Você está na página 1de 1

Um dia assisti Cleo das 5 às 7 e fiquei surpreso com

o quanto gostei de um filme que não tinha nada de


extraordinário: eram literalmente 2 horas na vida de

2
uma pessoa comum. Um tempo depois disso entrei
para o curso de Cinema e peguei uma disciplina de
documentário. Descobri que a Varda era também
documentarista e que possui uma assinatura muito
singular em seu jeito de fazer cinema - curiosidade e
atenção às coisas e pessoas simples. Uma batata em
forma de coração. Isso ficou guardado como algo
especial na minha mente desde então.

No quintal de casa olhando a paisagem da janela, ou


nas muitas viagens de Minas Gerais para o Rio de
Janeiro, esse álbum me ensinou a olhar para minha

1
terra com mais afeto, a cultivar as memórias e
valorizar o tempo que vivi e cresci lá. Foi um dos Com o Manoel de Barros eu encontrei muitas coisas. Encontrei refúgio na
meus primeiros contatos profundos com arte, em despalavra, descobri que é possível ser poeta, artista. E descobri, basicamente,
que eu consegui apreciar cada pedacinho de cada que meu quintal é mesmo maior que o mundo. Num momento em que estava

3
música. Segue sendo um companheiro de viagens e meio perdido com tantas opções, tantas informações, tantas coisas feias e
um disparador de memórias bonitas de casa. As bonitas que queria conhecer e viver eu descobri que podia começar pelo meu
coisas simples de Minas, da música e da vida quintal, minha história, o que me toca. No meu quintal tinha o meu avô e os
ganharam um brilho. discos que ele colocava para ouvir. Essa é uma das coisas simples e bonitas da
vida que aprendi a olhar com brilho e é esse meu ponto de partida para me
permitir criar e sair da estagnação que eu nunca consegui me livrar..

Cavaleiro marginal É por demais de grande a natureza de Deus.


Banhado em ribeirão Eu queria fazer para mim uma naturezinha
Conheci as torres particular.
E os cemitérios Tão pequena que coubesse na ponta do meu
Conheci os homens lápis.
E os seus velórios Fosse ela, quem me dera, só do tamanho do
Eu meu quintal.
Olhava No quintal ia nascer um pé de tamarino apenas
Da janela lateral para uso dos passarinhos.
Do quarto de dormir E que as manhãs elaborassem outras aves para
compor o azul do céu.
E se não fosse pedir demais eu queria que no
fundo corresse um rio.
Na verdade na verdade a coisa mais importante
que eu desejava era o rio.
No rio eu e a nossa turma, a gente iria todo
dia jogar cangapé nas águas correntes.
Essa, eu penso, é que seria a minha naturezinha
particular:
Até onde o meu pequeno lápis poderia alcançar.

aprendi ontem com manoel de barros que sou uma


pessoa de despalavra. habito um corpo que é meu sim,
não nasci no corpo errado, teve gente no mundo que
inventou de chamar os outros de homem ou mulher e é
isso ou aquilo sempre, eu não. o cinema me abraçou e
me arrastou pro rio de janeiro, de lá do interior de
minas. cheguei aqui e desconstruí o cinema, acho que
também sou uma pessoa de descinema. falar eu não sei,
mas escrevo porque preciso. só que ultimamente
escrever com palavras tá sendo pouco, quero escrever
com meu corpo e escrever com imagem.

Você também pode gostar