Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO À
FILOSOFIA
2ª edição revisada - Todos os direitos reservados.
Proibida distribuição sem autorização expressa do autor.
INTRODUÇÃO À
FILOSOFIA
SUMÁRIO
1. APRESENTAÇÃO 4. O FILÓSOFO E O SEU AVESSO
Uma ilustre desconhecida P.07 Conceituação dialética P.33
Dimensão edificante da filosofia P.08 O cão e o lobo P.33
O aperitivo de um banquete P.09 Filosofia e Antifilosofias P.34
um passeio aprazível P.11 Physis e Nomos P.35
A dialética filosófica P.36
2. AMOR À SABEDORIA
Uma dúvida sufocante P.13
5. GUIA DE LEITURAS
A quintessência da filosofia P.13 Pequenas introduções didáticas P.39
O estado de Ânimo do filósofo: o amor P14 Coleção leituras filosóficas P.39
Filósofo, e não sábio P.15 da editora loyola
A vida filosófica como arte do amor P.16 Coleção como ler filosofia P.39
O risco dos reducionismos P.18 da editora Paulus
Admiração como origem da filosofia P19 Introduções gerais P.39
Enciclopédias P.40
Dicionário P.40
3. AS DISCIPLINAS FILOSÓFICAS História da filosofia P.40
Dois métodos P.21 Em ingês P.40
Um amor ordenado P.21 Os clássicos P.41
Ciências práticas P.23
Ética e política P.24
Ciências teóricas P.27
Ser, conhecer e dizer P.28
A ontologia clássica P.29
A epistemologia moderna P.30
A filosofia contemporânea P.31
da linguagem
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
INTRODUÇÃO À 2ª EDIÇÃO
Este livro acompanha o meu esforço de difundir a Filosofia em linguagem acessível, instigante
e prazerosa, no contexto do meu portal de cursos online: www.dialetico.com.br.
Depois da 1ª edição, o portal Dialético foi renovado numa plataforma mais moderna e
dinâmica e organizado em três trilhas de estudo: Direito, Filosofia e Religião.
Agora, ele apresenta seis cursos, que registram boa parte da minha atividade pedagógica e da
minha reflexão filosófica:
2. Ética, Direitos Humanos e Justiça (3 módulos; 20 aulas): Num confronto da ética moderna
com a clássica, tratamos dos dilemas morais do emotivismo, individualismo, iluminismo
e relativismo, em autores como Hume, Kant, Nietzsche, a fim de recuperar o conceito de
virtude em Aristóteles e Aquino. Para conceituar adequadamente os direitos humanos,
explicamos o seu titular desse direito (pessoa humana), o titular do dever (co-humano),
o objeto (justo natural) e o fundamento (lei natural). Por fim, debatemos as teorias da
justiça contemporâneas do utilitarismo, liberalismo igualitário, libertarianismo e
comunitarismo, analisando casos concretos como os limites morais do mercado e a política
de cotas, em autores como Bentham, Mill, Rawls, Nozick e Sandel.
4
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
humano nas disciplinas filosóficos e científicas, como ética, política e metafísica. Este curso
percorre as suas obras principais, explicando os seus conceitos e argumentos. A partir dele,
vamos filosofar sobre praticamente toda a realidade, na sua dimensão humana, lógica e
metafísica. O método é o de leitura comentada, para que você aprenda a interpretar e a
pensar como Aristóteles, que é o centro de toda tradição ocidental, ao lado de Platão.
A organização intelectual desta obra permite uma iniciação ao mesmo tempo didática
e profunda de todas as questões centrais da Filosofia. Você mergulhará na filosofia cristã,
independentemente de qualquer conhecimento prévio. Você aprenderá o contexto
histórico, cultural e intelectual de Aquino, lendo e comentando questões selecionadas de
sua obra-prima.
Este livro é de distribuição gratuita, por isso peço que o divulgue aos interessados.
5
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
UMA ILUSTRE
DESCONHECIDA A Filosofia é complexa e profunda,
mas ela não precisa ser obscura e confusa.
No contexto da pedagogia atual, muitos têm um contato traumático com a Filosofia, por
meio de uma disciplina escolar ou universitária em que as ideias filosóficas são lançadas de modo
praticamente aleatório e arbitrário.
Se a Filosofia fosse um conjunto de ideias soltas e sem sentido, uma especulação vazia e sem
sentido, como explicar o seu prestígio e permanência ao longo dos últimos 2.500 anos?
Qual é a sua finalidade? Este e-book foi escrito para começar a desmistificar esse preconceito
e permitir a redescoberta da Filosofia, com um novo colorido, demonstrando o impacto que ela pode
ter na nossa vida, pela expansão do nosso horizonte intelectual.
7
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
DIMENSÃO EDIFICANTE
DA FILOSOFIA
Quando bem apresentada e vivida, eu acredito que praticamente
todos se interessariam pela filosofia, como reflexão radical
sobre a existência e o mundo.
Por isso, há mais de dez anos, além da docência no magistério superior e da pesquisa acadêmica,
dedico-me a levar a Filosofia a um público maior, com a intenção pedagógica de contribuir para
sua formação moral e intelectual. Penso que, ao lado da literatura e da história, a filosofia seja uma
disciplina humanista e edificante, capaz de ajudar a nos orientar nos dilemas da nossa vida.
Mas nunca me restringi à atividade acadêmica estrita, pois sou o organizador da edição bilíngue
de Platão (numa coleção de 18 volumes, pela Editora UFPA), o pai e fonte permanente da Filosofia,
e da obra ensaística de Benedito Nunes (em nove livros, por várias editoras, como Companhia das
Letras, Martins Fontes e Loyola), um dos maiores filósofos e críticos literários do Brasil.
8
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
A importância desses dois autores não se limita à especialidade acadêmica, mas alimenta a
inteligência de todas as pessoas, tanto quanto a música nos interessa a todos, e não apenas aos músicos
profissionais e acadêmicos.
Benedito Nunes (1929-2011), por sua vez, publicava seus ensaios filosóficos no jornal e
palestrava em instituições culturais, conservatórios, museus, galerias, e não apenas na universidade.
Com essa intenção de divulgar a filosofia, mas sem vulgarizá-la ou simplificá-la, entre 2015
e 2017, contribuí com ensaios filosóficos no jornal paraense O Liberal e, em 2016, lancei meu site
de cursos de filosofia www.dialetico.com.br. Em 2021, compilei os meus escritos no livro A crise
da cultura e a ordem do amor – Ensaios filosóficos (Editora É Realizações), que serve também de
introdução à Filosofia e está consignado na bibliografia ao final deste trabalho.
Neste sintético e-book, introduzo a essência da Filosofia clássica, de inspiração platônica, para
que você a aprecie e queira me acompanhar nesta nova fase de difusão digital da Filosofia, beneficiada
pela comunicação imediata e interativa de redes sociais como o Instagram, Telegram e Youtube, nos
quais você já deve estar inscrito (caso contrário, sugiro inscrever-se em todos eles agora e retorne à
leitura em seguida).
O APERITIVO DE
UM BANQUETE
Nas próximas páginas, não espere distinguia a vida prática – voltada aos negócios da
longas reflexões filosóficas, com demonstrações cidade, necessários para a subsistência – e a vida
analíticas dos argumentos, mas apenas um contemplativa – dedicada à atividade intelectual
convite na forma de um aperitivo que aguce o seu e científica de compreender o mundo, amando-o
paladar para um banquete que será servido em pela inteligência.
seguida, caso você se disponha a me acompanhar
nesta longa caminhada, que não tem um ponto Um importante filósofo tomista1 do
de chegada fixo. século XX, o frade dominicano Sertillanges
(1863-1948), renovou a atenção a esta realidade
Como a dança, a Filosofia é um fim em si da filosofia clássica, a da vida intelectual, com
mesma, uma atividade intelectual desinteressada, virtudes morais necessárias, como a paciência, a
que não serve a nenhum objetivo específico – perseverança e a amizade, para a conquista das
como a diplomação ou capacitação profissional virtudes intelectuais da concentração, memória,
– ou seja, ela não tem fim e consome toda a vida articulação e escrita.
do filósofo autêntico. Por isso que Aristóteles
1
Tomista é quem desenvolve seu pensamento a partir de Tomás de Aquino, o maior filósofo da Cristandade
9
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Mas a Filosofia é contemplativa, é uma forma de amor, que não tem preço e nem prazo. Portanto,
ela não se confunde com uma habilidade técnica profissionalizante, como as ciências em geral. Ela
é teorética, seu fim é conhecer, e não prático-produtiva. Ela também é iminentemente ética, porque
enriquece a personalidade de quem a pratica.
10
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
UM PASSEIO APRAZÍVEL
Após uma definição breve da Filosofia para uma navegação mar adentro, posteriormente.
(capítulo 2), procedo com uma descrição sumária Trata-se de um passeio inicial, lembrando os
das suas disciplinas (capítulo 3), naturalmente colóquios de Aristóteles com seus alunos em
fronteiriças e superpostas umas às outras: as longas caminhadas, motivo pelo qual ficaram
ciências práticas da ética, política e poética e as conhecidos como ‘peripatéticos’ (caminhantes).
ciências teóricas da ontologia e epistemologia.
Em seguida, menciono a dialética da Filosofia É um grande prazer contar com a sua
com suas rivais sofísticas, as antifilosofias que companhia nesta caminhada intelectual. Reforço
tendem a neutralizá-la, como o ceticismo e o que este e-book marca um recomeço da minha
relativismo (capítulo 4). Ao cabo, proponho um atuação na Internet, uma nova fase do projeto
guia de leitura de obras que ajudarão você a se Dialético. Por isso, eu preciso ainda mais da sua
iniciar na Filosofia, além dos seus principais participação nas redes sociais, com a interação,
clássicos (capítulo 5). perguntas, críticas, comentários e divulgação.
11
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Essa característica reflexiva arrisca resvalar num círculo vicioso, que denigre a sua imagem
aos leigos, que, com razão, poderiam afirmar aos filósofos: “Primeiro, decidam o que é a filosofia;
depois, convidem-nos a participar dela.”
Se decidimos estudar matemática ou jogar futebol, por exemplo, precisamos apenas nos
inteirar das regras e das finalidades dessas atividades para começar a praticá-las. Com a Filosofia é um
pouco diferente porque, antes de praticá-la, precisamos tomar consciência do que ela é. E os próprios
filósofos divergem sobre a sua essência.
Essa divergência é explicada pela dimensão crítica da Filosofia, que convida a sempre
questionar e problematizar o que já foi conquistado, o que pode gerar um ceticismo generalizado
sobre a própria Filosofia, num gesto que o Chesterton – um dos filósofos mais perspicazes e incomuns
da nossa tradição – chamava de “suicídio do pensamento”, quando o pensamento duvida do próprio
pensamento.
A QUINTESSÊNCIA
DA FILOSOFIA
Em meio a este mar de dúvidas e incertezas
que constituem a natureza da Filosofia, há um
consenso, que chega a ser uma unanimidade
entre os filósofos: Platão inaugurou uma série de
questões permanentes e incontornáveis.
13
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
O ESTADO DE ÂNIMO
DO FILÓSOFO: O AMOR A identidade intelectual da Filosofia é
mesmo problemática porque ela é abrangente e
universal e não tem um único objeto de interesse.
Nisso, ela difere das ciências particulares, que se
caracterizam pelo seu objeto de estudo. Ninguém
duvida que a aritmética estude os números; a
biologia, os seres vivos; a física, o movimento; o
direito, as leis, e assim por diante.
14
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Em grego, as palavras sophos e sophistes eram usadas para referir aos sábios, aqueles
reconhecidos pela sociedade em geral como dotados de um conhecimento abrangente sobre as
ciências e sobre os negócios da cidade (ética e política). Eram os poetas, cientistas, legisladores,
estadistas e oradores, capazes de dissertar sobre praticamente todos os temas concernentes à religião
e à sociedade.
15
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Por isso, podemos dizer que toda ciência tem uma dimensão
filosófica na sua origem, expansão e aprofundamento.
Quando Albert Einstein, um dos maiores e mais populares cientistas do século XX, procurou
refutar a Física moderna de Isaac Newton, ele agiu como um filósofo, analisando e criticando uma
teoria, tanto quanto Newton havia feito em relação à Física antiga de Aristóteles.
A VIDA FILOSÓFICA
COMO ARTE DO AMOR
Perceba que, em meio à questão O filósofo ama o saber, por isso
epistemológica (relativa à produção de se dedica a ele de modo integral
conhecimento científico, sólido, seguro, e praticamente ininterrupto.
verdadeiro), desponta uma questão ética
(relativa à prática das virtudes), a da disposição É lendária a figura incômoda de Sócrates,
intelectual crítica, livre e investigativa que exige filosofando nas praças e nos banquetes de Atenas,
que o filósofo se dedique à atividade intelectual quando todos pretendiam apenas praticar
ao longo de toda a sua vida, porque sempre há política, comércio, poesia ou sexo. É que Sócrates
algo a descobrir e a aprofundar. filosofava exatamente sobre essas práticas
16
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
cotidianas, sobre a vida boa, a felicidade, em como tomar consciência do sentido, da causa primeira e
do fim último de tudo isso. Daí a sua célebre afirmação, registrada por Platão na Apologia de Sócrates:
“uma vida não refletida não é digna de ser vivida”.
Amor à sabedoria é uma definição que registra, muito bem, essa dupla dimensão, moral e
intelectual, da Filosofia. O filósofo tem um compromisso com a verdade das coisas, mas, para atingi-
la, precisa amá-la e se dedicar a ela, como quem corteja a amada.
Quem ama tem um interesse tão genuíno e intenso que sempre procura desvendar algo a mais
da amada. Ele não se cansa de procurá-la e cobiçá-la, sente que nunca a exaure. Não seria estranho
alguém dizer que deixou de amar, depois de alguns meses ou anos, porque já esgotou tudo o que tinha
a amar ou que a amada já foi suficientemente amada?
Instigado pela estranha figura de Sócrates – que dizia que nada sabia e, ao mesmo tempo,
afirmava que só sabia da “arte do amor”
17
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
É o amor que liga o polo subjetivo do filósofo com o polo objetivo da realidade que ele quer
conhecer. O amor filosófico revela a dimensão subjetiva e a objetiva da Filosofia. Subjetiva, porque
ele engaja toda a existência do filósofo, numa autêntica “vida intelectual”, tão bem descrita por
Sertillanges. Objetiva, porque ele sai de si e busca compreender a verdade e assimilar a beleza do
mundo que contempla.
O RISCO DOS
REDUCIONISMOS
Quando a Filosofia perde de vista o nexo entre a dimensão subjetiva e interior com a objetiva e
exterior, ela pode recair nos reducionismos modernos do cientificismo (objetivista) e existencialismo
(subjetivista), em que o polo oposto é neutralizado pela afirmação exclusiva de um deles.
Por isso, essas filosofias modernas acumularam notáveis conhecimentos sobre a natureza, por
um lado, e sobre a subjetividade, por outro, mas raramente conseguiram uni-los de modo coeso
e orgânico. Os resultados extremos desses reducionismos são ora uma ciência desumana, ora uma
subjetividade descolada da realidade social e natural. Exemplo máximo disso é o embate entre a
psiquiatria (ciência médica da dimensão orgânica da mente) e a psicologia (teoria filosófica de
interpretação da linguagem simbólica da alma).
18
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
ADMIRAÇÃO
COMO ORIGEM
DA FILOSOFIA
A origem da Filosofia é a contemplação,
o gosto que temos por admirar a beleza
do mundo, tentando aprofundar o seu
sentido e investigar as suas causas.
19
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
DOIS MÉTODOS
Há dois métodos básicos e intrinsecamente ligados da Filosofia: (1) o analítico-conceitual e
(2) o hermenêutico-histórico. (1) O analítico é sincrônico e analisa os conceitos filosóficos de modo
abstrato, abstraído do contexto biográfico, histórico e social do filósofo, concentrado na dimensão
lógica dos argumentos, com seus termos, proposições e silogismos.
Esta abordagem privilegia a história da Filosofia, sua origem e crises epocais, relacionando-a às
situações históricas específicas, como as guerras, as invenções tecnológicas, as descobertas científicas
e as mudanças nas formas de vida.
UM AMOR ORDENADO
A Filosofia é o amor ao todo da realidade
e, como a realidade se apresenta altamente
complexa, composta por múltiplas partes
interdependentes, para alcançá-la na sua inteireza,
a filosofia precisa analisá-la por partes. Essa é a
origem das tradicionais disciplinas filosóficas, em
que normalmente os cursos universitários são
divididos.
21
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Ninguém aprende a nadar fora da piscina, é preciso treinar e testar a capacidade intelectual
diante de problemas reais e relevantes para a vida. Assim, o maior filósofo da modernidade postulou
quatro perguntas fundamentais:
Como Kant já trabalha num contexto da crítica à metafisica aristotélico-tomista, para erigir o
seu sistema do idealismo transcendental, convém partir da primeira organização do saber filosófico
na Antiguidade, que é a de Aristóteles.
22
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
CIÊNCIAS PRÁTICAS
Na Metafísica de Aristóteles – o tratado fundacional da ontologia, a Filosofia primeira que
ordena todas as disciplinas filosóficas – consta uma divisão elementar entre as ciências teóricas e as
ciências práticas.
A ética clássica reflete sobre o agir humano a partir dos fins (bens) que ele alcança,
na busca pela felicidade, que é um estado de realização e plenitude.
As virtudes são forças da personalidade, excelências morais que franqueiam o bem individual
e comum. A ética tem uma dimensão política, porque normatiza, racionalmente, a conduta social,
por meio das leis e das concepções morais da justiça.
Se as ações éticas constituem o caráter do agente, as ações técnicas são produtivas, interessadas
na produção de objetos exteriores, que podem ser técnicos (pautados na utilidade, como um
engenheiro que constrói uma ponte) e/ou artísticos (pautados na beleza, como um pintor que desenha
um quadro).
23
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
ÉTICA E POLÍTICA
A Política é o conjunto de instituições,
não apenas governamentais, mas também
sociais, éticas, pedagógicas, culturais e religiosas
que moldam o caráter de um povo civilizado,
isto é, um povo ordenado que vive numa cidade
constituída por leis que regulam as relações
cívicas dos cidadãos livres e iguais (note-se o
nexo não só etimológico mas semântico entre
cidade, civismo, cidadania e civilização). Esse é o
fundamento da tradição republicana: um governo
Para introduzir o tema clássico das constitucional em que os cidadãos governam e
relações entre ética e direito, reproduzo o meu são governados por si próprios em nome do bem
ensaio ‘Amizade e justiça’, incluído no meu livro comum.
A crise da cultura e a ordem do amor (Editora
É Realizações): Diferente do positivismo das ciências
sociais modernas, que pretendem ser neutras
Uma das expressões mais conhecidas de valoração ao descrever a Política, Aristóteles
da Filosofia é a de que o homem é um animal avalia que o bom governo se caracteriza por
político. Cunhada por Aristóteles, ela se encontra servir ao bem comum dos governados, e não aos
no Livro I da Política, tratado de filosofia prática interesses egoístas dos governantes. Um governo
posterior à Ética a Nicômaco, que lhe serve de que está a serviço dos governantes é tirânico e
pano de fundo conceitual e metodológico.2 usurpador.
24
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Ele o faz voluntariamente, como parte de sua racionalidade e realização pessoal, e não por
medo de punição. Como explica Adler, o homem bom,
não é coagido pelo governo, e por isso o governo não é, para ele, um mal, como o é
para o homem mal.
O homem bom também não sente que sua liberdade é limitada pelo governo.
Ele não quer mais liberdade do que consegue usar sem prejudicar os outros. Só o
homem mau quer mais liberdade do que isso e, portanto, só ele sente que sua liberdade
de fazer o que quiser, sem preocupar-se com os outros, é limitada pelo governo.3
Os homens precisam da justiça política porque é impossível desenvolverem amizade por todos
da cidade. Se a amizade é o desejo de felicidade do amigo, o dom gratuito de lhe dar tudo o que puder
contribuir para o seu bem, a justiça é o dever de atender aos direitos dos outros cidadãos. A amizade
é baseada no amor, na generosidade, no desinteresse e na benevolência; a justiça, na responsabilidade
e obrigação pelo bem comum, o conjunto de condições externas para a realização pessoal dos bens a
que os homens são naturalmente inclinados.
No âmbito político, esses bens que provêm das necessidades humanas fundamentais de viver
bem, com saúde, conhecimento, trabalho, sociabilidade e participação política, são os direitos (que
hoje classificamos como direitos humanos). A justiça do regime constitucional, portanto, é a liberdade
de pessoas iguais, sendo que essa igualdade provém da natureza humana comum, que me exige tratar
os outros como eu mereço ser tratado para que eu tenha uma vida boa, isto é, desenvolvendo essas
mesmas faculdades naturais dos demais. Por isso, é intrinsecamente injusto um governo tirânico ou
despótico, que reduz os governados a escravos ou súditos, privando-os da cidadania, racionalidade e,
portanto, humanidade.
(Gálatas 3, 28).4 Marcado pelo etnocentrismo e pela misoginia helênicos, Aristóteles considerava
haver naturezas diferentes entre as pessoas.
Por isso, o seu jusnaturalismo – tão articulado para promover os fundamentos filosóficos da
cidadania, da igualdade e da liberdade políticas – o conduziu a um dos erros mais graves da nossa
tradição: o de negar a racionalidade e, portanto, a dignidade de escravos e mulheres, subtraídos da
participação política por serem “naturalmente” inferiores, incapazes de autogoverno, logo incapazes,
como crianças e doentes mentais, de governarem os outros.
25
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
4
Luis Fernando Barzotto. ‘Direitos humanos’. in Filosofia do direito. Os conceitos fundamentais e a tradição jusnaturalistas. Porto Alegre:
Livraria do Advogado, 2010
26
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
CIÊNCIAS TEÓRICAS
As ciências teóricas são contemplativas (2) As ciências matemáticas são lógicas
porque buscam espelhar (do termo latino e formais porque abstraem a qualidade sensível
speculum, de que deriva também a palavra dos entes para se concentrar na sua quantidade.
especulação) na mente a realidade que não se Elas são formais porque dispensam a “matéria”
pode transformar. Elas são ciências puras e quantificada. Assim, não importam se são dois
desinteressadas, visam tão somente compreender homens ou dois gatos que, somados com dois
a realidade das coisas, independente da eventual entes da mesma espécie, resultam em quatro
aplicação técnica desse conhecimento. deles. O raciocínio opera num nível de abstração
da matéria, refletindo sobre a estrutura interna
É claro que a ciência da matemática dos números.
tem uma utilidade imediata para praticamente
qualquer atividade, pela capacidade de contar Platão considerava absolutamente
e relacionar os dados quantitativos entre si. Do indispensável a iniciação nessas ciências
mesmo modo, a ciência da astronomia permite matemáticas como propedêuticas à Filosofia.
a orientação náutica, a compreensão dos ventos, Ele teria, inclusive, escrito no pórtico de
das águas e assim por diante. Mas essas ciências sua Academia: “Aqui não entra quem não
são teóricas exatamente porque não se definem for geômetra”. A geometria é a projeção da
pelo uso técnico que se faz dela ou pela influência matemática às formas sólidas, analisando as suas
ética no caráter do filósofo. relações numéricas.
Num nível de abstração crescente, pode- (3) A ciência metafísica é ontológica porque
se dividir as ciências teóricas em (1) ciências enfoca o “ser enquanto ser”, que não é nada de
naturais, (2) ciências matemáticas e (3) ciência específico e que, ao mesmo tempo, é aquilo de
metafísica. que tudo o que é participa.
27
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
28
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Portanto, como bem notou Heidegger, a Diante desse quadro de Górgias – o ser,
tradição metafísica ocidental é uma onto-teo- o conhecer e o dizer – pode-se identificar três
logia, uma articulação racional (pelo logos), do tendências fundamentais na história da filosofia:
ser (ontos) divino (theos), que a teologia e filosofia (1) a ontologia clássica dos antigos e medievais,
cristãs identificaram como sendo o próprio Deus, (2) a epistemologia dos modernos e (3) a filosofia
que se fez carne em Cristo (Logos de Deus). da linguagem dos contemporâneos.
A ONTOLOGIA CLÁSSICA
A ontologia clássica dos antigos (como
Platão e Aristóteles) e medievais (como Agostinho
e Aquino) buscava a unidade do todo da realidade,
a partir da sua abóbada metafísica, o ser ou Deus.
Dessa premissa, deriva uma série de análises
epistemológicas da relação do conhecimento
sensível (dos órgãos corporais) e inteligível (da
inteligência abstraída da experiência sensível).
29
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
30
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Para que não seja nem tautológica (como conhecer os fenômenos, isto é, as coisas tais como
no caso dos juízos analíticos), nem contingente se mostram à nossa capacidade de percepção, que
(como no caso dos juízos sintéticos em geral), a são constituídos pelas categorias transcendentais do
ciência precisa de juízos sintéticos a priori (baseados conhecimento;
em intuição não sensível). Isso em três âmbitos,
(1) na Estética Transcendental, (2), na Analítica (3) A Dialética Transcendental reflete sobre
Transcendental e (3) na Dialética Transcendental. a impossibilidade científica da metafísica, uma vez
que ela não alcança juízos sintéticos a priori, ao lidar
(1) A Estética Transcendental analisa a com os conceitos de alma (síntese das vivências
faculdade de se ter percepções sensíveis. Nela, os juízos subjetivas), universo (síntese das vivências objetivas)
sintéticos a priori se baseiam nas formas puras de e Deus (síntese final e suprema).
intuição, o tempo e espaço. Esses juízos independem
da experiência sensível, são formas de apreensão, Para falar de Deus e alma, deve-se
condições de possibilidade do conhecimento das apelar à razão prática, à consciência moral, que
coisas, ou seja, a condição transcendental para fundamenta a religião.
as coisas serem objeto de conhecimento. Eles se
baseiam nas formas de sensibilidade, da faculdade Com sua teoria altamente complexa e
de ter percepções sensíveis; elaborada do conhecimento, Kant inaugura uma
rica tradição de filosofia alemã, como os seus
(2) A Analítica Transcendental considera que sucessores idealistas, Fichte, Hegel e Schelling, até
a coisa em si (o númeno) escapa à possibilidade de os seus críticos voluntaristas como Schopenhauer e
conhecimento, pois Kant considera que só podemos Nietzsche.
FILOSOFIA CONTEMPORÂNEA
DA LINGUAGEM
A filosofia contemporânea é dominada pelo tema da linguagem. É comum dividi-la na vertente
continental (hermenêutica) e peninsular (analítica), considerando a cisão pós-kantiana entre positivismo e
romantismo.
Essas posturas filosóficas têm em comum uma crítica da metafísica clássica, com sua demonstração
da existência de Deus e a proposição de uma ética normativa das virtudes, como a da lei natural.
31
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
CONCEITUAÇÃO DIALÉTICA
A Filosofia é a arte da conceituação, o esforço intelectual de usar termos adequados para
definir as realidades. Isso se dá pela dialética, pela confrontação de entes parecidos. Para formação
de um conceito, Aristóteles busca o seu gênero comum e a sua diferença específica. Ou seja, para
compreendermos alguma coisa, precisamos aproximá-la de algo semelhante e depois divisar o que ela
tem de particular.
Assim, dizemos que o homem é um animal racional. Ele é tão animal quanto um cão, porque nasce
e morre, tem vida sensível e se movimenta. O homem pertence ao gênero comum dos animais. Mas há
animais irracionais (como o cão) e racionais (como homens). O homem também é um animal político,
porque não apenas convive, mas forma uma organização política baseada nas palavras e nas leis.
33
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
FILOSOFIA E ANTIFILOSOFIAS
A partir dessa distinção fundamental entre filosofia e sofística, deve-se atentar às formas intelectuais
concorrentes, as antifilosofias, que tendem a neutralizar a dimensão pedagógica e cognitiva da Filosofia,
apelando para formas variadas de ceticismo e relativismo.
O filósofo tem um desejo sincero de educar seus alunos e discípulos, contribuindo para a formação
humana e por conseguinte para a sociedade, a partir de um compromisso epistemológico com a verdade,
que deve ser distinguida da falsidade e da aparência.
Afirmar, dogmaticamente, que não é possível alcançar a verdade das coisas (ceticismo), ou a verdade
não existe e que tudo depende de uma perspectiva pessoal, cultural ou histórica (relativismo) neutraliza a
atividade filosófica, confundindo-a com uma retórica ou ideologia.
O resultado da negação de uma verdade a ser conhecida é a redução da inteligência a uma disputa
retórica de poder persuasivo, em que a Filosofia se torna mais uma contendora numa disputa interminável
de dominação.
34
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
35
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
Derrida, Rorty e Vattimo, que considera que tudo divino que a estruturava e animava. Trata-se da
dependente da linguagem, da cultura ou da história, intuição de que o mundo é uma ordem (cosmos),
demitindo a possibilidade de se alcançar uma que é regida por leis que podem ser conhecidas,
verdade objetiva na ética, estética ou política num ato conjunto dos sentidos e da inteligência.
A DIALÉTICA FILOSÓFICA
O resultado dessa síntese platônica de buscar uma verdade sobre a natureza e sobre o homem implica
o reconhecimento de uma dialética estrutural (não necessariamente um dualismo dicotômico) entre os que
nós chamamos de ciências da natureza (como física, química, biologia e astronomia) e ciências humanas
(como sociologia, economia, antropologia e direito).
Essa dualidade estrutural também se reflete em vários pares dialéticos, cujo equacionamento e
relação com os demais caracterizam as várias respostas filosóficas ao desafio platônico fundamental:
36
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
No século XIX, Nietzsche percebeu que toda a filosofia ocidental se baseava neste tipo de dialética e
que o cristianismo a perpetuara na estrutura carne e espírito, e terra e céu. Para tentar superá-la, ele propôs
uma ética para além do bem e do mal, e uma negação da função intelectual e moral tradicionalmente
atribuída à alma em relação ao corpo.
ao mesmo tempo que se envolve profundamente nas questões filosóficas mais importantes, sobre a verdade,
a bondade e a beleza.
37
38
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
39
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
ENCICLOPÉDIAS
A editora Ideias & Letras tem traduzido os importantes Companions da Universidade de
Cambridge, que são compilados de artigos acadêmicos de especialistas sobre temas (como Filosofia
medieval, Ciência e Religião e Filosofia crítica) ou autores (como Primórdios da Filosofia grega,
Sócrates, Platão, Aristóteles, Plotino Agostinho, Aquino, Scotus, Descartes, Spinoza, Hobbes, Locke,
Kant, Hegel, Nietzsche, Freud, Foucault e James). Todos eles são valiosos e retratam o estado da arte
da pesquisa acadêmica sobre o assunto, com suas múltiplas interpretações.
DICIONÁRIO
ABBAGNO, Nicolas. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2012.
HISTÓRIA DA FILOSOFIA
1. COPLESTON, Frederick. Uma história da filosofia - vol. I. Vide Editorial, 2021.
1. MARIAS, Julian. História da filosofia. São Paulo: Martins Fontes, 2015.
2. MARCONDES, Danilo. Iniciação à história da filosofia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.
3. REALE, Giovani; ANTISERI, Dario. História da filosofia. 3 vols. São Paulo: Loyola, 2017.
4. WEISCHEDEL, Wilhelm. A escada dos fundos da filosofia. A vida cotidiana e a o
pensamento de 34 grandes filósofos. São Paulo: Angra, 2001.
EM INGLÊS
1. KREEFT, Peter. The platonic tradition, Indiana, St. Augustine Press, 2018.
2. KREEFT, The philosophy of Thomas Aquinas, Maryland, Recorded Books, 2009.
3. KREEFT, Summa Philosophica. Indiana: St. Augustine´s Press, 2012.
4. KREEFT, Socratic Logic. A logic text using socratic method, platonic questions
and aristotelian principles. Indiana: Augustine, 2014.
40
Victor Sales Pinheiro - Introdução à Filosofia
OS CLÁSSICOS
Estas obras permitem o mergulho efetivo na Filosofia. Ainda que não sejam
plenamente entendidas, merecem ser lidas e estudadas com calma e dedicação.
Não há tradução perfeita e nem é imprescindível saber a língua original do filósofo, embora
isso seja muito recomendado no aprofundamento do estudo.
41
Victor Sales Pinheiro
Telegram
Youtube