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Lucas Bevilacqua
Doutorando em Direito Econômico, Financeiro e Tributário (USP) com formação complementar
em Comércio Internacional pela Mission of Brazil to the World Trade Organization (WTO) in
Geneva. Procurador do Estado de Goiás em Brasília (PGE/GO).
Resumo: O presente trabalho tem por propósito analisar o regime jurídico e a eficácia dos fundos consti-
tucionais de financiamento como instrumentos financeiros da política nacional de desenvolvimento regional
(PNDR). Para tanto, é essencial compreender o arranjo federativo das políticas públicas de desenvolvimento
econômico e social através da análise das competências legislativas, materiais e tributárias de cada
um dos entes federativos, bem como os modos de repartição de receitas. Entre as ferramentas de
desenvolvimento regional, os Fundos Constitucionais de Financiamento das regiões Norte (FNO), Nordeste
(FNE) e Centro-Oeste (FCO) frustraram as expectativas iniciais do constituinte de 1988 de promoção do
desenvolvimento regional. A partir da constatação da manutenção da concentração de renda, aliada à
necessidade de uma nova política regional, foi concebido o Consórcio Interestadual de Desenvolvimento
do Brasil Central, entidade autárquica com a finalidade de promover desenvolvimento econômico e social
dos estados de Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia, Roraima e Distrito Federal.
O êxito do Consórcio Brasil Central demanda alterações legislativas pontuais considerando que todo o
regime financeiro e orçamentário do federalismo fiscal brasileiro foi construído a partir de uma perspectiva
de coordenação, e não de cooperação, quando os entes federados ainda não participavam da fase de
concepção das políticas públicas regionais.
Palavras-chaves: Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central. Consórcios públicos.
Desenvolvimento regional. Federalismo fiscal. Fundos Constitucionais de Financiamento (FNO, FNE e FCO).
Sumário: 1 Introdução – 2 Arranjo federativo das políticas públicas de desenvolvimento regional – 3 Fundos
constitucionais e de desenvolvimento: conceito, natureza e regime jurídico – 4 Fundos Constitucionais
de Financiamento do Norte (FNO), Nordeste (FNE) e Centro-Oeste (FCO): qual eficácia na redução das
desigualdades sociais e regionais (art. 159, I)? – 5 Os consórcios públicos como instrumentos de coope-
ração federativa – 6 O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central e os Fundos Constitucio-
nais de Financiamento (FCO/FNO) e de Desenvolvimento (FDCO) – 7 Considerações finais – Referências
UNGER, Roberto Mangabeira. What should legal analysis become? Cambridge, Harvard Law School: 1995, p.
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356-357.
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LUCAS BEVILACQUA
1 Introdução
A definição do direito ao desenvolvimento passou por diferentes estágios na
Organização das Nações Unidas (ONU):2 “do enfoque inicial economicista à concep-
ção atual de direito ao desenvolvimento como direito fundamental, integrante dos
direitos de solidariedade, cujo titular não é o indivíduo, mas os povos”.3
A Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento proclama-o como direito huma-
no inalienável (art. 1º) e “sendo obrigação do Estado formular políticas nacionais
adequadas para o desenvolvimento”.4
Desde seus antecedentes5 até os dias atuais o direito ao desenvolvimento é
fundamento para a concepção e a execução de políticas públicas6 voltadas para
diferentes objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º), entre os quais se
des tacam a garantia do desenvolvimento nacional (II), a erradicação da pobreza e a
redu ção das desigualdades sociais e regionais (III).
Eros Roberto Grau há muito leciona que “[...] a expressão políticas públicas
designa todas as atuações do Estado, cobrindo de todas as formas de intervenção
do poder público na vida social. E de tal forma isso se institucionaliza que o próprio
direito, neste quadro, passa a manifestar-se como uma política pública”.7
Na política de desenvolvimento econômico executada na década de 70, o
Governo Federal disseminou a prática de fundos públicos8 como principal instru-
mento de custeio das políticas públicas com vistas à promoção do desenvolvimento
nacional, bem como de desenvolvimento regional mediante, por exemplo, a atuação
das Superintendências de Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e do Nordeste
(SUDENE) e seus respectivos fundos de investimentos: FINAM e FINOR, que permitiam
desoneração de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de até 75% (setenta
e cinco por cento), o que terminou por ser conhecido como “Sistema 34/18”, devido
à numeração dos artigos que a regulamentavam.9
Cônscio das graves desigualdades sociais e regionais, o constituinte de 1988
criou os Fundos Constitucionais de Financiamento das regiões Centro-Oeste (FCO),
2
Resolução nº 41/128 AG/ONU, 04.12.1986 (Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento), reafirmada na
Declaração da Conferência Mundial de Direitos Humanos, Viena, 12.07.1993.
3
BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades Regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 40.
4
SILVA, Guilherme Amorim Campos da. Direito ao desenvolvimento. São Paulo: Método, 2004, p. 44.
5
Cf. RISTER, Carla Abrantkoski. Direito ao desenvolvimento: antecedentes, significados e consequências. Rio
de Janeiro: Renovar, 2007.
6
Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, art. 10: “Os Estados deverão tomar medidas para assegurar
o pleno exercício e fortalecimento progressivo do direito ao desenvolvimento, incluindo a formulação, adoção
e implementação de políticas, medidas legislativas e outras, em níveis nacional e internacional”.
7
GRAU, Eros Roberto. Ordem econômica na Constituição de 1988. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 15.
8
CONTI, José Maurício (Coord.). Orçamentos públicos: a Lei 4.320/1964 comentada. 2. ed. São Paulo: RT,
2010, p. 229.
9
BERCOVICI, Gilberto. Federalismo e desenvolvimento regional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito
Tributário: homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 889-905.
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10
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006, p. 277.
11
Cf. art. 36, ADCT: “Os fundos existentes na data de promulgação da Constituição, excetuados os resultan-
tes de isenções fiscais que passem a integrar o patrimônio privado e os que interessem a defesa nacional,
extinguir-se-ão, se não forem ratificados pelo Congresso Nacional no prazo de dois anos”.
12
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 6.047, de 22 de fevereiro de 2007.
13
“Art. 241. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios disciplinarão por meio de lei os consórcios
públicos e os convênios de cooperação entre os entes federados, autorizando a gestão associada de serviços
públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à conti-
nuidade dos serviços transferidos. Artigo regulamentado pela Lei federal n. 11.107 de 6 de abril de 2005.”
14
Cf. MARRAFON, Marco Aurélio. Consórcio Brasil Central é experiência de federalismo cooperativo. Revista
Consultor Jurídico, 22 set. 2015. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2015-set-22/constituicao-poder-
consorcio-brasil-central>. Acesso em: 25 nov. 2015.
15
GOIÁS. Lei nº 19.020, de 30 de setembro de 2015.
16
RUBISNTEIN, Flávio. Promoção da equalização fiscal no federalismo brasileiro: o papel dos fundos de
participação. In: CONTI, José Maurício; SCAFF, Fernando Facury; BRAGA, Carlos. Federalismo fiscal: questões
contemporâneas. São José: Conceito, 2010, p. 243-284.
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17
Cf. BERCOVICI, Gilberto. Federalismo e desenvolvimento regional. In: SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). Direito
Tributário: homenagem a Paulo de Barros Carvalho. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 902.
18
SCAFF, Fernando Facury. A Constituição Econômica brasileira em seus quinze anos. Revista de Direito Público
da Economia-RDPE, Belo Horizonte, ano 1, n. 3. p. 67-101, jul./set. 2003.
19
Cf. SCAFF, Fernando Facury. Aspectos financeiros do sistema de organização territorial do Brasil. Revista
Dialética de Direito Tributário. São Paulo, v. 112, p. 16-31, 2005.
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ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Competências na Constituição de 1988. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2007,
20
p. 58.
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BERCOVICI, Gilberto. Desigualdades regionais, Estado e Constituição. São Paulo: Max Limonad, 2003, p. 158.
22
OLIVEIRA, José Marcos Domingues. Direitos fundamentais, federalismo fiscal e emendas constitucionais tri-
butárias. In: PIRES, Adilson Rodrigues; TORRES, Heleno Taveira. Princípios de Direito Financeiro e Tributário:
homenagem a Ricardo Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 63-74.
23
BALTHAZAR, Ezequiel Antônio. Fundos Constitucionais como instrumento de redução de desigualdades
regionais da federação. In: CONTI, José Maurício (Coord.). Federalismo Fiscal. São Paulo: Manole, 2005, p.
101-135.
24
OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006,
p. 280.
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25
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação e desenvolvimento. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 106.
26
NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: RT, 1997, p. 400.
27
BRASIL. Senado Federal. Lei Complementar nº 129, de 8 de janeiro de 2009.
28
BRASIL. Presidência da República. Decreto nº 8.067, de 14 de agosto de 2013.
29
BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO).
Resolução do CONDEL/SUDECO nº 38/2015.
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31
Cf. BRASIL. Ministério da Integração Nacional. 20 anos de Fundos Constitucionais de Financiamento FCO,
FNO e FNE: desempenho operacional. Disponível em: <http://www.integracao.gov.br/c/document_library/
get_file?uuid=beabe174-cd93-4b2c-9857-05b73b31ab8d&groupId=407753>. Acesso em: 30 jun. 2015.
32
SILVA, Alexandre Manoel; REZENDE, Guilherme; MOTTA NETO, Raul da. Eficácia do gasto público: uma avalia-
ção do FNE, FNO e FCO. Estudos econômicos, São Paulo, v. 39, n. 1, p. 89-125, jan./mar. 2009.
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33
SCHOUERI, Luís Eduardo. Normas tributárias indutoras e intervenção econômica. Rio de Janeiro: Forense,
2005, p. 63.
34
Anexo I, item 2: “Direcionamento de recursos do FCO e FNO para empréstimos aos Estados, ao Distrito Federal
e aos Municípios para investimento em infraestrutura pública de apoio à inovação. Apoio de empreendedoris-
mo e inovação, inclusive com recursos do FCO e FNO e de investidores privados. Destinação de recursos do
FCO e FNO para fundos de investimento destinados a investidores em participações empreendedoras (private
equity, venture capital, aceleradoras e incubadoras de empresas)”.
35
Cf. OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Curso de Direito Financeiro. São Paulo: RT, 2006. p. 376.
36
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 10.177, de 12 de janeiro de 2001, art. 1º, §5º: “Em caso de desvio na
aplicação dos recursos, o mutuário perderá, sem prejuízo das medidas judiciais cabíveis, inclusive de natureza
executória, todo e qualquer benefício, especialmente os relativos ao bônus de adimplência”.
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37
BRASIL. Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998.
38
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 3 ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 183.
39
Cf. SUNFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público-Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005.
40
LINHARES, Paulo de Tarso; CUNHA, Alexandre; FERREIRA, Ana Paula. Cooperação Federativa: a formação de
consórcios entre entes públicos no Brasil. In: LINHARES, Paulo de Tarso; MENDES, Constantino Cronemberger;
LASSANCE, Antônio (Orgs.). Federalismo à Brasileira: questões para discussão. Brasília: IPEA, 2012, p. 37-53.
41
Consórcio Público de Saneamento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio dos Sinos no Rio Grande do Sul
(2007), Consórcio Regional de Saneamento do Sul do Piauí (2006) e outros.
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42
BEVILACQUA, Lucas. Incentivos fiscais de ICMS e desenvolvimento regional. São Paulo: Quartier Latin, 2013,
p. 39.
43
GOIÁS. Programa Fomentar. Lei nº 9.489, de 31 de julho de 1984.
44
Cf. AFONSO, José Roberto R. (Coord.). A renúncia tributária de ICMS no Brasil. Documento para Discussão
nº 327. Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), 2014.
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45
CONSÓRCIO BRASIL CENTRAL. Site institucional. Disponível em: <www.brasilcentral.gov.br>. Acesso em: 6
fev. 2016.
46
MONTEIRO NETO, Aristides et al. Quatro décadas de crescimento econômico no Centro-Oeste brasileiro:
recursos públicos em ação. Texto para discussão nº 712. Brasília: IPEA, 2000, p. 11.
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O fato de a União, nos termos do art. 21, IX, da Constituição, deter a atribuição
de “elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e
desenvolvimento econômico e social” não afasta a competência dos estados, sobre-
tudo a partir do previsto no art. 241, inserto na Constituição de 1988 pela EC nº
19/1998, que prevê expressamente a possibilidade de consorciamento dos entes
para “gestão associada de serviços públicos” com vistas à promoção do bem comum.
Importante notar, assim, que o julgado precedente do Supremo Tribunal Federal
que entendeu por inconstitucional o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo
Sul (BRDE), como entidade autárquica dos estados do Rio Grande do Sul, Santa
Catarina e Paraná, não se adequa ao Consórcio Brasil Central, dado que proferido
antes da EC nº 19/98. Ademais, elemento decisivo para declaração da “inviabilidade
constitucional de autarquia interestadual de desenvolvimento” foi o fato do BRDE
empreender atividade de instituição financeira de fomento regional aliada à pretensão,
na época, de prerrogativas próprias da Fazenda Pública – muito embora sua essência
de empresa pública.47
Conforme visto, nas atividades do Consórcio Brasil Central não há o desem penho
de qualquer atividade econômica em sentido estrito, tanto que o consórcio tem como
agente financeiro operador o Banco de Brasília S/A (BRB), sociedade de economia
mista do governo do Distrito Federal (GDF) – único banco público subsistente na
região Centro-Oeste quando da liquidação pelo Governo Federal dos bancos públicos
estaduais no idos da década de 90.
Para consecução de suas atividades o Consórcio Brasil Central, a partir da apro-
vação do protocolo de intenções em lei por cada uma das assembleias legislativas,
dispõe, além da dotação orçamentária de seus entes associados,48 dos seguintes
instrumentos financeiros: pactuação de convênios, contratos, acordos de qualquer
natureza; recebimento de auxílios, contribuições e subvenções sociais ou econômicas
de outras entidades e órgãos do governo; cobrança e arrecadação de tarifas e outros
preços públicos pela prestação de serviços ou pelo uso ou outorga de uso de bens
públicos; e contratação de operação de crédito, observados os limites e condições
estabelecidos na legislação pertinente.
47
“[...] 5. O objetivo de fomento do desenvolvimento de região composta pelos territórios de três Estados
Federados ultrapassa o raio da esfera administrativa de qualquer um deles, isoladamente considerado; só uma
norma da Constituição Federal poderia emprestar a manifestação conjunta, mediante convênio, de vontades
estatais incompetentes um poder que, individualmente, a todos eles falece. 6. As sucessivas Constituições
da Republica – além de não abrirem explicitamente as unidades federadas a criação de entidades públicas
de administração interestadual –, tem reservado à União, expressa e privativamente, as atividades de plane-
jamento e promoção do desenvolvimento regional: análise da temática regional no constitucionalismo federal
brasileiro. (RE 120.932, Relator: Min. SEPúLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 24.03.1992, DJ de
30.04.1992, PP-05725 EMENT VOL-01659-02 PP-00255 RTJ VOL-00141-01 PP-00273)”
48
O aporte inicial de recursos financeiros e orçamentários com previsão na lei orçamentária anual de 2016
dos entes associados e nos seus respectivos planos plurianuais, para o funcionamento do consórcio em
2016, deve ser de R$11.400.000,00 (onze milhões e quatrocentos mil reais), correspondendo ao aporte de
R$1.900.000,00 (um milhão e novecentos mil reais) por cada um dos entes.
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Cf. CARVALHO, André Castro. Direito da infraestrutura: perspectiva pública. São Paulo: Quartier Latin, 2014.
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7 Considerações finais
O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central, como resultado
das ideias visionárias de Roberto Mangabeira Unger, tornou-se realidade inaugurando
uma nova política regional permeada de desafios federativos. Ao Congresso Nacional
e à Presidência da República incumbirá conferir essa nova vestimenta à política de
desenvolvimento regional que parte agora não do governo central, mas dos estados
da federação.
O Consórcio Brasil Central, muito antes de representar uma sobreposição de
entidades autárquicas, significa a concepção de uma nova política regional na qual
os estados participam ativamente da construção e execução de seus modelos de
desenvolvimento econômico em uma concepção de estado nacional, muito além do
Governo Federal.
Em conclusão, firmamo-nos na lição do professor titular de Direito Econômico
do Largo São Francisco (USP): “A proposta de uma política nacional de desenvolvi-
mento regional exige uma presença ativa e coordenadora do Estado nacional (não
apenas o Governo Federal)” – Gilberto Bercovici.50
Constitutional funding in the sight of a new regional development policy for the center of Brazil
Abstract: The main aim of this paper is to analyze the legal framework and the effectiveness of the
Constitutional funding as financial instruments in regional policy. In this order it´s necessary first to
understand the federal arrangement of public policies for economic and social development through the
analysis of legislative and administrative powers in the same time of jurisdiction to tax of each subnational
government, as well as the revenue sharing system. The regional development tools of the Constitutional
Financing Funds of the North (FNO), Northeast (FNE) and Central-West (FCO), created by the 1988´s Federal
Constitution, disappointed. Based on the observation of maintaining the concentration of income combined
with the need for a new regional policy was conceived the Consórcio Interestadual de Desenvolvimento
do Brasil Central: an autonomous government agency with the task of promoting economic and social
development in the States of Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Rondônia, Roraima e
Distrito Federal. The success of Consórcio Brasil Central depends on legislative changes as the financial
regime in fiscal federalism was built not in the perspective of subnational entities in a time when they were
not engaged in regional development policies.
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Referências
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