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Três Jogos para o Ensino e Aprendizagem de

Números e Operações no Ensino Fundamental


José Ricardo de Rezende Zeni (Livre Docente)

Departamento de Matemática – Universidade Estadual Paulista (UNESP)


Av. Dr. Ariberto Pereira da Cunha, 333 – Guaratinguetá – SP – 12.516.540
jrzeni@feg.unesp.br

Modalidade: Minicurso

Resumo. Neste texto apresentamos 3 jogos ( Bingo da Tabuada, Jogo


do Resto e Soma Zero) que podem ser utilizados como um recurso
pedagógico para o ensino-aprendizagem de números e operações no
ensino fundamental. Estes jogos cobrem as quatro operações da
aritmética e são de fácil compreensão pelos alunos. O material
necessário é barato e pode inclusive ser confeccionado pelo professor
e/ou alunos. Estes jogos têm sido apresentados e discutidos com
professores da rede pública do Ensino Fundamental, em cursos de
formação continuada de professores e em projetos de extensão junto
as escolas. A partir dos relatos destes professores, pode-se afirmar
que estes jogos oferecem uma contribuição valiosa para o ensino-
aprendizagem da matemática.

Palavras chave: didática, jogos educativos, aritmética, ensino fundamental.

1. Introdução
Inicialmente, serão discutidos alguns aspectos da utilização de jogos como um
recurso pedagógico e depois será feita a apresentação de cada jogo
individualmente, conforme o texto a seguir.
Jogos e desafios têm sido utilizados no ensino-aprendizagem da
matemática desde a antiguidade. [Boyer]. Nas últimas décadas, tem havido um
esforço por parte dos órgãos responsáveis pela educação tanto federal, quanto
estadual e inclusive municipal, para uma utilização sistemática de jogos e
desafios em sala de aula. [São Paulo]
“Os jogos podem contribuir para um trabalho de formação de atitudes
− enfrentar desafios, lançar-se à busca de soluções, desenvolvimento
da crítica, da intuição, da criação de estratégias e da possibilidade de
alterá-las quando o resultado não é satisfatório − necessárias para
aprendizagem da Matemática.”
Parâmetros Curriculares Nacionais, Matemática. [Brasil, pg. 47]
A tabela abaixo mostra alguns aspectos básicos dos jogos considerados
neste texto. A coluna “Série” indica a partir de que série é possível o uso do
jogo. Professores têm relatado, ao autor deste artigo, a utilização destes jogos
a a
no ensino fundamental, principalmente 4 a 8 série, e também no ensino
2

médio e na educação de jovens e adultos (EJA). [Zeni, 2005], [Pinto] e [Zeni,


2007b].
Tabela 1.1 Características dos Três Jogos para Números e Operações.
Nome Série Números Operação
a
Bingo da Tabuada 3 N Multiplicação
a
Jogo do Resto 4 N Divisão (Resto e Quociente)
a
Soma Zero 6 Z Adição e Subtração
Todos os jogos acima são jogos de treinamento, desenvolvendo uma
habilidade específica, no caso, o cálculo da operação envolvida no jogo.
Alguns deles também podem ser vistos como jogos de estratégia, para os
quais é possível levantar algumas questões do tipo: “o que acontece se...” ou
“qual é a melhor jogada para uma dada situação?”. [Grando].
Para cada jogo, o tempo necessário apenas para jogar é cerca de 1 aula
ou menos (aula de 50 minutos), dependendo da série. Na primeira vez que um
jogo for apresentado e as regras do jogo forem discutidas, o tempo necessário
é cerca de 2 aulas.
É conveniente que os jogos sejam propostos para os alunos pelo menos
duas vezes, isto permite que o conteúdo matemático seja fixado e possa ser
aprofundado. Além disso, tem-se observado que boa parte dos alunos estuda
para o jogo, melhorando seu desempenho.
Após a apresentação do jogo, das regras e objetivo, o professor deve
deixar os alunos à vontade para jogar, interferindo apenas quando solicitado.
“Além de organizador o professor também é facilitador nesse
processo. Não mais aquele que expõe todo o conteúdo aos alunos,
mas aquele que fornece as informações necessárias, que o aluno não
tem condições de obter sozinho...”
Parâmetros Curriculares Nacionais, Matemática [Brasil, página 38]

2. Bingo da Tabuada
Organização da sala: individual ou em dupla; o professor realiza o sorteio.
Material necessário: uma cartela para cada aluno ou dupla (cartela de bingo
comum); marcadores (milho ou feijão) para que os alunos possam marcar os
pontos sorteados que constam de suas cartelas; uma cartela de controle para
o professor e “pedras” para serem sorteadas.
O segredo do “Bingo da Tabuada” está nas pedras que serão sorteadas.
Elas trazem não um número, mas um produto, como por exemplo, 3x4 (três
vezes quatro). Para confeccionar as pedras, é necessário fatorar os números
no produto de dois fatores. A tabela abaixo mostra a escolha que fizemos para
os números de 1 a 21 e que foi usada na confecção das pedras do bingo que
utilizamos. [Zeni, 2007]

Tabela 2.1 Algumas “Pedras” (produtos) utilizadas no Bingo da Tabuada.


3

1×1 2×1 3×1 2×2 5×1 2×3 7×1

2×4 3×3 2×5 11×1 3×4 13×1 2×7

3×5 4×4 17×1 3×6 19×1 4×5 3×7

Como jogar: se joga como em um bingo comum. As cartelas são distribuídas


para os alunos; as “pedras” a serem sorteadas são colocadas em um saco e o
professor efetua o sorteio. Se a pedra sorteada for o 3x4, o professor lerá “três
vezes quatro” e os alunos devem realizar o cálculo e verificar se o resultado,
12, consta de sua cartela.
Ganha aquele que preencher toda a cartela primeiro (ou numa etapa
inicial, quem preencher uma linha ou coluna ou diagonal primeiro, conforme
acordo com a turma). Caso alguém anuncie que ganhou, o professor deve
verificar se todos os pontos que constam da cartela do suposto ganhador
foram sorteados.
Metodologia: leia a pedra (produto) sorteada 2 ou 3 vezes. Para séries iniciais,
3a e 4a, recomenda-se sortear/ler mais devagar.
Deve-se pedir aos alunos que registrem o cálculo (multiplicação) no
caderno. Isto permite verificar, posteriormente, o desempenho dos alunos.
Após o término do jogo, conforme o tempo disponível, sugere-se fazer a
correção na lousa (cálculo dos pontos sorteados).
Estudos complementares: sugere-se após o jogo (pode ser uma outra aula),
discutir alguns problemas concretos que envolvam multiplicação, como por
exemplo: uma melancia custa R$7,00. João comprou 3 melancias. Quanto ele
deve pagar por elas?
Da 5ª série em diante, pode-se propor aos alunos a confecção das
pedras para sorteio. Assim, eles devem fatorar os números de 1 a 90. Pode-se
combinar com a classe que, para um dado número n, a fatoração 1×n só é
aceitável se não houver outra possível. Isto permite discutir a noção de número
primo e número composto.
Variantes: pode-se usar outras operações, juntamente com a tabuada, de
acordo com a série que se deseja trabalhar, como por exemplo: sucessor e
antecessor; raízes e potências.
“Para marcar o resultado sorteado é preciso saber a tabuada, efetuar
um cálculo mental... Melhorou muito a relação aluno-professor; no
momento do jogo os alunos me consideram como amiga e não como a
professora.”
Margarete R. C. Silva, veja item “Trabalhos Finais” [Zeni, 2005]

3. Jogo do Resto
4

Organização da sala: dividir a sala em grupos com até 4 jogadores (individuais)


ou em duplas (duas duplas por grupo). Neste jogo, o professor está livre para
circular entre os grupos, acompanhando o desenvolvimento.
Material necessário: um tabuleiro (veja figura abaixo) e um dado para cada
grupo, uma peça (marcador de posição, pode ser tampinha de garrafa pet ou
de detergente ou ainda de pasta de dente) para cada jogador.
Como jogar: cada grupo sorteia uma ordem para os jogadores. Todos os
jogadores iniciam na primeira casa, a casa “25”, veja a figura abaixo. Em cada
rodada, na sua vez, um jogador lança o dado: o número de casas que o
jogador deve avançar é igual ao resto da divisão do número da casa em que se
encontra (dividendo) pelo número que saiu no dado (divisor). Ganha o jogo
quem atingir primeiro a casa “Fim”. [São Paulo].

70 9 6 5 35
16

33
39 27 71 4 14

0
28 51 10
Tchau

17 68 Fim 96 80
53
25
15
Início 22 30 13 62

Figura 3.1 Modelo (miniatura) de tabuleiro utilizado para o jogo do resto.

Metodologia: peça aos alunos que registrem os cálculos efetuados. Após o


jogo, pode-se introduzir as questões abaixo. Para respondê-las, os alunos
deverão analisar a divisão pelos números de 1 a 6.
1. No começo do jogo, quais os resultados do dado que não permitem ao
jogador avançar?
2. Qual o maior número de casas que um jogador pode andar?
3. Por que na casa “0” está escrita a palavra “Tchau”?
4. Estando em uma casa qualquer, quais os resultados no dado que não
permitem ao jogador avançar?
5. Se o jogador estiver na casa “80”, quais são os números que devem sair no
dado para que ele ganhe o jogo? E se ele estiver na casa “51”?
5

Estudos complementares: além de outras questões que possam ser levantadas


sobre o jogo, veja [Borin], sugere-se a apresentação de alguns problemas
concretos, por exemplo, Pedro, Luiz e Hugo têm 14 tampinhas para dividir
entre eles, quantas tampinhas cada um receberá? Quantas sobram (qual é o
resto)?

Variantes: quando for utilizar o jogo várias vezes na mesma turma, para
diversificar os cálculos, pode ser utilizado um tabuleiro diferente, como o
proposto em [Borin].
“Durante o desenrolar do jogo, observei que os alunos se tornaram
críticos, alertas e confiantes, expressando o que pensam, elaborando
perguntas e tirando conclusões sem necessidade de interferência.”
Sandra Regina F. S. Feitosa, Trabalho Final [Zeni]

4. Soma Zero
Organização da sala: grupos de até 4 alunos, ou então em duplas.
Material necessário: um baralho para cada grupo (um baralho comum com 52
cartas).
Como jogar: o jogo utiliza apenas as cartas de 2 a 10 e o Ás, representando o
número 1. Devem ser separadas e excluídas as cartas do baralho que não são
numéricas (valetes, dama, reis e coringas).
Assim, o total de cartas a serem utilizadas é 40 (quarenta), sendo vinte
delas vermelhas (correspondendo aos naipes de ouro e copas) e vinte delas
pretas (naipes de paus e espada). As cartas pretas representam números
positivos enquanto que, as cartas vermelhas representam números negativos.
Após embaralhar as cartas, separa-se 4 cartas que irão para a mesa,
sendo visíveis seus valores. As outras 36 (trinta e seis) cartas devem ser
distribuídas igualmente entre os jogadores. Se forem 4 jogadores, cada jogador
receberá 9 cartas. Decide-se por sorteio quem começa o jogo e a ordem de
cada um para jogar.
Na sua vez o jogador deve tentar somar zero, juntando uma das cartas
da sua mão com uma ou mais cartas da mesa. Por exemplo, se na mesa estão
o 3 vermelho e o 5 vermelho e o jogador tem em mãos o 8 preto, então ele
pode somar zero com estas cartas. Não é permitido jogar somente com a
mesa, o jogador sempre deve usar uma (e apenas uma) carta da sua mão.
Se conseguir, retira para si o conjunto usado para somar zero,
adicionando ao seu monte. Se não conseguir, coloca na mesa uma carta
qualquer da sua mão. Se um jogador levar todas as cartas da mesa, o jogador
seguinte apenas coloca uma carta na mesa.
O jogo termina quando acabarem as cartas da mão de todos os
jogadores. Isso sempre acontece porque em cada rodada, cada jogador
elimina uma carta da sua mão, ou quando soma zero ou quando descarta.
Ganha o jogador que tiver o maior número de cartas (no seu monte) ao final do
jogo.
6

Questões (análise de situações): considerando que na mesa estejam as


seguintes cartas: 4, 3 e 7 vermelho e, que um jogador tem em mãos um 6 e 7
preto e um 8 vermelho, qual é a melhor jogada para ele?
a
Referências sobre o Soma Zero: [Mathema], veja item “Ensino Fundamental 6
à 9a”, subitem “Jogos”.

5. Conclusão
Em um jogo, pode parecer que há um único vencedor, mas nestes jogos todos
ganham. Não há quem consiga chegar ao fim de cada jogo sem ter aprendido
um pouco mais sobre números e operações. Com a prática, há cada vez mais
facilidade de cálculo e memorização de alguns conceitos importantes. Com
isso, o objetivo de usar o jogo como um recurso pedagógico é alcançado.
Os jogos são mais uma ferramenta de que dispomos para o ensino-
aprendizagem. Eles permitem aos alunos experimentar o “sabor” da
descoberta, participando ativamente da construção do seu conhecimento.
Relatos de experiência utilizando esta prática pedagógica mostram o sucesso
da mesma. Em alguns casos, a disciplina de matemática passou a ser uma
das preferidas dos alunos. [Zeni, 2005], [Zeni, 2007b] e [Linardi].
De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais, Matemática,
[Brasil, página 42], “... conhecer diversas possibilidades de trabalho em sala de
aula é fundamental para que o professor construa sua prática. Dentre elas,
destacam-se a História da Matemática, as tecnologias da comunicação e os
jogos como recursos que podem fornecer os contextos dos problemas, como
também os instrumentos para a construção das estratégias de resolução.”

Referências
BORIN, Júlia. Jogos e Resoluções de Problemas: uma estratégia para as aulas
de Matemática. Volume 6. São Paulo: CAEM/USP, 2004.
BOYER, Carl B. História da Matemática. 2a ed. São Paulo: Editora Edgard
Blucher, 1996.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares
Nacionais. 3o e 4o Ciclos do Ensino Fundamental: Matemática. Brasília:
MEC/SEF, 1998. Disponível em
http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf, acessado em
26.02.2007.
GRANDO, Regina Célia. O conhecimento matemático e o uso de jogos em sala
de aula. Dissertação (Doutorado em Educação Matemática). Faculdade de
Educação, UNICAMP, 2000. Disponível em
http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000223718, acessado em
26.02.2007.
FERRARI, Márcio. Matemática é mais que fazer conta no papel. Revista Nova
Escola, no. 173, pg. 40-42, junho/julho de 2004. Editora Abril.
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LINARDI, Patrícia Rosana. Quatro jogos para números inteiros: uma análise.
Dissertação (Mestrado em Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus
fundamentos filosóficos e científicos). IGCE, UNESP. Rio Claro, 1998.
MATHEMA (Pesquisa e assessoria na área de matemática), disponível em
http://www.mathema.com.br/, último acesso em 26.02.2007.
PINTO, Josimary de Oliveira. Jogos como um recurso pedagógico no ensino e
aprendizagem de operações fundamentais. Guaratinguetá, 2007. Aceito para
apresentação no IX ENEM a ser realizado em julho de 2007.
SÃO PAULO (Estado). Secretaria da Educação. Coordenadoria de Estudos e
a a
Normas Pedagógicas. Experiências Matemáticas. 4 volumes (5 à 8 série).
Versão preliminar. São Paulo: SE/CENP, 1998.
ZENI, José Ricardo R. (coordenador). Metodologias de Ensino da Matemática
no Ciclo II do Ensino Fundamental. Curso de Extensão. Programa de
Formação Continuada de Professores “Teia do Saber”. Diretoria de Ensino da
Região de Mirante do Paranapanema, 2005. Disponível em
http://www.prudente.unesp.br/teia_zeni/index.php, acessado em 26.02.2007.
ZENI, José Ricardo R. Anexos para o Bingo da Tabuada, Jogo do Resto e
Soma Zero. Notas de pesquisa e extensão. Guaratinguetá, 2007. Disponível
em http://www.feg.unesp.br/~jrzeni, último acesso em 27.05.2007.
ZENI, José Ricardo R. (2007b) Projeto de Extensão: intervenção na realidade
escolar, metodologias de ensino da matemática. Escola Estadual Luiz
Menezes, Guaratinguetá, SP, e Escola Estadual Maria Izabel Fontoura,
Cachoeira Paulista, SP. 2007 (projeto em andamento).

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