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Manipulando
genes em
busca de cura:
o futuro da
terapia gênica
CARLOS FREDERICO
MARTINS MENCK
e ARMANDO
MORAIS VENTURA
são professores do
Departamento de
Microbiologia do Instituto
de Ciências Biomédicas
da USP.
RNA interferência (RNAi). Esses mecanis-
ALTOS E BAIXOS mos eram praticamente desconhecidos até
poucos anos atrás, e sua descoberta resultou
DA TERAPIA GÊNICA na premiação do Nobel em Medicina de
2006 aos americanos Andrew Z. Fire e
Craig C. Mello. As expectativas dessas
m 1990, foi realizado nos novas abordagens empregando RNAi são
Estados Unidos o primeiro descritas no final deste artigo. Em relação
Protocolo Clínico de Terapia a nosso país, cabe a nós optar por assistir
Gênica em humanos, em duas a esses avanços como espectadores, para
crianças portadoras da imuno- posteriormente pagar pelos medicamentos
deficiência combinada severa. que serão criados, ou investir para também
O sucesso parcial desse pro- contribuir com propostas nossas, criando
tocolo levou a uma explosão alternativas, e também considerar o combate
no desenvolvimento de vários a doenças que afligem principalmente os
estudos com perspectivas de países menos desenvolvidos.
uso terapêutico dos genes. O
frenesi causado pelos resul-
tados iniciais levou, durante
a década de 1990, a se comparar a terapia HISTÓRICO
gênica com outras tecnologias que revo-
lucionaram a medicina moderna, como o O trabalho pioneiro descrito por Oswald
desenvolvimento de vacinas, anestesias T. Avery e seus colaboradores em 1944 já
e a descoberta de antibióticos. A relativa mostrou que é possível transferir genes de
facilidade de manipulação dos vetores uma cepa bacteriana patogênica para outra
genéticos derivados de vírus e o aumento não-patogênica, identificando o DNA como
na capacidade de se isolar genes humanos portador da informação genética. Essa des-
geraram expectativas de avanço rápido coberta fundamental foi logo seguida pela
nesse tipo de terapia e muita excitação proposta da estrutura dupla-hélice do DNA,
na mídia e mesmo nas pesquisas na área. por James Watson e Francis Crick em 1953.
Esse entusiasmo inicial, no entanto, não foi Estavam lançadas bases para a busca de uma
confirmado, e vários problemas foram en- forma de inserir genes saudáveis em indi-
contrados em protocolos clínicos de terapia víduos que deles necessitassem, hipótese
gênica realizados em seres humanos, o que que foi aventada em 1964 por três prêmios
deixou claro que ainda temos uma longa Nobel: Edward L. Tatum, Joshua Lederberg
estrada a percorrer antes que o emprego e Arthur Kornberg. O isolamento do primei-
dessa tecnologia possa ser incorporado ro gene, por Jon Beckwith e colaboradores
de forma mais genérica ao dia-a-dia dos em Harvard (1969), levou a declarações
hospitais. No entanto, avanços claros têm reforçando essa possibilidade. No entanto,
sido conseguidos, e novas abordagens têm teve início também uma polêmica sobre a
ampliado o espectro de ação da terapia gê- segurança da engenharia genética e possi-
nica, abrindo novos horizontes de uso. bilidades de sua utilização para propósitos
O aumento na quantidade de protocolos de eugenia. Esse debate estendeu-se durante
clínicos reflete o fato de que há grandes es- toda a década de 1970 e culminou na criação
peranças de sucesso da terapia gênica para de legislações adequadas de segurança em
combater doenças que afligem a sociedade diversos países.
há muito tempo, com poucas perspectivas na Em 1977, os pesquisadores Michael
medicina clássica. Entre as grandes mudan- Wigler e Richard Axel conseguiram a pri-
ças recentes, destacamos o uso de moléculas meira correção genética propriamente dita
de RNA dupla-fita que agem como silen- em células de mamífero cultivadas in vitro.
ciadores gênicos através de mecanismos de Esses pesquisadores inseriram o gene que
FIGURA 1
Principais vírus que servem de vetores para protocolos de terapia gênica
Vírus
Retrovírus Adenovírus adenoassociado
A idéia de usar os próprios vírus como identificavam que, com a “revelação do Livro
veículos para transportar e introduzir da Vida”, estaríamos próximos de resolver
genes em um paciente, promovendo a problemas seculares. De fato, com esses
cura de doenças, é de uma simplicidade dados foi possível identificar pelo menos
extraordinária e abre enormes perspecti- 70.000 defeitos genéticos em seres humanos
vas para a saúde humana. Basicamente, (http://www.ornl.gov/sci/techresources/Hu-
essa proposta pretende utilizar estratégias man_Genome/posters/chromosome/). A ca-
dos vírus, que puderam aperfeiçoar essa pacidade de interferir na constituição genética
“entrega genética” através de evolução de um indivíduo, por meio da terapia gênica,
por milhões de anos. A conseqüência surge então como uma espécie de tábua de
do domínio da manipulação dos genes salvação para resolver problemas relaciona-
trouxe possibilidades que extrapolam a dos à saúde humana, pela cura de doenças
experimentação em bancada, podendo genéticas herdadas dos pais, ou mesmo de
então ser propostas aplicações clínicas doenças que podem ser adquiridas durante
em seres humanos, como as implícitas na a vida, como o câncer, doenças do coração
definição de terapia gênica, qual seja: “a e infecções virais.
FIGURA 6
Esquema de silenciamento gênico através do mecanismo de RNAi, seja através
de vetores virais recombinantes, seja através de moléculas duplexes de siRNA. DICER e
RISC são as principais enzimas envolvidas no processo que leva à degradação do RNAm
Vírus
recombinante siRNA exógeno
DICER
siRNA
siRNA
Genoma do vírus
shRNA
transcrição
siRNA e RISC
degradação
do mRNA
BIBLIOGRAFIA
MIR, Luis (org.). Genômica: Ciências da Vida. São Paulo, Atheneu, 2004.
MORALES, Marcelo M. (ed.). Terapias Avançadas: Células-tronco, Terapia Gênica e Nanotecnologia Aplicada à Saúde. São
Paulo, Atheneu, 2007.
VENTURA, A. M. “Terapia Gênica Utilizando Vetores Virais”, in Luiz Rachid Trabulsi e Flávio Alterthum (eds.). Microbiologia.
4a ed. São Paulo, Atheneu, pp. 573-9.
Site
http://www.wiley.co.uk/genetherapy/clinical/.