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FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA

ALFABETIZAÇÃO

Rosalva Araujo

2024.1
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização: conceituação

FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização:
conceituação e marcos históricos
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO
(...) quem inventou a escrita foi a leitura: um dia, numa caverna, o homem começou a desenhar e encheu as
paredes com figuras, representando, animais, pessoas, objetos e cenas do cotidiano. Certo dia recebeu a visita
de alguns amigos que moravam próximo e foi interrogado a respeito dos desenhos. Queriam saber o que
representavam aquelas figuras e por que ele as tinha pintado nas paredes. Naquele momento, o artista
começou a explicar os nomes das figuras e a relatar os fatos que os desenhos representavam. Depois, à noite,
ficou pensando no que tinha acontecido e acabou descobrindo que podia "ler" os desenhos que tinha feito. Ou
seja, os desenhos, além de representar objetos da vida real, podiam servir também para representar palavras
que, por sua vez, se referiam a esses mesmos objetos e fatos na linguagem oral. A humanidade descobria
assim que, quando uma forma gráfica representa o mundo, é apenas um desenho; mas, quando representa
uma palavra, passa a ser uma forma de escrita (...) (Cagliari, 1996, p.13, 14).

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FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Pinturas rupestres no
Parque Nacional da Serra da Capivara - PI.

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Pinturas rupestres – Sítio Arqueológico da Pedra Pintada- Pará


FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

https://www.youtube.com/watch?v=Y4OI4wnU-Rg
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO
A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
Introdução
• A escrita é um fato social, daí a necessidade de ser conhecida pelos sujeitos sociais.
• Existe uma articulação direta entre leitura e escrita, uma não existe sem a outra, daí a
necessidade da alfabetização.
• A escrita se constitui como “sistema de formas gráficas, figurativas ou não, para
representar palavras ou frases ou mesmo históricas” (p.16
• A alfabetização é tão antiga quanto a própria escrita, devido à necessidade de
socialização do código.
• Os sistemas de escrita em geral são simples e práticos, demonstrando o interesse em
favorecer a decifração.

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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Antiguidade
A escrita marca a transição da pré-história para a Antiguidade.
Necessidade do registro do conhecimento para a humanidade.
Memoria oral tornou-se insuficiente diante do crescimento das cidades e da solidez da palavra
escrita.

Tabuinhas de argila – conteúdo administrativo e econômico. Papiro – escrita hierográfica.


Papiro advém da planta - rolo ou volumen em que o leitor deve segurar com as duas mãos para poder desenrolá-
la, fazendo aparecer trechos distribuídos em colunas.
Não é possível, por exemplo, que um autor escreva ao mesmo tempo que lê (os leitores são aqueles autorizados,
privilegiados).
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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Antiguidade
• Surgimento da escrita de maneira autônoma:
Local Período
Suméria 3.300 a.C.
Egito 3.000 a.C.
China 1.500 a.C.

•Todos os demais sistemas de escrita forma criados a partir do contato com outros
sistemas

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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Antiguidade
Código de Hamurábi, datado do século
XVIII a.C. região de Mesopotâmia. É um
monumento talhado em rocha de sobre
o qual se dispõem 46 colunas de escrita
cuneiforme acádica.
Seu texto expõe as leis e punições caso não sejam respeitadas, legislando sobre matérias
muito variadas.
(Museu do Louvre, na sala 3 do Departamento de Antiguidades Orientais. 282 leis em
3600 linha
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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Idade Média
Prática de leitura silenciosa se difunde com esse formato.
Antes a leitura em voz alta predominava nos templos da
metrópole e a quantidade de livros favoreceu um maior
acesso (ainda restrito).
Uma leitura intensiva (a quantidade ainda era
restrita), mais profunda e particular era a relação
com os livros. Na baixa Idade Média a leitura
silenciosa se faz presente nas bibliotecas
universitárias.

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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Idade Média
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO
A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Idade Moderna
Gutenberg – tipos de metais e reutilizáveis. Dispersão e difusão
da imprensa. 1ª explosão bibliográfica. Livro impresso – dos
mosteiros às oficinas tipográficas. A demanda pela escrita deu
lugar a um suporte menos dispendioso e trabalhoso, o papel.
O papel na verdade existe desde a Antiguidade na
China, mas foi em razão das rotas comerciais que ele
chega na Europa e passa a ser a principal matéria
prima. Bíblia de Gutenberg, ou a Bíblia de 42 linhas
(1455) – incunábulo.

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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Idade Moderna
O livro impresso demorou um século para se firmar,
imitava-se o códex manuscrito. Leitura extensiva: o leitor
consome muitos e variados impressos; a leitura passa a ser
com rapidez e de modo pouco profundo – revolução da
leitura – século XVIII – aumento de livros e leitores, ainda
mais forte.
Houve a disseminação da informação de forma mais
democrática, quando o conhecimento deixou de ser de
poucos, para abranger uma massa maior.
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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Idade Contemporânea
Revolução industrial e francesa – nascem as
bibliotecas públicas. Voltadas para a educação e
alfabetização da classe trabalhadora.
No século XX, escala industrial do livro. As
bibliotecas especializadas, centros de
documentação, bibliotecas universitárias,
bibliotecas escolares, bibliotecas nacionais,
bibliotecas comunitárias, bibliotecas
especializadas (tipologia de bibliotecas – com
diferentes missões.

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A leitura e a escrita e suas funções ao longo da história
A leitura e a escrita na Idade Contemporânea
Tecnologias de informação e comunicação -
Livros eletrônicos. “a inscrição do texto na tela
cria uma distribuição, uma organização, uma
estruturação do texto que não é de modo algum a
mesma com a qual se defrontava o leitor do livro
em rolo da Antiguidade ou o leitor medieval,
moderno e contemporâneo do manuscrito ou
impresso” (CHARTIER, 1998, p. 12).
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A história da Alfabetização
• A escrita surgiu do sistema de contagem para registro da produção e do comércio.
• Significado de alfabetizado na escrita primitiva: “saber ler o que os símbolos significavam e
ser capaz de escrevê-los” (p.16). Assim a invenção da escrita inclui as regras de
alfabetização.
• A história da alfabetização pode ser analisada em três períodos:
✓o primeiro abarca a Antiguidade e a Idade Média, quando preponderou o método da
soletração:
✓o segundo se distinguiu pelas reações ao processo da soletração e concepção de novos
métodos sintéticos e analíticos, compreende os século XVI a XVIII, e que se alargou até a
década de 60; e
✓o terceiro período, o contemporâneo caracterizado pelo questionamento da necessidade de
agregar os sinais gráficos da escrita aos sons da fala para aprender a ler. (ARAÚJO, 1996)

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A história da Alfabetização: Antiguidade
• Na Antiguidade, os alunos alfabetizavam-se aprendendo a ler algo já escrito e depois
copiando. Começavam com palavras, depois estudavam os textos famosos para só depois
escreverem seus próprios textos.
• O segredo da alfabetização era o trabalho de leitura e cópia. Nessa época iam para a escola
apenas aqueles que queriam se tornar escribas. Os demais aprendiam a ler fora da escola
com objetivos ligados aos negócios e ao comércio.
“O trabalho de leitura e cópia era o segredo da alfabetização” (p. 17) – aprendizagem por
transmissão de conhecimentos.
1º • Leitura de palavras
2º • Leitura (exaustiva) de textos famosos
3º • Escrita dos próprios textos
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO
A história da Alfabetização: Antiguidade
Na antiguidade foi instituído o alfabeto e o primeiro método de ensino: a soletração, também
chamado alfabético ou abc. Conforme Marrou (1969), a alfabetização acontecia por um processo
lento e complicado:
- começava pela aprendizagem de 24 letras do alfabeto e as crianças tinham que decorar os
nomes das letras, primeiro na ordem, depois em sentido inverso;
- apenas depois de decorar era exibida a forma gráfica;
- a tarefa seguinte era integrar o valor sonoro à respectiva representação gráfica: as primeiras
letras exibidas eram as maiúsculas, distribuídas em colunas, depois vinham as minúsculas;
- quando os aprendizes haviam memorizado a associação das letras às formas, processos
semelhantes eram feito com as famílias silábicas

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A história da Alfabetização: Idade Média
Muitos eram os estratagemas empregados na Idade Média para promover o alcance da leitura
pelas crianças. Examinando peças de museus, foi possível descobrir suportes de textos usados na
época, como alfabetos de couro, tecido e até mesmo em ouro. Porém, acredita-se que as crianças
das famílias de baixo poder aquisitivo também tinham acesso à aprendizagem da leitura e da
escrita. (ARAÚJO, 1996),
• A alfabetização geralmente ocorria em casa, portanto não era uma atividade escolar.
• Permanência do princípio acrofônico1.
• Decorar o nome das letras
• Somatória dos valores sonoros das letras
• Descoberta da palavra escrita
1. Acrofonia (em grego: acro – princípio, cabeça + phonos - som) consiste em dar às letras de um sistema de escrita (alfabeto) uma denominação de modo que o nome de cada letra começa com
essa mesma letra. Por exemplo, A, "alpha", "amarelo" e "amor" são nomes acrofônicas da letra A.
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A história da Alfabetização: Idade Moderna
A informação ganhou novas fronteiras e o pensamento alastrou-se por áreas ou regiões a que
antes não tinham acesso, mesmo sendo a alfabetização um privilégio de poucos. Houve, nesse
sentido, uma quebra do modo de reter o conhecimento, antes limitado a poucos (CHAVES,
2005). Entretanto, até o século XV, a civilização era composta predominantemente por
analfabetos.
A partir do século XVI, pensadores começam a manifestar-se contra o método da soletração, em
função da sua dificuldade.
Na Alemanha, Valetim Ickelsamer apresenta um método com base no som das letras de
palavras conhecidas pelos alunos.
Na França, Pascal reinventa o método da soletração: em lugar de ensinar os nomes das letras
(efe, eme, ele etc.) ensinava o som (fê, lê, mê), na tentativa de facilitar a soletração.

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A história da Alfabetização: Idade Contemporânea
“A alfabetização é um elemento importante, pois, saber ler e escrever é condição necessária
à participação na sociedade letrada em que vivemos. A alfabetização é o momento mais
importante da formação escolar de uma pessoa assim como a invenção da escrita foi o
momento mais importante da história da humanidade” (CAGLIARI, 1989, p. 10)
O objetivo da alfabetização é o de favorecer o desenvolvimento da comunicação e expressão
com ênfase no processo de produção e utilização de textos, ou é o de garantir a aquisição
dos mecanismos da leitura e da escrita?[...] talvez a tentativa de construção de uma teoria
geral da alfabetização traga o risco de que imaginemos ser possível abstrair a alfabetização
das diferentes práticas sociais em que ela se realiza e das condições concretas que a
viabilizam. (KRAMER, 1986, p.16)
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A história da Alfabetização: Idade Contemporânea
No final do séc. XIX os métodos de alfabetização sofreram um movimento de alternância. Processo
que vai se estender por todo o século XX.
Ora os métodos sintéticos que partem do princípio das unidades menores predominavam; ora os
métodos analíticos que direcionam a aprendizagem inicial das unidades maiores se sobressaiam.
(SOARES, 2016)
- Cada método priorizava uma determinada “faceta”, ou seja, uma “parte”, mas sempre foram
direcionados para a leitura; já a escrita era algo decorrente desse primeiro domínio.
- O ensino da época estava direcionado para a aprendizagem do alfabeto, centrando-se na grafia
com pouca ênfase para os sons das letras, ou seja, pouca ênfase para o princípio alfabético.
- Aos poucos a alfabetização passou do ensino do “nome” das letras para a representação “sonora”
das letras e sílabas, dando ênfase aos métodos fônicos e silábicos, ou seja, aos métodos sintéticos.

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A história da Alfabetização: Idade Contemporânea
Os métodos sintéticos partem das unidades menores do Sistema de Escrita Alfabética
(SEA), de forma crescente em relação ao grau de dificuldade; esse conjunto de métodos
direciona sua prática mais para a grafia e os sons das letras.

Os métodos sintéticos predominaram até o final do século XIX. Eles se baseavam no


pressuposto de que a condição e pré-requisito para se aprender a ler e escrever é a
compreensão da correspondência grafema-fonema. A alfabetização pautada em
métodos sintéticos pode partir das letras, sílabas ou fonemas, ou seja, das unidades
menores para as maiores, das partes para o todo.
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A história da Alfabetização: Século XX-XXI
No início do século XX, houve um destaque ao ensino utilizando os métodos analíticos
que surgiram como resposta à necessidade de compreensão da palavra escrita, tendo
como base a concepção de caráter biopsicofisiológico para “[...] tornar a aprendizagem
significativa e, para isso, partir da compreensão da palavra escrita, para dela chegar ao
valor sonoro de sílabas e grafemas [...]” (SOARES, 2016, p. 18).
Dentre os métodos analíticos, destacam-se o método global, que partem de textos; o
método da palavração, cujo ensino inicia-se pelas palavras e o método da sentenciação,
que tem como foco a decomposição de frases em palavras e letras.
Esse conjunto de métodos, os analíticos, aponta que o ensino da leitura deve partir do
todo e que, de acordo com cada método, o professor deve direcionar a aprendizagem do
aluno a partir da historieta, das palavras e das sentenças (FRADE, 2005).

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A história da Alfabetização: Século XX-XXI
Na proposta denominada global, a aprendizagem está direcionada para a leitura, tendo como base
textos para a análise durante o processo de alfabetização, colocando a decomposição de frases,
palavras e letras em um segundo plano.
⁻ a linguagem funciona como um todo;
⁻ existe um princípio de sincretismo no pensamento infantil: primeiro percebe-se o todo para
depois se observar as partes;
⁻ os métodos de alfabetização devem priorizar a compreensão;
⁻ no ato da leitura, o leitor se utiliza de estratégias globais de reconhecimento;
⁻ o aprendizado da escrita não pode ser feito por fragmentos de palavras, mas por seu significado,
que é muito importante para o aprendiz;
⁻ a escola tem que acompanhar os interesses, a linguagem e o universo infantil e, portanto, as
palavras percebidas globalmente também devem ser familiares e ter valor afetivo para a criança.
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• Os primeiros registros sobre a educação brasileira datam de 1554, a época dos jesuítas e do
período colonial. Em 1759, quando os padres foram expulsos do país, suas escolas tinham
matriculado menos de 0,1% da população. As primeiras tentativas de organizar a educação do
país começaram em 1876 e coincidiram com os movimentos pela formação da República. Esse
período foi marcado pela implementação dos primeiros métodos de ensino de leitura, com base
em abordagens sintéticas como o método alfabético.
• A segunda fase da alfabetização no Brasil começou em São Paulo depois de 1890, com professores
que defendiam a importância da pedagogia (o “como” se ensina) e dos métodos analíticos. Essa
visão moderna gerou uma disputa acirrada entre esse grupo e os adeptos das abordagens mais
tradicionais (sintéticas) [6]. O termo “alfabetização” foi criado mas o foco permaneceu em
ensinar os alunos a ler, a escrita ainda estava muito ligada à caligrafia.

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• A terceira fase da alfabetização começou por volta de 1920, quando os professores começaram a
rejeitar abertamente os métodos analíticos que se tornaram obrigatórios na segunda fase [6]. Foi
nesse período em que nasceram os métodos mistos e os testes ABC para medir o desempenho
dos alunos.
• No entanto, uma das mudanças mais fortes foi que a pedagogia ficou cada vez mais dependente
dos aspectos psicológicos (“para quem ensinamos”).
• Esse embate entre os diferentes métodos, a mistura entre “antigo e novo” e a sensação de
fragilidade são questões importantes que podem ter influência nos níveis atuais de desempenho
dos alunos.
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• A quarta fase da alfabetização brasileira, com início dos anos 80, a foi marcada por mudanças
sociais e políticas que resultaram na restauração da democracia. Nesse período, surgiu o
construtivismo, um paradigma muito diferente da tradição behaviorista.
• A desvantagem da difusão da perspectiva construtiva foi que ainda não havia um método de
ensino-aprendizagem estruturado A ausência de um método estruturado ainda está presente em
nossas escolas e deve ser um dos fatores que causa o baixo desempenho dos estudantes de hoje.
• Na década de 1990, o sistema educacional brasileiro cresceu e se tornou cada vez mais
universalizado. A intenção era permitir que o Brasil fosse competitivo em um
contexto globalizado e digital.
• O acesso à escola em todos os níveis de educação aumentou consideravelmente, e o país pôde
dizer com orgulho que quase todas as crianças já estavam na escola. Apesar de termos
conseguido matricular praticamente todas elas, passamos a notar que não estavam aprendendo
o suficiente. Essa conjuntura é bastante parecida com a situação atual de nossas escolas.

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Alfabetização no Brasil de 1880 a 1980


O período de 1880 a 1980 foi subdividido de 1880 a 1920, que trata da última
década do Império brasileiro e os primeiros anos da República, marcado pela
disputa entre os métodos sintéticos e analíticos de alfabetização e,
O período de 1920 a 1980, marcado pelo ecletismo pedagógico e, principalmente,
pela dicotomia entre teoria e prática.
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Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920


Neste período, aprender a ler era sinônimo de possibilidade de aquisição de novos
e variados conhecimentos: escrever era muito mais um ato de boa caligrafia que
um meio de se comunicar. Assim, alfabetizar era sinônimo de civilizar, disciplinar,
iluminar uma sociedade teológica elevando-a a positiva.
(MORAIS; SILVA, 2012 apud MELOO E MARQUES 2017).

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Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920: Projeto Saraiva e o não direito ao voto


• 80% da população era formada de analfabetos;
• a Lei Saraiva, de 1882 proibia o voto dos analfabetos;
• o discurso de incentivo à busca pela escolarização estava
relacionado à manutenção do poder político da elite dominante
brasileira;
• a instrução era reduzida às primeiras letras;
• inculcava no ideário popular sua inferioridade ignorante em prol
da superioridade dos letrados (ZACCUR, 2011). José Antônio Saraiva,
presidente do Conselho
de Ministros (1880-82).
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Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920: Projeto Saraiva e o não direito ao voto


O deputado Teodoreto Souto defende a exclusão dos analfabetos em nome de certa soma de
conhecimentos, de ilustração, assim como de independência necessária para o exercício do
voto.
De acordo com ele, “[...] a lei deve estabelecer garantias plenas para que o analfabeto não seja
eleitor [...].”, uma vez que “[...] a ignorância [o analfabetismo, no caso] é um obstáculo que
cada um pode vencer, através da obrigatoriedade e gratuidade do ensino primário [...]”.
Percebe-se que Teodoreto Souto concorda com a exclusão dos analfabetos do direito de voto,
por entender que lhes há ausência de discernimento político, o que, segundo os deputados, só
poderia ser obtido instruindo-se.

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Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920: Projeto Saraiva e o não direito ao voto


O deputado Rui Barbosa, que durante todo o processo de reforma se posicionou fortemente
pela exclusão dos analfabetos do direito de voto, em uma de suas falas, ao defender o projeto,
alega veemente que esse não provocaria uma exclusão de classes: “Não é, portanto, uma
exclusão de classes (apoiados), não é uma criação de castas políticas, não é uma separação de
categorias desirmanadoras entre o povo, o que vamos estabelecer [...].”. (CÂMARA, ANAIS,
Sessão em 21 de Junho de 1880, p.353).
O deputado Aristides César Spínola Zama insere um novo argumento contra o voto dos
analfabetos – o da periculosidade. O deputado faz associação explícita entre analfabetismo, de
um lado, e marginalidade, periculosidade, perturbação dos trabalhos eleitorais e ameaça à
ordem pública, de outro.
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Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920: Projeto Saraiva e o não direito ao voto


O deputado Aristides César Spínola Zama expressa que votará favoravelmente ao projeto e
defende que: “Digam o que quiserem: o projeto exige para o exercício do direito de voto a
condição de saber ler e escrever; quem não sabe ler e escrever pode ser qualificado, mas não
pode votar”. (Câmara, Anais, sessão de 23/06/1880, p.428-433).

No Senado, o senador Cristiano Ottoni enfatiza que, de todas as exclusões previstas no


projeto, a que menos repugna é a exclusão dos analfabetos: “[...] o governo da sociedade
pertence à inteligência e não à massa bruta [...]”. O senador vê na exclusão dos analfabetos
outra benefício: “[...] a eliminação dos capangas, homens que se alugam para fazer desordens
nas eleições, quase todos analfabetos [...]”. (Senado, Anais, 14/10/1880, p.54).

FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920: Projeto Saraiva e o não direito ao voto


A propagação de que o analfabeto não possuía discernimento suficiente e a capacitação para
perceber o bem comum é utilizada como qualidade depreciativa na constituição do discurso
da incapacidade eleitoral do analfabeto.
Ao identificar negativamente os analfabetos como ignorantes, cegos, incapazes e mesmo
perigosos e ao exigir o saber ler e escrever para o cidadão ser considerado eleitor, as elites
brasileiras, na sua maior parte latifundiárias e escravistas, não tinham o objetivo de purificar
as urnas, mas sim evitar o alargamento da participação popular.
Excluindo-se do direito de voto as pessoas que não sabem ler e escrever, o analfabetismo passa
a ter um aspecto negativo – uma estigmatização que afasta os analfabetos da sociedade.
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920


• Na última década do século XIX, nos anos de 1890, Arnaldo de Oliveira Barreto
inaugura um novo embate acadêmico entre os defensores do método moderno, da
palavração ou João de Deus, contra os defensores dos métodos mais modernos,
também analíticos; porém, de sentenciação e de historietas (MORTATTI, 2000).
• Surgiu, também, a preocupação nacional com a formação docente e criou-se, de
acordo com Mortatti (2000), na cidade de São Paulo, a Escola Modelo do Carmo, em
julho de 1890, nos moldes norte-americanos da Training School.

FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920


• Na Escola Modelo do Carmo, normalistas eram formadas e posteriormente assumiam
salas como especialistas para o ensino das primeiras letras.
• A partir da década de 1890, os professores paulistas passaram a ser instruídos, através
de institucionalizações e normatizações, a alfabetizar através do método analítico.
• Cartilhas, artigos e relatos de experiência reforçavam os documentos oficiais, e aos
educadores cabia, apenas, seguir tais diretrizes a fim de disciplinar a linguagem
espontânea do educando e adestrá-lo à aquisição de pensamentos e hábitos de leitura
(MORTATTI, 2000).
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920


• O bom ensino estava pautado na memória, e o bom professor era aquele que seguia as diretrizes
oficiais e aplicava adequadamente o método impresso nas cartilhas. Aos educandos cabia ter uma
memória boa o bastante para decorar nomes ou sons de letras, sílabas, palavras, frases e textos, os
quais, na maioria das vezes, vinculavam-se a preceitos higiênicos e patrióticos (MELO, 2015).
• Cada cidadão na nova pátria que se constituía precisava dar o melhor de si em prol do
desenvolvimento nacional. Assim, a capacidade física e prática foram substituídas paulatinamente
pela intelectual, e os indivíduos foram aprendendo que os possuidores da teoria deveriam
sobrepor-se aos fazedores da prática. Para alguns cabia pensar, planejar e administrar a sociedade
brasileira, desfrutando de seus bens materiais e sociais; e a outros, a tarefa era aprender a seguir
ordens, a bem fazer o que lhe havia sido mandado, sobrando a eles as migalhas de uma elite
dominante que se constituía (MELO, 2015).

FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1880 a 1920


• Oscar Thompson (1910-1975), primeiro a cunhar o termo alfabetização em 1918, apesar de
curiosamente o termo analfabeto já fazer parte do vocabulário brasileiro desde 1909, passou
a difundir um novo modelo educacional fundado em preceitos da Escola Nova, da
pedagogia social e da psicopedagogia. Ao inverter os papéis entre educando e educador,
pregou que o método devia adequar-se ao aluno e não o contrário (MORATTI, 2000).
• As normatizações preocupam-se, a partir da década de 1920, com a aplicação e aferição de
testes que mediam o nível de maturidade necessário ao aprendizado da leitura e da escrita.
Acadêmicos e especialistas educacionais difundiam manuais de aplicação destes testes, bem
como exercícios a serem aplicados pelos professores aos estudantes que necessitavam
desenvolver tal maturidade (MORTATTI, 2000).
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1920 a 1980

• Período de difusão do Movimento da Escola Nova - Fernando de


Azevedo e Anísio Teixeira;
• Publicação do livro Testes ACB (1934), por Lourenço Filho;
• Criação da primeira biblioteca infantil do Brasil, no Pavilhão
Mourisco no Rio de Janeiro, em 1934;
• Ainda que não se acreditasse no poder redentor da educação, vislumbrava-a como um meio
para a conscientização popular (ZACCUR, 2011).

FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1920 a 1980


A obra Testes ABC, de Lourenço Filho, compostos de oito provas, permeou o
cenário educacional brasileiro entre as décadas de 1920 e 1970, e foi considerada
a primeira pesquisa científica brasileira a conceber o processo de alfabetização
como aquisição simultânea da leitura e da escrita. Contudo, infelizmente, como
a teoria andava distante da prática, a difusão de tais testes ocorria de maneira
diversa entre autoridades e pesquisadores educacionais e professores.
Desta maneira, observa-se que a fundamentação teórica dos Testes ABC era
estudada e compreendida por autoridades e pesquisadores da educação,
enquanto aos professores chegavam apenas os manuais de aplicação dos
mesmos. Aos professores cabia a aplicação e classificação dos educandos,
segundo manuais pré-moldados por terceiros (MORTATTI, 2000).
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1920 a 1980


Mortatti (2000) denominou este período como a bússola da educação, visto
que, a partir de estudos realizados por Lourenço Filho, organizou-se um
manual de aplicação dos Testes ABC, acreditando-se que eram capazes de
medir e aferir o nível de maturidade necessário ao processo de alfabetização,
e oferecendo, também, modelos de atividades a serem aplicadas aos
educandos que necessitavam desenvolver tal prontidão.
O objetivo era homogeneizar as salas. Assim, os alunos que possuíam os pré-
requisitos aferidos pelos Testes ABC eram direcionados às salas de
alfabetização, e aqueles que ainda não se encontravam preparados, eram
organizados em salas de pré-alfabetização.

FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1980 a 2000


Os anos de 1980 nasceram em um cenário político tumultuado, através do qual os movimentos
populares conquistaram a redemocratização política do Brasil no ano de 1985.
Este clima conturbado era reforçado pelo índice de analfabetismo dos cidadãos, que chegava a
25,41%, bem como pelo fracasso escolar, que afligia 19,9% da população que frequentava os
anos iniciais do Ensino Fundamental (MORTATTI, 2000).
Apesar da permanência das cartilhas nas salas de aula, o discurso acadêmico fundado na
teoria construtivista de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, A psicogênese da língua escrita (1986),
passava a fazer parte dos discursos oficiais e permear as normatizações que chegavam até os
professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental (MELO, 2015).
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1980 a 2000


A teoria construtivista de Ferreiro e Teberosky (1986) nasceu de pesquisas realizadas, inicialmente, por
Emília Ferreiro em seu curso de doutoramento, nos anos de 1974 a 1976. As pesquisadoras buscavam
contribuir para melhoria dos índices de alfabetização de países em desenvolvimento, visto que, quanto
maior a miséria do país e, consequentemente do indivíduo, maiores eram suas dificuldades para se
apropriar da língua escrita.
Ferreiro e Teberosky (1996) afirmam serem três os fatores envolvidos no processo de construção da
língua escrita:
1) conceitos infantis desenvolvidos espontaneamente antes do ingresso no sistema escolar;
2) Intervenções pedagógicas escolares; e
3) Experiências particulares com o mundo escrito, leitores e escritores experientes.

FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO

Alfabetização no Brasil: 1980 a 2000


Por volta de 1980, a partir dos estudos da psicologia e da linguística, passou a ser questionada a maneira
como a alfabetização estava sendo desenvolvida, momento em que chegaram ao Brasil as discussões sobre
letramento, bem como a necessidade de alfabetizar e letrar os sujeitos inseridos em contextos cada vez mais
letrados. Por esse motivo, para o presente ensaio, visando ao estudo dos referidos conceitos, foi estabelecido o
recorte temporal nessa década.
A alfabetização, enquanto etapa da escolaridade em que os sujeitos se apropriam, mais especificamente, da
aprendizagem da leitura e da escrita imersos em uma sociedade letrada, passa a ser foco de preocupação,
não somente de educadores, mas de outros setores da sociedade. Afinal, tendo em vista as necessidades
sociais, não basta ao sujeito saber ler e escrever, ele precisa fazer uso das práticas de leitura e escrita nos mais
diversos contextos em que se insere. Assim, a partir das inquietações acerca das carências da alfabetização
frente às diferentes demandas da sociedade do século XX e XXI, chega ao Brasil, na década de 1980, o
conceito de letramento.
FUNDAMENTOS E METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO
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KRAMER, Sonia. Alfabetização: dilemas da pratica. Ed. Dois Pontos: Rio de Janeiro, 1986
MARROU, H. I. Historia da Educação na Antiguidade. São Paulo: Cadernos de Pesquisa, 1985.
MELO, E.P.C.B.N. PNAIC: uma análise crítica das concepções de alfabetização presentes nos cadernos de formação docente. Dissertação (Mestrado
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ZACCUR, E. Alfabetização: práticas emancipatórias em vez de velhos métodos com novos discursos. In: ZACCUR, E. FUNDAMENTOS E
METODOLOGIA DA ALFABETIZAÇÃO: o que muda quando muda o nome? Rio de Janeiro: Editora Rovelle, 2011.

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