidentes, até o dia
dez de dezembro de cada ano;

III - não será autorizada se forem cobrados outros encargos que não a taxa
de juros da operação, obrigatoriamente prefixada ou indexada à taxa básica
financeira, ou à que vier a esta substituir;

IV - estará proibida:

a) enquanto existir operação anterior da mesma natureza não integralmente


resgatada;

b) no último ano de mandato do Presidente, Governador ou Prefeito


Municipal.
Considerando que foi registrado que a dívida consolidada do Município ultrapassou
o limite no final do primeiro quadrimestre, exercício/2020, importa destacar o artigo 31 da
LRF, bem como também faz menção a proibição da antecipação de receita. Vejamos:
Art. 31. Se a dívida consolidada de um ente da Federação ultrapassar o respectivo
limite ao final de um quadrimestre, deverá ser a ele reconduzida até o término dos
três subseqüentes, reduzindo o excedente em pelo menos 25% (vinte e cinco por
cento) no primeiro.

§ 1o Enquanto perdurar o excesso, o ente que nele houver incorrido:

I - estará proibido de realizar operação de crédito interna ou externa, inclusive


por antecipação de receita, ressalvado o refinanciamento do principal atualizado
da dívida mobiliária;

II - obterá resultado primário necessário à recondução da dívida ao limite,


promovendo, entre outras medidas, limitação de empenho, na forma do art. 9 o.

§ 2o Vencido o prazo para retorno da dívida ao limite, e enquanto perdurar o


excesso, o ente ficará também impedido de receber transferências voluntárias da
União ou do Estado.

§ 3o As restrições do § 1o aplicam-se imediatamente se o montante da dívida


exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano do mandato do Chefe do
Poder Executivo.

§ 4o O Ministério da Fazenda divulgará, mensalmente, a relação dos entes


que tenham ultrapassado os limites das dívidas consolidada e mobiliária.

§ 5o As normas deste artigo serão observadas nos casos de descumprimento


dos limites da dívida mobiliária e das operações de crédito internas e externas.

Considerando que o Prefeito isentou da cobrança da contribuição de melhoria os


moradores vizinhos que tiveram os seus imóveis valorizados pelo empreendimento, deve
se atentar ao artigo 11 da LRF, o qual estabelece requisitos para a gestão fiscal, previsão
e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional do ente da
Federação. Portanto, a realização de isenção de cobrança aos moradores constitui
renúncia de receita, podendo ser qualificado como improbidade administrativa, disposto
no Código Tributário N

Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a


instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência
constitucional do ente da Federação.

Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente


que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.

Ante o exposto, manifesta-se pela ilegalidade do Projeto, salvo se as disposições


legais e constitucionais tenham sido observadas.

É o parecer.

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