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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA

FLUMINENSE

ISABELA PESSANHA CARDOSO PAULAGAMA

MACAÉ
2024
Lucas Ventura da Silva busca contestar as sociabilidades, estratégias e engajamentos
realizados pelas elites no processo de abolição em Petrópolis, limitando-se aos quatro
anos finais da escravidão na cidade imperial. Nesse período, com o sentimento
abolicionista dominando as ruas e as mentes e o cenário internacional aplicando pressão
no tráfico de escravos brasileiro, a escravidão no Brasil é guiada para seu fim em um
processo singular e contraditório, como a dissertação de Silva debate.

Na introdução de sua dissertação, Silva problematiza a falta de estudos sobre a vida


escravizada na Petrópolis imperial, o que conduz à percepção de uma cidade livre do
trabalho forçado. Petrópolis, uma das primeiras cidades planejadas do Brasil, foi
construída para ser uma Europa nos trópicos, um “palácio de branquitude”, como
descreve o autor. Esses ideais, em conjunto com a pouca abordagem do trabalho escravo
na cidade, colaboraram para a construção da memória de uma Petrópolis perfeita, livre de
conflitos e da mão de obra forçada que, como Silva defende, foi a base da cidade imperial.
A memória de uma Petrópolis livre de escravizados deve ser contestada, reconhecendo as
vidas escravizadas presentes nas engrenagens da cidade imperial até o fatídico dia da
Festa da Liberdade. Esse, porém, não é o objetivo do autor, que afirma que dedicará seu
próximo trabalho às experiências dos escravizados em Petrópolis, suas resistências,
crimes e fugas.

Festas, bailes, quermesses e o Livro do Ouro são apontados pelo autor como alguns
dos mecanismos para arrecadar fundos para alforrias na cidade imperial. Esses eventos,
organizados e frequentados pelas elites de Petrópolis, quando não também pela família
imperial, concluíam uma dinâmica abolicionista eficiente e dedicada. Ao total, houve na
cidade 17 eventos em prol dos escravizados. Para chegar à parte quantitativa dos eventos,
assim como valores de alforrias, Silva utilizou periódicos como o Mercantil, que marca
presença por boa parte da dissertação, e o Livro de Ouro de Petrópolis, também bastante
utilizado ao longo do trabalho. Com estas duas fontes, o autor obteve sucesso em ilustrar
as liberdades concedidas, além do valor de cada uma destas com os dados extraídos do
Mercantil. Com o Livro do Ouro, Silva realiza um ótimo trabalho ao analisar as
sociabilidades envolvidas em todo o processo de emancipação. Com isso, prosseguiremos
para o primeiro capítulo, no qual o autor amplia para uma visão nacional do processo de
abolição.

Com a intenção de contextualizar o processo abolicionista em Petrópolis, o autor


debate a pressão britânica no Brasil a partir de 1822, quando a abolição estava em
discussão. Em um cenário que o tráfico africano estava sendo contestado, o Brasil era um
dos últimos países a ainda sustentar a prática. Com a lei Feijó por parte brasileira, e então
a lei Alberdeen, ato britânico que efetivamente condenou o tráfico com destino ao Brasil,
o fim da importação de escravizados se aproximava. Foi só cinco anos depois, em 1850,
que o tráfico foi efetivamente reprimido e, finalmente, o número de escravizados passou
a cair. Dessas décadas de insistência britânica podemos notar a resistência brasileira
diante das ameaças internacionais ao trabalho forçado, prática que era a base da economia
imperial.

Silva aborda, então, a cena internacional, principalmente os países vizinhos do Brasil,


como Argentina e Venezuela, que experienciaram suas abolições em 1854 e 1852,
respectivamente. A situação na década de 80 não é exatamente favorável ao Brasil que,
no continente, era um dos últimos, junto com Cuba, a ainda contar com o trabalho forçado.
Chegara o momento que a escravidão era ultrapassada, e a abolição o caminho a se seguir.
Assim, contribuindo com fatores como a crescente urbanização e a nova conjuntura
política, o Brasil começa a elaborar sua abolição, se forma organizada e articulada. É
importante frisar, como antes pontuado, o papel da escravidão na economia brasileira e,
assim, buscar entender as manobras no processo de abolição gradual – o temor não era
apenas pela economia, mas também pelas relações entre proprietários e governantes que
a exploração do trabalho forçado preservava. Dessa forma, a intenção era evitar divisões
ou desavenças nessas sociabilidades, assim como “poupar” a economia do baque de uma
abolição imediata.

Com o Fundo de Emancipação, dispositivo do Estado para arcar com os prejuízos dos
senhores diante da perda de sua mão de obra escravizada, a independência dos processos
de liberdades foi se desenhando. Com o Fundo de Emancipação, e posteriormente com o
Livro de Ouro, as liberdades não mais dependiam dos senhores, e sim do Estado Imperial.
Relevante pontuar a preocupação, ao longo de todo esse processo de abolição, com a
preservação da situação dos proprietários – eram ressarcidos pelas liberdades, assim como
se beneficiavam da gradualidade das medidas tomadas pelo Estado. Este fato, com a
abertura dos Livros de Ouro e a crescente onda de ideais abolicionistas dominando as
ruas, a escravidão passa a caminhar para seu fim.

Nas décadas de 60 e 70, as elites começam a se envolver nas discussões abolicionistas.


Com o assunto em alta e a escravidão sendo constantemente contestada, a participação de
certos grupos passa a ser uma forma de inclusão no meio social. Sobre a família imperial,
por sua vez, o autor aponta o engajamento da princesa Isabel na pauta abolicionista,
ressaltando como sua intenção não é vangloriar a princesa ou reconhecer sua figura como
a responsável pela abolição, mas sim expor as ideias que circulavam a família imperial.
A princesa Isabel era vista como a protetora dos escravizados, imagem que só se
fortaleceu com o passar dos anos até o fatídico ano de 1888. Como reforçam as citações
de Silva, o Palácio Imperial era visto como um “quilombo abolicionista”, denominação
quase exagerada se pensarmos no que o palácio representava – e o que um quilombo
representa. O fato é que, no que se referia a princesa, sua imagem era a de salvadora dos
escravizados, a que os protegia e escondia em suas fugas. É importante desviar das
narrativas que apontam a princesa como a responsável pelas liberdades e consequente
abolição; uma das, talvez, mas não a única ou mais potente. Dom Pedro II também
investia na pauta abolicionista e, em 1885, fez uma doação de quinhentos mil réis para o
Livro de Ouro de Petrópolis, inaugurado um ano antes.

Na década de 80 do século XIX, a questão não era mais se haveria abolição, mas como
o processo seria guiado. As discussões abolicionistas se intensificaram, de forma que os
períodos abordavam a temática constantemente – o Mercantil, fonte relevante da
dissertação de Silva, foi um dos veículos de informação que atualizava diariamente o
povo das notícias do mundo parlamentar. De caráter abolicionista, o Mercantil publicava
dados como o valor das alforrias, o número de escravizados libertos, além da divulgação
dos eventos em prol da emancipação. Antes disso, o periódico elogiou os municípios que
abriram seus Livros de Ouro o que, segundo o autor, incentivou o processo de abertura
do de Petrópolis, em 1884. Silva defende que, mesmo com certa relevância, os periódicos
falhavam em chegar aos analfabetos, que na época contabilizavam parte considerável da
população de Petrópolis. Dessa forma, podemos perceber que os periódicos não eram uma
conexão tão direta do mundo parlamentar e do mundo das ruas, já que não eram todos
que tinha acesso a essas informações. A influência se limitava aos letrados e, neste
exemplo do Mercantil, a notícia dos Livros de Ouro de outros municípios conversou mais
com as elites do que de fato as ruas, que participavam das discussões de outras formas.

O Livro de Ouro surgiu com o intuito de contemplar o que o Fundo de Emancipação


não contemplasse, e recebia doações para as alforrias. Para poder ser agraciado por
qualquer um dos dispositivos, o escravizado precisava estar matriculado na junta
classificatória, processo feito pelo proprietário. Com essa informação, podemos perceber
uma contradição no processo emancipatório – como antes pontuado, as liberdades não
dependiam mais dos senhores, ou pelo menos não deveriam, com a criação de dispositivos
como o Fundo de Emancipação e o Livro de Ouro. Porém, caso o senhor não inscrevesse
o escravizado na junta classificatória, este não poderia ser contemplado por tais
dispositivos. O próprio Mercantil, próximo de abril de 1888, publicou notas pedindo que
os proprietários matriculassem os escravizados, e assim estes pudessem ser libertos por
medidas do Estado imperial. Esse fato expõe, além da resistência dos senhores em facilitar
na emancipação dos escravizados, que esses dispositivos possuíam lacunas em seus
critérios.

Com a intenção de arrecadar fundos para as liberdades, foi feita uma quermesse em
prol dos escravizados, como podemos notar na imagem abaixo, retirada da dissertação de
Silva:

Essa quermesse foi um dos 17 eventos com fins emancipatórios que a Petrópolis
imperial presenciou. Como todos os demais, a quermesse foi organizada pela comissão
emancipatória, composta por membros da elite que se ocupavam de tal ofício. Esses
eventos eram frequentados, além das elites, pela família imperial, que passara a engajar
aberta e frequentemente em movimentos pró-emancipação. Um desses eventos foi o
Carnaval de Petrópolis, que não carregava, inicialmente, cunho emancipatório – quando
o periódico Correio Imperial divulgou o evento, os assinantes insistiram que a festa fosse
em prol das liberdades dos escravizados. Assim, podemos notar a posição favorável das
elites diante da abolição. O Carnaval foi um dos eventos mais lucrativos do período de
movimentações pró-emancipação, arrecadando três contos, oitocentos e vinte mil réis,
valor que foi direcionado às alforrias. Além do valor expressivo, o evento contou com o
apoio pessoal da princesa Isabel – acontecimento que impulsionou o sentimento
abolicionista na Petrópolis imperial.

O que procedeu o Carnaval na cidade imperial, além de mais eventos a favor da


emancipação, foram mais libertações diretamente encorajadas pelo sucesso da Batalha
das Flores. Os preços das liberdades abaixaram, e uma certeza é que o número de libertos
aumentaria a cada dia. Outra certeza que se estabeleceu foi que a vontade das elites era
por uma abolição pacífica e sem conflitos, considerando o contexto da época – a
Revolução do Haiti, que durou de 1791 a 1804, e a Guerra Civil Americana, de 1861 a
1865. Com consciência da escolha do autor em abordar a temática em um futuro trabalho,
ainda seria conveniente aprofundar nas resistências dos escravizados, visto que foi
apontado o receio das elites com possíveis insurreições que complicariam o processo de
emancipação. É inegável que os escravizados resistiam, negociavam e lutavam, e
encaramos a inclusão dessa temática como relevante para o trabalho de Silva.

Então, no dia primeiro de abril de 1888, a Festa da Liberdade celebrou a entrega de 91


alforrias, em evento que contou com a presença da família imperial em peso.
Indispensável comentar a significância desse evento, assim como a imagem da família
imperial em um ato tão marcante como a entrega dessas alforrias. Devemos frisar as
camadas dessa contraditória elite abolicionista, como a família imperial celebrando o fim
da escravidão, elemento de grande importância econômica na monarquia.

Silva defende diversas vezes as contradições presentes no núcleo dessa elite


abolicionista. São múltiplos pontos reforçados pelo autor, sendo um deles essas elites
defenderem também a monarquia, o que pode soar ilógico se pensarmos na escravidão
como algo inerente do império brasileiro. Para essas elites, os dois elementos poderiam –
e deveriam, se desejassem que a monarquia perpetuasse – se desvincular, e é o que
tramavam com as quermesses e dispositivos de liberdade. Além disso, o autor também
aborda a percepção dessas elites dos escravizados. Em um dos trechos utilizados pelo
autor, retirado do Mercantil no final da década de 80 do século XIX, podemos perceber
como os escravizados eram descritos como sem religião, sem convicções e sem
compreensão dos sentimentos humanos, o que expõe a mínima consideração que esses
nobres e ricos tinham pela vida ou liberdade dessas pessoas. Mas, ainda assim,
organizavam eventos, festas e diversos meios de arrecadação de fundos para alforrias. O
argumento de Silva é que, mesmo defendendo a abolição, essas elites não clamavam por
um governo republicano, e muito menos prezavam pela diversidade. Pouquíssimas vezes
a preocupação era com a liberdade de uma pessoa escravizada, o que podemos confirmar
se pensarmos no tratamento que esses indivíduos receberam depois de libertos. Mesmo
com os dispositivos que facilitavam as alforrias e guiavam o Brasil para a abolição, era
pífia a apreensão pela vida dos escravizados depois de suas emancipações, o que mesmo
não estando presente na argumentação de Silva, também demonstra como era estratégica
a expectativa pela abolição da escravatura em Petrópolis. As elites buscavam um processo
de abolição ideal para seus desejos – sem conflitos, sem prejuízos, e que colaborasse com
a inevitável reforma do regime monárquico.

Em seguida, o autor utiliza Dom Pedro II como exemplo. Primeiro a doar para o Livro
de Ouro de Petrópolis, o príncipe participou de diversos eventos em prol da emancipação
das pessoas escravizadas, defendendo publicamente a causa abolicionista. Porém, como
pontuado por Silva, o príncipe se comunicava, com certa frequência, com cientistas
ligados à teoria de evolução e raça, como Armand de Quatrefages, Louis Agassiz, Arthur
de Gobineau e Paul Broca. Dom Pedro simpatizava com os ideais monogenistas, o que
não o impedia de manter comunicação com Agassiz e Gobineau, cientistas poligenistas
que defendiam que havia vários centros de criação do homem, o que justificaria as
assimetrias físicas e morais entre as raças. Quatrefages, cientista que se tornou grande
amigo de Dom Pedro II, era quem mais dialogava com as crenças do príncipe.
Monogenista, ele defendia uma origem única do homem, se atrelando ao evolucionismo.
Para ele, existia uma escala civilizacional, na qual as raças eram mais ou menos
civilizadas que as outras; sendo os brancos europeus o auge da civilização entre os povos,
e os negros africanos os menos civilizados. Os povos menos civilizados, ou mesmo
selvagens, poderiam se aproximar do padrão europeu se passassem pelo processo de
aculturação ou branqueamento ou, idealmente, pelos dois juntos.

Assim, podemos notar que as elites não só não defendiam a diversidade, como
caminhavam bem distante dela. Com o exemplo de Dom Pedro II que, importante
pontuar, não se limita a ele, é reforçado o caráter racialista das elites da cidade imperial.
Ao acreditar que os escravizados eram descendentes de povos bárbaros, que nunca
alcançariam o ideal de civilização, é notório como as elites pouco se preocupavam com o
parecer dessas pessoas depois que a abolição fosse concretizada. Da forma que fosse, a
escravidão precisava acabar, e as liberdades eram uma consequência – por isso que,
mesmo defendendo que os povos europeus eram superiores dos demais, a família imperial
se solidarizava com a causa e se empenhava no processo de abolição.

No tópico seguinte, o autor se dedica às personalidades que formavam a comissão


emancipadora – responsável pela organização dos diversos eventos em prol das
liberdades, assim como pela arrecadação de fundos para as alforrias. Em um momento
que conceder liberdades era algo encarado como socialmente valioso, até mesmo uma
“coqueluche da moda”, como uma citação utilizada por Silva define, o trabalho dessa
comissão era de grande importância para a cidade de Petrópolis. Sobre os indivíduos
encarregados dos eventos emancipatórios, o autor expõe como os perfis eram, de certa
forma, similares: todos próximos da família imperial e ou membros das elites política,
intelectual ou comercial; contando até mesmo com indivíduos com grande prestígio
religioso na cidade imperial. A comissão também contava com militares e membros da
Corte local.

Essencial neste momento do trabalho de Silva pontuar como eram concedidas honrarias
na Petrópolis imperial. Havia duas maneiras de receber um título: a primeira,
financeiramente, que o autor expressa como eram custosos os títulos no período; e a
segunda, com um feito político de relevância. É tão essencial quanto expor que todos os
membros da comissão emancipatória foram agraciados com títulos de honra pelos seus
atos na década de 80 do século XIX. Os títulos, concedidos depois de 1888,
comemoravam o sucesso do processo da abolição da escravatura que, como percebemos
ao longo do trabalho, ocorreram dentro dos desejos e moldes das elites petropolitanas.
Bem-sucedidas, as elites da comissão emancipadora esbanjavam de motivos para celebrar
– além da abolição, essa que ocorreu de forma favorável a estes, também contaram com
a ascensão social que os colocou ainda mais próximos da família imperial.

O conceito de “horizonte de expectativa”, de Reinhart Koselleck, é central neste último


capítulo da dissertação de Silva. Para o historiador alemão, o tempo é uma construção
cultural de cada época, o que traça uma relação específica com o passado, as experiências,
assim como as possibilidades que se lançam ao futuro como horizonte de expectativas.
Dessa forma, Silva utiliza de Koselleck para estabelecer o que estava no horizonte de
expectativas dessas elites da Petrópolis imperial; quais eram suas esperanças e
idealizações para o futuro. Se considerarmos os títulos concedidos após 1888, podemos
ter uma noção do que era o esperado por essas elites – a garantia de cargos de nobreza, a
presença na Corte e a ascensão social. Mas, como pontuado por Silva, em 1888, o que
percorria as elites era a expectativa para o Terceiro Reinado, no qual a Princesa Isabel se
tornaria a imperatriz. Com essa informação, podemos começar a compreender o interesse
na aproximação dessas elites às causas emancipatórias, que a família imperial tanto
engajava.

Que a comissão emancipatória buscava garantir um posto de relevância no Terceiro


Reinado já está claro. O que o autor expõe é que tal movimentação de concessão de títulos
e honrarias também era vantajoso para a futura imperatriz que, nesse processo, começara
a construir a base de seu reinado. Assim, de forma sutil, o Terceiro Reinado se desenhava
no pós-abolição.

É interessante como Silva demonstra que, em certo sentido, a Princesa Isabel já era
praticamente encarada como imperatriz, sendo representada como tal em diversas obras
artísticas, além do já citado horizonte de expectativa das elites petropolitanas.

Neste vitral, presente no prédio da Ilha Fiscal, podemos notar uma dessas
representações da princesa. No centro, a imagem da esperada imperatriz, cercada pela
coroa, no topo, e os brasões da Casa Imperial Brasileira e da Casa Orleans,
respectivamente à esquerda e direita da princesa. Por não ser este o único exemplo de
Silva, podemos ter dimensão do que estava no horizonte dessas elites e da família
imperial. Pelas obras expostas pelo autor, é bastante interessante analisar essas
representações perpassando o meio artístico, o que funciona como rica ilustração das
expectativas que rodeavam a Petrópolis imperial nesse período.
Podemos tirar várias conclusões do trabalho de Lucas Ventura da Silva. A primeira é
que, inegavelmente, o movimento abolicionista de Petrópolis era extremamente
contraditório. As elites defendiam a monarquia e lutavam pela abolição da escravatura,
ao mesmo tempo que eram, muitos desses, racialistas. Outra conclusão, que conversa
diretamente com a primeira, é que a luta das elites petropolitanas pela abolição da
escravatura não era a luta pelas pessoas escravizadas. A abolição era necessária para a
eminente reforma do regime monárquico – novamente considerando o que estava no
horizonte das elites da cidade imperial –, e assim se procedeu o processo das
emancipações. Em um contexto que a escravidão se tornara algo obsoleto na cena
internacional, o Brasil, e por consequência Petrópolis, percebem a urgência da ruptura da
longa relação com o regime de trabalho forçado. Dessa forma, a preocupação pela
renovação da monarquia (para o Terceiro Reinado) moveu os processos emancipatórios.

É perceptível que o interesse das elites ia além das pessoas escravizadas. Buscando a
ascensão, além dos próprios almejos, engajaram em uma pauta social que, no fim das
contas, e mesmo que discordassem desta em alguns pontos, lhes concederia o que
desejavam – e assim quase foi, ou foi por pouco tempo.

Podemos atrelar as conclusões do trabalho de Silva com o momento atual,


considerando que pautas sociais seguem sendo utilizadas para benefício próprio, lucro ou,
como no caso da monarquia, para se renovar em um novo contexto social. Com as
constantes mudanças de costumes, ideais e acordos sociais, empresas se apropriam de
causas sociais em pauta não apenas para conscientizar seu público, mas para obter lucro
com o engajamento dessas massas. Chamado de marketing de causa, a associação de sua
imagem, enquanto empresa, à uma causa social é uma estratégia que impõe vantagem
diante das demais. Encarando o público alvo como um público ativo nas discussões, assim
como nas demandas extraídas dessas discussões, o lucro, assim como a visibilidade e a
ascensão social aos olhares dos consumidores médios, é certo para essas marcas. A
intenção não é diminuir a importância da exposição que essas pautas recebem ao se
tornaram alvo de grandes marcas, mas acentuar o interesse principal, que é o lucro às
custas desses debates.

No império brasileiro, o engajamento das elites petropolitanas com o movimento


emancipatório guiou à eventual abolição da escravatura, mesmo que seus interesses
circulassem em volta deles mesmos. O mesmo exemplo pode ser dado sobre o parágrafo
anterior, no sentido que, mesmo que de forma superficial e com interesses próprios, o
meio corporativo se apropria de pautas sociais para ascender entre os consumidores e suas
demandas, que mudam a cada dia. Dessa forma, podemos perceber como o assunto
abordado por Silva ainda reflete atualmente, mais de 130 anos depois da abolição. O autor
é bem sucedido apontando as contradições das elites abolicionistas, expondo de forma
ímpar os interesses intrínsecos no processo de abolição. Mesmo que algumas temáticas
como as resistências escravas e a perspectiva para o pós-abolição das pessoas
escravizadas tenham sido pouco exploradas, o trabalho de Silva esclarece sobre um tema
constante e ainda atual.
REFERÊNCIA

SILVA, Lucas Ventura da. Movimentando a abolição: sociabilidades, emancipação e


liberdade na Petrópolis imperial (1884-1888). (2023).

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