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Reumo: A despeito das profundas mudanças que atingem diretamente os papéis do Estado
no desenvolvimento econômico, social e político das nações, este segue determinando “a
estrutura em que ocorre a atividade pública e privada” (Hall, 2001), ou seja, a centralidade do
Estado na reprodução social permanece inquestionável, incluindo-se seu protagonismo na
promoção da atividade econômica do turismo. Partindo desse pressuposto, definimos como
objetivo deste artigo analisar políticas públicas federais de turismo implementadas, no Brasil,
no período compreendido entre 1990 e 2010, considerando os objetivos centrais das mesmas,
anunciados em documentos oficiais. Entre os resultados, nos deparamos, primeiramente, com
uma frágil convergência entre os objetivos norteadores das políticas analisadas. Além disso,
tais objetivos privilegiam aspectos econômicos e a implementação de infraestruturas,
evidenciando a promoção de processos de desvalorização do capital, promovidos pelo Estado,
que, em termos de desenvolvimento regional, realizam-se numa relação dialética com o
desenvolvimento geográfico desigual brasileiro.
3É nesse contexto histórico que surgem as primeiras iniciativas do Estado brasileiro no sentido
de organizar o setor de turismo, as quais remontam à década de 30 do século XX, durante a
chamada “era Vargas”. Nesta fase, as ações do Estado dirigidas ao setor turismo voltavam-se
à escala nacional.
4Um marco regulatório decisivo nesse processo foi o Decreto-Lei n. 55, de 1966, que criou o
Sistema Nacional de Turismo, envolvendo o Ministério das Relações Exteriores, e a EMBRATUR
(então Empresa Brasileira de Turismo) e o CNTur (Conselho Nacional de Turismo, extinto pelo
governo Collor de Mello), ambos instituídos pelo referido diploma legal.
▪ 1 Entre esses fatores, destacamos: os progressos técnicos e científicos, que tornaram a circulação de (...)
7No referido momento histórico, o turismo torna-se parte constitutiva das estratégias do
desenvolvimento regional de forma periférica em relação ao lugar ocupado pelo fomento à
industrialização e à modernização da agricultura. Somente mais tarde, na década de 1990, o
turismo aparece enquanto política específica voltada ao desenvolvimento regional, do que
decorre nossa escolha pela análise dos objetivos gerais das políticas de turismo concebidas
entre 1990 e 2010.
9Foi nesse contexto que emergiram políticas como o Programa de Ação para o
desenvolvimento do turismo no Nordeste – Prodetur-NE (1991), Programa Nacional de
Municipalização do Turismo (1994), Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo
(1994), Política Nacional de Turismo (1996-1999), PROECOTUR (1999), Programa de
Regionalização do Turismo (2004), Planos Nacionais de Turismo (2003-2007 e 2007-2010); e,
mais recentemente, os PNT 2013-2016 e 2018-2022), além do Documento Referencial Turismo
no Brasil (2011-2014).
Os lugares de lazeres, assim como as cidades novas são dissociados da produção, a ponto dos
espaços de lazeres parecerem independentes do trabalho e “livres”. Mas eles encontram-se
ligados aos setores do trabalho no consumo organizado, no consumo dominado. [...] São
precisamente lugares nos quais se reproduzem as relações de produção, o que não exclui, mas
inclui, a reprodução pura e simples da força de trabalho (Lefebvre, 2008: p. 50).
12Para Carlos (1999, 178-179) “o espaço produzido serve cada vez mais à necessidade da
acumulação” e o “turismo representa a conquista de uma importante parcela do espaço que
se transforma em mercadoria (e que entra no circuito da troca)...”.
13Por outro lado, a análise dos objetivos dessas políticas revela aspectos interessantes do
universo de políticas de turismo emanadas do governo federal pós anos 1990. O primeiro deles
é a pequena convergência entre as políticas em si, considerando o fato de que, em um conjunto
de mais de cinco dezenas de objetivos listados, apenas dois deles destacam-se por estarem
presentes em pelo menos 50% das políticas analisadas, denotando sua importância para o
setor. Esses objetivos dizem respeito à indução de investimentos em infraestrutura ou à sua
ampliação/melhoria e à geração de emprego e renda. Outros objetivos que revelam alguma
convergência entre essas políticas dizem respeito ao aumento da permanência ou dos gastos
dos turistas e à melhoria da inserção do Brasil no mercado mundial.
14Alem disso, ressalte-se, ainda, que entre as onze políticas federais voltadas ao
desenvolvimento do turismo no país no período, apenas duas delas têm um recorte regional e
se dirigem às duas regiões “clássicas” do planejamento regional brasileiro, quais sejam,
Amazônia Legal e Nordeste, replicando, portanto, em certa medida, pressupostos do
planejamento regional praticado desde a passagem da década de 1950 para 1960, em que
essas regiões aparecem como prioritárias. Vale lembrar que, não obstante o planejamento
regional brasileiro ter priorizado essas regiões, as mesmas abrigam, até os dias de hoje, alguns
dos piores indicadores socioeconômicos do país, tal como apontam Arretche (2015) e
Pochmann, Guerra e Silva (2014). Segundo Arrecth:
...dois fenômenos coexistem na trajetória da distribuição espacial dos pobres no Brasil de 1970 a
2010. A pobreza foi expressivamente reduzida, porque caiu sistematicamente o porcentual de
pobres em todas as regiões. Entretanto, de um ponto de partida caracterizado pela baixa
desigualdade territorial na pobreza em 1970, chega-se em 2010 a uma situação de alta
desigualdade territorial: as mais altas taxas de pobreza estão concentradas na região Nordeste e
em parte das regiões Norte e Sudeste (2015: 202-4).
15Aspecto digno de nota diz respeito à natureza dos objetivos dessas políticas. Parte
significativa deles situa-se no que chamaremos de dimensões econômica (como aumentar o
turismo receptivo e a permanência e gasto do turista; gerar divisas; melhorar a inserção do
Brasil no mercado mundial, entre outros) e de gestão (como descentralizar a gestão; estimular
a relação entre Estado e iniciativa privada; consolidar a gestão turística; promover a
articulação institucional e inter-setorial, entre outros).
16A dimensão cultural é aquela menos lembrada por essas políticas, ressaltando-se o fato de
que as palavras cultura ou cultural sequer aparecem entre seus objetivos, contrariando,
consequentemente, um discurso oficial corrente de valorização da cultura brasileira pelo
turismo.
17No que tange à dimensão social propriamente dita, esta aparece, sobretudo, na geração de
empregos e de renda, na promoção da “qualidade de vida” e numa restrita preocupação em
“estimular o envolvimento das comunidades locais” e “potencializar os benefícios da atividade
para as populações locais”.
18Por fim, no que consideramos como dimensão territorial propriamente dita, destaca-se a
preocupação com o provimento ou a melhoria da infraestrutura, buscando “dar qualidade ao
produto turístico” assim como “diversificar a oferta”. Além disso, aparece, também, uma
preocupação com a proteção do meio ambiente.
20A incorporação de um discurso de proteção ambiental por parte das políticas de turismo
desse período, também a título de exemplo, é um resultado direto da consolidação do
paradigma ambiental e das pressões internacionais pela preservação/conservação da natureza
em todos os setores de atividade e as “Diretrizes para uma Política Nacional de Ecoturismo”
(1994) e o Programa para o Desenvolvimento do Ecoturismo na Amazônia – PROECOTUR
(1999) são claras expressões desse momento histórico.
21Para além da retórica contida nos objetivos dessas políticas de turismo, interessa-nos,
entretanto, saber de sua efetividade no que diz respeito à produção do espaço brasileiro pelo
e para o turismo, tema sobre o qual nos debruçamos no tópico a seguir.
23Iniciamos este percurso analítico abordando uma questão que compreendemos ser um pano
de fundo sobre o qual se gestam possíveis desconexões entre o que os objetivos das políticas
públicas anunciam e aquilo que, efetivamente, é concretizado no espaço. Trata-se de um olhar
sobre o ciclo das políticas e a terceirização destas.
24Conforme apontado por Todesco (2013, 104-5), o “modelo do ciclo”, envolvendo definição
de problemas, estabelecimento da agenda política, elaboração da política, decisão,
implementação, avaliação e eventual correção constitui um dos paradigmas da Ciência Política.
Ressalta a autora, também, que pesquisas de avaliação de políticas se desenvolveram no Brasil
a partir dos anos 1980, sendo rara, ainda, a fase de correção da ação (2013, 113).
▪ 2 RODRIGUES, Marta M. Assumpção. “Políticas Públicas”. São Paulo: Publifolha, 2010; SARAVIA, Enriq (...)
25Embora o modelo do ciclo da política pública seja diversamente tratado por diferentes
autores, a fase de avaliação parece ser um consenso entre eles, como encontramos em
Macêdo, ao expor, em sua tese de doutorado os ciclos de Heidemann (2014), Rodrigues (2010)
e Saravia (2006)2.
26Ao tratarmos das políticas públicas de turismo nos deparamos com a quase completa
ausência de avaliação das mesmas, sendo uma exceção o Prodetur-NE, avaliado após sua Fase
I, por meio de Relatórios elaborados pelo Banco do Nordeste e encaminhados ao BID,
instituição que financiou parcialmente o Programa.
27Uma busca refinada no sitio do Ministério do Turismo, por sua vez, faz-nos crer que o órgão
máximo responsável pelo desenvolvimento do turismo no país tem restrito o ciclo da política
às primeiras fases até a implementação e abortado, consequentemente, as fases de avaliação
e possível correção de problemas.
28Naturalmente, isto, por si só, já nos diz muito sobre a relação entre políticas de turismo e
produção do espaço, sobretudo em se considerando a baixa tradição no Brasil no que tange à
própria formulação de políticas públicas de turismo. O período analisado é o mais pujante em
termos da formulação dessas políticas para o setor em toda a história, mas cada uma delas
parece ter uma existência autônoma, ou seja, cada qual como um fim em si mesmo; isto,
diga-se, a despeito de a partir de 1996 a Política Nacional de Turismo 1996-1999, o documento
Avança Brasil 1999-2002, o Plano Nacional de Turismo 2003-2007 e o Plano Nacional de
Turismo 2007-2010 serem documentos integradores do desenvolvimento no setor.
32Entretanto, de acordo com o ‘Mapa do Turismo Brasileiro’, 740 municípios concentram 93%
do fluxo do turismo doméstico e 100% do fluxo do turismo internacional. Mais que isso, cerca
de 80% desses municípios está distribuído por estados litorâneos e Minas Gerais, todos
localizados na porção mais oriental do território, aquela que também concentra pessoas,
riqueza, renda e infraestruturas. Ressalte-se o fato de que o referido mapa identifica 328
regiões turísticas envolvendo 3285 municípios3.
33Uma análise centrada no turismo de massa e na forma como o mesmo usa e se apropria do
espaço brasileiro reforça o que os números acima já estão indicando, ou seja, uma geografia
reveladora de processos de concentração e centralização do capital, dos quais o turismo é
também um tributário.
34A forte concentração espacial do turismo de massa na porção oriental do Brasil (formada
por estados litorâneos, do Pará ao Rio Grande do Sul e excetuando-se o Amapá),
simultaneamente causa e consequência desses processos, é o exemplo mais didático do que
afirmamos acima, o que está denotado nas Figuras 1, 2, 3 e 4 e que interpretamos como
resultado direto do desenvolvimento geográfico desigual no Brasil.
35Como se pode ver nas Figuras a seguir, serviços diretamente relacionados ao setor turismo,
como hospedagem, assim como a geografia produzida pelas Operadoras de turismo
concentram-se, juntamente com os empregos no setor, no que temos chamado de “porção
oriental” do território nacional, com nítida vantagem para estados das regiões Sudeste e Sul.
Considerações finais
39Embora o discurso corrente no Brasil atribua ao turismo papel relevante na produção de
desenvolvimento regional, análises empreendidas por pesquisadores como Arretche (2015) e
Guerra, Pochmann e Silva (2014), entre outros, dão conta de que o desenvolvimento regional
resulta de um complexo feixe de fatores os quais escapam ao domínio de uma política setorial.
40Além disso, há que se ressaltar que o turismo de massa apresenta uma forte dependência
em relação a economias externas, destacando-se infraestruturas de circulação e urbanas, o
que, no caso brasileiro, tem, em grande medida, condicionado as geografias desenhadas pela
atividade no território nacional. Sem que as políticas de turismo possam superar as ausências
herdadas de outras políticas setoriais, impo-se sua concentração na porção oriental do
território nacional.
41Como se pode inferir por meio das Figuras 1,2, 3 e 4, a desigualdade regional, tão marcante
no território brasileiro, tem sido, na prática, reforçada pelo turismo dada sua “preferência”
pelas porções do território melhor dotadas das externalidades demandadas pela atividade.
▪ 4 Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/150317_estimativas_ocupacao-2015.pdf.
▪ 5 Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/150317_estimativas_ocupacao-2015.pdf.
43No que tange à geração de emprego e renda, por exemplo, dados do Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada-PEA para 2013 dão conta de que considerando a ocupação formal e
informal, o setor turismo representa apenas 2,2% da ocupação da economia como um todo
no país, sendo 2,5% se considerados os empregos formais e 1,9% se considerados também
os postos de trabalho na informalidade4. A título de comparação, podemos trazer o exemplo
de Portugal, onde, segundo dados de 2017, a população empregada em setores como
“Alojamento, Restauração e Similares” correspondeu a 6,8% do total da economia5. Além
disso, como indicado anteriormente, os empregos no setor concentram-se, majoritariamente,
em estados das regiões brasileiras economicamente mais dinâmicas.
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Silva, Simone Affonso da. O planejamento regional brasileiro pós-CF 1988: instituições,
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Notes
1 Entre esses fatores, destacamos: os progressos técnicos e científicos, que tornaram a circulação
de mercadorias e pessoas mais segura, rápida e confortável; a valorização cultural das viagens
como experiências de lazer e sociabilidade (Boyer, 2003); a constituição de uma sociedade de
consumo (Baudrillard, 1970) e do espetáculo (Debord, 1997); e o papel assumido pels atividades
ditas improdutivas, como comércio e serviços, no processo histórico de desenvolvimento do
capitalismo em escala mundial (Kon, 2015).
2 RODRIGUES, Marta M. Assumpção. “Políticas Públicas”. São Paulo: Publifolha, 2010; SARAVIA,
Enrique. Introdução à Teoria da Política Pública. In: SARAVIA, Enrique; FERRAREZI, Elisabete
(Orgs.). Políticas Públicas; coletânea Volume 1. Brasilia: ENAP, 2006. p. 21–42.
4 Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/150317_estimativas_ocupacao-
2015.pdf.
5 Fonte: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/150317_estimativas_ocupacao-
2015.pdf.
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