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Soluções financeiras para a conservação da natureza

Soluções
financeiras para
a conservação
da natureza

1
Autores
Heitor Dellasta
Fernando Campos
Leonardo Letelier

Revisão
Allan Rabelo
Amanda Oliveira

Projeto Gráfico e Diagramação


ig+ Comunicação Integrada

Elaborado por Sitawi Finanças do Bem


Fevereiro de 2023.

Soluções financeiras para a conservação da natureza © 2023


by Fernando Campos, Heitor Dallasta e Leonardo Letelier is
licensed under CC BY-ND 4.0
Sobre os autores:

Heitor Dellasta, analista de Finanças


de Conservação e Clima na Sitawi.

Fernando Campos, gerente de


Finanças de Conservação e Clima
na Sitawi.

Leonardo Letelier, CEO e fundador


da Sitawi Finanças do Bem e co-
fundador e Diretor Executivo da
Endowments do Brasil.

Sobre a Sitawi

A Sitawi Finanças do Bem é uma


organização sem fins lucrativos
fundada em 2008 e pioneira no
desenvolvimento de soluções
financeiras inovadoras para impacto.
A organização mobiliza e gerencia
recursos para quem quer construir
um futuro melhor, ressignificando
o papel do capital por meio do
impacto socioambiental positivo.
Atuando no Investimento de
Impacto, conecta investidores a
empreendedores sociais através da
Plataforma de Empréstimo Coletivo.
Também faz a gestão de Filantropia
e de Fundos Patrimoniais, além de
desenvolver mecanismos financeiros
para conservar a biodiversidade e
enfrentar os desafios climáticos.
Sumário

Lista de acrônimos › 6

Sobre este mapeamento › 7

Contextualização › 8

Proposta de arcabouço para soluções financeiras voltadas à conservação


da biodiversidade › 10

1. Qual a origem do recurso? › 12


1.1. Governo nacional › 13
1.2. Governo internacional › 14
1.3. Setor privado › 14
1.4. Filantropia › 15

2. Qual o tipo e a categoria de intervenção? › 16


2.1. Intervenções financeiras › 17
2.1.1. Intervenção financeira de mercado › 17

2.1.2. Intervenção financeira concessional › 17

2.1.3. Intervenção financeira de doação › 18

2.2 Intervenções econômicas › 19


2.2.1. Intervenção econômica de mercado › 19

2.2.2. Intervenção econômica fiscal › 19

2.2.3. Intervenção econômica regulatória › 20

2.3 Intervenções de negócios › 21


2.3.1. Intervenções de negócios de cadeias de valor › 21

2.3.2. Intervenções de negócios, produtos e processos › 21

2.3.3. Intervenções de negócios de compensação › 22

3. Qual ou quais os instrumentos financeiros mais adequados? › 23


4. Quais os setores a serem envolvidos? › 26
4.1. Água › 27
4.2. Agricultura e Pecuária › 28
4.3. Áreas Protegidas › 28
4.4. Florestas › 29
4.5. Ecossistemas Costeiros e Marinhos › 30
4.6. Pesca › 30
4.7. Cidades › 31
4.8. Turismo › 31
4.9. Povos indígenas e comunidades locais › 32

5. Quais os ativos ambientais a serem envolvidos? › 33


5.1. Terrestres › 35
5.2. Aquáticos › 35
5.3. Marinhos › 36
5.4. Atmosféricos › 36

6. Qual a estratégia a ser seguida? › 37


6.1. Colaboração multissetorial › 38
6.2. Finanças híbridas › 38
6.3. Soluções baseadas na natureza › 39

7. Quais os resultados esperados? › 40


7.1. Mobilizar capital › 42
7.2. Entregar melhor › 43
7.3. Realinhar gastos › 44
7.4. Evitar despesas futuras › 45

E para onde vamos? › 46

Bibliografia › 48
Soluções financeiras para a conservação da natureza

Lista de acrônimos

CDB > Convenção sobre Diversidade Biológica


CSR > Responsabilidade Social Corporativa
GBF > Marco Global da Biodiversidade [Global Biodiversity Framework]
ODA > Assistência Oficial ao Desenvolvimento
ODF > Financiamento oficial para o desenvolvimento
ONGs > Organizações Não-Governamentais
PIB > Produto Interno Bruto
PSA > Pagamento por Serviços Ambientais
RPPN > Reservas Particulares do Patrimônio Natural
SbN > Soluções Baseadas na Natureza
TNFD > Taskforce on Nature-related Financial Disclosures

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

Sobre este mapeamento

E m 28 de julho de 2022 a humanidade já havia retirado da natureza


mais recursos do que a capacidade de regeneração dos ecossistemas
para aquele mesmo ano – ou seja, atualmente precisamos de cerca de 1,7
planeta para atender nossa demanda anual de recursos naturais. Ainda,
segundo estimativas da Plataforma Intergovernamental sobre Biodiversidade
e Serviços Ecossistêmicos (IPBES, em inglês), dos 8 milhões de espécies
animais e vegetais que se estima viverem na Terra, cerca de 1 milhão pode
desaparecer completamente nas próximas décadas.

Os sinais de que estamos enfrentando uma crise ambiental global são


bastante claros e o colapso ecológico é iminente se mantivermos o cenário
de uso insustentável dos recursos naturais e degradação sistemática
dos habitats. Não só a economia está em risco, mas a própria sociedade
humana como a conhecemos. Governos têm buscado atuar dentro de
suas capacidades e orçamentos, porém, apesar de avanços significativos, a
perda da biodiversidade tem se acentuado nas últimas décadas. Esforços
adicionais são urgentes e necessários.

Sob à luz do novo Marco Global da Biodiversidade, acordado em 2022, as


discussões sobre como fechar a lacuna de financiamento global para a
biodiversidade avançaram e, para conter esta crise, precisamos aumentar
substancial e progressivamente o nível de recursos financeiros, de modo
eficaz e facilmente acessível, incluindo capitais de origem doméstica
nacional, internacional, privada e filantrópica.

Na intenção de ressignificar o papel do capital por meio do impacto


socioambiental positivo, a Sitawi tem empreendido esforços não
apenas para mobilizar, mas também destravar recursos financeiros para
conservação da biodiversidade. Este mapeamento, portanto, apresenta um
conjunto de soluções práticas de financiamento para a biodiversidade com
o objetivo de apoiar os diferentes atores que desejam construir e viver num
planeta mais sustentável e justo para todas as espécies.

Fernando Campos,
gerente de Finanças de Conservação e Clima na Sitawi

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

Contextualização

À medida que os impactos da atividade humana no mundo natural se


tornam evidentes através da emergência da crise climática e ecológica,
uma transformação sistêmica se faz necessária em todos os setores da
economia. Ainda que a compreensão acertada das relações entre economia
e biodiversidade seja demasiadamente complexa, poucos governantes e
tomadores de decisão duvidam do valor inerente e diverso da natureza e
a importância de gerenciá-la para garantir fluxos regulares e estáveis de
suas contribuições para as pessoas. Por exemplo, a provisão de alimentos
e biomassa, a regulação do clima, solo e água e as questões culturais
relacionadas às interações entre sociedade e natureza.

Com metade do PIB mundial moderadamente ou altamente dependente


da natureza e seus serviços, o interesse em combater a perda de natureza
e de biodiversidade tem promovido um diálogo virtuoso entre o setor
público, empresas e sociedade civil. Nesse cenário, é urgente que o diálogo
reconheça e atue sobre a demanda para se aperfeiçoar e construir soluções
financeiras para a conservação da biodiversidade. Embora haja uma série
de estimativas das necessidades de financiamento para a biodiversidade,
com base em diferentes pressupostos, metodologias e cenários, todas as
estimativas apontam para uma lacuna expressiva de recursos para esta
década (TOBIN-DE LA PUENTE, MITCHELL, 2021; DEUTZ et al., 2020, MEYERS et
al., 2020; UNDP 2018). Considera-se que, em 2019, os gastos em conservação
da biodiversidade estavam entre US$ 124~143 bilhões, ao passo que a
necessidade total estimada se encontra entre US$ 722~967 bilhões por ano,
levando em consideração a demanda até 2030. Isso deixa uma lacuna atual
de financiamento entre US$ 598~824 bilhões por ano (DEUTZ et al., 2020).

Isso significa que, para cobrir a lacuna atual de financiamento para a


biodiversidade, é necessário não apenas ampliar o volume de recursos
financeiros para a natureza, mas também destravar e diversificar outros
fluxos de capital para a biodiversidade. É nesse contexto que se insere o
campo das finanças de conservação, que tem como objetivo criar incentivos
dentro de fontes de financiamento públicas e privadas para conservar a
natureza, a biodiversidade e os ativos ambientais e, posteriormente, garantir
um fluxo sustentável de serviços ecossistêmicos para o futuro.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

De acordo com PNUD BIOFIN (2018), o conceito de finanças de conservação


corresponde à prática de mobilizar e administrar capital através da
utilização de mecanismos financeiros e econômicos para apoiar a gestão
sustentável da biodiversidade. Em outras palavras, trata-se de alavancar e
gerir eficazmente as estruturas econômicas, políticas e de governança para
tecer sinergias positivas entre a qualidade de vida humana e a conservação
e restauração da biodiversidade (BLOCHER et al., 2022; WILLIAMS, FISHER,
2022; WWF, 2022; TOBIN-DE LA PUENTE, MITCHELL, 2021; DEUTZ et al., 2020,
MEYERS et al., 2020; OCDE, 2020; UNDP 2018; CREDIT SUISSE, 2014).

Esse mapeamento tem como objetivo estabelecer quais são as opções para
financiar a conservação e a restauração da biodiversidade para múltiplos
agentes interessados. Para tanto, apresenta-se uma estrutura de arcabouço
analítico-conceitual com base na literatura internacional especializada na
temática de finanças de conservação. Apesar desse mapeamento não trazer
nenhuma novidade do ponto de vista de ineditismo, seu esforço recorre
em uma análise de inteligência que pretendeu encadear perguntas centrais
para se construir soluções financeiras inovadoras para a biodiversidade no
contexto brasileiro.

Esse mapeamento foi elaborado para atender não apenas às necessidades


do setor público, das empresas e dos atores da sociedade civil no
desenvolvimento de soluções práticas de financiamento para a
biodiversidade, mas também como um levantamento da variedade de
mecanismos atualmente em uso no financiamento da biodiversidade
para aqueles que desejam entender como investir na natureza de uma
maneira que ajude a proteger nossa biosfera, em vez de causar prejuízos.
A argumentação central por trás da estrutura apresentada é que soluções
financeiras inovadoras ocorrerão através da combinação de capitais de
origens diversas e instrumentos financeiros variados. Dessa forma, é possível
criar soluções financeiras com riscos reduzidos ou ao menos moderados,
atrativas do ponto de vista financeiro e para a conservação da natureza.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

Proposta de arcabouço
para soluções financeiras
voltadas à conservação da
biodiversidade

A ideia de se propor um arcabouço para soluções financeiras de


conservação da biodiversidade surge como resultado de inúmeras
lacunas encontradas em diálogos com governos, empresas e a sociedade
civil sobre como e quais são as opções para se investir na biodiversidade e,
se possível, manter retornos financeiros.

A proposta desse mapeamento foi construir um caminho através de


perguntas que orientem os múltiplos atores interessados em como investir
na biodiversidade. Entende-se que a construção de uma solução financeira
inovadora depende de quão bem combinadas e articuladas serão as
respostas para cada uma das perguntas. Vale ressaltar que, para cada
pergunta, não existe uma resposta ideal ou exclusiva. Pelo contrário, as
maiores oportunidades ocorrerão pela inteligência de se reunir diferentes
tipos de capitais, abordagens e instrumentos financeiros de modo a
responder às demandas econômicas, sociais e ambientais, simultaneamente.

Para uma leitura mais agradável é preciso diferenciar os seguintes termos


que aparentemente são sinônimos, mas que, na verdade, possuem
diferenças notórias:

Instrumentos financeiros

São definidos como ferramentas para mobilizar, coletar, gerenciar


e desembolsar recursos financeiros. É intercambiável com o termo
“mecanismos financeiros”.

Soluções financeiras

São definidas como abordagens integradas para resolver problemas


através do uso de instrumentos financeiros em um contexto específico,
estruturadas por meio de:

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

• Fontes de financiamento das quais a solução financeira depende de;


• Intermediários ou agentes encarregados de gerenciar a operacionalização
da solução financeira;
• Beneficiários ou principais partes interessadas que recebem o
financiamento ou são alvos da solução financeira;
• Instrumentos financeiros utilizados para mobilizar, arrecadar, gerir e
desembolsar o financiamento;
• Resultados desejados que a solução financeira visa alcançar para a
biodiversidade.

Desse modo, a proposta de arcabouço pretende demonstrar caminhos


possíveis para se construir soluções financeiras para a conservação da
biodiversidade. Inseridos nelas estão diferentes possibilidades de instrumentos
financeiros que, quando combinados, podem levar a elaboração de mecanismos
financeiros mais complexos e com resultados mais abrangentes. Abaixo, na
Figura 1, indica-se o framework para a construção de soluções financeiras para a
conservação da biodiversidade, com base nas seguintes perguntas:

1. Qual a origem do recurso?


2. Qual o tipo e a categoria de intervenção?
3. Qual ou quais os instrumentos financeiros mais adequados?
4. Quais os setores a serem envolvidos?
5. Quais os ativos ambientais a serem envolvidos?
6. Qual a estratégia a ser seguida?
7. Quais os resultados esperados?

Figura 1 - Framework de finanças de conservação


INVESTIMENTO FINANCEIRO IMPACTO NA CONVERVAÇÃO

Qual a origem Qual o tipo de Qual a categoria Qual o Quais os Quais os ativos
do recurso? intervenção? da intervenção? instrumento setores a serem ambientais
ideal? envolvidos? a serem
• Mercado envolvidos?
• Intervenção
• Concessional
Financeira • Água
• Doação
• Agricultura
• Áreas protegidas
• Governo
Para mais detalhes, • Áreas marinhas
nacional • Mercado • Terrestres
• Intervenção clique aqui e costeiras
• Governo • Fiscal • Água doce
econômica • Floresta
internacional • Regulatório • Oceanos
• Pesca
• Privado • Atmosfera
• Turismo
• Filantropia
• Povos indígenas
• Cadeia de valor e comunidades
• Intervenção • Produto,‡Processos, locais
de negócios Políticas
• Compensação

Qual a estratégia • Colaboração multissetorial • Finanças Híbridas • Pagamento por sucesso • Fundos socioambientais • ...
seguida?

Quais os resultados • Mobilizar recursos • Aumentar eficiência • Evitar gastos • Realinhar despesas • ...
esperados?

Fonte: Sitawi.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

1.
Qual a origem
do recurso?

Se por um lado as estimativas de financiamento da


biodiversidade estão em torno de US$ 722 – 967 bilhões
anuais, os fluxos de financiamento estão em torno de US$
124 – 143 bilhões anuais, cobrindo apenas 16 - 19% das
necessidades totais para se conter a perda de biodiversidade
e de natureza (DEUTZ et al., 2020). Nesse sentido, é
importante analisar e prospectar quais são os agentes
envolvidos (ou potencialmente interessados) em contribuir
com a agenda de financiamento da natureza.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

Por isso, mapear e decidir a origem dos recursos é um passo inicial e crucial
para o desenho de mecanismos financeiros para conservar a biodiversidade.
Entende-se que será necessário não apenas um redirecionamento dos
recursos existentes, mas uma forte mobilização de recursos adicionais.
Embora os governos já desempenhem e devam manter o papel de liderança,
a mensagem central a ser ressaltada é a de que, sozinhos, eles não poderão
fornecer o financiamento necessário para proteger a biodiversidade global.
Igualmente, os recursos filantrópicos não serão suficientes para esse fim,
devendo ser usados para catalisar investimentos ou reduzir os riscos. Nesse
cenário, o setor privado é frequentemente apresentado como uma grande
oportunidade e esperança para a conservação da natureza, considerando
que, o montante dos recursos financeiros que poderiam trazer, em muitos
casos, excedem em muito os dos governos e da filantropia.

Do ponto de vista desse estudo, um dos pontos de maior centralidade para


ampliar e diversificar o financiamento para conservar a biodiversidade é a
possibilidade de se criar diferentes mecanismos financeiros que mesclem
recursos de diferentes origens, sejam eles públicos, privados ou filantrópicos,
corroborando com as iniciativas sobre finanças híbridas (blended finance).
Entende-se que cada origem de recurso tem potenciais e desafios diferentes
e sua combinação tende a gerar uma solução financeira muito mais saudável.

Nota-se que a origem dos recursos pode assumir as seguintes categorias:

1.1. Governo nacional


O financiamento de origem governamental nacional refere-se ao
financiamento de dentro de um país por governos nacionais e subnacionais,
agências públicas e instituições financeiras públicas com orientação para a
conservação da biodiversidade e a manutenção de serviços ecossistêmicos.
Em outras palavras, refere-se à alocação direta ou indireta de financiamento
dos orçamentos públicos nacionais.

Nesse sentido, o governo nacional pode recorrer à diferentes estratégias,


por exemplo: estabelecimento e manutenção de áreas naturais protegidas,
arrecadação e direcionamento de impostos para a conservação da natureza,
financiamento direto de projetos e/ou redução de taxas de financiamento
para a conservação da natureza e isenção e/ou redistribuição de impostos.
Multas, taxas, penalidades e licenças negociáveis são outros mecanismos que
podem ser utilizados para gerar financiamento a partir do governo nacional.
Os governos nacionais também têm o papel de redirecionar diferentes gastos,
podendo aproximá-los ou afastá-los de atividades prejudiciais à natureza.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

1.2. Governo internacional


O financiamento público internacional da biodiversidade refere-se a
transferências financeiras de um governo, agência ou instituição financeira
pública para apoiar a busca de objetivos de biodiversidade em outros
países, normalmente com foco em atender demandas de desenvolvimento
sustentável no Sul Global. Refere-se também aos outros fluxos oficiais,
fluxos bilaterais, multilaterais e fundos que são inicialmente gerados a
nível supranacional e incluem mecanismos como a assistência oficial
ao desenvolvimento (ODA, em inglês) ou o financiamento oficial para o
desenvolvimento (ODF, em inglês). Devido à sobreposição entre metas
ambientais e metas de desenvolvimento, tratam-se de estratégias que
assumem um papel de financiamento para o desenvolvimento sustentável.
Em geral, o financiamento é fornecido com taxas ou termos de juros
concessionais e conta com o acompanhamento técnico de especialistas.

1.3. Setor privado


O financiamento privado é definido como os fluxos financeiros gerados por
meio de um mecanismo implementado principalmente pelo setor privado.
O financiamento privado pode usar mecanismos de investimento voluntário
(por exemplo, títulos verdes ou títulos de impacto ambiental) ou pode ser
impulsionado por regulamentações de políticas nacionais ou internacionais
(como compensações de biodiversidade e mercados de carbono). O setor
privado pode se interessar em financiar a conservação da biodiversidade
do ponto de vista da manutenção de fluxos de serviços ecossistêmicos que
são essenciais para o funcionamento de seus negócios, pela percepção
dos riscos associados à perda global de biodiversidade e os impactos
resultantes para a economia no longo prazo, assim como devido ao
aumento de produtos financeiros que proporcionam retornos econômicos e
ambientais, simultaneamente.

Entende-se que cada origem de recurso


tem potenciais e desafios diferentes e sua
combinação tende a gerar uma solução
financeira muito mais saudável.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

Por um lado, o financiamento do setor privado tende a ser crescente, uma


vez que os investidores integrem a gestão da biodiversidade nas avaliações
de risco de suas carteiras de investimento e busquem implementar práticas
de gestão de risco associados à biodiversidade em seus portfólios por meio
de triagem positiva e negativa, adoção de normas e padrões, engajamento
corporativo, desinvestimento e integração de indicadores. Por outro
lado, a evidência do aumento do interesse dos investidores em produtos
financeiros que proporcionam retornos econômicos e ambientais pode ser
vista no desenvolvimento de investimentos privados de conservação em
dívida público-privada, fundos de private equity verdes e fundos de ações
públicas sustentáveis.

1.4. Filantropia
A filantropia como fonte de financiamento inclui contribuições de fundações
privadas, fundações ou institutos corporativos e organizações não-
governamentais (ONGs). Em sua essência, trata-se de um recurso para
qual nenhum reembolso é exigido, ainda que normalmente esteja atrelado a
uma contrapartida através de resultados, indicadores de performance e/ou
acompanhamento técnico de especialistas. A filantropia exerce um papel de
grande importância para seed funding, catalisação de recursos e redução de
riscos envolvendo mecanismos de financiamento da natureza.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

2.
Qual o tipo e
a categoria de
intervenção?

As soluções de financiamento para a conservação da


biodiversidade devem ser projetadas e implementadas
de maneira estratégica para que sejam bem-sucedidas.
Embora tenhamos avanços significativos, tanto na literatura
quanto em aplicações diretas, ainda se tem espaço
para fornecer um cardápio de opções que permitam
compreender caminhos para uma melhor alocação de
recursos a serem direcionados para a natureza.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

A seguir, são apresentadas diferentes opções de intervenções como


forma de demonstrar um processo de tomada de decisão estratégico na
determinação da alocação, adequação e direcionamento de escopo e
proposta de atuação a depender dos agentes envolvidos e dos contextos
específicos de cada tipo de financiamento. Afirma-se que as intervenções
servem como categorias mais amplas, a partir das quais, na sequência,
servirão de base para distribuir diferentes instrumentos financeiros.

2.1. Intervenções financeiras

2.1.1 Intervenção financeira de mercado

As intervenções financeiras de mercado são aqueles investimentos que


incluem uma variedade de estratégias e instrumentos financeiros que
buscam tanto impactos ambientais positivos quanto retornos financeiros
para um empresário ou investidor. Essa abordagem pode ser dividida
de várias maneiras, incluindo mercados privados, mercados de capitais,
prioridades de impacto, tamanho do investimento, produtos baseados em
dívida e/ou empréstimo e abordagens baseadas em capital e propriedade.
Muitas dessas categorias são sobrepostas e não exclusivas.

2.1.2 Intervenção financeira concessional

As intervenções financeiras concessionais são mecanismos de


financiamento que permitem fluxos financeiros fornecidos com taxas de
financiamento abaixo do mercado. Isso inclui desde atuações de bancos
de desenvolvimento e outras agências de desenvolvimento, bem como
organizações bilaterais, multilaterais ou fundos que fornecem empréstimos
para uma ampla gama de iniciativas ambientais.

Em geral, tratam-se de recursos que são entregues a projetos de


conservação, para incentivar a geração de receita adicional ou para
melhorar o monitoramento de seu financiamento. Em outras palavras, estes
instrumentos financeiros fornecem apoio que acelera o capital por meio
de empréstimos concessionais, garantias ou outras formas de assistência
que permitem investimentos na preservação da biodiversidade. Igualmente,
trata-se de uma intervenção que desempenha papel crítico na redução do
risco de investimentos privados.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

2.1.3 Intervenção financeira de doação

As intervenções financeiras de doação são aquelas que ocorrem por meio


de subsídios e outras transferências financeiras. Normalmente, ocorrem
através de fluxos que permitem fontes de financiamento para destinatários
ou beneficiários que buscam recursos para metas de desenvolvimento
sustentável ou conservação da biodiversidade. Ao contrário de outros tipos
de investimentos, esse instrumento financeiro é fornecido sem expectativa
de retorno para a organização financiadora. Considera-se nessa categoria
tanto o financiamento oriundo da filantropia, bem como remessas ou outras
formas de transferências financeiras com objetivos de desenvolvimento
sustentável e conservação da biodiversidade ligados a agências bilaterais
ou multilaterais, bancos de desenvolvimento ou outras agências de
desenvolvimento. Além dos fluxos financeiros, a cooperação técnica está
normalmente incluída na ajuda.

A filantropia é a principal transferência financeira de doadores privados


e corporativos para beneficiários com a intenção de contribuir para o
desenvolvimento sustentável, incluindo a conservação da biodiversidade.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

2.2. Intervenções econômicas

2.2.1 Intervenção econômica de mercado

As intervenções econômicas de mercado são mecanismos essenciais de


financiamento da conservação, pois muitos serviços e custos ambientais
são externos às finanças das empresas privadas. Os instrumentos
econômicos de mercado são meios eficientes para as organizações
trazerem essas externalidades para os preços de mercado. No geral, trata-
se de uma incorporação de custos e benefícios nos orçamentos por meio
de uma precificação do custo total oriundo da natureza, o que permite
aumentar os preços de produtos e serviços prejudiciais ao meio ambiente e
diminuir os custos e preços de bens e serviços ambientais positivos.

2.2.2 Intervenção econômica fiscal

As intervenções econômicas fiscais estão relacionadas com a forma como o


setor público faz a gestão, prioriza, planeja e executa as finanças nacionais.
Uma ampla gama de ações pode melhorar o financiamento para a natureza
por meio do processo de planejamento e orçamento em nível nacional
e local. Inclui desembolsos efetivos, diferentes formas de transferências
fiscais, reforma de subsídios perversos e destinação de receitas para a
natureza, bem como implementações de ações e planos de trabalho para
a conservação da natureza e o desenvolvimento sustentável em parcerias
públicas, público-privadas ou multissetoriais.

Garantir alocações adequadas para a conservação nos orçamentos


nacionais pode ser um desafio, dadas as demandas concorrentes desses
orçamentos, porém, as alocações orçamentárias dos governos nacionais são
a maior fonte estável de financiamento para a natureza, globalmente e na
maioria dos países.

As intervenções servem como categorias


mais amplas, a partir das quais, na
sequência, servirão de base para distribuir
diferentes instrumentos financeiros.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

2.2.3 Intervenção econômica regulatória

As intervenções econômicas regulatórias são parte das finanças do


setor público, mas a forma de transferência é diferente das alocações
orçamentárias gerais. Nesse caso, os governos geralmente fornecem
doações diretas ou incentivos indiretos para estimular ou viabilizar
atividades relacionadas à conservação da natureza, nas quais os valores
das doações e os objetivos gerais são definidos durante o processo
orçamentário nacional e subnacional.

Os subsídios governamentais podem ser diretos ou indiretos e podem


assumir a forma de transferências diretas, créditos fiscais e vantagens
regulatórias que gerem benefícios econômicos ou financeiros para o
destinatário. Essa estratégia se baseia em garantir que uma série de
receitas do governo sejam reservadas ou alocadas especificamente para a
conservação da natureza ou outras ações ambientais. Isso pode ser feito por
meio do uso de fundos ambientais, retenção de receitas em nível local ou de
agência, ou por meio de procedimentos contábeis que atribuem alocações
orçamentárias específicas com base nessas receitas. Essa abordagem é
especialmente importante para taxas e encargos, mas também foi usada com
sucesso para impostos sobre setores que contribuem com a degradação
ambiental e a mudança desordenada no uso do solo.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

2.3. Intervenções de negócios


As intervenções de negócios concentram-se em ações que podem ser
tomadas por e para o setor privado, que geralmente visam diminuir o
custo da conservação, alinhar incentivos privados e públicos e melhorar
modelos de negócios e operações de forma a apoiar a gestão sustentável
da natureza. Em geral, são investimentos e ações tomadas por empresas
que visam operações comerciais como fornecimento de matérias-primas,
processamento, fabricação e preços de modo a criar oportunidades de
negócios que contribuam para a conservação da biodiversidade. Essa
categoria enfoca as ações e perspectivas de negócios operacionais e não
investidores ou governos.

2.3.1 Intervenções de negócios de cadeias de valor

As intervenções de negócios de cadeias de valor visam tanto diminuir a


volatilidade da oferta e dos preços nas cadeias de abastecimento, devidos
à fatores ambientais e melhorar a sustentabilidade ao longo da produção
de matéria-prima para os negócios, quanto aumentar a construção e o
fortalecimento de cadeias produtivas relacionadas à sociobiodiversidade e
aos setores de restauração e conservação da natureza. Essas ações incluem
compromissos de combate ao desmatamento, adesão a certificações de
abastecimento sustentável, suporte técnico e incentivos financeiros ao
longo da cadeia de abastecimento, bem como investimentos em tecnologia
apropriada ou pesquisa para melhorar a sustentabilidade e a produtividade
da produção de matérias-primas e de produtos da sociobiodiversidade.

2.3.2 Intervenções de negócios, produtos e processos

A abordagem de negócios, produtos e processos está relacionada com os


modelos de negócios das empresas e de sua responsabilidade corporativa.
A categoria abrange uma série de instrumentos voluntários que impactam
empresas ou indústrias que as levam a melhorar seu desempenho ambiental
além do que a lei exige. Existem oportunidades de negócios emergentes em
mercados de não conformidade para gestão de água, compensações de
carbono, consumidores ecologicamente conscientes e recursos genéticos
e ecológicos da natureza. Isso inclui o uso de certificação terceirizada
voluntária para produtos sustentáveis, como papel e celulose (Forest
Stewardship Council), frutos do mar (Marine Stewardship Council) e
produtos agrícolas (por exemplo, orgânicos, Rainforest Alliance). Os esforços

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

de responsabilidade social corporativa (CSR, em inglês) buscam alcançar


vários resultados, incluindo atingir compromissos ESG para investidores,
melhorar a satisfação e retenção de funcionários, proteger e promover a
imagem, o valor da marca e a posição legal de uma empresa.

Empresas privadas ou públicas que se envolvem em atividades comerciais


de apoio à conservação, incluindo ecoturismo, pesca sustentável e
silvicultura, e outras organizações que empregam as melhores práticas de
gestão, contribuem para a preservação da natureza. Uma gama crescente
de empresas identificou oportunidades que contribuem para a conservação
por meio de seus modelos de negócios. As oportunidades vão desde o
desenvolvimento de alta tecnologia para rastrear as condições ambientais,
até atividades no nível da paisagem para gestão de bacias hidrográficas e
silvicultura ecológica.

2.3.3 Intervenções de negócios de compensação

As intervenções de negócios de compensação incluem instrumentos


voluntários destinados a compensar os impactos das organizações
causados na natureza. Inclui todas as compensações voluntárias de
carbono, zonas úmidas e biodiversidade, bem como quaisquer outras
compensações baseadas na natureza, como qualidade da água, temperatura
da água, captação de águas pluviais e outras formas de ações da empresa
para reduzir ou compensar suas pegadas climáticas, terrestres e hídricas.

A compensação inclui regras regulatórias e aplicação em torno da hierarquia


de mitigação, bem como uma série de estratégias para alcançar o que é
chamado de net zero ou net positive. A abordagem procura identificar as
principais áreas naturais ou ativos antes de realizar investimentos e evitar
danificar essas áreas durante a implementação do projeto ou equilibrar
os danos inevitáveis causados. De acordo com as melhores práticas,
compensações devem ser usadas para balancear os impactos residuais
seguindo todas as etapas anteriores na hierarquia de mitigação (isto é,
evitar, minimizar, restaurar e compensar). Diferentes tipos de conformidade
e compensações voluntárias podem fornecer restituição em espécie para
danos planejados por meio de restauração no local ou compra de créditos
de compensação e por meio do pagamento de “taxas in loco” - remuneração
financeira destinada (em teoria) para investimentos na natureza.

22
Soluções financeiras para a conservação da natureza

3.
Qual ou quais
os instrumentos
financeiros mais
adequados?

O objetivo das finanças de conservação é criar incentivos


econômicos dentro de fontes financeiras públicas, privadas ou
filantrópicas para preservar a biodiversidade e, posteriormente,
garantir um fluxo sustentável de serviços ecossistêmicos
para o futuro. Como descrito anteriormente, uma solução
de financiamento da biodiversidade é uma abordagem
integrada para reduzir a pressão e melhorar os resultados em
conservação da biodiversidade. Cada solução de financiamento
da biodiversidade é construída sobre uma combinação de
elementos que podem incluir um ou mais instrumentos ou
mecanismos financeiros. Isso significa que, uma única solução,
pode ajudar a alcançar uma variedade de resultados.

23
Soluções financeiras para a conservação da natureza

O Quadro 1 abaixo apresenta alguns exemplos, de modo não exaustivo, de meca-


nismos financeiros mais adequados pra cada tipo de intervenção financeira.

Quadro 1 - Exemplos de instrumentos financeiros de acordo com as


categorias de intervenção

Intervenção Exemplos
Microfinanças
Peer-to-peer (P2P) ou Crowdfunding
Venture Capital
Financeira de mercado Private Equity
Dívida: arrendamento, empréstimos, notas e trade
finance
Mercados de capitais
Financeira concessional Empréstimo concessional
Assistência oficial ao desenvolvimento
Financeira de doação Filantropia privada e corporativa
Doações governamentais
Econômica de mercado Compensação e Offsets regulamentados
Taxas relacionadas com questões ambientais
Taxas e encargos
Multas e penalidades
Econômica fiscal Transferência fiscal
Planejamento fiscal público, orçamentos e
desembolsos
Earmarking Revenues for Nature
Licenças de uso de recursos negociáveis
Econômica regulatório Subsídios benéficos
Reforma de subsídios perversos

Negócios de Cadeias de produção sustentáveis


cadeias de valor Produtos da sociobiodiversidade
Produtos de seguro

Negócios de produtos Estratégias de investimento sustentável


e processos Gestão do capital natural
Responsabilidade corporativa ambiental
Negócios de compensação Offsets voluntários

Fonte: Sitawi.

24
Soluções financeiras para a conservação da natureza

Instrumentos financeiros e soluções financeiras


No cenário contemporâneo, é recorrente a referência aos mercados de
carbono, pagamentos por serviços ambientais ou títulos de impacto de
conservação. Porém, nenhum desses foi mencionado como possibilidade
de instrumento financeiro. Isso ocorre pois, na perspectiva deste estudo,
eles foram considerados como soluções financeiras. Isso significa que, para
a estruturação de qualquer uma dessas soluções financeiras, é necessário
alinhar e combinar mais de um instrumento financeiro, por exemplo:

• Os mercados de carbono dividem-se em regulados e voluntários,


respondendo a instrumentos financeiros fiscais e instrumentos de
negócios. Os mercados regulados surgem de requisitos regulatórios e
estabelecidos através de impostos ou taxas de carbono que colocam um
preço em uma unidade mensurável de emissões de gases de efeito estufa
ou equivalentes. Os mercados voluntários de carbono são resultado de
metas de responsabilidade social corporativa, esforços para divulgação
de resultados ou redução de riscos relacionados a questões econômicas
e ambientais. Desse ponto de vista, diversos instrumentos financeiros
podem ser atrelados para alavancar recursos, alinhar incentivos ou
incorporar custos à produção.

• Os pagamentos por serviços ambientais (PSA) são estratégias usadas


para incentivar os proprietários e usuários de terras a conservar
e restaurar áreas naturais e os fluxos de serviços ecossistêmicos
associados em suas propriedades através do uso de incentivos
econômicos, desencorajando-os de outros usos não sustentáveis.

As soluções financeiras de PSA podem ser construídas por diferentes


capitais, podendo ser oriundos do setor público, do setor privado ou
da filantropia. Isso significa que múltiplos instrumentos podem ser
utilizados, como instrumentos financeiros concessionais, financeiros
de doação ou econômicos fiscais, bem como uma combinação de
diferentes mecanismos. De mesmo modo, o desembolso financeiro para
os beneficiários do programa também pode assumir um ou mais de um
tipo de instrumento financeiro. Ainda do ponto de vista dos resultados,
podem ser construídos almejando tanto mobilizar capital e gerar receitas
quanto entregar melhores resultados. Portanto, os PSA não devem ser
considerados como instrumentos financeiros, já que assumem diferentes
estruturas de organização e gestão, diferenciando-se a depender do
financiador, do beneficiário e da localidade.

25
Soluções financeiras para a conservação da natureza

4.
Quais os
setores a serem
envolvidos?

Existem diversas possibilidades de se direcionar o


financiamento para a conservação da biodiversidade tendo
em vista os diferentes setores da economia. Para além dos
setores clássicos diretamente relacionados com a natureza,
como são as áreas protegidas e os setores associados com
a gestão de recursos naturais, outros setores com maiores
intervenções antropogênicas devem ser considerados.

26
Soluções financeiras para a conservação da natureza

A seleção do setor de atuação para direcionamentos dos recursos


depende de inúmeros fatores, mas, fundamentalmente, precisam estar
alinhados com os conhecimentos previamente acumulados ao menos
por uma das organizações envolvidas no desenho de mecanismos e
soluções financeiras para a biodiversidade. Para cada setor existem riscos e
oportunidades associados com a natureza e, portanto, maiores ou menores
possibilidades de retornos financeiros e ambientais. Para os setores mais
convencionais relacionados com a natureza, por exemplo, agricultura, pesca
e floresta, existe espaço para uma transição em direção a sustentabilidade
e conservação da biodiversidade. Considerando os setores menos
convencionais, como são as cidades e o turismo, são as inovações e os
novos arranjos e parcerias que recebem maior destaque.

4.1. Água
O setor de Água corresponde simultaneamente às ações voltadas para a
conservação e recuperação de nascentes, cursos d’água e saneamento básico,
permitindo um diálogo com outros setores como o de floresta e de cidades.

Do ponto de vista prático, a água é um dos bens mais essenciais para a


humanidade. Uma atuação neste setor deve ocorrer conectada com a
conservação da biodiversidade, devido ao fato de que uma maior diversidade
de espécies tende a contribuir para a regulação do fluxo e a manutenção
da qualidade da água em razão das interdependências entre os ciclos da
natureza e os ciclos hidrológicos. Ações no setor de água precisam garantir
a hidrosolidariedade das bacias hídricas, o que significa que a gestão do
recurso natural precisa ser eficiente de modo a responder às demandas de
todas as pessoas e espécies de uma mesma localidade, bem como das áreas
adjacentes, como são centros urbanos e parques industriais.

Para cada setor existem riscos e


oportunidades associados com a natureza e,
portanto, maiores ou menores possibilidades
de retornos financeiros e ambientais.

27
Soluções financeiras para a conservação da natureza

4.2. Agricultura e Pecuária


O setor da Agricultura é o maior responsável pela mudança no uso do
solo global. Embora a agricultura intensiva e industrial esteja acelerando
a emergência do clima e da biodiversidade devido à degradação dos
ecossistemas, uma ocupação sustentável do solo pode contribuir para a
conservação da natureza. A conciliação entre agricultura e floresta, por
exemplo, é uma grande oportunidade para canalizar investimentos que
contribuam para retornos financeiros e ambientais através da produção
agrícola sustentável, recuperação e conservação de vegetações naturais,
como são os produtos oriundos de cadeias de abastecimento sustentáveis
e da sociobiodiversidade. Outros exemplos de ações da agricultura que
permitem financiar a biodiversidade estão relacionados com práticas
agrícolas, agroecológicas e agroflorestais.

Além da agricultura, a pecuária ocupa largas extensões de terras em nível global,


sendo que parcela significativa dessas pastagens está degradada, ao passo que
novas áreas são abertas avançando-se em vegetações naturais. Por outro lado,
oportunidades para transições a práticas sustentáveis, que permitem equilibrar
os resultados positivos da biodiversidade com pecuária, ocorrem por meio
de ações voltadas para manejo ecológico de pastagens, integração lavoura-
pecuária-floresta e sistemas agrossilvipastoris, dentre outros.

4.3. Áreas Protegidas


O setor de Áreas Protegidas visa preservar a biodiversidade em certas
localidades, controlando ou eliminando as intervenções antrópicas em
ecossistemas terrestres, aquáticos ou marinhos. O retorno financeiro nesse
setor é visto como um dos mais desafiadores e com maiores oportunidades
de inovação. As áreas protegidas são o mais importante instrumento que a
humanidade já criou para conservar a natureza, a diversidade de espécies
e o material genético existente. Por um lado, sua implementação incide em
altos custos envolvendo desde aquisição de terras até questões técnicas
de monitoramento e cercamento. Por outro, ações que permitem o acesso
da sociedade aos seus benefícios através do turismo, educação e pesquisa
e do uso sustentável dos recursos naturais são oportunidades para
investimentos almejando retornos financeiros e ambientais, a depender da
categoria da área protegida, que permite maior ou menor intervenção.

28
Soluções financeiras para a conservação da natureza

Atualmente, a meta estabelecida pelo Marco Global da Biodiversidade


(Global Biodiversity Framework – GBF) é de proteger ao menos 30% da
extensão dos ecossistemas terrestres e marinhos até 2030. Apesar das
áreas naturais se concentrarem principalmente dentro do setor público,
outras opções são as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN) e a
incorporação de áreas protegidas como ativos ambientais em empresas.

4.4. Florestas
O setor de Florestas é facilmente conectado à discussão de natureza e
possui grande importância já que está ligado a múltiplas oportunidades
de negócios com potencial de retorno financeiro. Apesar disso, o uso
insustentável do solo e o manejo insustentável das florestas, bem como o
avanço da fronteira agrícola e a ocupação antropogênica desordenada, são
alguns dos grandes vetores de impactos negativos para a biodiversidade.

Nesse sentido, oportunidades para conservação e recuperação de áreas


florestais, manejo sustentável para extração de produtos madeireiros e não-
madeireiros, construção de corredores florestais e práticas de integração entre
agricultura-floresta são potenciais para o direcionamento de financiamentos
para a biodiversidade. Outros negócios e complementariedades também
ocorrem do ponto de vista do desenvolvimento de mercados de carbono
voluntários ou regulados e títulos verdes.

29
Soluções financeiras para a conservação da natureza

4.5. Ecossistemas Costeiros e Marinhos


O setor de Ecossistemas Costeiros e Marinhos abrange uma diversidade
de ecossistemas dentre mares e oceanos, rios, igarapés, mangues e
restingas. Essa variedade é responsável pelos serviços ecossistêmicos de
controle de erosão, de inundações, de regulação e purificação da água e de
sequestro e armazenamento de carbono. Dentre os ecossistemas costeiros
e marinhos baseados em plantas, os manguezais e restingas abrigam uma
biodiversidade significativa e fornecem alimentos, fibras e proteção costeira
contra tempestades. Complementarmente, os sistemas de recifes de
corais também fornecem serviços ecossistêmicos vitais que sustentam a
biodiversidade marinha e a resiliência, garantindo a atenuação de enchentes
e a regulação da qualidade do ar e da água.

Nesse cenário, é necessária uma combinação de esforços para restaurar


os ecossistemas costeiros e marinhos críticos, de modo a garantir uma
importante contribuição para a conservação da biodiversidade global.
Oportunidades financeiras e ambientais para esse setor estão relacionadas
à regulação de poluentes e sedimentos, práticas sustentáveis de pesca,
atividades de restauração e conservação da biodiversidade, assim como
outras questões relacionadas à chamada economia azul.

4.6. Pesca
O setor de Pesca se estende por quase todos os oceanos e mares de
nosso planeta. Como consequência de sua contínua ampliação, tem-se a
degradação dos ecossistemas aquáticos e marinhos dado a sobrepesca e
as práticas insustentáveis. O direcionamento de recursos financeiros para
práticas de pesca sustentáveis, que controlam a sobrepesca e garantem
o descarte apropriado de resíduos e poluentes, podem garantir resultados
simultaneamente positivos para as finanças e o ambiente.

30
Soluções financeiras para a conservação da natureza

4.7. Cidades
O setor de Cidades transforma totalmente os ecossistemas. Apesar disso,
tem sido historicamente desconsiderado na atuação para a conservação
da biodiversidade. Do ponto de vista que as cidades continuarão a crescer
nos próximos anos, representando polos de grande intervenção antrópica e
degradação ambiental, serão necessários maiores recursos para financiar a
biodiversidade nesse setor.

De modo geral, as áreas urbanas impactam a integridade dos ecossistemas


por meio de vários processos relacionados à mudança no uso do solo,
elevada e crescente demanda por recursos naturais de áreas próximas
ou distantes e geração de poluentes diversos, com impactos negativos
para o solo, a água e o ar. Nesse sentido, oportunidades surgem do ponto
de vista do diálogo com conceitos de cidades inteligentes, cidades
verdes, infraestrutura verde, transportes coletivos e a incorporação
de soluções baseadas na natureza (SbN) para os centros urbanos. Os
retornos financeiros atrelados aos retornos ambientais tendem a ser
um desdobramento, tanto da capacidade de potenciais usuários de
serviços prestados quanto do custo por dano evitado da manutenção,
recuperação ou conservação de serviços ecossistêmicos essenciais para o
funcionamento das cidades, por exemplo: regulação climática, controle de
erosão e enchentes e lazer e recreação na natureza.

4.8. Turismo
O setor de Turismo permite o uso direto de produtos e serviços que a
natureza oferece do ponto de vista da beleza cênica, lazer e recreação,
pesquisa e educação. Uma gestão adequada das áreas protegidas com
finalidade de uso público ou das áreas que englobam as categorias de
turismo de natureza, rural ou ecoturismo é condição essencial para as
oportunidades com retornos econômicos e ambientais. Nesse sentido,
as oportunidades dialogam diretamente com a geração de receitas,
através de produtos turísticos para hospedagem, alimentação e lazer de
visitantes, que permitem impactos positivos diretamente associados às
comunidades locais. Além disso, esse setor permite conexões com outros,
como é o caso de florestas, pelo uso de produtos florestais não madeiros
e da sociobiodiversidade, ou de agricultura e pecuária, pela visitação em
fazendas e unidades agrícolas locais. Fortalecer a beleza cênica da natureza
em nível de paisagem permite incorporá-la como uma oportunidade para
conciliar desenvolvimento local e conservação.

31
Soluções financeiras para a conservação da natureza

4.9. Povos indígenas e comunidades locais


Apesar de não poderem ser considerados como um setor, a ação conjunta
com povos indígenas e comunidades locais tem sido de grande importância
para a conservação e restauração da biodiversidade, devido à sua
localização e práticas tradicionais que apresentam sinergias positivas entre
sociedade e natureza.

Povos indígenas e comunidades locais estão, em sua maioria, em áreas


naturais que possuem grande relevância do ponto de vista da diversidade
de espécies. Diferentes oportunidades que precisam passar por processos
livres e esclarecidos, contando com metodologias participativas e tomadas
de decisão descentralizadas, permitem a execução de projetos que
garantem a preservação da natureza, a garantia dos direitos de qualidade de
vida e expressões culturais dessas pessoas. Povos indígenas e comunidades
locais apresentam diferentes possibilidades de conexão com outros setores,
como aqueles vinculados às paisagens e ecossistemas ou vinculados a
questões de uso e manejo sustentável de recursos naturais.

32
Soluções financeiras para a conservação da natureza

5.
Quais os ativos
ambientais
a serem
envolvidos?

As interconexões entre sociedade e natureza precisam ser


consideradas de acordo com sua diversidade de sistemas
naturais, com ênfase na variedade de paisagens. Tal como no
setor financeiro, onde existem ativos que dão origem a fluxos
de receita, a natureza pode ser concebida como construída por
estoques de ativos ambientais que geram fluxos associados
a impactos positivos e negativos, diretos e indiretos, para a
qualidade de vida das pessoas e a economia no longo prazo
(Taskforce on Nature-related Financial Disclosures - TNFD,
2022). Desse ponto de vista, define-se ativos ambientais como
os componentes da natureza que podem ser encontrados nos
mais diversos tipos de ecossistemas.

33
Soluções financeiras para a conservação da natureza

Para melhor organização, os ativos ambientais podem ser distribuídos


através de quatro reinos, sendo eles: Terrestre, Aquático, Marinhos e
Atmosférico (TNFD, 2022). Estes componentes são as principais formas
de interação básica e direta que a sociedade possui com a natureza e,
consequentemente, com a biodiversidade.

Se perguntar quais os ativos ambientais serão envolvidos pelos


instrumentos financeiros é essencial para a construção de soluções
financeiras que estejam alinhadas com quais serão os benefícios esperados
oriundos da natureza. Nesse sentido, a Figura 2 abaixo indica o esquema
que precisa ser compreendido: os reinos são o ponto de partida, tendo
em vista que são os responsáveis por guardar uma diversidade de ativos
ambientais que variam de acordo com os ecossistemas. Por sua vez,
os ativos ambientais são aproximações que permitem avaliar o fluxo
das contribuições da natureza para as pessoas, isto é, dos serviços
ecossistêmicos, responsáveis pelos benefícios para a sociedade e a
economia no curto e longo prazo, que podem ser valorados do ponto de
vista qualitativo, quantitativo ou monetário.

Figura 2 - Relações entre ativos ambientais e fluxos de serviços


ecossistêmicos

Natureza

Exemplos de
Exemplo de
serviços (fluxos): Exemplo de valor:
ativos ambientais
(estoques): • Polinização • Qualidade e
• Regulação da quantidade da
• Ecossistemas, água,
qualidade do solo colheita
recursos, terra
• Controle biológico

Reinos

Atmosféricos Valor
Ativos Fluxos
Aquáticos Benefícios para
Meio ambiente Serviços
as empresas e
Marinhos e ecossistema ecossistêmicos
para a sociedade
Terrestres

O papel da
biodiversidade como
uma característica dos
ativos ambientais
Polinizadores de
substituição disponíveis
se uma espécie morrer
através de uma doença,
por exemplo

Fonte: TNFD (2022).

34
Soluções financeiras para a conservação da natureza

Se perguntar quais ativos ambientais serão


envolvidos pelos instrumentos financeiros
é essencial para a construção de soluções
financeiras que estejam alinhadas aos
benefícios esperados oriundos da natureza.

A biodiversidade, conceito central nesse relatório, é entendida nos seguintes


termos apresentados no âmbito da Convenção Sobre Diversidade Biológica
(CDB): biodiversidade significa a variabilidade entre organismos vivos de
todas as origens, incluindo ecossistemas terrestres, marinhos, aquáticos e
outros complexos ecológicos dos quais esses ecossistemas também fazem
parte; isso inclui a diversidade dentro das espécies, entre as espécies e
dos ecossistemas. Logo, a biodiversidade é a base de sustentação dos
ativos ambientais e, por isso, aparece como sendo o objetivo central para
conservação e restauração da natureza.

A distribuição dos ativos ambientais de acordo com os reinos é a seguinte:

5.1. Terrestres
Os ativos ambientais terrestres são aqueles relacionados com os
ecossistemas de florestas e outras vegetações não florestais, como são o
cerrado, a caatinga e o pampa. Por exemplo, englobam os recursos da terra
e do extrativismo florestal e vegetal, recursos biológicos cultivados, minerais,
energéticos e de energia renovável.

5.2. Aquáticos
Os ativos ambientais aquáticos são aqueles relacionados com os
ecossistemas de água doce, como rios, lagos e interrelações com diferentes
tipos de áreas alagáveis. Por exemplo, englobam os recursos de água doce
e de água doce subterrânea, recursos biológicos cultivados, minerais,
energéticos e hídricos.

35
Soluções financeiras para a conservação da natureza

5.3. Marinhos
Os ativos ambientais marinhos são aqueles relacionados com os
ecossistemas de oceanos abertos, mares e interrelações com áreas
costeiras, restingas e mangues. Por exemplo, englobam os recursos
marinhos superficiais e subterrâneos, recursos biológicos cultivados,
minerais, energéticos e de energia renovável, recursos energéticos
subaquáticos e hídricos.

5.4. Atmosféricos
Os ativos ambientais atmosféricos estão incluídos na estrutura para refletir
a estreita associação entre riscos e oportunidades relacionados ao clima e à
natureza, ao mesmo tempo em que reconhece os vínculos com a mitigação
e adaptação climática.

36
Soluções financeiras para a conservação da natureza

6.
Qual a
estratégia a
ser seguida?

Para além da seleção das intervenções mais adequadas e da


conciliação com os instrumentos financeiros mais ou menos
aptos para cada tipo de intervenção, existem abordagens que
devem acompanhar a solução financeira de modo transversal.
Uma estratégia corresponde à narrativa que será utilizada para
dar fundamentação e sustentação à solução financeira para
a conservação da biodiversidade, podendo ser reflexo das
relações institucionais ou discurso de ação. Alguns exemplos de
estratégias que podem ser seguidas são apresentados a seguir:

37
Soluções financeiras para a conservação da natureza

6.1. Colaboração multissetorial


A estratégia de colaboração multissetorial reconhece a importância da
diversidade de atores nos processos de gestão do financiamento da
conservação da biodiversidade. Isso significa que à medida que se torna
mais clara a necessidade de um caminho alternativo de desenvolvimento
econômico que seja verdadeiramente sustentável, também se torna mais
clara a necessidade de colaboração entre os diferentes agentes, cada qual
contribuindo com sua expertise e capacidade técnica para cada contexto.

Do ponto de vista prático, essa colaboração resulta em um ecossistema


financeiro que considera os impactos na biodiversidade alinhados com
métricas de risco e retorno e que seja estruturado por instituições para
as quais os retornos não financeiros e os impactos de longo prazo de sua
atividade empresarial sejam características definidoras.

6.2. Finanças híbridas


Nos últimos anos tem havido um interesse crescente em atividades
envolvendo novas abordagens para financiar a conservação da
biodiversidade e, na direção dessa mudança, fontes públicas, filantrópicas
e privadas de financiamento não são mais vistas como alternativas
mutuamente excludentes. Em vez disso, uma abordagem mais colaborativa,
que aproveita os pontos fortes de cada uma dessas fontes de recursos e
as sinergias existentes por meio de instrumentos financeiros combinados,
está se tornando cada vez mais comum no desenho de soluções financeiras.
O termo finanças híbridas refere-se ao uso estratégico de capital público
ou filantrópico para a mobilização de financiamento adicional para o
desenvolvimento sustentável, geralmente combinando esse recurso com
capital privado em busca de retornos financeiros mais elevados, redução ou
atuação de riscos do investimento.

Uma estratégia corresponde à narrativa


que será utilizada para dar fundamentação
e sustentação à solução financeira para a
conservação da biodiversidade.

38
Soluções financeiras para a conservação da natureza

6.3. Soluções baseadas na natureza


Soluções Baseadas na Natureza (SbN) é um termo guarda-chuva que
contempla soluções que buscam inspirações de ação nos processos
naturais. Dessa forma, trata-se de uma definição ampla que contempla
uma extensa variedade de abordagens relacionadas aos ecossistemas e
busca dar subsídios para desafios socioambientais e de conservação e
restauração da biodiversidade.

As SbN podem ser utilizadas sozinhas ou de maneira integrada com outras


soluções de infraestrutura convencional, bem como soluções de base
ecológica ou de menor impacto, visando o desenho de paisagens naturais
e urbanas mais sustentáveis, resilientes e saudáveis. Nesse contexto, essas
soluções têm o potencial de limitar os impactos das mudanças climáticas,
aumentar a biodiversidade e melhorar a qualidade ambiental. Ao mesmo
tempo, contribuem para atividades econômicas e para o bem-estar.

39
Soluções financeiras para a conservação da natureza

7.
Quais os
resultados
esperados?

Como discutido anteriormente, é de grande relevância para


nossa análise a combinação de diferentes instrumentos
financeiros para a construção de soluções de financiamento
da biodiversidade abundantes, pacientes e baratas. É a partir
das múltiplas possibilidades de combinação que surgem
oportunidades para se alcançar um ou mais de um dos
resultados desejados no curto e longo prazo. Isso significa que
um único mecanismo de financiamento da biodiversidade
pode ajudar a alcançar uma variedade de resultados
financeiros e ambientais.

40
Soluções financeiras para a conservação da natureza

Entende-se que o fio condutor de um financiamento para a biodiversidade


é a premissa de que os resultados financeiros acompanham resultados
ambientais. Conforme descrito por Deutz et al. (2020), dois são os caminhos
possíveis para isso:

• Mecanismos que diminuem a necessidade de mobilização de capital para


a conservação da natureza;

• Mecanismos que aumentam a mobilização de capital para a conservação


da natureza.

Por um lado, diminuir o fluxo de capital para as atividades que tenham


impactos negativos sobre a biodiversidade reduz a necessidade de
mecanismos de financiamento para conservação ou restauração da
biodiversidade e ecossistemas. Por exemplo, as categorias de instrumentos
econômicos fiscais ou instrumentos de negócios de produtos, processos
ou políticas permitem a implementação de políticas ou práticas orientadas
para reduzir ou eliminar atividades prejudiciais à biodiversidade, seja no
setor público ou privado, diminuindo a necessidade de se destinar recursos
adicionais futuros.

Por outro, aumentar a quantidade de capital destinado para a conservação


ou restauração da biodiversidade e áreas naturais é indispensável para
fechar a lacuna de financiamento da natureza até 2030. Quase todas as
categorias de instrumentos de intervenção permitem ampliar a mobilização
de capital do setor público ou privado para a biodiversidade. Nesse caso,
a quantidade de financiamento que tem impactos positivos sobre a
biodiversidade pode ser bastante acelerada e dimensionada ao destravar
e ampliar o capital privado em busca de retornos financeiros e ambientais,
bem como pela implementação de certas políticas e incentivos fiscais.

Um único mecanismo de
financiamento da biodiversidade pode
ajudar a alcançar uma variedade de
resultados financeiros e ambientais.

41
Soluções financeiras para a conservação da natureza

Para cada caminho apresentado há mais de uma oportunidade de


resultado esperado (TOBIN-DE LA PUENTE, MITCHELL, 2021; MEYERS et al.
2020; UNDP 2018). Abaixo, na Figura 3, destaca-se a combinação desses
resultados esperados. E, na sequência, apresenta-se uma breve descrição
de cada um deles.

Figura 3 - Resultados esperados do financiamento para a conservação

Melhor
resultado da Gerar receita Entregar melhor
biodiversidade

Redução da
pressão sobre Realinhar gastos Evitar gastos futuros
a biodiversidade

Habilitar ação Gerir fluxo financeiro

Fonte: Tobin-De La Puente, Mitchell (2021).

7.1. Mobilizar capital


O resultado da mobilização de capital corresponde a aumentar o número
de recursos destinados à conservação e restauração da biodiversidade por
meio de gastos públicos ou privados e outras medidas que possam gerar ou
alavancar recursos financeiros para a natureza.

A variedade de instrumentos que podem ser utilizados pra esse fim


ilustram a diversidade de opções disponíveis para governos e empresas
canalizarem seu financiamento para a biodiversidade por meio de capital
próprio e pagamentos diretos, dívida, mecanismos regulatórios, acordos
externos e internos e outros. Nesse cenário, a evidência do aumento do
interesse de investidores em produtos financeiros que proporcionam
retornos econômicos e ambientais pode ser vista como oportunidade para
a ampliação e inovação de soluções financeiras para o financiamento da
biodiversidade e parcerias público-privadas.

42
Soluções financeiras para a conservação da natureza

7.2. Entregar melhor


O resultado de entregar melhores resultados para a conservação da
biodiversidade está alinhado com uma melhor gestão no uso dos recursos,
maior eficiência e maior alinhamento de incentivos entre os agentes
envolvidos. De modo geral, à medida que o financiamento aumenta, os
setores público e privado precisarão usar medidas apropriadas que possam
melhorar a relação custo-benefício e a eficiência na execução orçamentária,
alcançar sinergias, alinhar incentivos e favorecer uma distribuição mais
equitativa de recursos para fornecer ações e projetos destinados a
conservação e restauração da biodiversidade.

É através da combinação de diferentes capitais e instrumentos financeiros


que ocorrem soluções inovadoras para a conservação da biodiversidade.
Parte da ideia de entregar melhores resultados também está alinhada à uma
abordagem mais colaborativa, que aproveita as oportunidades e vantagens
específicas de cada tipo de capital. Por exemplo, capitais de origem
governamental ou filantrópica, bem como empréstimos concessionais,
possuem um papel crítico na redução dos riscos de investimentos privados.
Apoios técnicos, como consultorias e acompanhamento de especialistas,
permitem que os projetos entreguem resultados melhores do ponto de vista
financeiro e ambiental. Nesse caso, tanto os gestores públicos quanto os
investidores, bem como outras fontes de financiamento para conservação,
podem garantir melhores entregas, conciliando suas estruturas de
financiamento com pagamentos baseados em resultados ou condicionais,
de modo a garantir que os investimentos atinjam os resultados desejados.
O setor privado também pode desempenhar um papel maior em garantir a
entrega de capital para projetos de preservação mais robustos, à medida
que aumenta sua conscientização sobre os riscos de negócios relacionados
à perda de biodiversidade. Nesse cenário, um dos objetivos desejados
do financiamento para a conservação da natureza é alavancar o capital
orientado para a manutenção da biodiversidade, reduzindo os riscos dos
investidores privados e/ou melhorando seus retornos, alterando assim o
perfil de risco-retorno de um investimento apenas o suficiente para atender
aos requisitos de lucratividade dos investidores privados.

É através da combinação de diferentes


capitais e instrumentos financeiros
que ocorrem soluções inovadoras para
a conservação da biodiversidade.

43
Soluções financeiras para a conservação da natureza

7.3. Realinhar gastos


O resultado de realinhar gastos tem como expectativa reduzir os investimentos
que têm impactos negativos sobre a biodiversidade e redirecionar esses fluxos
financeiros para atividades que a impactam positivamente.

Para fechar a lacuna global de financiamento da biodiversidade, tanto o


setor público quanto o privado precisarão avaliar criticamente seus gastos
prejudiciais à biodiversidade e adotar alternativas de reforma que sejam
política e economicamente viáveis. O realinhamento de gastos envolve uma
série de medidas políticas, fiscais, comerciais e financeiras, que reorientam
os fluxos de capital existentes para atividades que reduzem os impactos
negativos ou aumentam os resultados positivos para a biodiversidade.
As medidas de políticas públicas incluem a reforma, o redirecionamento
e a remoção de subsídios prejudiciais à biodiversidade por parte dos
governos. As medidas do setor privado incluem práticas de gestão de riscos
ambientais e sociais, incluindo financiamento sustentável da cadeia de
suprimentos e avaliações de impacto ambiental e social. Reconhecendo a
interconectividade das mudanças climáticas e da perda de biodiversidade,
as empresas também podem avaliar os ativos de capital natural dentro de
suas respectivas esferas de influência, principalmente em relação às suas
operações e decisões de investimento.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

7.4. Evitar despesas futuras


O resultado de evitar despesas futuras busca prevenir custos futuros por
meio de investimentos estratégicos e mudanças de políticas que protejam
a biodiversidade hoje e reduzam a necessidade de gastos maiores a longo
prazo para restaurar ou substituir serviços ecossistêmicos perdidos. A
noção de evitar gastos futuros geralmente se aplica a situações em que uma
determinada intervenção ou investimento no curto ou médio prazo pode
resultar em grandes economias futuras ou evitar uma perda significativa de
receita futura. Muitas vezes é mais barato e mais fácil prevenir danos aos
hotspots de biodiversidade e habitats agora do que restaurar e reverter
esses danos no futuro. A incorporação dessas medidas ajudará a evitar
perda de biodiversidade, mas é necessário mais atenção dos governos
e empresas para realizar essas economias de custos em tempo hábil. Ao
ajudar a evitar gastos futuros relacionados a danos ambientais e seus
impactos sociais associados, os investidores nesses mecanismos também
podem reforçar futuros orçamentos de biodiversidade liberando capital
anteriormente indisponível.

Os governos podem evitar gastos futuros introduzindo ferramentas de


geração de receita tributária para mitigar a perda de biodiversidade, como
impostos para práticas de produção nocivas que dependem de recursos
naturais e para o consumo de produtos nocivos à biodiversidade. Outras
opções para investidores públicos e privados em conservação incluem
investimentos iniciais em políticas, seguros e infraestrutura voltados para
a preservação dos benefícios dos serviços ecossistêmicos e habitats
naturais. Dentro desse grupo de ferramentas, os governos podem introduzir
subsídios relevantes para a biodiversidade em setores de recursos
naturais, como silvicultura e agricultura. O setor privado está começando
a investir na proteção de ativos ambientais para evitar custos futuros que
possam impactar os retornos aos acionistas. Ao passo que essas medidas
são operacionalizadas, os governos devem envolver proativamente as
comunidades locais em suas estratégias de conservação para garantir
que as atividades mitiguem os riscos relacionados à falta de compromisso
da comunidade. Grupos indígenas e comunidades locais são fontes
importantes de conhecimento sobre seus arredores.

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Soluções financeiras para a conservação da natureza

E para onde vamos?

A s crises gêmeas de perda global de biodiversidade e mudança


climática estão entre os desafios mais significativos que os seres
humanos e demais espécies enfrentam hoje. Apesar das evidentes
contribuições da natureza, muitas vezes seus valores não são reconhecidos
nos processos de tomada de decisões. Como resultado, os ecossistemas
e seus serviços estão sendo degradados em todos os países, sem serem
considerados como parte do valor total global ou regional (IPBES, 2019).

Do ponto de vista econômico, US$ 44 trilhões são apontados como


altamente ou moderadamente dependentes da natureza, bem como
a emergência da crise climática e da biodiversidade aparecem como
principais riscos para os mercados no curto prazo e, especialmente, no
longo prazo (WEF, 2022). Permanecer nessa mesma direção não é mais
uma opção, pois as consequências econômicas são acompanhadas por
impactos negativos em nossos sistemas socioecológicos. Portanto, é hora
de definir novos rumos em direção a futuros nos quais é possível viver em
harmonia com a natureza.

A transformação necessária não é pequena. A transição para uma economia


positiva para a natureza exigirá que todos os setores tomem medidas
baseadas na ciência para transformar modelos operacionais e permitir
que continuem gerando valor comercial, enquanto dissociam atividades
de impactos ambientais e climáticos negativos. É hora de criar mercados e
instrumentos financeiros que permitam impactos positivos na natureza e de
recompensar os comportamentos que conservam, manejam e restauram, de
forma sustentável, os recursos naturais, e dissuadir aqueles que não o fazem.

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Mapeamento
Soluções financeiras
de Instrumentos
para a Financeiros
conservaçãopara
da natureza
Conservação

Essa mudança tem seus desafios. No entanto, é uma mudança para


melhor, da qual devemos fazer parte. O maior desafio agora é como
financiá-lo. As evidências mostram que, o custo de longo prazo da
conservação provavelmente será muito maior do que o que os governos
e a filantropia poderão pagar nos próximos anos. Assim, também fica
clara a necessidade de aumentar, substancial e progressivamente, o
volume de recursos financeiros oriundos do setor privado. As perguntas
mencionadas nesse documento devem orientar quais são os passos
essenciais para se investir na natureza.

A Sitawi, através de sua atuação com as Finanças de Conservação


e Clima, tem se dedicado a desenvolver soluções financeiras para a
conservação da biodiversidade e está pronta para tecer novos caminhos,
parcerias e programas em direção a novas oportunidades para as
pessoas e para a natureza. Faça parte desse movimento com a Sitawi.
Converse com nossa equipe de especialistas e entenda como você
e sua organização podem fazer a diferença através das Finanças de
Conservação e Clima.

Leonardo Letelier
CEO da Sitawi Finanças do Bem

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Mapeamento
Soluções financeiras
de Instrumentos
para a Financeiros
conservaçãopara
da natureza
Conservação

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www.sitawi.net

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