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O TERROR DO ROSTO

CENA 01
Os Rostos
(Paisagem fotográfica e sonora: as falas devem ser rápidas, intercalando emoções e
intensidades diferentes - alta, baixa, sussurro; os Rostos vocalizam diferentes sons; os
movimentos intercalam rapidez e lentidão, com aleatoriedade e repetição).

Rosto - O nosso encontro era às onze e meia, e já é quase meio-dia!


Rosto - Você espera há muito tempo?
Rosto - Acabei de chegar.
Rosto - Eu não funciono como você.
Rosto - Uma pausa talvez seja necessária.
Rosto - Como você nunca chega na hora..
Rosto - Eu me atrasei de propósito!
Rosto - No entanto...
Rosto - Você não pode afirmar que chegou na hora marcada!
Rosto - Eu não poderia afirmar.
Rosto - Aceita uma bebida?
Rosto - Você bebe logo de manhã?
Rosto - Já é quase meio-dia!
Rosto - Hoje vou precisar de estupidez.
Rosto - Aceita uma bebida?
Rosto - Você bebe logo de manhã?
Rosto - Não me lembro, mas está fazendo muito calor.
Rosto - Uma xícara de chá!
Rosto - Quanto mais se bebe, mais sede se tem...
Rosto - Faria menos calor, teríamos menos sede...
Rosto - Do que você tem sede?

CENA O2
Alter Ego

Mamba (vaidosa; está com o rosto enfaixado)- Espelho, espelho meu, existe um
rosto mais belo do que esse?
Espelho (com arrogância) - O seu rosto está mais para um ovo podre!
Mamba - Um ovo podre?
Espelho (num crescente) - Cubra esse rosto, cubra esse rosto, cubra esse rosto…
enterre-o!
Bruxa (misteriosa) - Um grilo esfrega as suas asas.
Espelho - Você é feia!
Mamba (tensa) - Que coisa desagradável! (sino)
Bruxa (profética) - A batida lenta do sino da morte, ela prevê estratégias
importantes.
Mamba - Que coisa desagradável.
Espelho - Você usa máscaras!
Mamba - Eu era loira?
Espelho - Não há nada oculto que não será revelado.
Mamba - Uma pausa, nessa cena, talvez seja necessária.
Bruxa - Ah, o curso da água no calor do meu sangue!
Mamba (para a Bruxa; rápida, tensa e exigente) - Faça-me ver com maior nitidez
nesse escuro! (blackout)
Bruxa - Um grilo esfrega suas asas… pode ser a mudança de estação, ou as
inúmeras mudanças que passam despercebidas… Um grilo esfrega suas asas
dianteiras.
Mamba (misteriosa) - Existe um desagradável mistério que me incomoda, e parece
que nunca conseguirei fechá-lo com as batidas lentas do meu coração. Hoje, é a
batida do relógio que escuta atentamente a nossa presença aqui…
Bruxa (para Mamba, provocando) - Como uma bruxa, eu voarei, voarei sobre os
ares de córregos sangrentos, sobre os lamaçais, as montanhas, sob o céu, sobre
mares e terras, vestindo gritos…
Espelho - Chega!
Bruxa - A verdade sobre a mariposa dos nossos rostos está nas cicatrizes do espelho,
(pausa, todos olham para a coxia do lado direito; efeito sonoro de batidas na porta)

aparências em câmera lenta que se desintegram em segundos.


Mamba - Assombrações!
Espelho - Chega!
Mamba - Existe um minuto de morte que, às vezes, não termina.
(Bruxa assopra um pó em direção à Mamba que, instantaneamente, cai; entra o
Coelho e oferece uma xícara de chá à Bruxa; Espelho mantém uma expressão de
assustado, com características Expressionistas, como na o obra “ O Grito”).

A Hora do chá

Coelho – Quer assistir uma história de terror?


Bruxa - Com algum toque de insanidade!
Coelho - Agora tenho motivos para sentir os recortes do seu rosto.
Bruxa - No fim das horas, você vem, assim como as rugas, assim como as dúvidas,
assim como essa cena… Abstratos! …beber com satisfação esse teatro, que seria
incrivelmente melhor, infinitamente - quem sabe - se eu não fosse tão figurativa, se
você não falasse. Tome o maldito chá! (O Coelho e a Bruxa tomam o chá).
Coelho - Tão ridículas respostas nos descobrem, sem surpresa: patéticos.
Bruxa - Patéticos!
(olham-se; gargalham desvairadamente; param repentinamente, juntos; olham para
a plateia; projeção)
Mamba - Do alto dessa história, costuraremos alguns abismos enquanto sonhamos
o contrário. Seria lógico? (pausa)... Do deserto da morte: público!
Bruxa - Público!
Coelho - Público!
Mamba - A batida lenta.... Ah, o gosto do céu que eu sinto ao estalar de cada
vértebra ou quando eu estico o pescoço. (Enfática, arrogante) Quaisquer outras
figuras, mesmo que no fim do universo, são apenas gritos que vêm de dentro, de
dentro, de longe.
Coelho- Aceita um comprimido de bom senso?
Mamba – Uma cápsula de tédio e uma xícara de chá, eu diria.
Bruxa - Eu não diria!
Coelho - Sintam o calor das horas, do jardim de seus corpos, dos segundos
recortados por minutos...
Mamba (fragilizada, mas sem perder a arrogância) - O meu rosto está mais para um
ovo podre , e eu não posso vê-lo assim.... (enigmática) tão desprotegido!
Bruxa - Tão desprotegido, tão desprotegido… tão… o chá!
Coelho - Um ovo podre?
Mamba - Às vezes, interpretamos nossos papéis, conscientes, outras, não
lembramos sequer a primeira linha do texto. Sinceramente, eu queria representar
outros personagens.
Bruxa - Todos os dias são cópias exatamente iguais. (insistindo) Tome o chá!
Mamba (desgastada, nervosa) - Mergulhe-me em seu caldeirão, derreta-me,
derreta-me, arraste-me, arraste-me para o inferno.
Bruxa - Tome o chá!
Coelho - Eu amo chá!
Mamba - Já chega!
Coelho - I love tea!
Bruxa - Tome o chá!
Mamba - Já chega!
Coelho - Take the tea!

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