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INTRODUÇÃO
Neste capítulo, estaremos voltados para a descrição das origens da teoria da relatividade
restrita (TRR), focalizando nos princípios físicos fundamentais envolvidos (natureza corpuscular e
ondulatória da luz, conceito de éter, detecção do movimento da Terra relativa ao éter, princípio da
relatividade). Uma vez apresentado o princípio da relatividade de Galileu, que estabelece a
indistinguibilidade entre o estado de repouso e de MRU (movimento retilíneo uniforme), abordaremos a
problemática da não invariância das equações de Maxwell sob as transformações de Galileu, o que
permitiria distinguir entre o estado de repouso e de MRU através de experimentos eletromagnéticos e
envolvendo luz. Desta forma, as teorias e experimentos para investigar a propagação da luz em meios
materiais, e suas conexões com o conceito de éter como referencial privilegiado para propagação da luz,
tornaram-se um tópico de estudo de 1ª relevância no cenário científico do século XIX. Foi neste século
que despontaram os problemas que direta e indiretamente levaram à formulação da TRR por A. Einstein,
em 1905, mais precisamente: a propagação da luz em meios materiais e a tentativa de usar tais teoria
para detectar o movimento da Terra relativo ao éter.
Temos por objetivo descrever e esclarecer a problemática fundamental que a TRR veio a
resolver, quando proposta por Einstein. A teoria da relatividade restrita começou a ser desenvolvida a
partir das tentativas de se encontrar uma eletrodinâmica satisfatória para os corpos em movimento, num
cenário dotado de éter (referencial privilegiado), para os quais deveria valer as transformadas de
coordenadas de Galileu. Veremos que muitas foram as tentativas de formular uma teoria que explicasse
o comportamento da luz em meios materiais em movimento, sendo a teoria de Lorentz para o elétron a
mais notória neste sentido. Ao mesmo tempo, tais teoria deveriam servir de alicerce para experimentos
que pretendiam detectar o movimento da Terra em relação a este referencial privilegiado. Foram destas
tentativas de detecção do éter e das teorias desenvolvidas para explicar a propagação da luz nos meios
materiais transparentes, que se formou um panorama físico intrincado, que levou à concepção da Teoria
da Relatividade Restrita. Neste capítulo faremos uma revisão das principais ideias que vigoravam no
século XVIII e XIX sobre a natureza da luz e do éter luminífero. Apresentaremos alguns dos experimentos
pioneiros realizados para detectar o éter (experimentos em 1ª ordem de v/c), assim como o decisivo
experimento de Michelson-Morley, o primeiro experimento de 2ª ordem em v/c. Discutiremos como os
teóricos do final do século XIX reagiram diante do resultado nulo do experimento de Michelson-Morley e
as famosas tentativas de “salvar” o éter. Finalizaremos apresentando a solução de Einstein para o grande
impasse teórico e experimental da indetectabilidade do éter.
1Um sistema de referência é um conjunto de eixos coordenados, mutuamente ortogonais ou não, usado para atribuir
coordenadas à posição de partículas e eventos físicos. No caso do sistema cartesiano, os eixos são mutuamente
ortogonais. A atribuição de coordenadas é feita por tomando por base um padrão rígido de medida (escala
milimetrada), um relógio universal e as regras da geometria euclidiana. Um sistema de referência inercial é qualquer
1
físico: movimento de uma partícula ao longo do espaço. Para descrevê-lo de maneira precisa e
matematizada, é necessário atribuir coordenadas à posição da partícula em cada instante de tempo.
Considere a partícula P da Fig. 1, cuja posição no instante t é dada pelas coordenadas cartesianas
( x, y, z ) . Sendo assim, o acontecimento da partícula ocupar esta dada posição do espaço no instante t
pode ser descrito em termos de três coordenadas espaciais e o instante t, que na física newtoniana
funciona como um parâmetro 2. Veremos mais adiante, que na relatividade restrita de Einstein, este
acontecimento é denominado de evento, tendo um sentido mais amplo, uma vez que envolve tempo e
espaço numa só entidade.
P ( x, y , z )
y
x
De acordo com a lei da inércia, há dois estados indistinguíveis para um sistema de referência
inercial: repouso ou movimento retilíneo uniforme. Consideremos um sistema inercial S e um outro
sistema inercial S’, que se move com uma velocidade constante u em relação a S, ao longo dos eixos x
e x’, como mostra a figura abaixo:
Visto de S, o sistema S’ move-se na direção positiva do eixo-x com velocidade u .
Analogamente, visto de S’, o sistema S move-se na direção negativa do eixo-x com velocidade negativa,
− u . Ambos pontos de vista são válidos, e uma relação matemática de conversão destes pontos de vista
um que esteja em MRU ou repouso, ou seja, qualquer um onde seja válida a lei da inércia. Desprezando-se os efeitos
de aceleração devido à rotação e à translação, podemos considerar a Terra, aproximadamente, como um sistema de
referência inercial.
2
Na mecânica newtoniana o tempo é visto como um parâmetro (não é uma coordenada), uma vez que possui o
mesmo valor para todos os observadores e que as coordenadas espaciais podem ser escritas em sua função.
2
precisa ser obtida. Tal relação é exatamente a transformação de coordenadas do ponto P entre os
referenciais S e S'. O ponto P representa um acontecimento físico, cujas coordenadas medidas no
sistema S são ( x, y, z ) , enquanto que no sistema S’ estas estão dadas por ( x ', y ', z ') . As coordenadas
x , y e z dão a posição de P relativa à origem O, medidas pelo observador em S, no instante t (tempo
de ocorrência do fenômeno que o observador em S registra em seu relógio). Do mesmo modo, as
coordenadas x' , y ' e z ' relacionam a posição de P à origem O’, no mesmo instante t ' (medido pelo
relógio do observador inercial em S’), temos t ' = t , uma vez que o tempo é o mesmo em todos os
referenciais inerciais (tempo absoluto) 3. Por simplicidade, suponhamos que os relógios de cada
observador marquem zero no instante em que as origens dos sistemas O e O’ coincidam, ou seja, t = 0 .
Assim, determinaremos, a partir da Fig. 2, as relações entre as medidas feitas nos dois sistemas S e S’
para a posição do ponto P: x = ut + x' → x' = x − ut ,
x '= x − ut ,
y ' = y, (1.1)
z ' = z,
às quais se soma t ' = t . Estas são as famosas transformações de coordenadas de Galileu, que
relacionam as medidas das coordenadas ( x, y, z ) do sistema S com as coordenadas ( x ', y ', z ' ),
medidas no sistema S’. Tais transformações permitem ver que intervalos de comprimento e intervalos de
tempo são absolutos na mecânica de Newton, isto é, tem o mesmo valor em todos os observadores
inerciais. Tendo o tempo o mesmo valor para todos os referenciais inercias, é óbvio que a duração de um
fenômeno (intervalo de tempo) será mesma para todos. Seja então o intervalo de tempo entre a
ocorrência de dois fenômenos P e Q, calculados no ref. S e no ref. S'. Desta maneira, podemos
escrever:
′B xB − ut B , x=
x= ′A x A − ut A ,
x′B − x′A = xB − ut B − x A + ut A → x′B − x′A = xB − x A − u ( t B − t A ) .
Como t A = t B , pois as duas extremidades são medidas no mesmo instante, obtemos como
resultado:
3
Isto é uma conseqüência da velocidade de transmissão de informação ser suposta infinita na mecânica newtoniana.
Esta suposição constitui um dos graves problemas da mecânica newtoniana, uma vez que está relacionada a chamada
“ação à distância”, que pressupõe interação instantânea entre corpos separados por distâncias arbitrárias.
3
velocidade desta partícula, partindo do conjunto de eqs. (1.1), aplicando-se a derivação temporal da
posição da seguinte maneira:
dx' dx
x' = x − ut → = −u.
dt dt
dx ' dx '
Como t = t ' , temos = , o que leva a:
dt ' dt
′x vx − u .
v= (1.4)
Obtemos assim a fórmula clássica da adição de velocidades, sendo u a velocidade relativa entre os dois
sistemas de referência. Efetuando o mesmo procedimento para as componentes y e z , observamos
que tais componentes permanecem inalteradas, uma vez que são ortogonais à direção do movimento
relativo. Temos o seguinte conjunto de equações que representam as transformações de velocidades,
medidas nos sistemas S e S’:
′x vx − u ,
v=
v′y = v y , (1.5)
v′z = vz .
A partir das transformações de velocidades dadas acima, as transformação de aceleração
são obtidas por derivação direta:
{ax′ a=
= ′ a=
x , ay
′ az }
y , az ⇒ a'= a. (1.6)
Observe que foi usado du / dt = 0 , uma vez que u é constante.
Portanto, as componentes da aceleração não são afetadas pela velocidade relativa entre os
sistemas de referência, ou seja, pela mudança de referencial. A aceleração é a mesma em todos os
referenciais inerciais, mostrando que a variação de velocidade percebida por um dado referencial será a
mesma percebida por qualquer outro referencial inercial. Podemos assim afirmar que a aceleração é uma
quantidade absoluta na mecânica de Newton. Este é um resultado de fundamental relevância para o
estabelecimento do princípio da relatividade de Galileu.
Uma outra grandeza da Física Clássica que não é afetada pelo movimento relativo é a massa,
que também é igual para todos os observadores inerciais. Como a aceleração e a massa são invariantes,
podemos concluir que a segunda lei de Newton, que define força como F = ma , também é invariante
perante uma transformação de coordenadas. Isto significa que as leis de Newton (e da Mecânica
Clássica) são exatamente as mesmas (têm a mesma forma) em todos os sistemas inerciais, uma
conseqüência da sua invariância perante as transformações de Galileu. Portanto, se a segunda lei no
referencial S é
F = ma , (1.7A)
Esta é uma lei covariante! A consequência imediata desta covariância é que todos os referenciais
inerciais comungam da mesma física e compartilham os mesmos resultados de experimentos ou
fenômenos mecânicos. Desta forma, um experimento realizado num referencial parado ou em um
referencial em MRU fornece os mesmos resultados e fenomenologia (no sentido que são regidos pelas
mesmas expressões matemáticas). Como exemplo podemos mencionar um corpo solto do alto do teto de
um vagão de trem em MRU, que cai em trajetória retilínea e com mesma função horária do ponto de vista
4
de um observador dentro do vagão, quando comparado com um corpo idêntico solto do teto de outro
vagão de trem parado rente à estação ferroviária (analisado desse referencial). Outro experimento
mecânico consiste em pendurar um pêndulo simples no teto do vagão do trem, e coloca-lo em pequenas
oscilações. O pêndulo oscilará com mesmo período que pêndulo idêntico pendurado no teto do vagão em
repouso junto à estação ferroviária.
Este cenário indica que nenhum sistema inercial é privilegiado em relação a qualquer outro, uma
vez que os fenômenos físicos se manifestam de maneira igual em todos eles. Portanto, todos os
referenciais inerciais são equivalentes, sendo na prática impossível distinguir, por meio de experimentos
mecânicos, entre o estado de repouso e o estado de movimento retilíneo uniforme. Este é o conteúdo do
chamado Princípio da Relatividade de Galileu, intimamente relacionado ao fato essencial das leis de
Newton não sofrerem alteração (em sua forma) quando analisadas por referenciais inerciais diferentes.
Note que se a segunda lei de Newton mudasse de forma sob uma transformação de Galileu, a “física” 4
observada por um referencial inercial em MRU seria diferente daquela percebida por um observador em
repouso. Isto seria o suficiente para denunciar o estado de movimento do referencial, e liquidar com a
indistinguibilidade entre os estados de repouso e de MRU. Portanto, a base essencial do Princípio da
Relatividade de Galileu é a covariância da segunda lei de Newton.
OBS.: Importante notar que os valores de algumas grandezas físicas, medidos pelos
referenciais S e S’, podem ser diferentes, e geralmente o são. Tais diferenças, entretanto, não
caracterizam fenomenologias diferentes, uma vez que os cenários “distintos” observados nestes dois
referenciais são regidos pelas mesmas equações de movimento (advindas da segunda lei de Newton).
4 O termo “física” aqui significa fenomenologia, ou seja, a maneira como um fenômeno ou uma coleção de
fenômenos transcorrem.
5
Infelizmente, este é um resultado que não pode ser aqui demonstrado, uma vez que a teoria de Newton nada fala
sobre a maneira como os campos elétrico e magnético se transformam sob a ação das transformações de coordenadas
de Galileu. Entretanto, no Apêndice tal propriedade é demonstrada indiretamente a partir da equação de onda para o
potencial escalar.
5
e igual a c . Chamaremos de S o sistema inercial vinculado ao meio de propagação no qual a velocidade
da luz vale c , e S’, o sistema movendo-se na mesma direção do pulso, com velocidade constante u em
relação ao sistema S. Observe a figura abaixo:
S S'
u
PULSO LUMINOSO
Neste caso, o observador localizado no sistema S mediria para o pulso de luz uma velocidade igual a c ,
enquanto que o observador situado no sistema S’ mediria um valor igual a c′= c − u (lei galileana de
composição de velocidades). Vemos assim que observadores inerciais em movimento relativo entre si
mediriam valores diferentes para a velocidade da luz. No caso genérico, em que o observador S'
locomove-se com velocidade u em direção arbitrária, a velocidade da luz, medida por ele, valeria
c′= c + u , o que implica em diferentes valores, de c − u a c + u (de acordo com a lei de composição
de velocidades), dependendo da direção do movimento relativo em relação à direção de propagação da
luz. Portanto, chegamos à seguinte conclusão: se existe um referencial privilegiado (éter) em relação ao
qual a velocidade da luz vale c (por definição de ref. privilegiado), então a luz se locomoverá com
velocidade diferente c′ , onde c − u ≤ c′ ≤ c + u .
Um ponto que corroborava a existência de um éter como meio privilegiado para a
propagação da luz era o fato das equações de Maxwell não permanecerem invariantes perante as
transformações de coordenadas de Galileu. De fato, tais equações não conservam a sua forma padrão
quando analisadas do ponto de vista do ref. S’, que se move com velocidade u relativa ao sistema S 6.
Este quadro evidencia a sua incompatibilidade com o princípio de relatividade de Galileu. Neste contexto,
a validade das equações de Maxwell, na sua forma padrão, estaria restrita apenas ao referencial
privilegiado, no caso, o sistema de referência S em repouso ao éter, no qual a velocidade do pulso é
exatamente c .
O cenário que se vislumbra é a validade do princípio da relatividade de Galileu para a
mecânica de Newton, mas não para o eletromagnetismo de Maxwell. A pergunta-chave que se coloca é:
seria aceitável ter um sistema físico de descrição da natureza, onde somente uma das suas partes
(mecânica newtoniana) respeitasse o princípio da relatividade de Galileu? Importante ressaltar que esta é
uma pergunta típica de um físico do século XX e XXI, e não dos físicos do final do século XIX, para os
quais o conceito de princípio de relatividade não estava ainda estabelecido. Portanto, deixamos claro que
a análise que aqui segue não é válida na forma atual para os protagonistas do cenário físico do sinal do
final do século XIX, que atribuíam ao éter existência e papel de referencial privilegiado. Natural então era
6 Como prova indireta desta afirmação, apresentamos no apêndice deste capítulo uma descrição
matemática que mostra a variação da forma das equações de onda do potencial escalar e quando
submetidas a uma transformação de coordenadas de Galileu. Assim como ocorre para o potencial
escalar, ocorre para outras grandezas eletromagnéticas. Isto mostra que o Eletromagnetismo clássico,
quando analisado sob a perspectiva de referenciais inerciais diferentes, mostra-se diferente em forma,
representando uma física diferente para cada referencial.
6
a expectativa de que experimentos concebidos para detectar a variação da velocidade da Terra em
relação a este meio 7 fornecessem resultados positivos.
Do ponto de vista contemporâneo, a solução para este panorama de impasse, de origem
puramente teórica 8, passa por uma das três possibilidades teóricas abaixo descritas:
a) Um princípio da relatividade existe para a Mecânica Clássica, mas não para o Eletromagnetismo
Clássico; existe um sistema inercial privilegiado (éter) onde as leis de Maxwell são válidas na sua
forma usual e a velocidade da luz vale exatamente c; em todos os outros referenciais, as leis do
eletromagnetismo seriam diferentes (em forma), o mesmo valendo para a velocidade da luz,
c′= c + u , o que conduziria à possibilidade de detectar o referencial privilegiado através de
experimentos ópticos.
b) Um princípio da relatividade (GALILEU) existe tanto para a Mecânica Clássica como para o
Eletromagnetismo Clássico, mas as leis do Eletromagnetismo, como são dadas por Maxwell, não são
corretas, pois não permanecem invariantes perante as transformações de coordenada de Galileu.
Neste caso, uma nova teoria eletromagnética (diferente da de Maxwell) deveria ser formulada e
testada, e a hipótese do éter como referencial privilegiado estaria descartada. Vale aqui lembrar que
a teoria de Maxwell era muito bem sucedida nos mais diversos experimentos realizados para testá-la
e confrontá-la, o que já bastava para colocar esta hipótese sob suspeita.
c) Um princípio da relatividade (diferente do de Galileu) existe tanto para a Mecânica Clássica como
para o Eletromagnetismo Clássico, porém as leis da Mecânica enunciadas por Newton e as
transformações de Galileu não são corretas. Neste caso, uma nova mecânica, diferente da
newtoniana, compatível com o novo princípio da relatividade 9, deveria ser formulada e testada.
Observe que as novas transformações de coordenadas devem ser tais que mantenham as equações
de Maxwell invariantes.
Destas três hipóteses, esta última era a menos crível, devido à forte e grandiosa herança do
patrimônio newtoniano sobre a ciência e sobre as crenças dos físicos da época 10. Esta hipótese também
é incompatível com a idéia do éter como referencial privilegiado. A hipótese (a) é compatível com a
existência do éter como referencial privilegiado, o que estava de acordo com as expectativas dos físicos
do final do século XIX, que não julgavam possível a propagação da luz no vácuo. Estava também em
consonância com as previsões da teoria de Maxwell, que parecia coadunar-se com a existência de
referencial especial em que a velocidade da luz valesse c. Entretanto, tal hipótese tem o inconveniente de
estipular um princípio da relatividade apenas para uma parte da Física. Deste modo, teríamos a
possibilidade de um observador detectar o seu estado de movimento ou repouso por meio de
experimentos ópticos, mas não por meio de experimentos mecânicos, o que indica uma espécie de
contradição nos fundamentos da Física e nos mecanismos da natureza. Veremos, posteriormente, que o
experimento mais célebre para detecção do éter (experimento de Michelson-Morley), mostrou um
resultado incompatível com essa primeira alternativa. A hipótese (b), por sua vez, suscitou novas
7
Sendo o éter o referencial privilegiado, a velocidade da luz seria constante (c) em relação ao mesmo, e
diferente de c outros referenciais.
8 Está associado ao fato de existir um princípio da relatividade para toda Física ou não.
9 Ser compatível com um novo princípio de relatividade significa ser invariante sob o novo grupo de
fenômenos pertencentes ao cotidiano de um físico do final do século XIX. Não havia experimento
conhecido cujos resultados estivessem em contração com as previsões desta teoria. Além do mais,
diversas outras teorias bem-sucedidas (acústica e teoria ondulatória, mecânica celeste, engenharias civil
e mecânica, etc...), foram construídas sobre as bases da mecânica de Newton, o que concedia a mesma
um status de teoria exata, perfeita e imutável.
7
propostas de teorias eletromagnéticas, conhecidas com teorias da emissão 11, que foram
gradativamente descredenciadas por sucessivos experimentos. A alternativa (c), a hipótese inicialmente
considerada menos provável, revelou-se como a opção correta depois que A. Einstein enunciou a TRR,
e esta nova teoria foi sendo paulatinamente estabelecida como correta pelos mais diversos
experimentos 12. Na verdade, ao enunciar a TRR, Einstein apresentou não apenas o novo grupo de
transformações de coordenadas (transformações de Lorentz), como também as leis da nova mecânica,
compatíveis 13 com tais transformações, conhecida como mecânica relativística. Essa é uma teoria mais
geral que a mecânica newtoniana, uma vez permanece válida no domínio de altas velocidades 14, onde a
segunda lei de Newton, na sua forma usual, falha fragorosamente.
RESSALVA: Como já ressaltado, estas três possibilidades teóricas são muito claras do ponto
de vista de um físico contemporâneo, já educado à luz do princípio da relatividade. Importante mencionar
que para os físicos da época a ideia predominante era de referencial privilegiado e não de um princípio
da relatividade para toda física. Buscando uma descrição do processo histórico de estabelecimento da
teoria da relatividade restrita mais fiel à complexidade das ideias, conceitos, crenças, e experimentos
realizados no século XIX, buscaremos apresentar um pouco das teorias de descrição do éter e suas
propriedades, da propagação da luz em meios transparentes, e da teoria de Fresnel para arrastamento
parcial do éter, dominante durante boa parte da segunda metade do século XIX. No meio deste
processo, perceberemos que a concepção de um princípio da relatividade só veio à tona, no início do
século XX, com Poincaré. Entre 1900 e 1904, Lorentz publicou uma versão final da sua teoria do elétron,
em que mostrava a invariância das equações de Maxwell sob as transformações de coordenadas de
Lorentz, como forma de explicar os resultados nulos dos experimentos de detecção do movimento da
Terra relativa ao éter 15. Isto sem elaborar ou conceber o princípio da relatividade como o conhecemos
hoje, e continuar defendendo a existência de um referencial privilegiado. Estes fatos mostram a
complexidade do cenário físico em questão, em que as teorias de Lorentz e Poincaré aproximaram-se de
alguns aspectos da TRR, sem contudo terem sido enunciados como tal. Desta forma, não usaremos as
hipóteses (a), (b), (c) aqui apresentadas como guia mestra da sua nossa discussão.
A idéia de um meio que preenchesse todo o espaço remonta à Grécia Antiga. Na concepção
de Aristóteles, o éter seria um fluido puro e transparente que preencheria toda a esfera celeste
(delimitada além da esfera lunar). Em seu modelo de mundo, Aristóteles supôs que os elementos
essenciais do Universo seriam a terra, o fogo, o ar e água (os quatro elementos de Empédocles). Tais
elementos, entretanto, comporiam somente as coisas da Terra e da Lua (mundo sublunar), sendo que o
espaço celeste seria formado por um quinto elemento chamado de éter, que foi posteriormente
denominado de “quinta essência”. Este elemento seria adequado para constituir os corpos celestiais em
toda sua perfeição, enquanto os quatro elementos constituiriam apenas os corpos imperfeitos,
localizados no interior da esfera sublunar. Esta distinção era um dos pontos que estabelecia a dicotomia
entre a física do mundo terrestre e a física do mundo celestial, que perdurou até o Renascimento
científico. Foi a partir do século XVII que a idéia do éter voltou a atrair a atenção dos físicos, com o
advento dos trabalhos de Descartes, Huygens, Newton, Young, entre outros. Descartes era favorável à
11 Tais teorias eram baseadas na suposição de velocidade da luz era atrelada ao referencial da fonte, de
modo que um observador em movimento relativo à fonte de luz, deveria detectar uma velocidade
diferente de c.
12 Até o presente momento, não há relato de um só experimento que tenha colocado sob dúvida os
preceitos, leis e previsões da TRR. Entretanto, é importante destacar que a aceitação da TRR por parte
da comunidade científica do início do século XX não ocorreu de maneira rápida. Somente após a
realização de experimentos mais precisos (a partir de 1920-1930), é que a crença na TRR foi sendo
generalizada.
13 Compatível aqui significa ser invariante sob tais transformações.
14 O domínio de altas velocidades é definido como aquele em que as velocidades em questão não podem
8
existência de um meio ou substância que ocuparia todo o espaço, necessário para viabilizar a
transmissão das interações entre os corpos pelo espaço, em clara contraposição à idéia da ação à
distância. Este meio seria similar a um fluido. Para ele, o éter seria o meio dos acontecimentos dos
sistemas físicos, especialmente os ópticos; e a luz, uma ação que se transmitia através desse meio. Em
1690, o cientista holandês Christiaan Huygens (1629-1695) propôs uma teoria ondulatória da luz,
apresentada em sua obra “Treatise on Light” (Tratado Sobre a Luz), que explicava os fenômenos de
reflexão e refração da luz baseada no paradigma ondulatório. Fazendo uma analogia com as ondas
sonoras, que são vibrações mecânicas (longitudinais) em meios materiais (como o ar, os sólidos e os
líquidos), e necessitam de um meio para se propagar, Huygens foi levado a pressupor a existência de um
meio material que preenchesse todo o espaço, e que assim possibilitasse a propagação das ondas
luminosas. A este meio denominou-se de éter luminífero. Este seria também o meio de propagação da
interação gravitacional. A teoria de Huygens era baseada no famoso Princípio de Huygens, que
afirmava que cada ponto do meio (éter) atingido pela perturbação (vibração da onda) transmitia o
movimento aos pontos ao seu redor, atuando com fonte de ondas esféricas secundárias, que se
propagavam apenas para frente. A superposição destas ondas secundárias determinaria então a forma e
a propagação da onda no espaço. Nesta teoria, a luz propagar-se-ia como uma perturbação (vibração
longitudinal) do éter, meio elástico imponderável.
Durante todo século XVIII predominava a visão da teoria corpuscular da luz, uma decorrência
do grande legado e influência de Newton no cenário científico. A teoria ondulatória, apesar de ter seus
adeptos e defensores, não era considerada como uma opção viável na explicação dos fenômenos
ópticos pela maioria dos físicos. Na teoria corpuscular de Newton, a velocidade da velocidade da luz em
um meio de índice de refração n é igual a nc , sendo maior que c , dado que em meios materiais, n > 1 .
Segundo Newton, quando a partícula de luz adentrava um meio material, sofria uma força na direção
normal à superfície, aumentando a componente normal da sua velocidade, de modo o módulo da
velocidade da partícula passava a ser nc , enquanto a componente de velocidade paralela à superfície
permanecia inalterada. Vide Fig. (3).
Isto certamente era consistente com a lei da refração se Snell. De fato, sendo (
v1 = v x1, v y1 ) a
velocidade da partícula de luz incidente (no vácuo ou ar), e θ1 o ângulo de incidência com a normal, vale:
sin θ1 = vx1 v1 .
Após adentrar meio 2 de índice de refraçãon , temos: v 2 = cn , e sin θ 2 = v x 2 v 2 , com v x1 = v x 2 .
Note que estas premissas são compatíveis com a lei de Snell, n1 sin θi = n2 sin θ 2 , que impõe:
Este é um aspecto crucial de distinção com da teoria corpuscular com a ondulatória, que previa que a
velocidade da luz seria menor que c , igual c / n , no meio de índice de refração n .
9
Nas duas primeiras décadas do século XIX
surgiram os primeiros experimentos favoráveis à
interpretação ondulatória, tal como o
experimento da fenda dupla de Fresnel e as
primeiras evidências da polarização da luz.
Como uma alternativa para contornar esta problemática, George Gabriel Stokes (1819-
1903) lembrou a existência de substâncias intermediárias (fluidos com alta viscosidade – como o piche)
que poderiam suportar a propagação de ondas transversais – vibrações elásticas, e ao mesmo tempo
permitir a passagem dos corpos ponderáveis. Na acepção de Stokes, o éter seria rígido o suficiente
para garantir a propagação de ondas transversais em alta velocidade, e tênue o bastante para permitir o
movimento dos planetas sem perda de momento. Esta teoria do éter como um fluido viscoso que aderia
na superfície dos corpos massivos, sendo totalmente arrastado por estes, foi publicada em 1845.
Em 1818, o pensador francês Augustin Jean Fresnel formulou uma teoria para o éter
baseado na proposição de Young e no resultado nulo do experimento de refração de Arago. Em sua
teoria, o éter permaneceria parado em todo Universo, sendo capaz de permear os corpos materiais,
atravessando-os ou fluindo através dos mesmos. Em geral, este éter permaneceria estático, não
interagindo com a matéria, e não sendo arrastado pelos corpos massivos (como a Terra, por exemplo). A
exceção aconteceria por parte dos corpos transparentes à luz, que seriam capazes de arrastar
parcialmente o éter consigo. A velocidade de arraste seria dada por (1 − 1/ n 2 )v , onde v e n
10
representam a velocidade e o índice de refração do corpo (meio) em movimento. Esta teoria foi verificada
compatível com o famoso experimento de Fizeau de 1851, destacando-se também por fornecer
explicação para os resultados nulos dos experimentos Hoek (1868) e Airy (1871) para detectar o éter.
Desta forma, a teoria de Fresnel tornou-se bastante famosa e bem sucedida na segunda metade do
século XIX.
Apesar das dificuldades de se estabelecer uma idéia bem definida acerca das propriedades
relacionadas ao éter, a hipótese da sua existência perdurou por muito tempo, obtendo grande
importância por volta de 1861, após Maxwell publicar a sua teoria eletromagnética da luz, na qual ele
apresentou as equações fundamentais do Eletromagnetismo e, em um procedimento puramente teórico,
previu a existência das ondas eletromagnéticas que deveriam se propagar com a velocidade
c = 1/ εµ . Diante desta nova teoria, era possível determinar o valor numérico da velocidade das ondas
luminosas em qualquer meio partindo das propriedades elétricas e magnéticas do mesmo 17. No
desenvolvimento de sua teoria, Maxwell foi deveras influenciado pela idéia de campo, introduzida na
Física por Faraday, para evitar a concepção de força agindo à distância. Com o passar do tempo,
Maxwell foi tornando-se adepto também da ideia de um meio que preenchia todo espaço e que fosse
capaz de transmitir as interações eletromagnéticas (vide ref. [13]), denominando-o de éter, como era
corrente na época. Maxwell então atribuiu ao seu éter propriedades que Faraday havia antes associado
às linhas de força do campo. Neste sentido, o éter de Maxwell poderia transmitir forças à matéria através
de pressões e tensões. Maxwell ainda desenvolveu cálculos quantitativos destas grandezas, obtendo
pela primeira vez a pressão produzida por ondas eletromagnéticas sobre a superfície de um corpo. Em
sua teoria sobre o éter, Maxwell associava a origem do campo magnético a vórtices (turbilhões) de éter,
ao passo que o campo elétrico teria sua origem vinculada à velocidade do fluxo de éter entre as fontes do
campo. Para saber mais sobre a interessante teoria de Maxwell sobre o éter, vide refs. [13] e [14].
De acordo com Arthur I. Miller 19, a pesquisa sobre fenômenos ópticos no século XIX estava
basicamente associada com três problemas conectados entre si:
11
(c) a relação existente entre a matéria ponderável e o éter e as tentativas de detectar o
movimento da matéria em relação ao éter.
Figura 4: Esquema simplificado da aberração estelar de uma estrela no zênite. (a) O esquema mostra a
soma galileana de velocidades que fornece a velocidade c′= c − u que fornece a direção de visada da
estrela em sua estrela aparente. (b) Ilustração que permite visualizar o ângulo de desvio α que define a
posição aparente, sempre subtendido para o sentido da velocidade a Terra.
A aberração pode ser explicada em termos da superposição dos movimentos da Terra em sua órbita ao
redor do Sol e do movimento da luz da estrela, através de uma soma galileana de velocidades ( c ± u ) –
tanto no modelo corpuscular da luz, quanto no modelo ondulatório. Nesta época e, até o final do século
XVIII, o modelo vigente para a constituição da luz era o corpuscular. Bradley então apresentou uma
explicação para o efeito baseada na natureza corpuscular da luz: a direção aparente da luz em cada
20
A paralaxe é a mudança na posição aparente de uma estrela devido à observação da mesma a partir de pontos
diferentes da órbita terrestre em torno do Sol. Este efeito só é observável para estrelas relativamente próximas da
Terra, pois só depende da razão entre o diâmetro da órbita da Terra e a distância da estrela observada ao Sol. Para
estrelas muito distantes da Terra, esta razão é muito diminuta, e o efeito de paralaxe torna-se desprezível, sendo a
estrela considera fixa.
12
instante seria dada pela velocidade resultante dos corpúsculos (fruto da soma da velocidade da luz com
menos a velocidade da Terra) - do ponto de vista do observador na Terra. Na teoria corpuscular, as
partículas de luz apresentam componentes de velocidade c no eixo vertical e velocidade −u no eixo
horizontal. Na Fig. (4), visualizamos a soma c′= c − u , que fornece a direção de visada que leva à
posição aparente. Assim, o fenômeno da aberração estelar inicialmente foi entendido como mais uma
evidência que fortalecia a natureza corpuscular da luz.
No caso de uma estrela localizada no zênite, o ângulo formado pela posição real e aparente da luz é
ilustrado na Fig. (4), sendo dado por: tan α =
u ∆T / c∆T , o que implica em:
tan α = u / c , (1.8)
onde u = 30km/s é a velocidade de translação da Terra em torno do Sol e c= 3 ×10 km / s é a
5
tan α
= 1,0 × 10−4 rad , (1.9)
A explicação da aberração estelar dentro da teoria corpuscular da luz é bastante semelhante ao que
ocorre com a direção de chegada dos pingos de chuva quando corremos ou dirigimos sob uma
tempestade.
Figura 5: Ilustração comparativa da explicação da aberração estelar com a inclinação dos pingos de chuva.
É importante, porém, ressaltar que a aberração da luz também pode ser descrita em termos
da teoria ondulatória da luz, desde que o éter seja considerado estático no espaço (neste caso, estático
em relação ao Sol). Neste caso, novamente a velocidade resultante da luz em relação ao observador na
Terra (que fornece sua direção de propagação) é dada como uma soma galileana da velocidade da luz
relativa ao éter com a velocidade da Terra através do éter. De fato, no caso da Terra estar se movendo
em relação ao éter com velocidade u , sendo c a velocidade da luz relativa ao éter, a velocidade da luz
relativa ao observador na Terra será c ' = c + ( −u ) . O vetor c′ fornece a direção com que os raios de luz
advindos da estrela atingem o observador na Terra, sendo obviamente a direção aparente de
visualização da estrela. Essa será a direção em que devemos apontar (inclinar) o telescópio de
observação, a fim de que os raios emitidos pela estrela passem diretamente para a ocular do telescópio,
permitindo a sua visualização. O ângulo de inclinação é α com a vertical. Esse processo pode ser
igualmente explicado pela ilustração da soma vetorial na Fig. (4). A aberração estelar depende apenas da
velocidade relativa entre o objeto visualizado e a Terra (referencial de observação). Como a Terra se
move em órbita fechada, seu vetor velocidade em relação ao Sol sofre mudança de orientação de 360o
em 1 ano, tempo no qual a posição da estrela também descreve uma pequena elipse de céu, que
subtende um cone de abertura igual a 41’’ de arco (do ponto de vista da Terra). A Fig. (6) ilustra esse
fenômeno para uma estrela situada na região do zênite.
13
Figura 6: Ilustração da obtenção das posições aparentes de uma estrela no processo da aberração estelar.
Observe que se a Terra estivesse em repouso no éter, os raios de luz emitidos por uma
estrela no zênite, chegariam ortogonalmente ao plano de horizonte de um observador situado na Terra.
Nesta situação, o telescópio de observação deveria fazer 90º (com o plano do horizonte) para permitir a
visualização da estrela, não sendo observada nenhuma alteração na posição da estrela devido ao
movimento da Terra.
Note ainda que se a Terra descrevesse um movimento retilíneo uniforme no espaço, a
posição aparente seria sempre a mesma, imutável, e não poderia ser identificada. Porém, como o
movimento da Terra é cíclico, enquanto a Terra completa uma volta em torno do Sol, a posição da estrela
muda a cada época do ano, descrevendo uma trajetória circular que subtende um cone de aberração
com abertura de 2α = 41" de arco, em boa concordância com as observações da época. Para as
estrelas que não se encontram exatamente acima de nós (zênite), o cone de aberração apresenta uma
borda elíptica.
As medidas realizadas por Bradley foram confirmadas por outros astrônomos da época,
sendo a aberração estelar um fenômeno amplamente verificado, considerado uma decorrência do
movimento de translação da Terra em torno do Sol, interpretação rapidamente aceita pela comunidade
científica da época.
14
Figura 7: Distinção entre os efeitos da paralaxe e aberração na posição aparente de uma mesma estrela no
zênite observada da Terra.
Devemos agora discutir sua relação com a problemática da existência do éter e seu possível
arrastamento pelos corpos massivos. Se o éter fosse totalmente arrastado pela Terra ao longo do seu
movimento orbital, formando uma espécie de “atmosfera” de éter no seu entorno, a Terra estaria sempre
parada em relação ao éter, de modo que a velocidade da luz medida por um observador na Terra seria
sempre c. Neste caso, não haveria aberração estelar. Decerto, sendo a velocidade da Terra nula em
relação ao éter, não haveria porquê fazer composição de velocidades, e o telescópio não precisaria ser
inclinado (a estrela seria vista na sua posição real durante o ano todo). Note que se a Terra arrastasse
uma nuvem de éter consigo, o éter estaria sempre parado em relação a qualquer observador localizado
na Terra. Com isto, a velocidade da luz em relação a qualquer observador na Terra seria sempre igual a
c. Portanto, não poderia ser observada a aberração estelar. Neste sentido, em 1804, Young já afirmava:
“Considerando-se o fenômeno de aberração estelar, estou pronto a acreditar que o éter luminoso penetra
a substância de todo corpo material com pouca ou nenhuma resistência, talvez tão livre quanto o vento
passe através de um bosque de árvores.” 21
Devemos mais uma vez ressaltar que, apesar da aberração estelar ser compatível com a existência do
éter como referencial privilegiado, a observação deste fenômeno não basta para acusar a existência do
éter 22.
15
1.4.2) O Experimento de Arago
Na verdade antes dos experimentos de Young e Fresnel do início do século XIX, houve
algumas tentativas de confrontar os modelos corpuscular e ondulatório da luz. Uma delas foi proposta por
Roger Boscovich (1711- 1787) em 1766, que imaginou um telescópio cheio de água como instrumento de
decisão entre a teoria corpuscular e a ondulatória. Boscovich previu que este experimento revelaria um
acréscimo ou decréscimo no ângulo de aberração caso a luz fosse composta por corpúsculos ou fosse
uma onda, respectivamente. Isto estaria relacionado ao fato da velocidade da luz no meio material (água)
ser igual a nc de acordo com a teoria corpuscular, e c / n segundo a teoria ondulatória. Embora tenha
proposto, Boscovich não chegou a realizar tal experimento devido à dificuldade de construir e manusear
um telescópio deste tipo.
No final do século XVIII, a abordagem mecanicista da Física, enfatizada pelo legado da teoria
newtoniana, estava no seu apogeu, fortalecido por diversos adeptos e cientistas de calibre, tal como
Laplace, um dos mais notáveis seguidores da tradição newtoniana. Laplace acreditava que todos
fenômenos poderiam ser interpretados “dentro da concepção newtoniana de partículas interagindo
através de forças centrais”, englobando fenômenos como a “refração, a coesão dos sólidos, a
capilaridade e as reações químicas resultavam da ação de forças de pequena ação entre partículas da
matéria” 23. Laplace desfrutava de grande influência e reputação, sendo na época um dos maiores
defensores da teoria corpuscular da luz. Uma das previsões desta teoria era que a velocidade da luz
deveria depender da massa da estrela emissora: quanto maior a estrela, menor seria a velocidade dos
corpúsculos de luz emitidos (consequência da atração gravitacional). Paralelamente, a observação de
iguais ângulos de aberração para diversas estrelas era compatível com a constância da velocidade da luz
no espaço, e incompatível com a teoria corpuscular (na qual deveria ocorrer variação da velocidade com
a fonte). Ciente destes fatos, Laplace propôs a Biot e Arago experimentos que pudessem comprovar a
teoria corpuscular.
Em 1806, Arago e Biot tentaram verificar as sugestões de Laplace, através de
experimentos ópticos, buscando medir efeitos do movimento da Terra sobre o ângulo de refração
da luz advinda das estrelas ao passar por um prisma postado na Terra. Nestes primeiros
experimentos o ângulo de refração não parecia variar com a posição da estrela no céu, o que ia contra as
expectativas de Laplace e dos experimentadores. “Em se tratando de medidas muito delicadas,
inicialmente Biot e Arago propõem-se a verificar se realmente não existia diferença nas velocidades da
luz emitida por diversos astros. Tal verificação é feita em 1806 pelos dois cientistas franceses através da
medida da refração da luz de vários corpos celestes. Seus resultados são apresentados à Academia de
Ciências de Paris, confirmando a constância da velocidade da luz e mantendo a incompatibilidade com a
teoria (corpuscular).” 24
Em 1810, Arago partiu para uma nova série de experimentos para detectar pequenas
variações no ângulo de refração da luz advinda de estrelas. Segundo a teoria corpuscular o ângulo de
refração é uma medida da variação da velocidade da luz ao passar de um meio para o outro. Para
maiores detalhes, vide Ref. [22]. Pensando em termos de uma composição galileana, a velocidade da
luz fora do prisma seria maior ou menor caso a Terra se aproximasse ou se afastasse de uma estrela.
Isto deveria fornecer valores diferentes para o desvio angular da luz quando da passagem de um meio
−4
para outro, sendo tal variação da ordem de 10 . Vide Fig. (7) e (8). Ele fez esta análise com base na
variação da velocidade da luz ao atravessar estes dois meios e, assim, imaginou que o desvio da luz ao
atravessar o prisma poderia depender, portanto, do sentido do movimento da Terra em relação às
estrelas.
16
Figura 8:
Figura 9: Fig. (a) - Prisma (Terra) se aproximando da fonte de luz (estrela); Fig. (b) - Prisma (Terra) se
afastando da fonte de luz (estrela).
No entanto, o que Arago observou foi que os desvios sofridos em ambas as situações (aproximação ou
afastamento) eram equivalentes. O resultado nulo deste experimento era dificilmente explicado dentro
das premissas da teoria corpuscular, trazendo dificuldades adicionais para seus adeptos. Mas podia ser
explicado dentro da visão ondulatória da luz, desde que se admitisse que o éter fosse totalmente
arrastado pela Terra.
Essa era uma contradição que só foi resolvida quando Fresnel propôs a sua teoria do arrastamento
parcial do éter.
Como foi visto anteriormente, Young descobriu a natureza transversal da luz e comunicou
sua descoberta a Dominque Arago, que era presidente da Academia de Ciências da França na época. A
Academia francesa era dominada por defensores ferrenhos da teoria corpuscular (Laplace e Biot), e em
1817 foi proposto um prêmio – desafio - para quem realizasse o melhor trabalho para explicar o
fenômeno da difração, dentro da expectativa que o sucesso caberia a um desenvolvimento realizado
dentro da premissa corpuscular.
17
Na mesma época, Arago resolveu consultar Fresnel sobre o seu experimento envolvendo o
prisma, e perguntando-lhe se havia alguma possibilidade de explicar o efeito nulo deste experimento
utilizando a teoria ondulatória da luz. Fresnel escreveu a Arago uma carta, cujo conteúdo era na verdade
um artigo científico, publicado em 1818 na revista Annales de Chimie et de Physique. Neste artigo,
motivado pelos resultados de Young, Fresnel desenvolvia as bases de uma nova teoria ondulatória que
tentava explicar a óptica dos corpos transparentes (com índice de refração n >1) em movimento em
relação ao éter luminífero. Com esta, Fresnel era capaz de explicar com sucesso o resultado nulo do
experimento de Arago.
De acordo com Fresnel, o éter ocupava todos os espaços vazios do universo e permanecia
completamente estático. O éter não seria afetado pelo movimento dos corpos massivos (opacos) através
dele, como a Terra, mas seria parcialmente arrastado pelos corpos transparentes. Sobre esta ideia,
Fresnel afirmou: “Até agora eu só pude conceber claramente este fenômeno supondo que o éter passa
livremente através do globo e que a velocidade comunicada a este fluido é somente uma pequena parte
daquela da Terra”. 25
Esta teoria de Fresnel, desenvolvida dentro da visão ondulatória, causou tamanha
repercussão na época, que a Academia concedeu o prêmio a Fresnel. A este respeito, Whittaker declara:
“Neste trabalho Fresnel calculou o padrão de difração de uma ponta reta, de um corpo
opaco de lados paralelos, de uma abertura estreita de lados paralelos, mostrando que os resultados
concordavam excelentemente com as medidas experimentais. Poisson, ao ler o trabalho, percebeu que
tal análise poderia ser estendida para outros casos, e que isto indicaria que deveria haver um ponto
brilhante no centro da sombra de um corpo circular. Ele então sugeriu a Fresnel que este fato e algumas
outras consequências deveriam ser testadas experimentalmente. Os testes foram realizados,
confirmando os resultados da nova teoria. A concordância das previsões com as observações foram tão
admiráveis que o prêmio acabou sendo concedido a Fresnel sem maiores hesitações.” 26
Figura 10: Ilustração do ponto brilhante (ponto de Arago) no meio de uma sombra: efeito de difração.
18
Segundo Fresnel, quando um corpo transparente se desloca, arrasta consigo uma parte
do éter, correspondente ao excesso de éter localizado dentro dele ( ρ − ρ 0 ), onde ρ é a densidade
do éter em meio transparente e ρ0 seria e densidade de éter no vácuo. Com este argumento, uma
densidade sempre maior de éter seria mantida no interior do meio transparente, garantindo a menor
velocidade da luz no interior desse meio.
Considerando que o corpo transparente se desloca com velocidade V, para Fresnel a
velocidade transferida ao éter é proporcional a fração do excesso de éter, ( ρ − ρ 0 ) ρ , que se locomove
junto com o mesmo, ou seja,
ρ − ρ0 ρ0 1
u=
V =
1 − V =
1 − 2 V . (1.11)
ρ ρ n
Fresnel usou
ρ / ρ0 = n 2 , (1.11B)
Fresnel. Para demonstrar a relação ρ / ρ0 = n 2 , Fresnel considerou dois meios de índice de refração
( n1 , n2 ), para os quais a teoria ondulatória fornece n2 = c / v 2 e n1 = c / v1 , o que implica em:
n2 v1
= , (1.11C)
n1 v 2
onde v1 ,v 2 são as velocidades da luz nestes meios. No caso em que temos um pedaço de vidro no
vácuo (ou ar), vale: n2 = c / v , n1 = 1 . Sabemos ainda que:
v1 ∝ 1 ρ1 , v 2 ∝ 1 ρ2 , (1.11D)
de modo que
v1 ρ ρ n2 ρ
= 2 = 2 → = 2 . (1.11E)
v2 ρ1 ρ1 n1 ρ1
Uma dedução para a fórmula de arrastamento do éter pode ser obtida através do cenário
ilustrado na Fig. (10), onde há um bloco de vidro de índice de refração n , que se desloca através do éter
com velocidade v . A figura (10) ilustra dois pontos de vista:
19
que entra no bloco por unidade de tempo, φin = w0 Aρ 0 , deve ser igual ao fluxo de éter que sai bloco por
unidade de tempo, φout = w1 Aρ , onde A é a área de seção transversal do bloco. Fazendo φin = φout ,
temos: w0 ρ 0 = w1ρ , o que leva a:
ρ0 v
w1 = w → w1 = , (1.13)
ρ 0 n2
onde fizemos uso da Eq. (1.12). A Eq. (1.13) fornece a velocidade do vento de éter dentro do bloco, que
realmente resulta diferente da velocidade do vento de éter fora do bloco, v .
Figura 11: (a) ilustração do movimento de um bloco de vidro de seção transversal A com velocidade v no éter (ponto
de vista do Ref. Σ do éter); (b) ponto de vista do Ref. Σ′ : bloco de vidro parado sendo permeado pelo vento de éter
que se aproxima com velocidade – v. Figura retirada da Ref. [6].
Sabemos que a velocidade da luz no vidro é c / n . Essa será a velocidade da luz dentro de um
bloco de vidro parado em relação ao éter. A partir desse momento vamos nos referir a c / n como a
velocidade da luz no éter-vítreo. Porém, o bloco da Fig. (10) não está parado em relação ao éter, o que
gera valores de velocidades distintos de c / n em relação ao bloco. Quando o bloco se move em relação
ao éter (ou o éter se move em relação ao bloco), podemos determinar a velocidade da luz dentro do
bloco (permeado pelo vento de éter) através de uma soma galileana de velocidades. Faremos isso a
seguir para duas ondas de luz que se deslocam em sentidos opostos:
a) Na situação em que a luz se move no mesmo sentido do vento de éter (da direita para esquerda),
a velocidade da onda (medida no referencial do bloco) terá magnitude dada por c / n
(velocidade da luz no éter-vítreo) somada à velocidade do vento de éter, w1 , ou seja,
c+′ c / n + w1 . Em detalhes,
=
c c v
c+′ =
− + w1 =
− + 2 , (1.14)
n n n
onde o sinal negativo global (simplesmente) designa propagação da luz no sentido contrário ao do eixo-x.
b) Na situação que a luz se move no sentido oposto ao vento de éter (da esquerda para a direita), a
velocidade da onda (medida no referencial do bloco) terá magnitude dada por c / n
(velocidade da luz no éter-vítreo) subtraída da velocidade do vento de éter, w1 , ou seja,
c−′ c / n − w1 . Em detalhes,
=
20
c c v
c−′ = − w1 = − 2 . (1.15)
n n n
Estas são as velocidades da luz dentro do bloco de vidro (medidas no referencial de repouso do bloco -
Ref. Σ′ , que é varrido pelo vento de éter). Podemos agora avaliar essas duas velocidades do ponto de
vista do referencial do éter, no qual o bloco desloca-se com velocidade +v , simplesmente fazendo a
soma galileana devida, que no caso consiste em somar +v para os dois sentidos de propagação:
c= c+′ + v , Σ c=
Σ + − c−′ + v . Temos:
c v c v c 1
′
Σ c+ c+′ + v =
= − + 2 + v =
− + 2 − v =
− − 1 − 2 v , (1.15)
n n n n n n
c v c v c 1
Σ c− = c−′ + v = − 2 + v = − 2 + v = + 1 − 2 v. (1.16)
n n n n n n
Vemos assim que o módulo da velocidade dos feixes de luz, que se propagam para a direita ou
esquerda, em relação ao éter, é dada por:
c 1
Σc = ± 1 − 2 v .
n n
Do ponto de vista do referencial de repouso do éter, tanto a onda de luz que desloca para a direita quanto
a que se desloca para a esquerda tem sua velocidade afetada pelo fator (1 − 1/ n ) v , como se o éter
2
tivesse sendo arrastado junto com o bloco com a velocidade efetiva (1 − 1/n ) v , o que coincide com
2
u=
c
n
c
(
± ξ v = ± 1 − 1/ n 2 v .
n
) (1.17)
A teoria de Fresnel, quando aplicada ao experimento de Airy (telescópio cheio com água) e
ao experimento de Arago, mostrou que existiam alguns termos em primeira ordem em v/c que se
cancelavam, explicando o resultado nulo desses experimentos. Desta forma, a teoria de Fresnel explicou
a impossibilidade de detectar o movimento da Terra relativo ao éter através de experimentos sensíveis a
primeira ordem em v/c. A seguinte passagem ilustra bem este resultado: Fresnel mostrou que a refração
processada sobre um prisma em movimento [em relação ao éter] equivale à refração sobre um prisma
em repouso, isso se a precisão limita-se à primeira aproximação em v/c. A partir dessa equivalência,
Fresnel explicou o resultado nulo encontrado por Arago em sua experiência de 1810. A aproximação
usada na demonstração de Fresnel não causava nenhum problema, uma vez que precisão experimental
da época não podia fornecer valores de ordem superior.
21
qual havia fluxo de água com velocidade v. A observação de um deslocamento no padrão de franjas de
interferência entre os feixes de luz emergentes do tubo levou Fizeau a concluir que a teoria do
arrastamento parcial do éter era correta, conferindo grande credibilidade à teoria de Fresnel, que passou
a desfrutar de enorme prestígio. A experiência de Fizeau foi repetida em 1886 por Michelson e Morley,
novamente confirmando as previsões de Fresnel com um grau de precisão ainda maior.
A teoria de Fresnel para o arrastamento parcial do éter por meios transparentes foi testada
experimentalmente por Fizeau, em 1851. É importante destacar que na época da realização desse
experimento o objetivo era verificar se um meio material arrastava o éter e, por consequência, também a
luz. O verdadeiramente interessante é que o experimento de Fizeau realmente conduziu a um resultado
positivo 27, interpretado como um arrastamento parcial do éter 28. Abordaremos o processo de
funcionamento do aparato de Fizeau e mostraremos o resultado obtido a partir da sua experiência.
Para obter um efeito de arrastamento, Fizeau fez passar água (meio em movimento) através
de dois tubos de vidro (os quais têm seções terminais planas), de acordo com o esquema mostrado pela
Fig. 10, onde se visualiza uma fonte de luz S, que lança luz sobre um espelho semi-refletor G, onde o
raio original de separa em dois: um segue em direção ao espelho M, perfazendo o circuito S2MS1G em
sentido anti-horário, o outro segue em direção ao espelho M, percorrendo o circuito GS1MS2 em sentido
horário. No espelho G, esses dois feixes refletidos são novamente divididos em dois, havendo então uma
superposição das partes que se propagam em direção ao telescópio de observação, que determina o
aparecimento de um padrão de franjas no ponto S’. Cada tubo (longitudinal ao movimento da luz) do
aparato de Fizeau possui comprimento L . Veja que a disposição geral do aparato de Fizeau guarda
várias semelhanças com a disposição e características de um interferômetro óptico.
O experimento de Fizeau consiste em observar o padrão de franjas formado pelos raios quando
os tubos estão cheios de água (inicialmente estática), e a consequente variação sofrida por este padrão
de interferência (deslocamento de franjas) quando a velocidade de vazão da água dentro do tudo é
variada. É possível mostrar que, se o éter é arrastado (mesmo que parcialmente) pela água deslocando-
se com velocidade v A , há a previsão de um deslocamento mensurável de franjas em decorrência da
variação do caminho óptico da luz.
27 Pode parecer assombroso como um experimento que lida com movimento de água dentro de tubos de vidros (em
baixíssima velocidade quando comparada à velocidade da luz) possa evidenciar um resultado positivo concernente à
hipótese de arrastamento do éter. Ocorre que o experimento de Fizeau é um experimento de interferometria, que
tipicamente possui sensibilidade da ordem do comprimento de onda da luz usada. O resultado do experimento de
Fizeau é em primeira ordem em v A / c , sendo v A a velocidade da água dentro do tubo. Como v A é da ordem de
alguns metros/segundo, obtém-se v A / c 10−8 , valor bastante diminuto, mas compatível com a magnitude do
comprimento de onda da luz usado, λ = 5 × 10−7 m . Observe que se o experimento de Fizeau fornecesse um
resultado em segunda ordem em v A / c , o efeito a ser medido seria da ordem de 10−14 − 10−16 , o que obviamente
estaria muito além da capacidade experimental da época.
28
A interpretação deste experimento foi definitivamente alterada com o advento da TRR, que o explica
simplesmente como uma adição relativística de velocidades, de maneira totalmente independente de qualquer alusão
ao éter como um referencial privilegiado. Portanto, com a entrada da TRR no cenário teórico do século XX, o
experimento de Fizeau, assim como vários outros experimentos ópticos do século XIX, passam a ser vistos como
fenômenos que ratificam as leis da TRR.
22
Figura 12: Visão esquemática do aparato de Fizeau
É fato conhecido que a velocidade da luz num meio material é igual a c n , sendo n o índice de
refração do meio. Se esse meio material estiver em repouso relativo ao éter, c / n será também a
velocidade da luz relativa ao éter, como já sabemos. É importante ainda observar que:
• Caso o meio esteja em movimento em relação ao laboratório e não arraste éter consigo, então a
velocidade da luz continua sendo c n para o referencial do laboratório (suposto parado em
relação ao éter).
• Caso o éter fosse totalmente arrastado com a água, a velocidade da luz em relação ao sistema
do laboratório seria obtida a partir da lei clássica de composição de velocidades, sendo igual a
c n + v A (quando a luz atravessa o tubo no mesmo sentido do fluxo de água) e c n − v A
(quando a luz atravessa o tubo no sentido oposto ao da água).
• Neste experimento, como simplificação inicial considera-se o éter parado em relação ao
referencial do laboratório, por escolha.
• Como Fizeau não conhecia a magnitude do arrastamento do éter, ele usou um coeficiente α
para quantificá-lo. Para α < 1 , teríamos o caso de um arrastamento parcial, e para α = 1 ,
arrastamento total do éter. Nessa situação, para o feixe de luz que percorre em sentido contrário
ao fluxo de água, a velocidade seria igual a: c n + α v A , enquanto para o outro feixe a
velocidade seria igual a: c n −α vA .
• Os tempos de percurso dos dois feixes, t1 no caminho S2MS1G, e t 2 no caminho GS1MS2, são:
2L 2L
t1 = , t2 = . (1.26)
c n + αvA c n −αvA
23
2L 2L 4 Lα v A
=∆t − →
= ∆t . (1.27)
c n −αvA c n + αvA ( c n ) 2 − (α v A ) 2
Este resultado pode ser expresso numa forma com dependência linear em (v A / c) . Para isto,
devemos colocar ( c n ) em evidência no denominador e, em seguida, expandi-lo em série de Taylor até
2
4 Lα v A 4n 2 Lα v A α v A n
2
=∆t
1 + , (1.28)
( c / n )2 1 − (α v A n / c )2 c2 c
4n 2α v A L
∆t ≅ . (1.29)
c2
Este resultado implica numa diferença de caminho óptico ( ∆x = c∆t ),
4n 2α v A L
∆x ≅ ,
c
que está associada a um determinado padrão de interferência ou franjas. Se a diferença de caminho
óptico permanecer constante, o padrão de interferência fica imutável. Por isso, em experimentos de
interferometria existe o propósito de fazer a diferença de caminho óptico variar. Como no experimento de
Fizeau, ∆x é uma função da velocidade da água, o experimento é então rodado com água em
movimento ( ∆xi ) e com água em repouso ( ∆x f ), sendo observada a variação no padrão de franjas entre
essas duas situações, o que pode ser medido visualmente através do deslocamento de franjas. O
número de franjas que se deslocam (no padrão de interferência) é dado por:
∆x f − ∆xi ∆x f 4n 2α L v A
=
∆N = → =
∆N
λ c
. (1.30)
λ λ
Essa última fórmula mostra que o experimento de Fizeau prevê a obtenção de um resultado para o
deslocamento de franjas em primeira ordem em v A / c , de acordo com o que já fora dito antes.
Na experiência de Fizeau, foram utilizados os seguintes valores aproximados: L = 1,5 m ,
v A = 7 m / s (velocidade da água), λ = 5,3 ×10 −7 m , n = 1,33 (índice de refração da água), sendo
observado um deslocamento de franjas de N = 0, 23 (deslocamento de franja observado em que relação
a situação inicial: v A = 0 ). Substituindo todos estes valores na eq. (1.30), obtemos o coeficiente de
arrastamento do éter pela água:
α ≅ 0, 48 . (1.31)
Esse resultado numérico está em razoável concordância com a previsão teórica de Fresnel para este
experimento, α= (1 − 1/ n 2 ) , que com n = 1,33 , fornece α ≅ 0, 43 .
A experiência de Fizeau mostrou-se compatível com hipótese do arrastamento parcial do éter
de Fresnel, dando grande credibilidade à teoria de Fresnel na segunda metade do século XIX. Em
resumo: supondo o éter em repouso, a experiência de Fizeau mostrou que a velocidade da luz sofre uma
pequena variação devido a um arrastamento parcial do éter causado pelo movimento da água, o que de
24
fato enfraquece a hipótese de arrastamento total do éter (éter de Stokes 29). Essa experiência foi repetida
por Michelson e Morley, em 1886, e por P. Zeeman e seus colaboradores, na Holanda, durante os anos
compreendidos entre 1914 a 1922, tendo sido obtido, em ambas versões, uma maior precisão. Os novos
resultados confirmaram novamente a previsão de Fresnel e Fizeau para o valor do coeficiente de
arrastamento.
No meado do século XIX havia um cenário científico praticamente decidido a favor da teoria
ondulatória da luz. A dificuldade era entender os resultados dos diversos experimentos realizados para
detectar o movimento da Terra relativo ao éter. A Tabela seguinte resume aspectos destas duas teorias
da luz em relação a diversos experimentos de interesse na época.
Exemplo Resolvido: Uma alternativa ao uso do fluxo água no experimento de Fizeau, que é prejudicado
por efeitos de turbulência, é realizá-lo usando um disco de vidro em rotação, tal como ilustrado na Fig.
(11). (a) Sendo ω a velocidade angular do vidro, n o índice de refração, e α o coeficiente de
25
arrastamento do éter, determine a diferença de caminho óptico entre os dois feixes de luz ao chegar no
telescópio.
Solução: Neste caso, devemos saber qual velocidade o disco girante comunica aos feixes de luz por
meio do mecanismo de arrastamento do éter. No caso em que o movimento do bloco através do éter é
translacional com velocidade V, sabemos que a velocidade transferida ao feixe de luz é ± (1 − 1 / n 2 )V ,
caso este se mova paralelo ou antiparalelamente ao bloco.
Figura 13: (a) Ilustração de um disco de vidro girante com velocidade angular ω , atravessado por dois feixes de
luz: um propagando-se no sentido da rotação, outro em sentido oposto. (b) Esquema geométrico para cálculo da
velocidade do feixe horizontal no ponto no ponto A.
Precisamos então determinar qual a velocidade do bloco de vidro ao longo do caminho que a luz
percorre. Observando o ponto A na Fig. (11b), percebemos a sua velocidade ao longo do eixo-x será:
v x = v A cos θ , sendo v A = ω s , e r = h / cos θ , de modo que v x = ω h , onde=h R2 − l 2 / 4 é o
comprimento do segmento o centro do círculo ortogonalmente ao segmento l . Por esse procedimento, é
fácil perceber que a velocidade-x de qualquer ponto ao longo do segmento l será v x = ω h , ou melhor:
ωR
v x = ω R2 − l 2 4 = 4 − l 2 R2 .
2
Os trechos da trajetória ao longo do eixo-y estão fora do disco e não são afetados pela rotação. Os
feixes de luz que percorrem os segmentos horizontais do bloco em sentido horário (e anti-horário) terão
velocidades (em relação ao um observador parado em relação ao éter) iguais a:
26
c
n ± ξ v x ,
com ξ= (1 − 1/ n ) . As partes dos feixes que se propagam fora do bloco estão sob as mesmas
2
condições e, portanto, não contribuem no cálculo da diferença de tempo de percurso, que resultam iguais
a:
2l 2l
t1 = , t2 = ,
c n + α vx c n − α vx
4n 2lα v x 2n 2lα
∆t 2
= 2
ω R 4 − l 2 R2 . (1.32)
c c
A diferença de caminho óptico, ∆l = c∆t , vale:
2n 2lα V 4 − l 2 R 2
∆x = . (1.33)
c
98,8 98,8
=
N = = 0,57 . (1.33b)
cλ 174
O conceito de éter, como referencial privilegiado, está diretamente associado à idéia de que
a velocidade da luz relativa ao mesmo assume um valor fixo e determinado (no caso c ). Tal valor
seria uma prerrogativa apenas deste meio e, por conseguinte, de todos os referenciais inerciais em
repouso em relação a tal meio. Todos os outros referenciais inerciais, em movimento relativo ao éter,
mediriam uma velocidade de propagação da luz diferente de c , dada por: c′= c + u , como já explicado.
27
lei de adição de velocidades da mecânica newtoniana, seriam obtidos diferentes valores dados por
c′= c + u , onde u é a velocidade do referencial inercial (em que é feita a medida) relativa ao éter.
Uma questão que surge é como realizar um mesmo experimento deste tipo em diferentes
referenciais inerciais, sem ter que ficar deslocando o aparato de um referencial para outro, ou seja, sem
ter que ficar mudando de referencial a todo instante, para efeito de comparação de medidas. A resposta a
esta questão é muito simples: vivemos num referencial não-inercial (Terra), dotado de uma velocidade
orbital (relativa ao Sol) da ordem de u 30km / s , que em cada época do ano aponta em direções
diferentes do espaço, ou seja, a Terra, em cada época do ano, pode ser tomada como um referencial
inercial diferente. Portanto, um experimento adequado poderia ser realizado aqui mesmo na Terra,
repetindo-o ao longo das diversas estações do ano 30.
A título de justiça histórica, condiz afirmar que vários experimentos para detectar o movimento da
Terra relativo ao éter haviam sido propostos e realizados ao longo do século XIX. Entre estes, pode-se
citar o experimento de Arago, de Airy, Hoek, Mascart e Jamim. Todos estes experimentos, cujos efeitos
previstos eram proporcionais a u / c (onde u é a velocidade do referencial em questão relativa ao éter)
falharam na tentativa de detectar o movimento da Terra relativo ao éter. A teoria de Fresnel do
arrastamento parcial do éter notabilizou-se a explicar o resultado nulo destes experimentos, criando a
convicção de que o movimento da Terra relativo ao éter não poderia ser revelado por nenhum
experimento de primeira ordem em u / c (sensibilidade de 1 parte em 104 ). A teoria de Fresnel continuou
sendo bem cotada até o ano de 1887, ano do decisivo experimento de Michelson-Morley.
Também é importante destacar que Lorentz havia conseguido explicar os resultados nulos dos
experimentos de primeira ordem em u / c através de sua teoria para o elétron, desenvolvida a partir de
extensões da teoria de Maxwell. Nesta teoria, Lorentz parecia ter conseguido reconciliar as evidências
experimentais disponíveis antes de 1880 com a hipótese de um éter totalmente imóvel (não sofria
nenhum arrasto). Lorentz conseguia assim explicar a fórmula de Fresnel para a velocidade da luz em
meios materiais em movimento sem lançar mão da hipótese do arrasto. A teoria de Lorentz, entretanto,
2 2
previa que um experimento de detecção do éter, sensível em u / c , deveria acusar um resultado
positivo. Após o experimento de Michelson-Morley, Lorentz propôs-se a alterar sua teoria de modo a
reconciliá-la com o resultado deste experimento. Para maiores detalhes, vide refs. [10], [11], e
principalmente ref. [12].
Por volta de 1870 estava claro que um experimento para detectar o éter deveria ter sensibilidade
2 2
em u / c , ou seja, de 1 parte em 108 . De fato, em um artigo publicado na Enciclopédia Britânica 32,
Maxwell já escrevera: “Se fosse possível determinar a velocidade da luz observando o seu tempo
de ida e volta a duas estações fixas na superfície da Terra, nós poderíamos também, comparando
as velocidades de ida e volta, determinar a velocidade do éter em relação a estas estações
terrestres. ... Todos os métodos de determinação da velocidade da luz, por meio de experimentos
terrestres, são baseados no tempo de ida e volta da luz entre duas estações de medida. A
variação de tal tempo devido ao movimento da Terra relativo ao éter é de um centésimo-
milionésimo do tempo total de ida e volta, o que é uma quantidade totalmente não mensurável”.
30
E nem poderia ser diferente, já que a Terra era de fato o único referencial de medida disponível na época. Como
veremos mais a frente, foi usado um artifício que tornou desnecessário a repetição do experimento em diversas
épocas do ano para efeito de comparação.
31
Observe que esta hipótese também pressupõe que as transformações de Galileu sejam corretas.
32
J. Clerk Maxwell, artigo sobre o éter publicado na Enciclopédia Britânica, Vol. 8 (9a edição). Ver também em: J.
Clerk Maxwell, “Scientific Papers”, Vol. 2, 763-775, Dover Publications, Inc, New York, 1952.
28
Michelson havia sido alertado desta dificuldade ao tomar conhecimento de uma correspondência
de Maxwell endereçada para D. P. Todd 33. Certamente, este foi um dos motivos que o levou a inventar o
interferômetro óptico, planejar e realizar o experimento com a sensibilidade desejada 34 para detectar o
movimento da Terra relativo ao éter.
O aparelho que Michelson e Morley utilizaram para a realização da sua famosa experiência é
chamado de interferômetro óptico 37, inventado pelo físico americano Albert A. Michelson 38 por volta de
1880, com o objetivo de realizar experimentos de espectroscopia de alta precisão. A primeira versão
33De acordo com Shankland (vide ref. [10]), Michelson entrou em contato com tal correspondência, datada de
março/19179, quando estava no “Nautical Almanac Office”, onde na mesma época também estava lotado David
Peck Todd.
34
Uma explicação para ordem de magnitude em u 2 / c 2 vem de comparações teóricas que ainda estão inacessíveis
2 2
neste estágio de estudo. Entretanto, uma boa idéia da origem do fator u / c pode advir da comparação da equação
de onda válida para o potencial escalar ( φ ), escrita no referencial de repouso do éter e num referencial em
movimento relativo ao éter com velocidade u . Tais equações são apresentadas no Apêndice deste capítulo. É fácil
2 2
observar que essas equações diferem entre si devido à presença de termos em u / c na equação de onda. Outra
explicação advém das expressões dos tempos de percurso da luz ao longo dos braços do interferômetro (argumento
de Maxwell), dadas pelas eqs. (10) e (11). É fácil perceber que tais equações diferem do tempo de ida e volta
2 2
calculado no caso do aparato estar parado junto ao éter por um fator proporcional a u / c .
35
Vide ref. [9], p. 228.
36
Para fazer experiências de interferência com a luz, usualmente é necessário dividir a luz proveniente de uma única
fonte em duas componentes, devido à exigência de que os feixes interagentes sejam coerentes. O conceito de
coerência está associado à fase dos "trens de onda" que compõem um feixe de luz, uma vez que é necessário que
trens de onda de mesma fase se superponham para que haja interferência. Há muitas maneiras de estabelecer a
coerência dos feixes de luz interagentes. Hoje em dia, esta questão não é mais um problema, uma vez que
experimentos de interferência são realizados preferencialmente com luz laser, que tem elevado comprimento de
coerência.
37 Esse instrumento hoje em dia é usualmente encontrado em laboratórios de ensino de óptica, onde é frequentemente
usado para medir comprimentos de onda ou variações de comprimentos com grande precisão, por meio da contagem
das franjas de interferência (variação no padrão de interferência).
38
Albert A. Michelson foi formado na Escola Naval norte-americana em 1873. Após sua formatura, dedicou-se a
diversos experimentos concebidos com o objetivo de medir a velocidade da luz com grande precisão, o que lhe
rendeu certa notoriedade na Europa. Notabilizou-se pela Invenção do interferômetro óptico, concepção e realização
do experimento que mostrou a impossibilidade de detectar o éter. Foi o primeiro físico norte-americano a ser
laureado com o Prêmio Nobel.
29
deste experimento foi realizada por Michelson, em 1881, em Postdom, não conduzindo a um resultado
conclusivo. De fato, esta primeira versão previa a observação de um deslocamento de 0,04 franjas,
enquanto um deslocamento de 0,02 franjas foi observado. Ocorria que tal deslocamento, de tão pequeno,
poderia estar sendo ocasionado por razões espúrias. Em 1887, junto com E. W. Morley, foi levada a cabo
uma segunda versão deste experimento, mais precisa e confiável, cujo aparato experimental está
mostrado na Fig.13. Nesta nova versão, Michelson e Morley montaram seu aparelho em um bloco de
pedra maciça, flutuante sobre mercúrio líquido, para obter estabilidade e para amenizar os efeitos de
pequenas vibrações, e ao mesmo tempo permitir que o aparato pudesse ser girado em torno de um eixo
central sem corromper o padrão de interferência (por efeitos de vibração). Além disto, o caminho óptico
da luz ao longo dos braços do aparelho foi substancialmente aumentado, o que permitiu a previsão de
um maior efeito resultante. Entraremos, a seguir, em mais detalhes acerca da experiência de Michelson-
Morley. Na Fig.12, exibida a seguir, é visualizado o aparato do interferômetro de Michelson usado no
experimento de Postdam. Na Fig. 13, é exibida ilustração do aparato usado no experimento de Cleveland
(1887). Observe que o último é bem mais elaborado que o primeiro.
39
Considerando o éter em repouso em relação ao Sol, a velocidade orbital da Terra v em torno do Sol será igual à
velocidade da Terra em relação ao éter. Deste modo, ao longo do ano, a velocidade da Terra relativa ao éter está em
contínua variação. É importante frisar que estamos desprezando a velocidade de rotação da Terra em torno do seu
eixo, pois a mesma confere a um ponto na sua superfície uma velocidade de apenas 0, 46km / s , desprezível
perante a velocidade orbital ( 30 Km / s ).
30
Figura 15: Ilustração do interferômetro de Michelson usado em 1881.
No esquema da Fig. 14, v representa a velocidade da Terra em relação ao éter,
supostamente parado em relação ao Sol. É importante ressaltar que o interferômetro está fixo na Terra,
sendo assim, o aparato também se desloca com velocidade v . Portanto, a Terra e o interferômetro
movem-se juntos, através do éter, com uma velocidade média de 30 km/s (velocidade orbital da Terra)
em diferentes direções, de acordo com as estações do ano 40.
40 Observe que a Terra é um referencial não-inercial, podendo ser considerado inercial apenas num pequeno
intervalo de tempo em que o seu vetor velocidade varie de uma quantia desprezível em direção.
31
Considerando que os espelhos M1 e M2 formam entre si um ângulo de 90º, veremos, no
ponto de observação, as franjas de interferência, como mostra a Fig. 15, consistindo de linhas (máximos
e mínimos de intensidade da luz) aproximadamente paralelas.
Figura 17: Visão esquemática do interferômetro Figura 18: Franjas de interferência observadas
de Michelson-Morley no referencial da Terra no experimento de Michelson
2 L1 1
t1 = . (1.34)
c 1 − v2 c2
De maneira análoga, vamos analisar o que ocorre no braço 2 do interferômetro, onde a luz
percorre um caminho transversal à direção do movimento do interferômetro (relativo ao éter).
Diferentemente do caso anterior, vamos considerar agora um observador agora parado no sistema de
32
referência do éter (Sol) 41, para o qual a configuração do caminho percorrido pelo segundo feixe de luz é
mostrado na figura abaixo:
Figura 19: Ilustração do caminho óptico da luz ao longo dos braços do interferômetro usado na versão de
Cleveland (1887)
vt 2
M2
ct 2
v
2
P L2
vt2 / 2
Fig. (16b): Percurso transversal do segundo feixe de luz, visto por um observador parado no referencial
do Sol (ref. do éter).
O trajeto exibido na Fig. 16b é exatamente aquele que seria descrito por um observador
parado no éter, para o qual o espelho M2 (junto com todo aparato) desloca-se enquanto a luz trafega do
espelho P até M2. Neste caso, os espelhos movem-se através do éter com uma velocidade v e a luz
propaga-se pelo éter com uma velocidade c . Do ponto de vista deste referencial, a luz segue através da
hipotenusa dos triângulos retângulos de P a M2, e também de M2 a P. Portanto, o tempo total t2, neste
percurso de ida e volta, pode ser calculado como se segue:
41 Note que o tempo de percurso ao longo do braço 1 foi medido por um observador postado na Terra, enquanto o
tempo de percurso ao longo do braço 2 é medido por um observador postado no referencial do Sol (éter). Isto não
representa nenhum problema, uma vez que na mecânica newtoniana o tempo é absoluto (universal), e medidas de
intervalos de tempo são iguais para todos os referenciais. Pode ser mostrado que o cálculo do tempo t2 , realizado no
referencial da Terra, fornece o mesmo resultado exibido na eq. (9).
33
( )
2 2
ct2 2 vt2
= L2 + , t22 c 2 − v 2 =
4 L22 ,
2 2
2 L2 1
t2 = . (1.35)
c 1 − v2 c2
Tendo calculado t1 e t 2 , a diferença nos tempos de percurso nos braços 1 e 2, dada por
∆T = t 2 − t1 , resulta igual a:
2
∆T =
L2
−
L1 . (1.36)
c 1− v c
2 2 1− v c
2 2
42 Como este experimento foi realizado numa sala a temperatura constante, não era esperado qualquer mudança de
34
Quando o giro de 90o do aparato é
realizado, os comprimentos L1 e L2 trocam de
papel e, sendo assim, o caminho PM1, tem
agora a direção transversal à direção do
movimento do aparato, enquanto o caminho PM2
coincide com a direção longitudinal do
movimento. Seguindo o mesmo procedimento
da situação anterior ao giro, determinaremos as
diferenças dos tempos de percurso nesta nova
configuração. Considere t1′ como o tempo de
percurso ao longo do caminho PM1 (direção
transversal), e t2′ o tempo de percurso ao longo
do caminho PM2 (direção longitudinal). Deste
modo, obtemos que:
2 L1 1 2 L2 1
=t1′ = , t2′ .
c 1− v c
2 2 c 1 − v2 c2
Temos agora uma nova diferença de tempos, ∆T ′ = t2′ − t1′ , dada por:
2 L2 L1
=∆T ′ − . (1.37)
c 1 − v2 c2 − 2 2
1 v c
Comparando as eqs. (1.36) e (1.37), verifica-se que a rotação do aparato modificou as diferenças de
tempos, ∆T . Podemos, agora, determinar a amplitude desta mudança, tomando a diferença da eq.
(1.37) pela eq. (1.36). Sendo assim, escrevemos a variação da diferença de tempo de percurso na
forma:
2 L2 L1
− 2 L2 L1
,
∆T ′ − ∆T
= − −
c 1 − v2 c2 − 2 2 c 1 − v2 c2 1 − v2 c2
1 v c
2 L2 + L1 L2 + L1
.
∆T ′ − ∆T
= − (1.38)
c 1− v c
2 2
1 − v2 c2
Como (v c ) << 1 , podemos utilizar a expansão binomial e desprezar os termos superiores a segunda
2
1 1 1
≅ 1 + v2 c2 , ≅ 1 + v2 c2 ,
[1 − (v c) 2 ] 1 − ( v2 c2 ) 2
35
2
( L2 + L1 ) 1 + v 2 c 2 − ( L2 + L1 ) 1 + v 2 c 2
( ) 1
∆T ′ − ∆T ≅
c 2
L + L1 v
2
∆T ′ − ∆T ≅ 2 2. (1.39)
c c
N= c ( ∆T '− ∆T ) / λ , (1.40)
N=
( L1 + L2 ) v 2 .
2 (1.41)
λ c
22 m
(10−4 ) → N =4 ×107 ×10−8 .
2
N= −7
5,5 ×10 m
4 ×10−1 → N =
N= 0, 4 . (1.42)
Portanto, ao longo do giro, deveria ser observado o deslocamento de quatro décimos de uma franja. A
despeito desta previsão teórica, o experimento não evidenciou qualquer deslocamento de franja
mensurável, proporcionando um resultado nulo. Em um primeiro momento, pensou-se em atribuir este
resultado nulo a uma momentânea coincidência do movimento da Terra com o éter. Suponha que o éter
não estivesse parado em relação ao Sol, mas fosse dotado de uma velocidade de translação v (em
relação ao Sol), que em determinado instante coincidisse com a velocidade orbital da Terra. Neste caso,
a Terra estaria parada em relação ao éter durante a realização do experimento, de modo que a
velocidade da luz ao longo dos dois braços do interferômetro valeria exatamente c. Não haveria
deslocamento de franjas nesta situação. Para dirimir esta dúvida, repetições deste experimento foram
realizadas dia e noite ao longo de todas as estações do ano, sempre conduzindo ao mesmo resultado
nulo. O que excluiu esta possibilidade levantada.
44Na verdade, este não é o tamanho da soma dos braços do aparelho, que têm um tamanho muito menor. Para
conseguir este percurso óptico, Michelson & Morley usavam um sistema de espelhos nas extremidades dos braços
que faziam a luz ir e voltar várias vezes (pelo mesmo braço). A fig. 6B ilustra a disposição de espelhos que permitia
obter tal comprimento óptico.
36
interferômetro fossem trocados de posição e, portanto, não causaria variação de franjas. Esta hipótese,
porém, iria contrariar a lei de composição de velocidades de Galileu-Newton. Na verdade, somente após
a divulgação do postulado da constância da velocidade da luz por Albert Einstein em 1905, é que esse
impasse pode ser solucionado de forma adequada. Apesar disto, a aceitação da teoria de Einstein não foi
geral, visto que, a teoria de um meio de referência privilegiado para luz continuou sendo defendida 50
anos após a publicação dos postulados de Einstein para a relatividade.
A experiência de Michelson-Morley foi repetida por vários físicos em anos diferentes, que
confirmaram o resultado nulo obtido inicialmente, como mostra os dados exibidos na Tabela 1.
Para os físicos da época, a inexistência do éter era inconcebível, tão arraigada era a crença
na necessidade de um meio material para viabilizar a propagação da luz. Quando estes físicos se
depararam com o resultado de alta precisão do experimento de Michelson-Morley, confirmado em várias
37
repetições, chegou-se à conclusão que era necessário buscar hipóteses para explicar a não
detectabilidade do éter: as chamadas hipóteses para salvamento do éter.
O físico holandês Hendrik Antoon Lorentz, que inicialmente duvidou dos experimentos de
Michelson de 1881, foi fortemente influenciado pelo resultado da segunda versão desta experiência,
realizada em 1887, por Michelson & Morley. Lorentz rejeitava as concepções de éter aceita por Hertz 45,
baseado na incapacidade deste em explicar tanto fenômenos ópticos como eletromagnéticos. Por outro
lado, através da demonstração experimental realizada por Hertz sobre a existência das ondas
eletromagnéticas, Lorentz se convenceu da existência de tais ondas e do conceito de campo, passando a
aceitar a teoria de Maxwell como um ponto de partida em seus desenvolvimentos. Lorentz criticava a
hipótese defendida por Hertz e Stokes de um arrastamento total do éter na eletrodinâmica dos corpos em
movimento 46, pois defendia a hipótese de um éter estacionário. Ele não deu ao éter um caráter mecânico
em sua constituição, pelo contrário, diferentemente de Hertz, ele atribuiu ao éter um caráter
eletromagnético.
Lorentz era um grande estudioso da teoria eletromagnética, e era um adepto da teoria de
Fresnel de um éter estacionário permeando toda a matéria e o espaço ao seu redor, não sendo assim
afetado pelo movimento dos corpos 47. A teoria dos elétrons de Lorentz tinha o mérito de conseguir
derivar a fórmula do arrastamento parcial de Fresnel (e os resultados da teoria de Fresnel) sem supor
nenhum arrasto do éter. Com isto, Lorentz conseguia explicar porque nenhum dos experimentos
concebidos para acusar o movimento da Terra, e sensíveis em u/c, a exemplo do experimento de Arago,
conseguia detectar tal movimento. A teoria de Lorentz conseguia explicar o resultado nulo dos
experimentos sensíveis em primeira ordem em u/c.
45 Hertz acreditava na visão de um éter mecânico que era completamente arrastado pelos corpos em
movimento, mesmo sabendo que sua hipótese contrariava alguns fenômenos ópticos.
46 Ver ref. [7]
47 Ver ref. [3], p. 621-623.
38
Então, com o intuito de conciliar a sua teoria com o resultado de Michelson-Morley,
Lorentz 48 (em 1892) lançou mão de uma nova hipótese, que já havia sido formulada três anos antes por
G. Fitzgerald, de maneira independente. Tal hipótese afirmava que todos os corpos sofrem uma
contração em seu comprimento por um fator 1 − v / c na direção longitudinal ao movimento, sendo
2 2
v a sua velocidade relativa ao éter. Por outro lado, as dimensões ortogonais ao movimento
permaneceriam inalteradas. Com isso, o comprimento da dimensão longitudinal seria dado por:
L = Lo 1 − v 2 / c 2 , (1.43)
2 L01 1 − v 2 c 2
∆T = , ∆T 2
L2 L1 L02
− = −
c 1− v2 c2 1− v2 c2 c 1 − v2 c2 1 − v2 c2
2 L02 L01
= ∆T − ,
c 1 − v2 c2 − 2 2
1 v c
2 1
= ∆T ( L02 − L01 ) . (1.45)
c 1 − v2 c2
Agora, calcularemos a diferença nos tempos de percurso após a rotação de 90º do aparato.
Sendo que, nesta situação, o braço L2 move-se na mesma direção do movimento da Terra em relação ao
éter, e o braço L1 na direção perpendicular. Portanto, de acordo com a hipótese de Lorentz-Fitzgerald
temos:
L1 = L01 e=
L2 L 02 1 − v 2 c 2 . (1.46)
48 Através das pesquisas realizadas entre os anos de 1895 até 1904, Lorentz desenvolveu uma teoria
que permitiu a ele explicar a ação dinâmica do éter sobre os corpos em movimento, causando
conseqüentemente uma contração destes. Isto possibilitou a ele construir as suas famosas
transformações de coordenadas (transformações de Lorentz) que fazem com que a velocidade da luz
seja a mesma para dois observadores com movimento relativo uniforme.
39
2 L02 L01 2 1
=∆T ′
− =
→ ∆T ′ ( L02 − L01 ) . (1.47)
c 1− v c
2 2
− 2 2 c 1 − v2 c2
1 v c
Verifica-se uma igualdade das eqs. (1.40) e (1.41), de modo que a diferença entre tais equações conduz
a um resultado nulo:
∆T '−∆T = 0 ,
compatível com a ausência de deslocamento de franjas. Portanto, tendo em vista a hipótese de
Lorentz-Fitzgerald, estaria explicada a impossibilidade de observação ou detecção do éter por meio de
um interferômetro com braços iguais.
Para adequar sua teoria à a hipótese da contração dos comprimentos, Lorentz implementou
diversas alterações na sua estrutura, entre 1890 e 1900, culminando na publicação da versão final da sua
teoria em 1904.
Teorias da Emissão
49 Vale ressaltar que no ano de realização desse experimento, 1932, a TRR já havia passado em diversos testes
experimentais, sendo aceita por grande parte da comunidade científica internacional. Entretanto, os testes acerca da
sua validade continuavam sendo realizados incessantemente, o que demonstra quão lento é o processo de assimilação
de uma nova teoria.
50 Importante destacar que a teoria de Maxwell era altamente bem sucedida na explicação dos fenômenos
eletromagnéticos. Não havia relatos de experimentos que contradiziam as leis de Maxwell, que na já vinham sendo
40
teoria eletromagnética deveria ser construída. Algumas teorias foram lançadas na tentativa de cumprir
esse propósito, ficando conhecidas como teorias da emissão 51 por vincular a velocidade da luz ao
referencial da fonte de emissão, em vez de ao meio de propagação (éter). Nesse caso, a velocidade da
luz seria c em relação à fonte de emissão, sendo independente do estado de movimento do meio através
do qual se propaga. Como conseqüência, um observador para o qual a fonte esteja em aproximação
(afastamento) com velocidade u iria medir a velocidade da luz com sendo c + u ( c − u ) 52.
Teorias de emissão, tais como a de Ritz, explicam rapidamente o resultado nulo do experimento
de Michelson-Morley, uma vez que, estando a fonte de luz parada junto ao aparato, a velocidade da luz
será c ao longo dos dois braços, não havendo porque fazer composições galileanas nessa situação.
Entretanto, tais teorias não prosperaram na época, principalmente por entrarem em direta contradição
com dois tipos de fenômenos: as observações de estrelas duplas e o experimento de Michelson-Morley
usando como fonte de luz um objeto fora do referencial da Terra (fonte extra-terreste: Sol ou outra estrela
qualquer), que de acordo com as teorias de emissão, deveria proporcionar deslocamento de franjas 53.
De acordo com tais teorias, um sistema de estrelas duplas deveria exibir (pelo menos na aparência)
excentricidade nas órbitas estelares, ou seja, tais órbitas deveriam mostrar-se como elipses para
observadores distantes, mesmo que na realidade fossem círculos do ponto de vista de um observador
postado no centro de massa do sistema. Este efeito é uma consequência do tempo de propagação da
luz, que neste caso varia na dependência da estrela estar de afastando ou aproximando da Terra no
instante de emissão. Observações de sistemas de estrelas duplas, feitas por de Sitter nunca relataram a
observação de excentricidade nas órbitas estelares. Estas duas evidências contra as teorias de emissão
são apontadas em diversos livros-texto antigos e mesmo atuais. Deve ser aqui ressaltado que alguns
autores modernos 54 refutaram a explicação de que as observações de de Sitter e do experimento de
Tomascheck realmente venham a descredenciar as teorias de emissão. Não há nesta linha de
argumentação nenhuma tentativa de tentar salvar ou ressuscitar tais teorias, uma vez que as mesmas
realmente falham na descrição das interações entre partículas ultra-rápidas observadas em aceleradores
e em colisões relativísticas. Há, entretanto, o intento de desfazer enganos cometidos pelos
pesquisadores do início do século.
colocadas à prova desde a época em que as leis de Faraday, Lenz e Ampère foram enunciadas. Por volta do final do
século XIX, as equações de Maxwell já tinham um status de leis da natureza (compatíveis com todos os
experimentos conhecidos). Desta forma, propor uma nova teoria para o eletromagnetismo, diferente da de Maxwell,
não era uma tarefa simples.
51
Tentativas nesta direção foram realizadas por vários cientistas da época (R. Tolman, J. Kuntz, D. Comstock).
Porém, a mais bem sucedida tentativa foi levada a cabo pelo eminente físico W. Ritz, por volta dos anos de 1907-
1909, que conseguiu construir uma teoria de emissão auto-consistente. Entretanto, é bem sabido que conceber uma
teoria auto-consistente não basta para ter sucesso em descrever a natureza. É necessário que tal teoria descreva com
exatidão experimentos e fenômenos conhecidos. Neste ponto, a teoria da emissão não foi bem sucedida.
52
Na sua teoria, Ritz preservou a forma das duas equações de Maxwell homogêneas, e alterou as duas não-
homogêneas de modo a conseguir inserir nas expressões dos potenciais retardados para A0 e A a informação de que
a velocidade da luz deveria ser c + u ou ( c − u ).
53
Tais experimentos foram realizados por Tomaschek (1924) usando luz solar, e por Miller (1924), usando luz
estelar, ambos detectando resultado nulo (ausência de deslocamento de franjas).
54
Vide J. G. Fox, Am. J. Physics 33, 1 (1965). Nesta referência o autor discute várias evidências a favor e contra a
teoria de emissão de Ritz, chegando à conclusão que várias das observações e fenômenos levantados para contestar e
negar as teoria de emissão na verdade não cumprem este papel (por uma questão de interpretação). A razão está no
fato da luz emitida por estrelas distantes ser absorvida e reemitida pelas partículas da atmosfera, que estão em
repouso em relação ao referencial da Terra. No entanto, no mesmo artigo é destacado que tais teorias são
definitivamente negadas pela fenomenologia de partículas relativísticas e experimentos com fontes de luz ultra-
rápidas, realizados ao longo do século XX.
41
Michelson-Morley. Estas evidências levaram Lorentz a reformular sua teoria para a eletrodinâmica dos
corpos em movimento, inserindo a hipótese da contração do comprimento, tal qual já discutido. Lorentz
ainda argumentou que, dado a nossa incapacidade de detectar o éter por meio de experimentos ópticos,
as equações de Maxwell deveriam se mostrar invariantes perante algum conjunto de transformação de
coordenadas. Buscou as transformações matemáticas que assegurassem tal invariância. Sendo fato
conhecido a não invariância das equações de Maxwell perante as transformações de Galileo, Lorentz
obteve novas transformações que cumprissem este intento em 1904 - ano em que apresentou a forma
final da sua teoria - sendo estas batizadas com seu nome. Há registros históricos que Poincaré também
havia deduzido tais transformações e, mais importante, chegou a conceber ideias muito próximas do que
chamamos hoje de princípio da relatividade. Contudo, não coube a Lorentz ou Poincaré a concepção da
TRR como o fez Einstein em 1905, dando interpretação inovadora às transformações de coordenadas de
Lorentz em uma amplitude não vislumbrada por seus predecessores.
Diante deste cenário físico, Einstein optou em 1905 por um caminho inovador e ao mesmo
tempo simplificador. Considerou duas hipóteses principais: um princípio da relatividade para toda física e
a constância da velocidade da luz para todos os referenciais. O novo princípio da relatividade seria
compatível com a validade das equações de Maxwell em todos os referenciais inerciais, e com a
necessidade de obter novas transformações de coordenadas, diferentes das Galileanas. Implícito estava
a necessidade de rederivar as leis da mecânica newtoniana, tarefa também iniciada por Einstein em
1905. Além do princípio da relatividade, Einstein assumiu uma outra hipótese verdadeiramente
revolucionária: considerar a velocidade da luz como uma constante independente do movimento da fonte
e do observador, o que implicaria em alterações dos conceitos tradicionais de espaço e tempo. Estas
duas hipóteses foram lançadas por Einstein, em 1905, em forma de dois postulados (os dois postulados
da TRR):
1) As leis físicas (mecânicas e eletromagnéticas) são as mesmas para todos os referenciais inerciais, ou
seja, existe um princípio da relatividade para toda física.
2) A velocidade da luz assume o mesmo valor (c) em todos os referenciais inerciais,
independentemente do estado de movimento da fonte.
Estes dois postulados constituem o ponto de partida para obtenção das novas
transformações de coordenadas (transformações de Lorentz) e construção de toda teoria da relatividade
restrita. Com o primeiro postulado, Einstein encerra a questão do papel do éter como referencial
privilegiado, estabelecendo a inexistência de um referencial absoluto e a equivalência entre todos os
referenciais inerciais. Com o segundo postulado, Einstein explica o resultado nulo do experimento de
Michelson-Morley, e estabelece a conexão/interdependência entre tempo e espaço, dando origem à
revolução físico-filosófica em torno dos conceitos destas duas entidades fundamentais. Tais postulados
e suas conseqüências serão melhor discutidos no próximo capítulo.
A seguir, como conclusão, apresentamos uma tabela onde se exibe o resumo, em linhas
gerais, das principais idéias vinculadas às teorias vigentes no final do século XIX e início do século XX
aqui discutidas.
42
(constante)
Conexão de espaço e Espaço e tempo são Espaço e tempo são Espaço e tempo são
tempo independentes independentes interdependentes
Transformações de Transformações de Transformações de Transformações de
coordenadas Galileu Galileu Lorentz
APÊNDICE
43
Esta expressão representa a equação de uma onda tridimensional para o campo elétrico. A
forma geral da equação de onda, considerando uma onda unidimensional, é dada pela seguinte
∂2 f 1 ∂2 f
expressão: − = 0 , onde v é a velocidade de propagação da onda.
∂x 2 v 2 ∂t 2
Comparando a eq. (A5) com a forma geral da equação de onda, obtemos a seguinte relação:
1 1
= µ0 ε 0 → =
v ⇒ v = 2,997925 ⋅108 m / s ,
v2 µ0 ε 0
onde v corresponde à velocidade da luz ( c ) no vácuo. É possível mostrar que, assim como o campo
elétrico, o potencial escalar ( φ ) também satisfaz uma equação de onda, dada abaixo:
1 ∂ 2φ (r , t )
∇ φ (r , t ) − 2
2
=0,
c ∂t 2
que pode ser escrita explicitamente na forma:
1 ∂2 ∂2 ∂2 ∂2
2 2
∂
−
∂ 2
−
∂ 2
−
∂ φ ( r , t ) =
2
0. (A6)
c t x y z
Observe que toda equação foi multiplicada por -1, o que não altera em nada as suas propriedades ou
soluções. Supondo que essa forma da equação de onda esteja vinculada a um sistema de referência S
em repouso em relação ao éter, vamos submeter tal equação a uma transformação de coordenadas de
Galileu, objetivando escrevê-la para um observador localizado num sistema de referência S’, que se
move com velocidade constante u em relação ao sistema S. Lembrando que o conjunto de
transformação de coordenadas de Galileu é dado por:
Sendo a eq. (A6) uma equação diferencial parcial, para escrevê-la num outro referencial, é
necessário antes escrever as derivadas parciais, para o que se usa a regra da cadeia:
∂ ∂x′ ∂ ∂y ′ ∂ ∂z ′ ∂ ∂t ′ ∂
= + + + , (A7)
∂x ∂x ∂x′ ∂x ∂y ′ ∂x ∂z ′ ∂x ∂t ′
∂ ∂x′ ∂ ∂y ′ ∂ ∂z ′ ∂ ∂t ′ ∂
= + + + , (A8)
∂y ∂y ∂x′ ∂y ∂y ′ ∂y ∂z ′ ∂y ∂t ′
∂ ∂x′ ∂ ∂y ′ ∂ ∂z ′ ∂ ∂t ′ ∂
= + + + , (A9)
∂z ∂z ∂x′ ∂z ∂y ′ ∂z ∂z ′ ∂z ∂t ′
∂ ∂x′ ∂ ∂y ′ ∂ ∂z ′ ∂ ∂t ′ ∂
= + + + . (A10)
∂t ∂t ∂x′ ∂t ∂y ′ ∂t ∂z ′ ∂t ∂t ′
44
∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂ ∂2 ∂
= , = , = , = − 2u + u2 2 . (A11)
∂x 2
∂x′ ∂y
2 2
∂y ′ ∂z
2 2
∂z ′ ∂t
2 2
∂t '2
∂x′∂t ′ ∂x′
1 ∂2 ∂2 2 ∂
2
∂2 ∂2 ∂2
2 2 − 2u + u − − − φ ( r ′, t ) =
0,
c ∂t ' ∂t ' ∂x ' ∂x '2 ∂x '2 ∂y '2 ∂z '2
1 ∂ 2 2u ∂ 2 ∂2 ∂2 ∂2
2 2 − − (1 − u 2
c 2
) − − φ ( r ′, t ) =
0.
c ∂t ' c 2 ∂t ' ∂x ' ∂x '2 ∂y '2 ∂z '2
1
Fazendo γ2 = , escrevemos a seguinte equação:
1− u 2 c2
1 ∂ 2 2u ∂ 2 1 ∂2 ∂2 ∂2
2 2 − − − − φ ( r ′, t ) =
0, (A12)
c ∂t ' c 2 ∂t ' ∂x ' γ 2 ∂x '2 ∂y '2 ∂z '2
que corresponde à equação de onda para o potencial escalar escrita no sistema S’. Essa equação
demonstra ser diferente, em sua forma, da equação original, válida no sistema S. Desta forma, percebe-
se que a equação de onda do Eletromagnetismo Clássico não é invariante perante as transformações de
coordenadas de Galileu. Ocorre uma mudança na forma que implica em alteração de comportamento
físico. Isto é que indica a quebra do princípio da relatividade perante experimentos ópticos.
Observe que equação de onda vista pelo ref. S ou S', dada pelas eqs. (A6) e (A12), diferem
2 2 2
entre si por dois termos proporcionais a u / c e u / c , evidenciando que discrepância entre
experimentos ópticos realizados pelo ref. S e S' será proporcional a ordem de magnitude do maior entre
estes dois termos, ou seja: u 2 / c 2 . No caso de um experimento realizado na Terra, que tem uma
−8
velocidade orbital de u 30km / s , temos: u / c (30 / 3.10 ) 10 . Portanto, o efeito decorrente
2 2 5 2
na quebra do princípio da relatividade de Galileu perante experimentos ópticos (devido existência do éter
como referencial privilegiado) seria da ordem de 1 parte em 108, ou seja, uma parte em 100 milhões.
Efeito muito pequeno, porém dentro da faixa de sensibilidade do interferômetro construído por Michelson
e Morley.
45
o porquê. (iii) A aberração estelar, nesta situação, poderia ser usada para medir a velocidade da Terra
em relação ao éter? (iv) Um experimento de Michelson-Morley, realizado nesta situação, deveria
apresentar resultado positivo quando o aparato fosse girado de 90o ? (v) Em caso afirmativo, poder-se-ia
afirmar que tal experimento distingue o estado de repouso do estado de movimento retilíneo uniforme,
quebrando a indistinguibilidade destes dois estados? (vi) Comente a resposta anterior à luz do Princípio
da relatividade de Galileo e do conceito movimento absoluto. (vii) Há sentido em se falar em referencial
inercial neste caso?? Explique.
6) A hipótese da contração do comprimento dos corpos rígidos de Lorentz-Fitzgerald consegue explicar o
resultado nulo do experimento de Michelson-Morley. No entanto, a mesma teve de ser abandonada. Cite
um dos experimentos que a levou ao descrédito, explicando como.
7) Cite e explique evidências que se contrapuseram as chamadas teorias da emissão.
8) Descreva uma versão acústica do experimento de Michelson-Morley em analogia com caso óptico
estudado em aula. Quais seriam as diferenças e similaridades entre estas duas versões?
9) Sabe-se que a observação do fenômeno da aberração estelar pode ser usada para medir a velocidade
da Terra em relação à estrela observada. (i) Seria este um experimento capaz de detectar uma
velocidade absoluta? (ii) Seria capaz de detectar a velocidade da Terra em relação a um éter? (iii) Qual
a diferença, neste sentido, em relação a um experimento de Michelson-Morley?
10) A incompatibilidade entre o eletromagnetismo de Maxwell e as transformações de Galileo evidenciou que
a teoria de Maxwell não admitia um Princípio da Relatividade, de tal maneira que deveria haver um
referencial privilegiado. (i) Qual o papel físico deste referencial privilegiado? (ii) Caso a detecção deste
éter fosse confirmada, a teoria de Maxwell (na forma como a conhecemos) seria dada como incorreta
em qualquer referencial? Esta teoria seria diferente para cada referencial adotado?? Explique.
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