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A Estruturação do Programa de Capacitação

Profissional de Biossegurança no Contexto do


Projeto de Modernização da Gestão Científica
do Instituto Oswaldo Cruz
Development of a Biosafety Training Program Aligned with
the Scientific Management Modernization Project of the
Oswaldo Cruz Institute

Maria Eveline de Castro Pereira Resumo


Mestre em Ciências. Membro da Comissão Interna de Biossegurança
do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz. O presente artigo apresenta as etapas de estrutu-
Endereço: Av. Brasil, 4365, Pavilhão Gomes de Faria, Sala 210, ração do Programa de Capacitação Profissional
Manguinhos, CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. de Biossegurança (PCPB), em consonância com o
E-mail: maria@ioc.fiocruz.br
Projeto de Modernização da Gestão Científica do
Claudia Jurberg Instituto Oswaldo Cruz (IOC), detalhando o ciclo
Doutora em Educação. Gestão e Difusão em Biociências pela UFRJ. planejamento-desenvolvimento-avaliação, em es-
Jornalista do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz e da Universidade
Federal do Rio de Janeiro/UFRJ.
pecial do Curso de Biossegurança em Laboratório
Endereço: Av. Carlos Chagas, 373, Centro de Ciências da Saúde, de Pesquisa Biomédica. Inicialmente, para o ciclo
bloco H, sala H200, CEP 21941-902, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. diagnóstico foram aplicados questionários aos
E-mail: cjurberg@bioqmed.ufrj.br interlocutores dos laboratórios do IOC, os quais
Maria de Nazaré C. Soeiro revelaram interesse de participação no PCPB para
Doutora em Biologia Celular e Molecular. Pesquisadora do Labora- ambas as categorias profissionais (níveis médio e
tório de Biologia Celular do Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz. superior), indicando como temáticas preferenciais
Endereço: Av. Brasil, 4365, Pavilhão Carlos Chagas, Térreo, Man- biossegurança e boas práticas de laboratório. Na
guinhos, CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
fase de planejamento foi definido que o PCPB seria
E-mail: soeiro@ioc.fiocruz.br
subdivido em dois projetos (Boas Práticas de Labo-
Cíntia M. Borba ratório de Saúde Pública para os profissionais de
Doutora em Biologia Parasitária. Pesquisadora do Laboratório de
nível médio e Curso de Biossegurança para Labora-
Taxonomia, Bioquímica e Bioprospecção de Fungos do Instituto
Oswaldo Cruz/Fiocruz. tórios de Pesquisa Biomédica para profissionais de
Endereço: Av. Brasil, 4365, Pavilhão Leônidas Deane, 6° andar, sala nível superior). A seguir, na fase de estruturação do
608, Manguinhos, CEP 21045-900, Rio de Janeiro, RJ, Brasil. curso, os módulos contemplados incluíram: intro-
E-mail: cborba@ioc.fiocruz.br dutório; riscos químico, físico e biológico; gestão
da qualidade e experimentação animal. Assim, no
período 2006-2008, foram capacitados 315 profis-
sionais e realizadas avaliações segundo o modelo
de David Kirkpatrick. O primeiro nível, chamado
de reação, foi aferido e demonstrou que 54,03% dos
profissionais declararam que o curso foi excelente;
39,59% classificaram como bom e os demais 6,38%
acharam que foi regular ou não opinaram. Para a

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avaliação do aprendizado foram realizados, a cada Abstract
módulo, pré e pós-testes. Foi verificado que todos
os módulos tiveram acréscimos nas médias do pós- In the present paper we report a Biosafety Training
teste em relação ao pré-teste. Os resultados obtidos Program (BTP) developed at Oswaldo Cruz Institute
apontaram estratégias a serem seguidas no aper- (IOC/Fiocruz) aligned with the Scientific Manage-
feiçoamento desse modelo de educação continuada ment Modernization Project of IOC. The program,
em biossegurança. including the “Biosafety Course in Biomedical Re-
Palavras-chave: Biossegurança; Capacitação; Edu- search Laboratory”, was structured according to the
cação profissional; Boas práticas de laboratório planning-development-evaluation cycle. Initially, for
the diagnosis cycle, the IOC laboratories represen-
tatives answered a questionnaire that showed that
both professional categories (middle and higher
levels) were interested in participating in BTP and
mentioned, as preferential themes, biosafety and
good laboratory practices. In the planning phase
it was defined that BTP would be divided into two
projects (Good Laboratory Practices in Public Health
for middle level professionals and Biosafety Course
in Biomedical Research Laboratories for higher
level professionals). During the development pha-
se of the Biosafety Course, the following modules
were chosen: introduction, chemical, physical and
biological risks, quality management and animal
experimentation. Thus, in the period from 2006
to 2008, 315 professionals were trained and the
respective evaluations were performed according
to David Kirkpatrick’s model. The first level of eva-
luation, called reaction, showed that 54.03% of the
professionals said that the course was excellent,
39.59% classified the course as good and 6.38% as
regular or did not express any opinion. For learning
evaluation, pre and post-tests were carried out in
each module. All the modules showed an increase
in the grades of the post-test when compared to
the pre-test. The results pointed to strategies that
should be followed in order to improve this biosafety
continuing education model.
Keywords: Biosafety; Training, Professional Educa-
tion; Good Laboratory Practices.

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Introdução avaliar com maior precisão o nível de contenção que
definirá as ações de biossegurança específicas a
A biossegurança (BS) é mais do que um conjunto serem adotadas em cada instituição. A contenção,
de ações voltadas para prevenir e/ou minimizar os segundo Pereira e colaboradores (2009b), integra
riscos inerentes às áreas consideradas de saúde principalmente três elementos: a prática e a técnica
– biologia, biomedicina, fisioterapia, fonoaudio- laboratorial (boas práticas ou boas condutas), os
logia, medicina, medicina veterinária, nutrição, equipamentos de segurança (coletivo e/ou indivi-
odontologia, psicologia, serviço social e terapia dual) e o projeto de contenção estrutural (a infraes-
ocupacional – pela Resolução 287/98 do Conselho trutura laboratorial).
Nacional de Saúde (Costa e Costa, 2007). A BS ex- É importante destacar a importância do de-
trapola as ações relacionadas à área de saúde, por senvolvimento de expedientes para intensificar
representar um conjunto de princípios, estratégias, a capacidade das pessoas – e, por extensão, das
diretrizes, procedimentos e saberes que contribui instituições – de aprender. Aprender não implica,
para a segurança das pessoas e para a qualidade dos necessariamente, tornar sucata o conhecimento
serviços e produtos oferecidos (Pereira e col., 2009a). anterior, mas, sim, a possibilidade de adicionar o
Adicionalmente, a BS pode estar diretamente rela- “novo” ao “velho” (Amorim, 1999). Nesse sentido,
cionada a inúmeras atividades associadas às novas Fleury e Fleury (2006) ressaltam que a mudança de
tecnologias químicas, radioativas e geneticamente padrões, quando gradual, acontece de forma menos
engenheiradas (Porto e Freitas, 1997), áreas bio- traumática, gerando menos ansiedade. Os novos
tecnológicas (Marinho e col., 2000) e mesmo áreas valores, segundo os autores, são incorporados aos
agropecuárias (Barros e Silva, 2005). já existentes, ampliando o leque de alternativas para
Portanto, percebe-se que, na atualidade, a biosse- a solução de problemas.
gurança é uma temática muito debatida pela socie- Depresbiteris (2004) chama a atenção para o fato
dade, não só por sua natureza prática, uma vez que de que é insuficiente uma formação meramente em-
objetiva a preservação da saúde dos profissionais, pírica, de aprender fazendo, sem saber o “para que” e
da coletividade e do ambiente, mas também pela o “por que”. O significado de “por que” fazemos uma
questão ética, tendo em vista que, em tempos de coisa é elemento fundamental para o nosso melhor
globalização, qualquer descuido ocorrido localmente desempenho. É igualmente importante a avaliação
pode se tornar uma ameaça generalizada, podendo constante da adesão às normas de biossegurança,
chegar, inclusive, a países distantes (Labarthe e bem como aperfeiçoamento e adaptações para
Pereira, 2008). atender às necessidades circunstanciais (Gir e col.,
Quando se pretende implantar uma gestão de 2004). Um exemplo desse dinamismo ocorreu em
biossegurança não se deve perder de vista que o 2003, durante a epidemia da Síndrome Respiratória
sucesso depende, em última instância, da apren- Aguda Grave (do inglês Severe Acute Respiratory
dizagem de novas condutas, e que a velocidade e a Syndrome – SARS). A Fundação Oswaldo Cruz (Fio-
qualidade nas quais se processará o aprendizado cruz) estabeleceu uma série de procedimentos visan-
podem ser determinantes até mesmo para a sobrevi- do desde o recebimento de amostras, até a realização
vência de uma instituição. Segundo Amorim (1999), de diagnósticos laboratoriais e atendimento clínico
não é fácil alterar práticas de trabalhos arraigadas. (Funasa, 2003).
Por outro lado, Mastroeni (2008) questiona a difi- Corroborando com esse pensamento, Mastroeni
culdade da prática da biossegurança, destacando (2008) afirma que a educação é seguramente o único
que a resposta pode estar condicionada a diversas meio de modificarmos a cultura do fazer “fácil” ao
categorias, como idade, cultura, responsabilidade e invés de correto. Não basta construir laboratórios
educação. Além disso, através de um levantamento com equipamentos de última geração, sem investir
detalhado dos agentes químicos, físicos e biológicos em educação. Costa e colaboradores (2008) alertam
manipulados, das rotinas desenvolvidas, da tecno- que educação em biossegurança no Brasil, apesar
logia e infraestrutura disponíveis, torna-se possível de sua importância estratégica e social, ainda não

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está inserida nas diretrizes curriculares, nem no em Biossegurança (PCPB) no IOC, em especial do
ensino público nem no privado. Sabe-se que a de- Curso de Biossegurança em Laboratório de Pesquisa
ficiência na formação profissional, em função do Biomédica, apresentando os resultados parciais do
descompasso entre o ensino nas universidades e a período 2006 a 2008, referentes aos dois primeiros
prática, principalmente nas instituições de saúde, níveis de avaliação – reação e aprendizado –, segun-
é um importante obstáculo no processo educativo. do o modelo de David Kirkpatrick (Kirkpatrick e
Por isso, é fundamental um programa de capacitação Kirkpatrick, 2006).
continuada no sentido de promover ações efetivas
de proteção, privilegiando a biossegurança respal-
dada pelo senso de responsabilidade como atributo
Metodologia
individual e não como uma prática imposta (Gir e Ao ser estruturado, o Programa de Capacitação
col., 2004). Profissional em Biossegurança (PCPB) do Instituto
Com o intuito de formar profissionais capazes Oswaldo Cruz (IOC) procurou aperfeiçoar o conteúdo
de refletir criticamente sobre a realidade organi- com aprendizado. Nesse sentido, buscou atender as
zacional, a Comissão Interna de Biossegurança do premissas diagnosticadas como itens fundamentais
Instituto Oswaldo Cruz (CIBio/IOC), da Fundação de Costa e Costa que afirmam:
Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, imple- O processo educacional deve refletir a cumpli-
mentou em 2006 o “Programa de Capacitação Pro- cidade entre professores, alunos e direção da
fissional em Biossegurança” (PCPB) em consonância instituição, visando a um “currículo motivador”,
com o Projeto de Modernização da Gestão Científica onde os elementos significativos, como conteú-
do Instituto Oswaldo Cruz, que apresenta como um dos, interações, contemporaneidade temática,
dos principais objetivos o fortalecimento dos labora- entre outros, estejam devidamente contemplados
tórios, com gestão de projetos em redes temáticas e (Costa e Costa, 2004, p. 49).
programas integrados, preservando a diversidade da
pesquisa e serviços institucionais, com produção de A figura 1 mostra um diagrama representativo
conhecimento mensurável de acordo com os padrões dos ciclos básicos do planejamento do Programa
internacionais, valorizando as parcerias público- de Capacitação Profissional em Biossegurança
privadas e assegurando disponibilização, integração (PCPB). No primeiro ciclo, diagnóstico, foram rea-
e divulgação do conhecimento (IOC, 2007). lizadas duas pesquisas quantitativas através dos
A compreensão do problema e as discussões sobre interlocutores de biossegurança (representantes
alternativas de ação, através do consenso, são os dos 69 laboratórios de pesquisa do IOC). A primeira
verdadeiros desafios de um Programa de Capacitação pesquisa teve como objetivo definir a real deman-
Profissional em Biossegurança (PCPB), pois práticas da, o interesse dos profissionais em participar do
de trabalho enraizadas por anos de história não se programa de capacitação e os macrotemas a serem
deixam transformar rapidamente. O aprendizado abordados durante a capacitação, sendo informado o
depende da capacidade de respostas eficazes às número de profissionais (de nível médio e superior)
transformações do meio (adaptabilidade). Por isso, é interessados em participar de cursos voltados para
necessário contemplar ações voltadas para a qualida- segurança laboratorial. A seguir, a segunda etapa
de e eficácia da comunicação, além de investimentos visou coletar informações que subsidiassem o pla-
em recursos organizacionais (seja na infraestrutura nejamento do conteúdo a ser abordado.
básica dos laboratórios ou na aquisição de equipa- No segundo ciclo do planejamento, a partir dos
mentos de proteção individual e coletiva). dados coletados durante o diagnóstico, foi definido
e implantado o PCPB, quais os profissionais que o
programa atenderia e como seria a sua programação
Objetivo (conteúdo, carga horária, professores, material ins-
Este artigo objetiva descrever a experiência de im- trucional, entre outros itens), desde a sua estrutura
plantação do Programa de Capacitação Profissional até a sua avaliação.

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Figura 1 - Diagrama representativo dos ciclos básicos do planejamento do Programa de Capacitação Profissional
em Biossegurança do IOC

Para o ciclo de avaliação do Curso de Biossegu- Para a avaliação do aprendizado, foram aplica-
rança para Laboratórios de Pesquisa Biomédica do dos pré e pós-testes, no primeiro e no último dia de
Instituto Oswaldo Cruz, foi utilizado o modelo de cada módulo, respectivamente, e as respostas foram
análise de David Kirkpatrick (Evaluating Training computadas pelo coordenador e sua equipe, que
Program, 1998), que se fundamenta em quatro ní- verificaram o número de acertos de cada questão,
veis: (i) reação, realizada através de formulários, procurando estabelecer, assim, o conhecimento pré-
que mede as impressões dos participantes; (ii) vio da turma. Essas informações foram repassadas
aprendizado, estruturada através de testes, exames, aos professores que puderam ajustar os conteúdos
simulações e seminários, que visa verificar se os de suas aulas, revendo a abordagem programada, de
participantes melhoraram ou ampliaram seus co- forma que o material de ensino fosse potencialmente
nhecimentos; (iii) comportamento, ou seja, a trans- significativo (Moreira, 1998).
ferência dos novos conhecimentos e habilidades
para o comportamento no trabalho; (iv) resultados,
que pretendem determinar o impacto institucional
Resultados e Discussão
(referendado por Bastos, 1994; Eboli, 2004). Neste No ciclo do diagnóstico realizado, com participação
artigo, foram avaliados os níveis reação e aprendi- dos interlocutores, foram recebidos 36 questionários
zado, os quais discutiremos a seguir. As análises (52% do total de interlocutores), que apontaram
dos níveis comportamento e resultados estão em cinco macrotemas e revelaram o grande interesse
desenvolvimento dentro do escopo da pesquisa. de ambas as categorias profissionais (níveis médio
Para a avaliação da reação, ao final de cada mó- e superior) em fazer parte do PCPB. As temáticas
dulo, formulários foram aplicados para que o pro- preferenciais são apresentadas na tabela 1, sendo
fissional avaliasse o curso, no sentido de mensurar biossegurança e boas práticas de laboratório as
a satisfação dos participantes (com relação ao con- mais requisitadas, totalizando o interesse de 177 e
teúdo, metodologia, instalações, material didático 209 profissionais, respectivamente.
distribuído, entre outros). Para tanto, foi montado Para Bastos (1994), na fase de diagnóstico é pos-
um questionário com questões fechadas, em que o sível definir com clareza o problema a ser tratado, a
profissional pôde opinar sobre o conteúdo, a postura necessidade a ser satisfeita, o objetivo a ser atingido
dos professores, as instalações, a carga horária, a por meio da capacitação. Essa fase evita o “treinar
qualidade do material didático fornecido (livro e por treinar”. O diagnóstico, também chamado de
apostilas) pontuando: 1 (Ruim); 2 (Regular); 3 (Bom) e avaliação de contexto (Depresbiteris, 2004), não se
4 (Excelente). O profissional pôde, ainda, apresentar trata de uma tarefa isolada e formal, mas permite
suas críticas e sugestões em texto livre. identificar o perfil dos participantes do programa,

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as competências que se pretende desenvolver. comprometimento da alta administração (diretoria
A segunda pesquisa foi realizada visando gerar e chefias de laboratório), não só viabilizando finan-
subsídios para o planejamento do conteúdo progra- ceiramente o programa de capacitação, mas atuando
mático a ser abordado, de forma que pudesse ser sig- como agentes formadores e disseminadores na con-
nificativo, atualizado, e que estivesse alinhado aos solidação e transformação da cultura institucional.
objetivos institucionais, respeitando as limitações Nesse caso de biossegurança, como o alicerce para
de tempo e recursos disponíveis. Dessa forma, em a construção do ideal organizacional almejado e
cada temática, os interlocutores puderam opinar se o proposto por Eboli (2004).
conteúdo era: 1 – importante e indispensável; 2 – não • Seleção de livros didáticos a serem distribuídos ao
aplicável às atividades do laboratório; 3 – revisão longo do curso para compor um acervo técnico no
completa, necessário ser enfatizado; 4 – excessivo, laboratório à disposição para consulta dos pesqui-
necessário reduzir. Para exemplificar, apresenta- sadores, técnicos e alunos.
mos, na tabela 2, parte do conteúdo programático
• Curso presencial, voltado para o público interno,
da macrotemática “Boas Práticas de Laboratório”,
abrangendo todos os níveis hierárquicos (gerentes,
criteriosamente avaliado pelos interlocutores.
pesquisadores, técnicos e alunos), realizado durante
Considerando os dados coletados, na fase de pla-
o horário de trabalho (meio período).
nejamento foi definido que o PCPB seria subdivido
em dois projetos, e esses seriam desenvolvidos con- • Avaliação de resultado (descaracterizada da função
comitantemente. O primeiro projeto esteve voltado seletiva, eliminatória e classificatória), no sentido
para os profissionais de nível médio em parceria de verificar se os objetivos educacionais foram
com a Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venân- atendidos. Além de possibilitar que em cada ciclo
cio (EPSJV) da Fiocruz, que oferece o curso Boas – planejamento-desenvolvimento-avaliação – fossem
Práticas de Laboratório de Saúde Pública (180 h/a). identificadas oportunidades de melhorias e ajustes
O segundo projeto deu origem ao Curso de Biosse- que pudessem garantir a qualidade do programa e
gurança para Laboratórios de Pesquisa Biomédica, sua consequente longevidade.
destinado aos profissionais de nível superior, o Em seguida, foi possível estruturar o Curso de
qual foi programado levando em consideração os Biossegurança em Laboratórios de Pesquisa Bio-
seguintes aspectos: médica, contemplando os módulos: introdutório
• Estrutura modular realizada ao longo do ano, com (pré-requisito para os demais); riscos químico, físico
intervalo entre um módulo e outro, para que os e biológico; gestão da qualidade e experimentação
participantes pudessem interagir e aplicar o que animal. Também foram definidas as lideranças
aprendessem no dia a dia no laboratório. educadoras, pelos critérios descritos acima, e os
livros didáticos de acordo com o tema do módulo.
• Aulas com fortes conteúdos conceituais e normati-
Em função do quantitativo de inscritos (nas turmas
vos, exposição de vivência e experiência dos profes-
de 2006/2007/2008 foram capacitados 315 profis-
sores, estudo de casos e apresentação de seminários.
sionais que atuavam em laboratórios de pesquisa
Nessa situação, seria estimulada a participação dos
do IOC, sendo 32,70% servidores), as aulas foram
profissionais que relatariam situações-problema
ministradas num auditório, contando com modernos
identificadas nos seus laboratórios, tornando as
recursos audiovisuais.
aulas dinâmicas.
Ao término de cada módulo, segundo Kirkpatrick
• A seleção e a identificação de competências ins- e Kirkpatrick (2006), foram realizadas as avaliações
titucionais para ministrar as aulas, levando em visando aferir a reação (o aluno avaliando o curso),
consideração não só o currículo pessoal de cada no sentido de mensurar a satisfação dos partici-
professor, mas também o conhecimento e a prática pantes (com relação ao conteúdo, metodologia,
nos assuntos a serem abordados. Os professores instalações, material didático distribuído, entre
externos seriam orientados sobre o foco, os objetivos outros). No período 2006 a 2008, 54,03% dos profis-
e a estratégia do curso. sionais declararam que o curso foi excelente; 39,59%
• Lideranças educadoras, com o envolvimento e classificaram o curso como bom e os demais 6,38%

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acharam que o curso foi regular ou não opinaram. que vivenciam em sua vida. Assim, entendemos que
Levando em consideração as propostas de melho- quanto maior a discussão dos temas e negociação
rias apresentadas pelos profissionais e de forma a dos significados (Lemos, 2006), maior será a possi-
tornar as aulas mais dinâmicas, a coordenação do bilidade de ocorrência da aprendizagem.
PCPB tem procurado desenvolver material didáti- Através dessa avaliação, que não se trata de uma
co específico para o curso, como o jogo de mímica avaliação autoritária, classificatória e seletiva, que
“Biossegurança Divertida”, onde são reforçadas as exige um controle e enquadramento dos indivíduos
condutas laboratoriais, caça-palavras e palavras (Luckesi, 2006), uma vez que a certificação é dada
cruzadas. em função da frequência (75%), o profissional tem
Na avaliação do aprendizado (o curso avaliando maior clareza sobre sua aprendizagem, tem autono-
o aluno) foram realizados, a cada módulo, pré e pós- mia para decidir o que estudar, podendo até mesmo
testes, cujos resultados de 2006-2008 encontram-se participar novamente do módulo no ano seguinte,
detalhados na tabela 3. caso não obtenha bons resultados, para rever os
No período 2006-2008, todos os módulos tiveram conceitos, aprofundar seus conhecimentos e dirimir
acréscimos nas médias do pós-teste em relação ao dúvidas. Essa avaliação objetiva, como citado por
pré-teste, sendo os destaques o módulo físico em Ausubel (um dos principais autores da Teoria da
2006 (31,03%) e o módulo introdutório em 2007 e Aprendizagem Significativa), promover a aprendi-
2008 (32,63%; 23,80%, respectivamente). Interes- zagem em sala de aula, verificando os conceitos que
sante ressaltar que o Instituto Oswaldo Cruz atua o aprendiz já conhece antes da efetivação do ensino,
nas áreas de pesquisa, desenvolvimento tecnológico além de acompanhar e aperfeiçoar a evolução da
e inovação e na prestação de serviços de referência aprendizagem e verificar se os objetivos foram al-
para diagnóstico de doenças infecciosas e genéticas cançados, assim como se as estratégias utilizadas
e controle de vetores. Assim, os conceitos e princí- foram as mais eficazes e apropriadas (Lemos, 2006).
pios de contenção relativos aos riscos biológicos e Além disso, ela também permeia todo o processo de
químicos, bem como para as atividades vinculadas conhecimento, subsidiando as decisões dos docen-
à experimentação animal, foram significativamente tes, seja na questão do planejamento, continuidade,
apreendidos, apresentando médias nos pré-testes su- ou mesmo reestruturação do conteúdo, recursos e
periores a 72, com pequeno percentual de acréscimo estratégias adotadas (Lemos, 2006).
com relação às médias dos pós-testes, o que compro- É comum o caso de profissionais que avaliam
va a familiaridade dos conteúdos de alguns módulos muito positivamente o curso (reação), que demons-
pelos profissionais. Já no módulo de risco físico – que traram que aprenderam (aprendizado), mas não
contempla as questões relacionadas ao ruído, radia- alteraram seu comportamento na situação do tra-
ção, vibração, pressão, temperatura e iluminação –, balho. Por isso, as avaliações dos níveis comporta-
foram observadas as menores médias nos pré e pós- mento e resultados são tão importantes, e estão em
testes, o que evidencia como essa temática deve ser andamento para a sua efetiva implementação pela
mais explorada, exigindo investimento em palestras coordenação do PCPB.
e seminários que complementariam a capacitação Entretanto, de modo indireto, podemos observar
profissional. Acreditamos que esses resultados uma mudança no comportamento do profissional
estejam relacionados com as avaliações da reação apontando algumas situações interessantes, como
dos alunos, no tocante ao critério “pertinência ou o aumento (i) no consumo (21,46% nos últimos seis
não dos temas abordados”. Lacerda e Abbad (2003) meses) de equipamentos de proteção individual,
chamam a atenção que a “percepção de utilidade” do como jalecos descartáveis, luvas de procedimento,
curso influencia as avaliações de reação (afetivo) e luvas nitrílicas e máscaras; (ii) no pedido de creden-
aprendizagem (cognitivo). Segundo Lindeman (1926, ciamento, em relação à biossegurança, dos laborató-
apud Knowles e col., 2009), os adultos são motivados rios do IOC visando à manipulação de organismos
a aprender conforme percebem que a aprendizagem geneticamente modificados, em consonância com a
os ajudará a executar tarefas ou lidar com problemas Lei 11.105/05 (iii) na rapidez com que as vagas ofe-

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recidas nos cursos foram preenchidas. Em 2008, as proposta sugerida por Kirkpatrick, os resultados
110 vagas oferecidas esgotaram em menos de uma encontrados nos apontaram estratégias a serem
hora (Soeiro e Pereira, 2009). seguidas no aperfeiçoamento desse modelo de edu-
cação continuada em biossegurança.
Considerações Finais
Atualmente, vive-se a transição da sociedade mo-
Referências
derna para a sociedade do conhecimento, onde as AMORIN, M. C. S. Comunicação planejada,
mudanças são extremamente velozes e exigem uma recursos fundamental para a eficácia da gestão
constante atualização. No Brasil, algumas empresas organizacional. Caderno de Pesquisa em
evoluíram e cresceram com base em programas de Administração da USP, São Paulo, v. 1, n. 9, p.98-
capacitação bem concebidos e estruturados, sendo 108, 1999. Disponível em: < http://www.ead.fea.
um grande desafio a criação de indicadores eficazes usp.br/cad-pesq/arquivos/c9-Art8.pdf >. Acesso
de mensuração dos resultados obtidos com os inves- em: 12 maio 2010.
timentos realizados (Eboli, 2004). BARROS JR, B. L.; SILVA, A. S. Biossegurança e
O Projeto de Modernização da Gestão Científica qualidade de vida em atividades agropecuárias de
do Instituto Oswaldo Cruz foi estruturado exatamen- produção e ensino. Cadernos Temáticos, Brasília,
te para atender essa premissa, que é uma necessida- DF, n. 6, p. 38-43, 2005.
de natural das organizações de Ciência, Tecnologia
e Inovação (CT&I) no atual cenário de competição BASTOS, O. P. M. Diagnóstico e avaliação de T&D:
crescente, que buscam assegurar a disponibilização, processo de T&D. In. BOOG, G. G. (Org.). Manual de
integração e divulgação do conhecimento, utilizan- treinamento e desenvolvimento ABTD. São Paulo:
do como estratégia, principalmente, a capacitação Makron Books, 1994. p. 137-163.
(IOC, 2007). COSTA, M. A. F. et al. Biossegurança no ensino
O PCPB do IOC visa gerar mudanças de compor- médio: uma discussão preliminar sobre conteúdos
tamento (transmissão de conhecimentos, desen- em livros didáticos de ciências e práticas
volvimento de habilidades, alteração de atitudes), docentes. In: SEMINÁRIO NACIONAL DE
buscando uma nova postura de trabalho. O profis- EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA,
sional deve ser responsável não só por sua própria 1., 2008, Belo Horizonte. Disponível em: <http://
segurança, mas também pela do seu colega e do www.senept.cefetmg.br/galerias/Arquivos_senept/
ambiente. É fundamental que ele perceba que faz anais/terca_tema1/TerxaTema1Artigo3.pdf>.
parte de uma rede de relacionamento, em que os elos Acesso em: 12 maio 2010.
são sempre mais fortes quando em conjunto. Para COSTA, M. A. F.; COSTA, M. F. B. A biossegurança
tanto, o programa de capacitação deve espelhar a na formação profissional em saúde: ampliando o
real necessidade de seus participantes. debate. In: PEREIRA, I. B.; RIBEIRO, C. G. (Org.).
Dessa forma, torna-se indispensável o levanta- Estudos de politecnia e saúde. Rio de Janeiro:
mento de necessidades, a definição de objetivos, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio,
planejamento, implantação e, por último, a avaliação 2007. p. 253-272.
de resultados; uma vez que o monitoramento permite
obter informações para aperfeiçoar e comprovar a COSTA, M. A. F.; COSTA, M. F. B. Educação
relação custo-benefício vantajosa para a instituição. e competências em biossegurança. Revista
O modelo de Kirkpatrick (Kirkpatrick e Kirkpatrick, Brasileira de Educação Médica, Rio de Janeiro, v.
2006), adotado neste estudo, mostrou-se extrema- 38, n. 1, p. 46-50, 2004.
mente eficaz por possibilitar diferentes tipos de DEPRESBITERIS, L. Instrumentos y técnicas
avaliação, sendo imprescindíveis para uma visão de evaluación de impactos y aprendizaje en
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