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DEFINIÇÃO

Conceituação de modernidade líquida, hipermodernidade, individualismo paradoxal, cibercultura,


cultura da convergência e cultura midiática contemporânea.

PROPÓSITO
Discutir a relevância das obras de Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, Pierre Lévy e Henry
Jenkins na descrição da cultura midiática contemporânea para compreender os paradoxos do
individualismo (hiper)moderno em face das atuais tecnologias de informação e comunicação.

OBJETIVOS

MÓDULO 1

Distinguir as interpretações de Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky acerca do mundo


contemporâneo

MÓDULO 2

Identificar conceitos relativos à cibercultura e à cultura da convergência


INTRODUÇÃO
No final do século XVIII, surgiu na filosofia alemã um termo que logo se tornou popular, sendo
empregado – ainda em sua grafia original – até os nossos dias: Zeitgeist, literalmente “espírito do
tempo”. Em sentido mais estrito, essa palavra pode ser entendida como a mentalidade – ou seja,
como as formas de pensar e sentir – de uma época. Já em um sentido mais geral, descrever o
Zeitgeist de uma época também significa delinear as peculiaridades dos comportamentos
(culturais, sociais, econômicos, políticos etc.) de determinado período histórico para, dessa
maneira, compreendê-lo melhor.

Abordaremos neste tema as contribuições de quatro autores que investigaram o Zeitgeist dos
nossos tempos. Em comum, todos eles se dispuseram a identificar e analisar aquilo que é
característico e mais particular na mentalidade, nos comportamentos e nas condições técnicas e
materiais das sociedades contemporâneas. Seus estudos tratam das transformações
socioculturais, técnicas e econômicas ocorridas, principalmente, a partir da segunda metade do
século passado e que, especialmente durante as décadas de 1980 e 1990, foram colocadas
debaixo de um guarda-chuva conceitual chamado pós-moderno.

ZEITGEIST

A criação do termo é atribuída ao poeta e filósofo Johann Gottfried Herder (1744-1803), que
utilizou a palavra pela primeira vez num livro publicado em 1769. Mas sua popularização ocorreu
cerca de vinte anos depois, no período pós-Revolução Francesa, ao ser empregada por outros
escritores e filósofos, como Goethe (1749-1832) e Hegel (1770-1831).

PÓS-MODERNIDADE

Um dos marcos para a sedimentação do conceito de pós-moderno foi a publicação, em 1979, do


livro A Condição Pós-Moderna, escrito pelo filósofo francês Jean-François Lyotard, que analisou a
produção do conhecimento daquela época sob encomenda do Conselho de Universidades de
Quebec. Diferentemente do que se poderia esperar à primeira vista, a obra não se propunha a
caracterizar um novo estágio sociocultural, mas a definir a posição do saber ou do conhecimento
nas sociedades desenvolvidas em um novo cenário disposto por tecnologias cibernéticas e
informacionais e por um ambiente social marcado pelo individualismo crescente e pelo desencanto
com teorias totalizantes produzidas durante o século XIX e que buscavam explicar as condições
históricas, econômicas, sociais e culturais da humanidade.

MÓDULO 1

 Distinguir as interpretações de Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky acerca do mundo


contemporâneo

MÍDIA CONTEMPORÂNEA E INDIVÍDUO


PARADOXAL
A década de 1980 foi marcada pela expansão e disseminação do consumo e dos meios de
comunicação em praticamente todas as esferas da vida, o que aprofundou o processo de
individualização e o consequente desinteresse por assuntos coletivos – ou seja, por aquilo que
constitui a política. Desse mesmo período datam os primeiros livros dos autores que estudaremos
a seguir: Zygmunt Bauman e Gilles Lipovetsky. Inicialmente, ambos chegaram a defender o
conceito de pós-moderno para depois abandoná-lo em favor de termos que eles consideravam
mais próximos à situação do nosso tempo.

ZYGMUNT BAUMAN E A MODERNIDADE


LÍQUIDA
 O Sociólogo Zygmunt Bauman no Salão do Livro da Feira Internacional do Livro de Turin,
Itália, em maio de 2015

Zygmunt Bauman é considerado um dos autores mais influentes da sociologia contemporânea.


Com mais de setenta livros publicados (a maioria já traduzida no Brasil), sua obra se estende por
diversos temas e extrapola os limites do debate sociológico devido à absorção de múltiplos
conceitos e teorias vindos de áreas vizinhas, como a Filosofia, a Antropologia e a Literatura. Essa
vasta produção dificulta a simples apropriação e a elaboração de um panorama dos seus
trabalhos. Mesmo assim, se pudéssemos propor um denominador comum ao seu pensamento,
seria a elaboração de um diagnóstico abrangente das sociedades desenvolvidas na virada do
milênio.

ZYGMUNT BAUMAN

Zygmunt Bauman (1925-2017) foi um sociólogo polonês de origem judaica. Ele teve de se refugiar
com sua família na então União Soviética quando os nazistas invadiram a Polônia em 1939. Após
o término da Segunda Guerra, Bauman se formou em Sociologia na Universidade de Varsóvia,
onde posteriormente passou a lecionar. Em 1971, ele recebeu uma cátedra em Sociologia na
Universidade de Leeds, Inglaterra, ocupando-a até 1990. Bauman continuou vivendo em Leeds
como professor emérito e nesse período escreveu suas principais obras e manteve influente
presença no debate público até sua morte.

Durante mais de quarenta anos, Bauman trabalhou para compreender e descrever seu tempo
presente. Inicialmente, suas proposições continuaram e ampliaram o debate iniciado por Jean-
François Lyotard (1924-1998), isto é, em um primeiro momento seus trabalhos (Mal-estar na pós-
modernidade e Ética pós-moderna) orbitavam em torno daquilo que seria definido como a pós-
modernidade. Posteriormente, ele passou a considerar o termo pós-moderno insuficiente para
descrever a situação sociocultural no final da década de 1990.

PARA BAUMAN, A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA HAVIA


INTENSIFICADO, DE MANEIRA VERTIGINOSA, O ÍMPETO POR
MODERNIZAÇÃO NAQUELE ÚLTIMO SÉCULO, OU SEJA, A
BUSCA DO PROGRESSO E DA INOVAÇÃO CIENTÍFICOS, SEM
CONSIDERAR OS IMPACTOS SOCIOPOLITICOCULTURAIS.
Por outro lado, ao observar esse impulso modernizante, o sociólogo polonês defendeu a
existência de algumas diferenças basilares que justificariam a localização das sociedades atuais
em outro estágio da modernidade, tais como:

A inexistência de um telos da modernização, ou seja, de um objetivo definido a ser


alcançado por ela.

A desregulação e a privatização de atividades modernizantes (sob a égide do


neoliberalismo).

A globalização do processo de modernização (que embora se dissemine de maneira


desigual entre as nações, afeta todas as formas de vida).

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TELOS

Telos (do grego τέλος) é um termo filosófico que significa objetivo final, ou mesmo “razão de ser”.
Esse conceito está presente na concepção de teleologia, uma defesa, ou crença, em que os
movimentos humanos (a história ou a existência, por exemplo) existem para um fim. Importantes
doutrinas filosóficas, como o aristotelismo e o hegelianismo, organizam seus pensamentos pela
teleologia.

NEOLIBERALISMO

A mentalidade neoliberal pode ser definida pela exaltação do papel do setor privado para a
condução da economia por meio de privatizações, austeridade econômica, desregulamentação do
mercado, livre comércio e retraimento do Estado em face do provimento de serviços essenciais
(como saúde, educação e previdência social).

O nome dado por Bauman para esse outro estágio social foi modernidade líquida, um conceito
consagrado no livro homônimo publicado originalmente em inglês em 2000. Mas, para
compreendermos melhor o que esse termo significa, é necessário observar seus contrastes com
uma outra forma de modernidade, definida por Bauman como “sólida”.

DO SÓLIDO AO LÍQUIDO
A modernidade se estabelece em contraste com a tradição. Historicamente, ela marca o abandono
das estruturas da Idade Média e a sedimentação de outros fundamentos inteiramente diferentes
como, por exemplo: a formação dos Estados nacionais, a crescente urbanização, a perda do
monopólio das religiões para a orientação e o sentido das sociedades, o processo de
individualização e suas técnicas (letramento, imprensa etc.), o surgimento da ideia de progresso, a
invasão da América pelos europeus, a ascensão do capitalismo, o Iluminismo e a exaltação da
ciência e da racionalidade.
O projeto moderno atravessa os séculos XIX e XX com a sedimentação da valorização da ordem,
do planejamento e do controle (para a garantia da segurança), cujos marcos seriam a fábrica
fordista, a burocracia e o modelo panóptico de vigilância. A premissa dessa forma de
pensamento é que o futuro seria previsível ou administrável a partir do controle do presente. Por
isso, há uma necessidade por estruturas sociais estáveis. Essa forma de modernidade foi definida
por Bauman como “sólida”.

 Esquema do Panóptico de Jeremy Bentham

PANÓPTICO

A ideia de panóptico ficou conhecida a partir dos escritos de Michel Foucault (1926-1984), que se
inspirou na idealização de Jeremy Benthan (1748-1832) de uma penitenciária ideal, onde os
encarcerados podiam ser vistos sem verem o vigilante, portanto nunca sabendo quando e se eram
ou não vigiados. Panóptico (pan + óptico, sugerindo a ideia de múltiplos olhares) era o nome dado
à estrutura arquitetônica desse projeto penitenciário.

O termo “líquido”, por sua vez, surge quando a incerteza e a indeterminação entram em cena e
desestabilizam modelos e estruturas, fazendo com que eles não perdurem de modo satisfatório
para conseguirem se enraizar na sociedade. De acordo com Bauman, esse estágio fica mais
evidente no final do século XX, quando nada parece persistir. Vejamos traços dessa liquidez:

O laço social fica mais tênue com relações sem vínculos, persistência ou profundidade.

A insegurança produz o medo.

A temporalidade do “longo prazo” se desfaz diante do “curto prazo”.

Consequentemente, o progresso e a fé na história se deterioram.

Os Estados renunciam a seu papel de provedor de garantias, segurança, estabilidade,


cedendo lugar ao mercado via sucateamento e privatizações sistemáticas.

O trabalho se torna cada vez mais precário e os direitos trabalhistas são desmontados

A desintegração social é intensificada pela passagem do cidadão (politicamente engajado e


preocupado com os rumos do bem comum) para o indivíduo consumidor.

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Naturalmente, o processo de individualização está presente em toda história da modernidade,


mas, para o sociólogo polonês, diferentemente do que ocorria aos indivíduos na modernidade
sólida, que se agrupavam em torno de grandes narrativas, a incerteza na modernidade líquida
aprofunda a atomização das pessoas, minando qualquer possibilidade de mobilização coletiva em
torno de um propósito maior.
Além disso, ao invés de produzir um indivíduo mais autônomo, essa nova situação moderna
escancara a sua fragilidade: a contingência, a vulnerabilidade e a falta de narrativas capazes de
se opor ao modo de vida capitalista em sua forma neoliberal produzem um indivíduo incapaz de
controlar as situações sociais que permitem que ele possa se autoafirmar enquanto indivíduo
autônomo.

 Capa da 1ª Edição de Modernidade Líquida, de Zygmunt Bauman/figcaption>

Como podemos perceber, o espectro de mudanças apresentadas por Bauman é bastante amplo.
Por isso, as implicações da liquidez moderna presentes no livro seminal Modernidade Líquida
foram retrabalhadas e aprofundadas posteriormente em várias outras obras como, por exemplo, o
tema do medo diante das incertezas e inseguranças do mundo contemporâneo e seus efeitos,
como nas relações relações com o trabalho, a violência, a exclusão social etc.; o tema da
fragilidade dos vínculos afetivos; da mercantilização de todos os aspectos da vida e dos males do
consumo desmedido e da ubiquidade e normalização da vigilância e dos dispositivos de controle
sociais.

Diante de tantos aspectos, na tentativa de visualizar melhor as transições e a passagem da


modernidade sólida para a líquida, somos tentados a elaborar esquemas teóricos remetendo a
duplas de características, uma para cada época.
Modernidade sólida Modernidade líquida

Estruturas sociais estáveis Estruturas sociais instáveis

Produção Consumo

Liberalismo Neoliberalismo

Longo prazo Curto prazo

Coletividade Individualidade

Panóptico Autovigilância

Unidade Fragmentariedade

Rigidez Flexibilidade

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Entretanto, como o próprio Bauman ressalta no último prefácio escrito para a edição inglesa de
Modernidade Líquida, o dilema “solidez/liquidez” não deve ser pensado como uma dicotomia
ou uma superação de um pelo outro, mas como um vínculo dialético. Isso significa dizer que
a fluidez da nossa época também pode produzir uma vontade por estruturas mais sólidas, da
mesma forma que a busca pela solidez das estruturas foi o que desencadeou a sua própria
liquefação, como exemplarmente colocado na famosa frase de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich
Engels (1820-1895) em pleno século XIX, no contexto da Revolução Industrial: “Tudo o que é
sólido e estável se desmancha no ar.” (MARX; ENGELS, 2005).

DIALÉTICA HEGELIANA

Para o marxismo e o hegelianismo (e é preciso lembrar que Bauman é um autor marxista), a


dialética é um movimento da história e do pensamento humanos marcado por três momentos
sucessivos: tese, antítese (que contradiz a primeira) e síntese (resultado da resolução entre as
duas anteriores). A síntese é uma nova tese. Daí a infinitude desse movimento.

A COLONIZAÇÃO DO PÚBLICO
No decorrer de sua obra, Bauman não apenas costurou um complexo diagnóstico do nosso tempo
e seus problemas, mas também elaborou críticas contundentes ao atual estágio da modernidade.
Um dos principais objetos de sua análise são as transformações profundas no espaço público
acarretadas pelo individualismo, consumismo e pelas mudanças provocadas pelos meios de
comunicação eletrônicos e computacionais. É por conta disso que ele se torna um autor
incontornável para os estudos sobre a chamada cultura midiática.
Antes mesmo da publicação do livro Modernidade Líquida, Bauman já se mostrava preocupado
com o enfraquecimento da política nas sociedades contemporâneas. Com a emergência dessa
nova forma de modernidade, o sociólogo defendeu que o poder (no sentido da capacidade de
fazer coisas) foi separado definitivamente da política (entendida por Bauman como a
capacidade de decidir o que deve ser feito e com que prioridade).

Tal separação ocorreu, principalmente, porque a dimensão privada teria sufocado a esfera pública
(o espaço onde surgiriam e seriam discutidos os assuntos relevantes para a coletividade), o que
então foi acelerado pela mídia, particularmente a partir dos anos de 1980, como o próprio
sociólogo afirma em uma anedota contada durante uma entrevista. O indivíduo da modernidade
líquida considera o espaço público não mais “que uma tela gigante em que as aflições privadas
são projetadas sem cessar, sem deixarem de ser privadas ou adquirirem novas qualidades
coletivas no processo da ampliação: o espaço público é onde se faz a confissão dos segredos e
das intimidades privadas.” (BAUMAN, 2001).

Essa tomada do espaço público pelos interesses privados e a decorrente deterioração dos
interesses comuns foram intensificadas ainda mais a partir do surgimento das redes sociais e das
formas algorítmicas de comunicação. Essa é a base da sua crítica à necessária diferenciação
entre: redes e conexões X vínculo afetivo e social.
Essa crítica da colonização da esfera pública pela privada é acompanhada por uma tarefa ou
demanda de defesa do que resta de espaço público – o que Zygmunt Bauman buscou
incansavelmente ao manter uma presença constante no debate midiático, um verdadeiro ativismo
intelectual. Mais ainda, ele convoca as pessoas para “reequipar e repovoar o espaço público que
se esvazia rapidamente” por conta da retirada do “cidadão interessado” da esfera pública e da
“fuga do poder real para as redes eletrônicas.” (BAUMAN, 2001).

Bauman, portanto, conserva certo distanciamento em relação ao que haveria de benéfico com a
emergência de uma cultura midiática. Postura bem diferente à do nosso próximo autor, Gilles
Lipovetsky, que ganhou notabilidade por defender a equivalência dos aspectos positivos e
negativos do atual estágio sociocultural.

GILLES LIPOVETSKY E A
HIPERMODERNIDADE
Gilles Lipovetsky está entre os intelectuais mais influentes e mais discutidos por estudiosos da
cultura contemporânea. Isso se deve, particularmente, às suas ricas e controversas proposições
sobre individualismo, moda, luxo, mídia e consumo enquanto elementos constitutivos das
sociedades desenvolvidas.

GILLES LIPOVETSKY

Gilles Lipovetsky nasceu em 1944 na cidade de Millau, na França. Formado em Filosofia pela
Universidade de Grenoble, participou do movimento de maio de 1968, que exigia mudanças no
sistema educacional francês. A partir da década de 1980, ele passa a analisar a sociedade
contemporânea com base nas relações de consumo e no individualismo. Autor de vários livros,
Lipovetsky viaja o mundo como palestrante. Também esteve no Brasil em diversas ocasiões.
Atualmente, ele integra o Conselho de Análise da Sociedade, mantido pelo governo francês.

Assim como Bauman, inicialmente esse filósofo francês foi um dos teóricos do chamado
pensamento pós-moderno. Seus pressupostos eram semelhantes: as sociedades pós-modernas
eram caracterizadas pelo enfraquecimento da esfera pública e das grandes instituições e
narrativas coletivas, pelo aumento do consumo, pela expansão das mídias, pelo multiculturalismo
e por um intenso individualismo. Entretanto, as semelhanças são bem menores do que suas
diferenças.

A OBRA DE LIPOVETSKY PODE SER LIDA COMO UMA DEFESA


DO CAPITALISMO COMO O ÚNICO SISTEMA ECONÔMICO
LEGÍTIMO E DO INDIVIDUALISMO COMO O FUNDAMENTO DAS
SOCIEDADES DESENVOLVIDAS E A MELHOR POSSIBILIDADE
PARA A LIBERDADE E PARA A FELICIDADE.
Esses dois elementos ganhariam contornos mais definidos a partir das transformações sociais e
éticas, das mudanças nas formas da moda e do consumo, do culto ao luxo e da emergência das
novas mídias.

Ao contrário de Bauman, o individualismo ganha aspectos positivos na teoria de Lipovetsky, ou


seja, ele não é definido sob a chave do egoísmo ou da alienação em relação aos aspectos sociais
que constituem o indivíduo, mas sim com base na liberdade e na autodeterminação pessoal.
Assim, o individualismo é entendido a partir de um rompimento com a tradição e o passado, como
um desejo voltado ao futuro e ao bem-estar individual. (A moda seria o motor para essa
transformação da autonomia subjetiva).
Entretanto, como veremos a seguir, o pensamento de Lipovetsky não se esquiva dos problemas
acarretados pelas formas individualistas contemporâneas. Sua obra se constitui como uma
tentativa de escapar à mera exaltação ou ao pessimismo catastrófico em face das mudanças do
nosso tempo. Mais do que uma análise ou crítica, seu trabalho possui um acento descritivo. O
que, por sua vez, não significa uma neutralidade em relação aos fenômenos.

DA ERA DO VAZIO À HIPERMODERNIDADE


O primeiro livro de Gilles Lipovetsky a obter êxito internacional foi A era do vazio (2005), publicado
originalmente em 1983. No espírito da explosão do discurso pós-moderno, o autor observa uma
série de profundas transformações nas sociedades ocidentais, como a expansão do mercado
financeiro e da globalização, o declínio do bloco socialista e do antagonismo
capitalismo/socialismo, a absorção da gramática dos direitos humanos por várias constituições
nacionais, a emergência de demandas identitárias – para ficarmos com alguns exemplos.

É A PARTIR DESSE PANORAMA QUE LIPOVETSKY LANÇA O


PILAR DO SEU PENSAMENTO: A VALORIZAÇÃO DE UM
INDIVIDUALISMO DEMOCRÁTICO FORMADO POR E PARA UMA
SOCIEDADE MIDIÁTICA E DE CONSUMO E INSTITUÍDO PELO
LIBERALISMO ECONÔMICO E CULTURAL.
Em A era do vazio, o mercado e suas lógicas de sedução não constituem apenas um poder de
expropriação e engano, mas – e principalmente – concedem um aspecto fundamentalmente
emancipador, já que o indivíduo poderia se constituir enquanto tal a partir das transformações nos
estilos de vida e da possibilidade de escolhas proporcionadas pela revolução no consumo. Esse
fenômeno foi chamado de processo de personalização (ou seja, a dissolução da unidade das
opiniões e dos modos de vida) e seria responsável, como uma espécie de efeito colateral, pela
manutenção da ordem democrática a partir da pluralidade individual e subjetiva.

Com o passar dos anos, entretanto, Lipovetsky observa que esse processo intenso de
individualização baseado no consumo não apenas era paradoxal – no que diz respeito às suas
promessas e aos seus perigos – como não se caracterizou como um rompimento com a
modernidade (conforme queriam os defensores do pós-moderno).

Ao contrário, a nossa época seria marcada pela elevação do projeto da modernidade ao seu grau
máximo: o processo de modernização já não mais possui freios, a mercantilização e a
midiatização atingiram todos os aspectos da vida, a economia está cada vez mais
desregulamentada e o ímpeto tecno-científico está mais forte do que nunca, já que a
“modernidade ainda tinha contrapesos da tradição, de partidos revolucionários, da luta de classes,
o ideal de nação, a administração estatal de diversas atividades da vida econômica – isso agora
desapareceu.” (LIPOVETSKY; CHARLES, 2007).
Assim, o conceito vago e ambíguo de pós-moderno cedeu lugar ao de hipermodernidade. O
prefixo hiper expressa uma falta de alternativa ao culto da modernização. Não nos resta senão
acelerar, inovar, evoluir. Com a falta de contramodelos, tudo é absorvido pelo princípio
modernizante e pelas lógicas das mídias (hiperespetacularização) e do consumo (agora, definido
como hiperconsumo). E no centro dessas transformações está o hiperindividualismo.

O INDIVÍDUO PARADOXAL
O indivíduo da hipermodernidade é bipolar. Ele oscila entre extremos: ora prudente, ora
desregrado, ora independente, ora dependente, ora cultua a saúde, a higiene e o corpo, ora cede
ao excesso e ao consumo descontrolado. Ele é resultado de um paradoxo da hipermodernidade
que ao mesmo tempo em que valoriza a autonomia individual, aumenta a sua dependência
(econômica, política, financeira etc.).

O movimento ambíguo pode ser exemplificado na análise que Lipovetsky faz das redes sociais
enquanto espaços de desenvolvimento da identidade, o que ocorre não mais pela política ou
religião, mas por gostos culturais e afetos que estariam na base (hiper)hedonista e
(hiper)narcisista do hiperindividualismo – ambos considerados não apenas em seus aspectos
negativos, mas positivos, enquanto fomentadores das singularidades do indivíduo.

Esse paradoxo também se expressa na figura do hiperconsumidor, que o autor chama de


“consumator”, ou seja, ator/agente do consumo, com papel de supostamente ser menos
influenciado pelo mercado:
DE UM LADO, ESTE SE AFIRMA COMO UM
‘CONSUMATOR’, INFORMADO E ‘LIVRE’, QUE VÊ
SEU LEQUE DE ESCOLHAS AMPLIAR-SE, QUE
CONSULTA PORTAIS E COMPARADORES DE
CUSTO, APROVEITA AS PECHINCHAS DO LOW-
COST [BAIXO CUSTO], AGE PROCURANDO
OTIMIZAR A RELAÇÃO QUALIDADE/PREÇO. DO
OUTRO, OS MODOS DE VIDA, OS PRAZERES E OS
GOSTOS MOSTRAM-SE CADA VEZ MAIS SOB A
DEPENDÊNCIA DO SISTEMA MERCANTIL.

LIPOVETSKY, 2008.

Ao contrário de Bauman, cuja análise deságua numa crítica à modernidade líquida e aponta para
formas de resistência, Lipovetsky coloca a hipermodernidade e sua sociedade de hiperconsumo
como nossa única alternativa. Para ele, o mercado enquanto condutor das formas de vida em
sociedade se apresenta como a solução menos ruim por ser, “a mais bem adaptada a uma
sociedade de indivíduos reconhecidos como livres. O ‘antidesenvolvimento’ ou a sociedade de
decrescimento aparece como um modelo não apenas irrealista, mas também não desejável. Se é
verdade que ‘mais não é melhor’, não concluamos daí que ‘menos’ seja a solução dos nossos
males.” (LIPOVETSKY, 2008).

 SAIBA MAIS

Democracia sem freios?

Uma das principais críticas à obra de Gilles Lipovetsky se refere à forma com que ele faz uma
associação direta entre Estado democrático e sociedade de consumo/individualismo. Em seu livro
A sociedade de consumo, publicado em 1970, o pensador francês Jean Baudrillard (2008) já
criticava um processo de “personalização” submetido às seduções e demandas do mercado. Para
ele, a igualdade pelo consumo mascarava a ausência de democracia. Mais ainda: há o risco de se
confundir democracia com consumo. Esse pensamento de Baudrillard foi retomado pelo filósofo
Jacques Rancière para criticar a obra de Lipovetsky. Para Rancière, ao se eliminar a figura política
da democracia e ao identificar o cidadão ao consumidor, Lipovetsky reduziria a democracia
apenas a um estado de sociedade (RANCIÈRE, 2014, p. 25).

Acompanhe o debate dos professores Catharina Epprecht e Rodrigo Rainha sobre Gilles
Lipovetsky e Zygmunt Bauman.

VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2

 Identificar conceitos relativos à cibercultura e à cultura da convergência.

CIBERCULTURA E CONVERGÊNCIA
MIDIÁTICA
Assim como Bauman e Lipovetsky, outros autores, como Pierre Lévy e Henry Jenkins, analisam a
contemporaneidade, mas agora pensando a relação das pessoas com as mídias em rede. Assista!
PIERRE LÉVY E A CIBERCULTURA
O filósofo francês Pierre Lévy é um dos autores mais citados em estudos sobre mídias digitais e
as transformações sociais, culturais, epistemológicas e políticas provocadas pela expansão das
redes computacionais nas sociedades contemporâneas.

 O filósofo Pierre Lévy em evento realizado no Instituto CPFL de Cultura em comemoração aos
10 anos do lançamento do livro Cibercultura

PIERRE LÉVY

Pierre Lévy é um filósofo francês nascido na Tunísia (na época, uma colônia francesa) em 1956.
Professor da Universidade de Montreal e membro da Royal Fellow Society do Canadá, formou-se
na Universidade Sorbonne, em Paris. Em 1980, seu mestrado foi orientado por Michel Serres e,
em 1983, concluiu seu doutorado na renomada Escola de Estudos Avançados em Ciências
Sociais (EHESS).

Envoltas pelo ideário das promessas e potencialidades na alvorada das redes de computadores e
da propagação da internet, suas obras mais influentes foram publicadas principalmente durante a
última década do século passado: As tecnologias da inteligência, de 1990; A inteligência coletiva:
por uma antropologia do ciberespaço, lançado em 1994; Cibercultura, publicado em 1997; e, no
ano seguinte, O que é o virtual?. Esses livros foram traduzidos no Brasil pouco tempo depois e
são responsáveis pela popularização de conceitos como ciberespaço, inteligência coletiva,
virtualização, hipertexto, interfaces e ciberdemocracia, todos elementos constitutivos do que
Pierre Lévy definiu como cibercultura.

HÁ UMA PROXIMIDADE ENTRE OS ARGUMENTOS PÓS-


MODERNOS (ASSIM COMO OS LÍQUIDO-MODERNOS E
HIPERMODERNOS) E O CONCEITO DE CIBERCULTURA. COMO O
PRÓPRIO LÉVY AFIRMA, “A MULTIPLICIDADE E O
ENTRELAÇAMENTO RADICAL DAS ÉPOCAS, DOS PONTOS DE
VISTA E DAS LEGITIMIDADES, TRAÇO DISTINTIVO DO PÓS-
MODERNO, ENCONTRAM-SE NITIDAMENTE ACENTUADOS E
ENCORAJADOS NA CIBERCULTURA.” (LÉVY, 1999).
Entretanto, os críticos do projeto de totalização da modernidade e suas grandes narrativas não
haviam feito uma diferenciação que, de acordo com Lévy, constituiria a essência da cibercultura:
ela seria universal sem ser totalizante. Mas o que ele quer dizer com tudo isso?

CIBERCULTURA
Enquanto condicionantes do humano, as técnicas trazem consigo estruturas que afetam a cultura
e a sociedade de forma bastante diversa. As relações inter-humanas atuais são inevitavelmente
afetadas pela presença e pelo uso das redes digitais que, para Pierre Lévy, possuem uma lógica
universalizante. Com esse termo, ele quer ressaltar que toda a humanidade está potencialmente
presente e implicada por essas redes de computadores. Elas operam em um movimento de
expansão contínua que não cessará até que todos estejam potencialmente conectados a elas.
Entretanto, o sentido dessa universalização é sempre plural, ou seja, não há a imposição de uma
totalidade ou de uma significação central.

Lévy ainda afirma que o elemento sine qua non para essa forma cultural universal – mesmo que
descentrada – é a participação no ciberespaço. É daí que deriva o neologismo “cibercultura”.
Assim, nas palavras do próprio autor, o conceito de cibercultura caracteriza, então, o “conjunto de
técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores,
que se desenvolve juntamente com o crescimento do ciberespaço.” (LÉVY, 1999). Mas ainda nos
vemos presos a um outro conceito que necessita de uma rápida clarificação: afinal, o que é o
ciberespaço?

CIBERESPAÇO
O termo ciberespaço parece ter saído de uma ficção científica. E, na verdade, é isso mesmo. Sua
popularização é creditada ao livro Neuromancer, do escritor norte-americano William Gibson,
publicado em 1984. Essa palavra foi usada para descrever uma rede de computadores cuja
conexão se dava diretamente no sistema neural dos usuários. Nas palavras do escritor:
 Capa da 1ª edição de Neuromancer, de William Gibson.

WILLIAM GIBSON

Embora a palavra tenha sido usada anteriormente pelo próprio Gibson em seu livro Burning
Chrome, publicado em 1982, Neuromancer é sua obra mais conhecida e, por isso, a
popularização do termo é atribuída a ela.

CIBERESPAÇO. UMA ALUCINAÇÃO CONSENSUAL


VIVENCIADA DIARIAMENTE POR BILHÕES DE
OPERADORES AUTORIZADOS, EM TODAS AS
NAÇÕES, POR CRIANÇAS QUE ESTÃO
APRENDENDO CONCEITOS MATEMÁTICOS... UMA
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DE DADOS
ABSTRAÍDOS DOS BANCOS DE TODOS OS
COMPUTADORES DO SISTEMA HUMANO. UMA
COMPLEXIDADE IMPENSÁVEL. LINHAS DE LUZ
ALINHADAS NO NÃO ESPAÇO DA MENTE,
AGLOMERADOS E CONSTELAÇÕES DE DADOS.
COMO LUZES DA CIDADE, SE AFASTANDO...

GIBSON, 2016.

Já Pierre Lévy (1999) faz uso desse termo para definir o novo meio de comunicação que surge da
interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura material
da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele abriga, assim
como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Assim, não somente a web,
como todas as redes computacionais (financeiras, governamentais etc.) carregariam, enquanto
tecnologias da cibercultura, aspectos não apenas descentralizadores, mas também participativos,
socializantes e, em última instância, cognitivos e emancipadores.

WEB

A World Wide Web (WWW) é um sistema de informações em que seus recursos são interligados
por hipertextos acessíveis pela internet e identificados por Localizadores de Recursos Uniformes
(URLs).

INTELIGÊNCIA COLETIVA
Pierre Lévy defende que o ciberespaço fornece um ambiente perfeito para o desenvolvimento
daquilo que ele chamou de inteligência coletiva. E quanto mais a rede de computadores se
expande, maior o potencial dessa inteligência interconectada.
A disponibilidade ubíqua dos mais diversos conteúdos no ciberespaço não seria livre de fatores
negativos: o isolamento e excesso de informação, a dependência, as tendências monopolistas de
controle, a exploração do trabalho remoto e vigiado, bem como a “bobagem coletiva”. Entretanto,
podemos afirmar que, no final da década de 1990, Lévy permanecia bastante otimista com as
possibilidades da internet. Ele acreditava que seria uma questão de tempo para que as mentes e
ideias interconectadas produzissem coletivamente soluções para os diversos problemas da
humanidade.

Com o conceito de inteligência coletiva, Lévy não quer descrever a constituição de um imenso
“cérebro” humano, mas apontar para o fato de que o ciberespaço tende a guardar potencialmente
em si todo tipo de conhecimento.

O VIRTUAL
A ideia de potencialidade está intrinsicamente associada ao conceito de virtual. Como defende
Pierre Lévy, o virtual não deve ser entendido como algo que se opõe ao real, mas ao atual. É algo
que existe em potência e é atualizado ao ser acessado. O virtual, portanto, seria um real que
ainda não foi manifestado – um exemplo: toda planta existe virtualmente em sua semente.
UM MUNDO VIRTUAL, NO SENTIDO AMPLO, É UM
UNIVERSO DE POSSÍVEIS, CALCULÁVEIS A
PARTIR DE UM MODELO DIGITAL. AO INTERAGIR
COM O MUNDO VIRTUAL, OS USUÁRIOS O
EXPLORAM E O ATUALIZAM SIMULTANEAMENTE.
QUANDO AS INTERAÇÕES PODEM ENRIQUECER
OU MODIFICAR O MODELO, O MUNDO VIRTUAL
TORNA-SE UM VETOR DE INTELIGÊNCIA E
CRIAÇÃO COLETIVAS.

LÉVY, 1999.

Essa experiência pode ser verificada concretamente no uso cotidiano de tecnologias digitais. Por
exemplo, todas as fotos armazenadas no seu celular estão virtualmente lá até o momento em que
você as atualiza na tela do dispositivo.

CRÍTICAS
A obra de Pierre Lévy possui tanto defensores quanto críticos. Entre as críticas mais frequentes
está a desconsideração dos aspectos econômicos e ideológicos das tecnologias digitais. Para
alguns autores, por exemplo, houve, a partir dos anos 1990, uma associação entre cibernética e
neoliberalismo que deveria ser exposta e discutida. Por exemplo, os teóricos da mídia Richard
Barbrook e Andy Cameron, sem citar diretamente Pierre Lévy, publicaram em 1995 o ensaio A
ideologia californiana para denunciar o que eles chamaram de “neoliberalismo pontocom”,
propagado pelas empresas de tecnologias da informação da região do Vale do Silício. Segundo
eles, os gurus e exaltadores do digital consideram que apenas o fluxo cibernético do livre mercado
e das comunicações globais são capazes de determinar o futuro e livrar o capitalismo de suas
crises.

Outra crítica frequente ao trabalho de Pierre Lévy diz respeito às formas neutras que os seus
conceitos assumem, sem levar em consideração realidades concretas com seus atritos, suas
desigualdades e seus desafios.

CRÍTICA ÀS FORMAS NEUTRAS DOS CONCEITOS


DE PIERRE LÉVY

É nessa linha que argumenta a socióloga holandesa Saskia Sassen em relação ao conceito de
inteligência coletiva. O Explore+ traz a indicação de um vídeo em que a socióloga expõe essa
crítica.

ENTRETANTO, MESMO SENDO ALVO DE DURAS CRÍTICAS, O


APARATO CONCEITUAL DESENVOLVIDO POR PIERRE LÉVY É
FUNDAMENTAL NÃO APENAS PARA DESCREVER O NOVO
CENÁRIO MIDIÁTICO COM A EMERGÊNCIA DAS TECNOLOGIAS
DIGITAS, MAS TAMBÉM PARA COMPREENDER OS DESAFIOS
IMPOSTOS PELA CULTURA MIDIÁTICA.

HENRY JENKINS E A CULTURA DA


CONVERGÊNCIA
Assim como Pierre Lévy, o nosso último autor também está entre os intelectuais que permanecem
otimistas quanto aos efeitos dos usos das tecnologias digitais de informação e comunicação nas
sociedades contemporâneas. O teórico da mídia Henry Jenkins alcançou grande reconhecimento
internacional na última década (e não apenas nos meios acadêmicos, mas também entre públicos
não especializados), particularmente depois do lançamento do seu livro Cultura da Convergência,
publicado em 2006, cujo subtítulo em inglês é: “onde colidem as velhas e as novas mídias”.
HENRY JENKINS

Henry Jenkins nasceu em 1958 em Atlanta, nos Estados Unidos. Formado na Universidade do
Estado da Georgia em Ciências Políticas e Jornalismo, Jenkins possui mestrado e doutorado em
Ciências da Comunicação. Em 1993, fundou o programa de Estudos de Mídia Comparada no
renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que coordenou até 2009. Atualmente, é
professor da Escola de Comunicação e Jornalismo (Annenberg School for Communication and
Journalism) da Universidade do Sul da Califórnia.

Como sugere o próprio título do seu livro mais famoso, Jenkins afirma que vivemos em uma era
de transição, em uma cultura da convergência: de diferentes suportes, linguagens, estilos, gostos,
formatos, de convergência entre os papéis de consumidor e produtor de mídia, entre as
produtoras e o púbico, entre os emissores e os receptores, entre a mídia mainstream e a mídia
alternativa, entre os meios digitais e analógicos.

MAINSTREAM
A mídia comercial ou grande mídia.

Assim, o conceito de convergência pode ser entendido como convivência e implicação mútua dos
meios de comunicação e expressão. Ao contrário do que previram os primeiros teóricos ou “gurus”
da cultura digital, como Nicholas Negroponte, por exemplo, a mera substituição das mídias
analógicas pelas digitais não foi concretizada, muito menos houve a convergência de vários
suportes em apenas um (como o computador e sua lógica digital que universalizaria todas as
linguagens). Trata-se antes de uma mudança cultural.

PARA JENKINS, AS MÍDIAS NÃO SÃO SIMPLES SUPORTES OU


MEIOS DE DISTRIBUIÇÃO. ELE EMPREGA A DISTINÇÃO DA
HISTORIADORA DAS MÍDIAS LISA GITELMAN, QUE CONSIDERA
OS MEIOS COMO “PROTOCOLOS” DE PRÁTICAS SOCIAIS,
CULTURAIS, ECONÔMICAS, POLÍTICAS ETC. ASSIM, AS MÍDIAS
CONFORMAM PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS QUE PERDURAM
NO TEMPO, NÃO DESAPARECENDO COM A MERA
INTRODUÇÃO DE UM NOVO SUPORTE (O RÁDIO SOBREVIVEU
AO CINEMA, ESTE À TV, TODOS ELES À INTERNET ETC.).
Portanto, a convergência vai além das evoluções técnicas, ela “altera a relação entre tecnologias
existentes, indústrias, mercados, gêneros e públicos. A convergência altera a lógica pela qual a
indústria midiática opera e pela qual os consumidores processam a notícia e o entretenimento.”
(JENKINS, 2009).

O que muda, com isso, são as posições e funções das tecnologias anteriores – algumas ganham
status de culto, outras acabam atendendo a necessidades mais específicas. E isso podemos
perceber facilmente em nosso cotidiano: vinis convivem com CDs e com plataformas digitais de
música, filmes fotográficos ainda são revelados, a TV absorveu algumas funções do computador
etc. É por isso que as maiores transformações da cultura da convergência podem ser verificadas
nas práticas midiáticas de consumo e produção: “A maior mudança talvez seja a substituição do
consumo individualizado e personalizado pelo consumo como prática interligada em rede.”
(JENKINS, 2009).
De um lado, seguindo a mesma linha de Lipovetsky (mesmo que não o cite em seu livro), Jenkins
descreve a cultura da convergência como uma via de mão dupla positiva entre produtores e
consumidores. A indústria de mídia e entretenimento não apenas se beneficiaria com a criação de
múltiplas formas de vender seus produtos, mas os consumidores também estimulariam as formas
de produção, fosse por meio da apropriação e ressignificação dos objetos ou por meio das
comunidades de fãs que demandariam ou mesmo criariam outros objetos midiáticos a partir dos
originais.
De outro lado, desta vez apoiado no pensamento de Pierre Lévy (citado frequentemente em seus
trabalhos), as novas formas de participação e colaboração teriam sido intensificadas pela
emergência das redes digitais, responsáveis pela distribuição de fontes alternativas de poder e de
decisão, em outras palavras, as tecnologias computacionais forneceriam as ferramentas técnicas
necessárias para que o consumidor conseguisse controlar suas escolhas e afirmar as suas
preferências.

Para dar conta da sua concepção de uma cultura da convergência e fundamentar seus
argumentos, Jenkins lança mão de três conceitos: inteligência coletiva, cultura participativa e
transmídia.

INTELIGÊNCIA COLETIVA
Amparado no termo cunhado por Pierre Lévy, Jenkins se apropria do conceito de inteligência
coletiva para descrever o consumo como um processo coletivo. É como se o princípio de fóruns
digitais ou da Wikipédia fosse aplicado para entender as práticas de consumo midiático. É a partir
da constituição de um grande caleidoscópio no qual cada um contribui em uma pequena peça
que, unidas, são capazes de redefinir as formas de produção: “A inteligência coletiva pode ser
vista como uma fonte alternativa de poder midiático.” (JENKINS, 2009). A inteligência coletiva vai
ao encontro de uma cultura da participação que, no olhar de Jenkins, desafia as mídias
tradicionais.

CULTURA PARTICIPATIVA E O CONCEITO DE


TRANSMÍDIA
O conceito de cultura participativa foi sendo elaborando por Jenkins ao longo de todo seu trabalho,
desde suas primeiras pesquisas sobre a cultura de fãs, publicadas nos livros Textual Poachers:
Television Fans & Participatory Culture, de 1992, e Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring
Participatory Culture, de 2006.

Nessas obras, ele descreve as trajetórias de comunidades que começaram a produzir e


compartilhar produtos midiáticos a partir de uma obra cultuada, como os fãs de Star Wars ou Star
Trek. Em Cultura da Convergência, o autor se vale de exemplos de reality shows, séries e filmes,
como Matrix e Harry Potter.

O efeito da cultura participativa é a diversidade e a suposta quebra de monopólios, pois a


produção dos entusiastas não é incitada pela monetarização, mas pelo desejo de contar histórias
e de compartilhar seus gostos e suas paixões. Por isso que, para Jenkins, os debates sobre
inclusão e redes digitais não podem só levar em consideração o acesso, mas também – e
principalmente – a participação efetiva dos usuários nessas redes.
Já o conceito de transmídia é a forma narrativa da cultura da convergência. Ela é o resultado da
cultura participativa, da interação entre produtores e consumidores midiáticos. Ela ocorre
enquanto complemento, ou seja, quando determinada narrativa transborda pelos mais diversos
suportes, criando inclusive uma nova estética, “uma estética que faz novas exigências aos
consumidores e depende da participação ativa de comunidades de conhecimento.” (JENKINS,
2009). Ainda nas palavras do próprio Jenkins:

CITAÇÃO

A NARRATIVA TRANSMIDIÁTICA É A ARTE DA


CRIAÇÃO DE UM UNIVERSO. PARA VIVER UMA
EXPERIÊNCIA PLENA NUM UNIVERSO
FICCIONAL, OS CONSUMIDORES DEVEM
ASSUMIR O PAPEL DE CAÇADORES E
COLETORES, PERSEGUINDO PEDAÇOS DA
HISTÓRIA PELOS DIFERENTES CANAIS,
COMPARANDO SUAS OBSERVAÇÕES COM AS DE
OUTROS FÃS, EM GRUPOS DE DISCUSSÃO
ONLINE, E COLABORANDO PARA ASSEGURAR
QUE TODOS OS QUE INVESTIRAM TEMPO E
ENERGIA TENHAM UMA EXPERIÊNCIA DE
ENTRETENIMENTO MAIS RICA.

JENKINS, 2009.

Um exemplo clássico desse conceito é a franquia de ficção científica Matrix, criada pelas irmãs
Wachowski, que abrange três filmes de longa-metragem, uma série de animes, histórias em
quadrinhos e videogames. Esse mesmo fenômeno pode ser observado em diversos outros filmes,
séries e videogames, como: O Senhor dos Anéis, Star Wars, Game of Thrones, Final Fantasy etc.

CRÍTICAS
Assim como ocorreu com Pierre Lévy, a obra de Henry Jenkins suscitou um intenso debate sobre
o alcance e a validade dos seus conceitos. Em 2011, os teóricos James Hay e Nick Couldry
editaram um dossiê dedicado à cultura da convergência para o jornal acadêmico Cultural Studies.
Com o título Rethinking Convergence/Culture, o dossiê apresenta um conjunto abrangente de
posicionamentos teóricos em face da teoria de Jenkins. Entre algumas das principais críticas
estão:
A ênfase excessiva no potencial participativo dos usuários.

Uma associação menos problemática entre mobilização de fãs e participação política.

Uma visão excessivamente otimista da contribuição democrática da convergência.

A falta de considerações sobre a lógica inerentemente corporativa e neoliberal da


convergência.

Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal

VERIFICANDO O APRENDIZADO

CONCLUSÃO

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutimos neste tema algumas das principais contribuições de Zygmunt Bauman, Gilles
Lipovetsky, Pierre Lévy e Henry Jenkins para a constituição de um quadro teórico capaz de nos
ajudar a compreender o atual estágio da cultura midiática nas sociedades contemporâneas. Foram
quatro formas distintas de descrever o nosso tempo.
Para além de suas afinidades e diferenças, da questão de saber qual seria a mais pertinente para
analisar o nosso Zeitgeist, do problema da ruptura ou continuidade em relação aos debates
modernos e pós-modernos, todos os conceitos e as teorias apresentados aqui servem para afinar
a nossa sensibilidade e o nosso intelecto para as características mais singulares do nosso
momento histórico. Por isso, eles são necessários não apenas para indicar caminhos conceituais
a serem trilhados, mas também para nos ajudar a encontrar novos objetos de estudo e novas
formas de criação.

 PODCAST
Agora, os professores Catharina Epprecht e Rodrigo Rainha encerram o tema falando sobre
contemporaneidade e mídia.

AVALIAÇÃO DO TEMA:

REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 2008.

BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Tradução: Mário Gama; Tradução: Cláudia


Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Zahar, 1999.

BAUMAN, Z. Em busca da política. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.

BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BAUMAN, Z. Ética pós-moderna. Tradução: João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 2003.

BAUMAN, Z. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução: Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.

BAUMAN, Z. Medo líquido. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Tradução: Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

BAUMAN, Z. Vigilância líquida. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.

GIBSON, W. Neuromancer. Tradução: Fábio Fernandes. 5. ed. São Paulo: Editora Aleph, 2016.

JENKINS, H. Cultura da convergência. Tradução: Susana Alexandria. Edição: Nova Edição-


Ampliada e atualizada ed. São Paulo: Editora Aleph, 2009.

LÉVY, P. Cibercultura. Tradução: Carlos Irineu Da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.

LIPOVETSKY, G. Metamorfoses da cultura liberal: ética, mídia e empresa. Tradução: Juremir


Machado Da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2004.

LIPOVETSKY, G. A era do vazio: ensaios sobre o individualismo contemporâneo. Tradução:


Thereza Monteiro Deutsch. São Paulo: Manole, 2005.

LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.


Tradução: Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2007a.

LIPOVETSKY, G. A sociedade da decepção. Tradução: Armando Braio Ara. Barueri: Manole,


2007b.

LIPOVETSKY, G. A felicidade paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. Tradução:


Maria Lucia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.

LIPOVETSKY, G.; CHARLES, S. Os tempos hipermodernos. Tradução: Mário Vilela. São Paulo:
Barcarolla, 2007.

LIPOVETSKY, G.; ROUX, E. O luxo eterno. Tradução: Maria Lucia Machado. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.

MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto comunista. Tradução: Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2005.

RANCIÈRE, J. O ódio à democracia. Tradução: Mariana Echalar. São Paulo: Boitempo Editorial,
2014.
EXPLORE+
Além das obras referenciadas neste tema – e que, em sua maioria, por terem sido escritas a um
grande público, apresentam uma leitura agradável e elucidativa – selecionamos alguns vídeos
com os autores mencionados para que você possa ter contato com as pessoas que estão
escondidas atrás das linhas e dos constructos teóricos apresentados em seus livros.

Zygmunt Bauman

Por ser um autor celebrado no Brasil, há muitas entrevistas concedidas por Bauman a veículos de
comunicação nacionais. Destacamos a conversa que ele teve com jornalista Alberto Dines, para o
Observatório da Imprensa, disponível na internet e intitulada de Observatório da Imprensa
entrevista o sociólogo Zygmunt Bauman.

Também recomendamos que pesquise em seu navegador e assista aos seguintes vídeos:

Zygmunt Bauman – A amizade Facebook

Zygmunt Bauman – O que é pós-modernidade?

Gilles Lipovetsky

Para saber mais sobre as posições do filósofo em relação à liberdade e ao indivíduo, confira o
documentário português O Valor da Liberdade, produzido pela Fundação Francisco Manuel dos
Santos.

Também sugerimos que pesquise em seu navegador e assista aos seguintes vídeos:

Gilles Lipovetsky – O que é “individualismo” afinal?

Gilles Lipovetsky – A identidade na era Facebook

Pierre Lévy

Assim como Bauman e Lipovetsky, Lévy é um filósofo que veio em diversas ocasiões ao Brasil. Há
várias entrevistas concedidas a veículos nacionais, mas destacamos aqui uma entrevista
concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2001, ainda no calor do lançamento das
suas obras mais relevantes. Pesquise em seu navegador e assista!
Outros vídeos para se aprofundar nos conceitos trabalhados por esse filósofo são:

Pierre Lévy – Inteligência coletiva na prática

Pierre Lévy – O que é o virtual?

Pierre Lévy – A internet não é exatamente o que você pensa

Henry Jenkins

Para ouvir o próprio Jenkins dando uma aula sobre seu conceito de cultura participativa,
recomendamos sua palestra durante uma TEDx-Talk em 2010, intitulada TEDxNYED – Henry
Jenkins – 03/06/10.

Para saber mais sobre o poder da mídia em um mundo transmidiático do século XXI, assista ao
vídeo Jenkins falando de Cultura da Convergência.

Para compreender a crítica de Saskia Sassen a Jenkins, assista ao vídeo Saskia Sassen – As
contradições da inteligência coletiva.

Para se aprofundar mais neste tema, recomendamos a leitura dos seguintes livros:

BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução: Plínio Dentzien.
Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,
2005.

BAUMAN, Z. Vida para consumo: A transformação das pessoas em mercadoria. Tradução:


Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.

GITELMAN, L. Always Already New: Media, History, and the Data of Culture. Cambridge, Mass.
Londres: The MIT Press, 2008.

JENKINS, H. Textual Poachers: Television Fans & Participatory Culture. Nova York: Routledge,
1992.

JENKINS, H. Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring Participatory Culture. Nova York: NYU
Press, 2006.

LEVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução: Luiz Paulo
Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
LÉVY, P. As tecnologias da inteligência: o Futuro do Pensamento na era da Informática.
Tradução: Carlos Irineu Da Costa. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.

LÉVY, P. O que é o virtual? Tradução: Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.

LYOTARD, J. F. A condição pós-moderna. Tradução: Ricardo Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro:


José Olympio, 1998.

SANTOS, J. F. O que é pós-moderno. São Paulo: Brasiliense, 1994.

TEDX-TALK

TED é uma organização midiática norte-americana sem fins lucrativos dedicada à disseminação
de ideias, o que geralmente se dá na forma de palestras curtas. Fundada em 1984, a TED
começou organizando conferências sobre Tecnologia, Entretenimento e Design (daí o acrônimo do
nome). Atualmente, as conferências abrangem diversos tópicos. Já os eventos TEDx são
independentes e podem ser organizados por qualquer pessoa ou instituição desde que obtenha
uma licença gratuita da TED e que concorde em seguir certas diretrizes como, por exemplo, o
formato das palestras.

CONTEUDISTA
Maurício Augusto Pimentel Liesen Nascimento

 CURRÍCULO LATTES

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