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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO


DEPARTAMENTO DE LETRAS
CURSO DE LETRAS PORTUGUÊS - LICENCIATURA

Danielle Feliciano de Lima e Silva

Entrelaçando fios: o impacto da inteligência artificial generativa na produção textual


argumentativa

Recife
2024

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Danielle Feliciano de Lima e Silva

Entrelaçando fios: o impacto da inteligência artificial generativa na produção textual


argumentativa

Projeto de Pesquisa apresentado ao Curso de Letras


Português - Licenciatura, da Universidade Federal de
Pernambuco, como requisito parcial para aprovação na
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso I.
Orientador(a): Prof. Dr. Marcelo Sabbatini

Recife
2024

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 3

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA........................................................................................ 5

3 METODOLOGIA............................................................................................................... 8

4. REFERÊNCIAS………………………………………………………………………………… 9

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INTRODUÇÃO

O entendimento de que a língua é um sistema íntegro – em que se busca


classificar nomenclaturas e analisar parâmetros gramaticais que se reduzem ao sistema
de forma autônoma – desconsidera o aparato contextual que se dá no processo de uso
desse sistema. Pensando no ensino de língua em sala de aula, é possível encontrar
resquícios de concepções tradicionais pautadas numa série de estudos classificatórios
que pouco se preocupam em englobar “os efeitos de sentido pretendidos pelos
interlocutores e as finalidades comunicativas presumidas para os eventos verbais”
(Antunes, 2009, p. 20). Assim, partiremos da noção de linguagem que se coloca enquanto
“sistema em uso”, perpassando a “heterogeneidade das pessoas e dos grupos sociais,
com suas individualidades, concepções, histórias, interesses e pretensões.” (Antunes,
2009, p. 21).
Ao nos deparamos com o texto, enquadrando pressupostos analíticos e teóricos da
Linguística Textual defendidos por Koch (2014), tomaremos a ideia de texto como
“processo”. E como toda estrutura processual, o texto não se resume em noções básicas,
mas é composto por uma série de suportes que o organizam e dão sustentação, a fim de
garantir um resultado final mais razoável. Assim, a produção textual argumentativa busca
revelar as opiniões do autor, embasadas em argumentos que justifiquem sua postura,
indicando conhecimentos científicos ou não acerca da temática abordada.
Na esfera educacional, o contato dos estudantes com a produção textual tem se
tornando um fator de ansiedade e desespero para muitos. A dificuldade que se encontra
em produzir um texto escrito pode fomentar no aluno a certeza de um fracasso ao tentar
escrever argumentando ideias que chegam à mente. No que concerne à prática de
produção de textos, os PCNs refletem acerca da competência do escritor, indicando que é
dever dele fazer um movimento de análise do seu próprio texto, identificando formas de
atingir um grau satisfatório de compreensão da mensagem. Dessa forma, Koch (2014)
aponta que a Linguística Textual auxilia o professor no desenvolvimento de práticas que
comportem as competências necessárias para as atividades de produção textual, levando
em conta os sentidos.

Verifica-se, assim, que o uso da linguagem, quer em termos de produção, quer de


recepção, repousa visceralmente na interação produtor-texto-ouvinte/leitor, que se

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manifesta por uma antecipação e coordenação recíprocas, em dado contexto, de
conhecimentos e estratégias sociocognitivas e interacionais. Tanto em textos
escritos como em textos orais, o produtor, visando à produção de sentidos, faz uso
de uma multiplicidade de recursos que vão muito além das simples palavras que
compõem as estruturas (Koch, 2014, p. 211).

Na era digital, a convergência entre educação e tecnologia tem se tornado uma


pauta relevante. No contexto do ensino de língua portuguesa, a integração de recursos
tecnológicos pode influenciar as práticas pedagógicas, proporcionando novas
perspectivas e abordagens para a aprendizagem. Portanto, faz-se necessário analisar os
pontos positivos e negativos da incorporação das inteligências artificiais ao ensino,
compreendendo como o uso de ferramentas tecnológicas impactam no desenvolvimento
da autoria.
A Inteligência Artificial (IA) refere-se à capacidade de uma ferramenta realizar
tarefas que normalmente exigiriam inteligência humana, como o aprendizado, raciocínio,
resolução de problemas, compreensão de linguagem, etc. Os sistemas de IA são
projetados para imitar a cognição humana, usando algoritmos e modelos matemáticos
para processar informações, aprender com dados e tomar decisões. Mais
especificamente, a Inteligência Artificial Generativa (IAG), popularizada com o Chat GPT,
refere-se a uma subcategoria da Inteligência Artificial (IA), que se concentra na
capacidade de criar novos conteúdos, como texto, imagem, som ou outros tipos de dados,
de maneira autônoma e contextualmente relevante. Em outras palavras, a IAG é
especializada em gerar informações ou artefatos que se assemelham, em algum grau,
àquilo que seria produzido por seres humanos. Nesse sentido, cabe refletir acerca do
cenário educacional e das práticas que podem ser adotadas no ensino de língua
portuguesa para que o processo autoral de elaboração textual escrito não sucumba à
ótica tecnológica das máquinas.
Dessa forma, o trabalho em questão tem como objetivo geral compreender as
práticas pedagógicas que podem aliar o uso da inteligência artificial generativa ao
processo de produção textual, e perceber os elementos argumentativos presentes tanto
nas redações humanas quanto nas produções textuais da IAG.
Assim, buscaremos: (i) investigar as influências da IAG na autoria textual,
analisando os mecanismos de argumentação que compõem os textos produzidos por ela;
(ii) comparar produções textuais escritas por seres humanos e pela IAG, observando as
marcas de autoria em cada uma delas e como se divergem e/ou se aproximam; (iii)

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discutir a intrincada relação entre a educação e a tecnologia, refletindo sobre os prós e
contras da utilização da inteligência artificial generativa ao ensino. Por fim, pretendemos
fomentar a discussão acerca da adoção de ferramentas digitais contemporâneas e suas
implicações no processo de ensino-aprendizagem.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Tendo em vista a relevância de considerar a incorporação da IAG no ensino, dentro


de um cenário global de inúmeras mudanças, principalmente no campo da tecnologia, é
importante se debruçar sobre alguns conceitos. A noção de tecnologia apontada por
Culpani (2016, p.12), reflete:

Aquilo que denominamos tecnologia se apresenta, pois, como uma realidade


polifacetada: não apenas em forma de objetos e conjuntos de objetos, mas
também como sistemas, como processos, como modos de proceder, como certa
mentalidade.

Assim, o autor indica que a tecnologia pode ser utilizada de maneira benéfica,
operando como facilitadoras de atividades humanas, de modo que - ao ser utilizada como
ferramenta na prática - viabiliza um aumento na velocidade e/ou na eficiência de
determinadas atividades; no entanto, a utilização de tecnologias na vida humana também
pode ter impactos maliciosos, dentre os quais o autor exemplifica a fabricação de armas.
Pensando no cenário contemporâneo, em que as mudanças tecnológicas ocorrem de
forma cada vez mais ágil, os instrumentos tecnológicos avançam numa velocidade que
surpreende. Hoje é possível se deparar com ferramentas tecnológicas que são capazes
de elaborar por si só conteúdos de maneira autoral, como é o caso do ChatGPT. Portanto,
esclarecendo a noção de Inteligência Artificial, Brochado (2023, p. 84) pontua:

Cientistas da computação denominam inteligência artificial a área em que se


desenvolvem processos longos, detalhados e enfadonhos de acumulação de
dados, que são levados a cabo por centenas de programadores, que há
décadas vêm estabelecendo por meio de programas (que ficam memorizados
na estrutura computacional) milhares de padrões de passo a passo
(algoritmos) com o propósito de obter resultados similares à cognição humana.
Esta é caracterizada principalmente pela memória, pelo entendimento e pelo
raciocínio, que, no caso, são simulados pelo cruzamento de dados

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adicionados a computadores potentes, imitando, com velocidade imbatível, os
processos de cognição humana.

Russel e Norvig (2009) trazem uma série de definições que podem ser atribuídas à
noção de inteligência artificial, classificadas (em tradução livre) como: “pensando de forma
humana”, “agindo de forma humana”, “pensando racionalmente” e “agindo racionalmente”.
Dentre elas, destacaremos as perspectivas que consideram a atividade humana, de modo
que “pensando de forma humana”, a inteligência artificial possuiria capacidades
correspondentes à cognição do ser humano. Já ao delimitarem a perspectiva “agindo de
forma humana”, os autores adotaram a abordagem do Teste de Alan Turing (1950). O
teste consistia em analisar o comportamento computacional, buscando obter uma
definição operacional satisfatória de inteligência. Nesse caso, a máquina passaria por
algumas etapas, devendo atender aos determinados critérios: 1) representação do
conhecimento para armazenar o que sabe ou ouve; 2) raciocínio automatizado para usar
as informações armazenadas para responder perguntas e tirar novas conclusões; 3)
aprendizado de máquina para se adaptar a novas circunstâncias e detectar e extrapolar
padrões. A partir desses fatores, chegar-se-ia à inteligência artificial efetivamente.
Quando se pensa na IAG, a concepção de aprendizado de máquina está
intrínseca, sendo uma abordagem que visa capacitar os sistemas a criar conteúdo
original, uma vez que são treinados para prever e gerar continuamente sequências de
texto coerentes. O conceito de prompt desempenha um papel crucial nesse processo,
representando as entradas fornecidas aos modelos para orientar sua produção. Ao
apresentar um prompt específico, o sistema de inteligência artificial generativa responde
de maneira contextual, aplicando o conhecimento adquirido durante o treinamento para
criar respostas relevantes. Assim, Ethan Mollick & Lilach Mollick (2023) observaram como
a utilização de prompts podem servir como base para a construção da escrita, e a
possibilidade de usar a IA na abordagem de ensino-aprendizagem.
Fazendo um recorte para as percepções da realidade educacional brasileira, no
que se refere ao processo de ensino-aprendizagem, buscaremos compreender as
possibilidades de abordagem e os riscos do uso da ferramenta do ChatGPT em sala de
aula. Além disso, vale ressaltar que, embora muitas escolas estejam acompanhando as
mudanças tecnológicas e incorporando ferramentas digitais ao ensino, o contexto de
escolas públicas no Brasil nem sempre é favorável para oferecer determinadas práticas.

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Assim, partindo do que foi exposto acerca da suposta capacidade cognitiva
computacional, cabe recorrer brevemente aos pressupostos teóricos que tecem visões
sobre o chamado cognitivismo clássico até chegar à noção de sociocognitivismo.
Ancorado na visão de Koch & Cunha-Lima (2005) acerca do cognitivismo clássico,
Custódio Filho (2011), sintetiza:

O conhecimento armazenado na mente é representado por símbolos manipuláveis


a partir de operações lógico-racionais; essas operações podem ser formalizadas, o
que implica a possibilidade de elaboração de modelos razoavelmente precisos
sobre como o conhecimento é processado; de posse desses modelos, é possível
simular as mesmas operações em uma máquina

Assim, é possível inferir que a noção cognitivista clássica partiria da ideia de que
as máquinas poderiam ser entendidas como um formato automático da mente humana, o
que, consequentemente, leva ao entendimento de que os seres humanos possuem
padrões automatizados de comportamento invariáveis. Em contrapartida, percorrendo a
ótica sociocognitivista, que se baseia na interação social e na influência mútua entre os
processos cognitivos e o ambiente social, Koch & Cunha Lima (2005) ressaltam a
importância da cultura na formação cognitiva dos sujeitos e que todo o espectro
sociocultural está imbricado aos processos cognitivos.
No que se refere ao ensino de língua portuguesa no Brasil, a abordagem da
Linguística Textual (LT) aos procedimentos metodológicos pode viabilizar o
desenvolvimento de “competências e habilidades concernentes à produção e
compreensão de textos” (Custódio Filho, V; Cavalcante, M., 2023, p. 2).
Pensando no viés da argumentação, Custódio Filho e Cavalcante (2023, p. 2),
defendem a ideia de “ponto de vista”

Partindo do que propõe Amossy (2011) sobre a dimensão argumentativa


presentificada nos textos, a LT propõe que as estratégias de textualização são
selecionadas de acordo com o projeto de dizer de um locutor, projeto este definido
a partir da influência (argumentativa) que se quer gerar no(s) interlocutor(es).
Nesse quadro, o ponto de vista (doravante PDV), conforme formulado por Rabatel
(2016), é um elemento fundamental para a percepção da trama argumentativa
(direta ou indireta) dos textos.

As chamadas TDICs, ou Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação, se


desenvolvem cada vez mais, se fazendo presentes em diversos segmentos da sociedade.
Quanto ao ensino, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) traz em relação às

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tecnologias digitais, a reflexão que os indivíduos devem, independentemente ao uso do
recurso tecnológico, ter a capacidade de analisar informações, através de curadorias que
o possibilitem criar o novo a partir do que já existe. Assim, o documento indica que o
aluno deve

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de


forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais (incluindo
as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações, produzir
conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida
pessoal e coletiva (Brasil, 2018, p. 9).

Com base nos princípios teóricos levantados, e utilizando postulações da BNCC


como diretriz curricular, é válido discorrer sobre a utilização das ferramentas tecnológicas
na produção textual argumentativa, na tentativa de estabelecer parâmetros para um uso
consciente e que permita que o aluno visualize o seu potencial de argumentação,
utilizando o recurso artificial como suporte.

METODOLOGIA

Para realizar a análise proposta, será adotada uma abordagem qualitativa, dentro
de uma ótica descritiva interpretativista. Os instrumentos de pesquisa serão guiados
através das noções teóricas citadas que colocam em foco a argumentação e autoria
construídas no processo de produção textual, a partir de textos dissertativo-
argumentativos presentes na cartilha do participante do ENEM. Serão selecionadas
redações com dois diferentes temas e anos de aplicação do exame. Ao mesmo tempo
serão analisadas as redações produzidas pela IAG através de um comando que direciona
o mesmo tema escolhido para análise das redações elaboradas por humanos.
A análise documental busca, então, investigar as marcas de autoria presentes nas
redações de domínio público da cartilha do ENEM, percebendo a forma como a
argumentação é construída, junto com a compreensão da sua estrutura, conteúdo,
coesão e coerência textual. Será realizada uma comparação entre as redações humanas
e as produções textuais geradas por IAG, a fim de perceber semelhanças e diferenças
nas estratégias argumentativas, na organização textual e no estilo de escrita.

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Além disso, partindo das concepções acerca da linguística textual e das
implicações da sua abordagem ao ensino, será discutida a possibilidade de uso da
ferramenta da IAG em práticas pedagógicas, que busquem aliar o processo de produção
textual à um recurso facilitador, tal como proposto por Ethan Mollick & Lilach Mollick
(2023).

REFERÊNCIAS

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desafios para as práticas de ensino da escrita. Trabalhos em Linguística Aplicada.
Campinas, n. 58.3, p. 1134-1163, set./dez. 2019. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/tla/a/mxWFFT69DCSj5nvZYCv7PhM/?lang=pt#. Acesso em: 23 nov
2023.
ANTUNES, I. Língua, texto e ensino. São Paulo: Parábola, 2009.
BEHRENS, M, A. A prática pedagógica e o desafio do paradigma emergente. Revista
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CUSTÓDIO FILHO, V. Múltiplos fatores, distintas interações: esmiuçando o
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