Você está na página 1de 1

69

nos próximos capítulos constataremos que os tímidos ecos desta situação ainda podem ser
ouvidos. Não havia qualquer outro campo em que a monarquia asturiana pudesse ser
plenamente hegemônica que não fosse o historiográfico. Os elementos que garantiram tal
atividade não poderiam encontrar sucesso sem a devida interação entre a força política
asturiana e os centros de cultura escrita localizados no Norte da Península Ibérica. A formação
de um grupo, uma família e os seguidores desta, capazes de submeter uma região que vai
além dos patrimônios particulares originais e que vai se expandindo mais e mais a cada
estação apesar das duras investidas muçulmanas garantiu um primeiro passo para a
formação de um núcleo político durável.
A capacidade de pacificar amplos territórios e de negociar acordos com outros grupos
laicos mostra-se um dado de vital importância. Porém, a partir do momento em que se

saberes historiográficos, é notaremos a formação de uma nova dinâmica política nas Astúrias,
sendo isto evidenciado nas crônicas asturianas. Aqui os interesses convergiram, reforçando a
aura de legitimidade da monarquia em formação. A junção de interesses políticos e religiosos
forneceu um vocabulário específico que investia e revestia de legitimidade a monarquia de
Afonso III e de seus ancestrais imediatos (bem como de seus sucessores). Para Pierre
Bourdieu, o monopólio dos meios de produção e reprodução política legítima está na mão de
profissionais que favorecem a censura e a limitação de outras manifestações, sendo isto
inerente ao funcionamento do campo político191. O legitimado aqui é a construção de um
vínculo direto com o passado mítico do Norte, algo que tornaria o exercício do poder
inquestionável e intransferível. A linearidade é a força da imutabilidade, é a pretensa
manifestação do passado no presente do monarca de então. As crônicas nos mostram uma
inovação revestida de conservadorismo, a criação dita como tradição é o controle do presente
sobre o passado, registrando-o como este deveria ser, com o significado que deveria
transmitir. Os demais grupos, letrados ou não, que apartados desta elaboração do passado
histórico estão, de acordo com a contribuição teórica de Bourdieu:
tanto mais condenados à fidelidade indiscutida às marcas conhecidas e à delegação
incondicional nos seus representantes quanto mais desprovidos estão de
competência social para a política e de instrumentos próprios de produção de
discursos ou atos políticos192.

O que tornou possível, ou melhor, o que forneceu sentido para o surgimento de uma
resistência à invasão islâmica precisamente no século VIII e, com isso, o desenvolvimento de

191
BOURDIEU, op. Cit., p. 166.
192
Ibid., p. 166.

Você também pode gostar