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uma entidade política, uma monarquia germinal, foi o esforço historiográfico dos clérigos do
lar, era
193
. Os escribas das primeiras crônicas da Reconquista apenas deram
forma a algo já esboçado ideologicamente em seu meio social e político. A matéria
historiográfica rudimentar já existia, dispersa em fatos, acontecimentos, nomes, lugares e
datas. Bastava existir uma intenção, uma motivação política para que isto ganhasse sentido,
um sentido nascido da luta pela hegemonia política nas primeiras centúrias após a invasão de
711. As crônicas geram legitimação, têm aspecto construtor, estruturador, continuador e
legitimador. Todo passado ibérico reconstituído posteriormente toma como base as primeiras
crônicas de Reconquista, bebe diretamente de suas representações. É dependente delas.
As comunidades religiosas instaladas e protegidas pela monarquia tinham, por sua
própria formação, a capacidade de apresentarem-se como os portadores da memória. Mais
uma vez nos inspirando no trabalho de Íris Kantor, que identifica que, no caso português na
a história oficial, até esse momento, constituía uma
atribuição do cargo do cronista-mor do Reino, que conformava uma tradição historiográfica
194
. As ordens
religiosas, principalmente as ordens monacais, estavam a serviço dos interesses da realeza
nortenha. A subordinação direta de inúmeras casas monacais contribuiu para o
estabelecimento de um discurso que evidenciasse a ascendência social e política da
monarquia. A partir daí, com a proteção e com o fomento material, os mosteiros obtiveram a
segurança e o subsídio necessário para praticar suas atividades necessárias a sua manutenção,
dentre elas o de lembrar e exaltar as benesses de seus defensores. A atratividade da monarquia
ovetense estimulou a retribuição de seus dependentes manifestada sob a forma de um
monumento historiográfico.
Desta forma, retomamos ao final o método de Lucien Goldman, afirmando que todo
comportamento humano tem por objetivo dar uma resposta significativa a uma dada situação,
195
visando criar um equilíbrio entre o sujeito da ação e o mundo que o circunda . A partir
desta posição defendemos que as primeiras crônicas latinas produzidas nas Astúrias são uma
espécie de elemento estruturador de significados, ou seja, as peças historiográficas
correspondem a uma tentativa de organizar e dar voz a uma perspectiva ideológica, de marcar
a posição de um grupo. Este grupo, ou melhor, estes grupos integravam comunidades

193
GEARY, op. cit., p. 168.
194
KANTOR, op. cit., p. 30-31.
195
GOLDMANN, Lucien. O método estruturalista genético na História da Literatura. In ________. A
sociologia do romance. 3 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 204.

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