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PROPÓSITO
Discutir a relevância das obras de Zygmunt Bauman, Gilles Lipovetsky, Pierre Lévy e Henry
Jenkins na descrição da cultura midiática contemporânea para compreender os paradoxos do
individualismo (hiper)moderno em face das atuais tecnologias de informação e comunicação.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
MÓDULO 2
Abordaremos neste tema as contribuições de quatro autores que investigaram o Zeitgeist dos
nossos tempos. Em comum, todos eles se dispuseram a identificar e analisar aquilo que é
característico e mais particular na mentalidade, nos comportamentos e nas condições técnicas
e materiais das sociedades contemporâneas. Seus estudos tratam das transformações
socioculturais, técnicas e econômicas ocorridas, principalmente, a partir da segunda metade do
século passado e que, especialmente durante as décadas de 1980 e 1990, foram colocadas
debaixo de um guarda-chuva conceitual chamado pós-moderno.
ZEITGEIST
A criação do termo é atribuída ao poeta e filósofo Johann Gottfried Herder (1744-1803), que
utilizou a palavra pela primeira vez num livro publicado em 1769. Mas sua popularização
ocorreu cerca de vinte anos depois, no período pós-Revolução Francesa, ao ser empregada
por outros escritores e filósofos, como Goethe (1749-1832) e Hegel (1770-1831).
PÓS-MODERNIDADE
MÓDULO 1
ZYGMUNT BAUMAN
Zygmunt Bauman (1925-2017) foi um sociólogo polonês de origem judaica. Ele teve de se
refugiar com sua família na então União Soviética quando os nazistas invadiram a Polônia em
1939. Após o término da Segunda Guerra, Bauman se formou em Sociologia na Universidade
de Varsóvia, onde posteriormente passou a lecionar. Em 1971, ele recebeu uma cátedra em
Sociologia na Universidade de Leeds, Inglaterra, ocupando-a até 1990. Bauman continuou
vivendo em Leeds como professor emérito e nesse período escreveu suas principais obras e
manteve influente presença no debate público até sua morte.
Durante mais de quarenta anos, Bauman trabalhou para compreender e descrever seu tempo
presente. Inicialmente, suas proposições continuaram e ampliaram o debate iniciado por Jean-
François Lyotard (1924-1998), isto é, em um primeiro momento seus trabalhos (Mal-estar na
pós-modernidade e Ética pós-moderna) orbitavam em torno daquilo que seria definido como a
pós-modernidade. Posteriormente, ele passou a considerar o termo pós-moderno insuficiente
para descrever a situação sociocultural no final da década de 1990.
TELOS
Telos (do grego τέλος) é um termo filosófico que significa objetivo final, ou mesmo “razão de
ser”. Esse conceito está presente na concepção de teleologia, uma defesa, ou crença, em que
os movimentos humanos (a história ou a existência, por exemplo) existem para um fim.
Importantes doutrinas filosóficas, como o aristotelismo e o hegelianismo, organizam seus
pensamentos pela teleologia.
NEOLIBERALISMO
A mentalidade neoliberal pode ser definida pela exaltação do papel do setor privado para a
condução da economia por meio de privatizações, austeridade econômica, desregulamentação
do mercado, livre comércio e retraimento do Estado em face do provimento de serviços
essenciais (como saúde, educação e previdência social).
O nome dado por Bauman para esse outro estágio social foi modernidade líquida, um
conceito consagrado no livro homônimo publicado originalmente em inglês em 2000. Mas, para
compreendermos melhor o que esse termo significa, é necessário observar seus contrastes
com uma outra forma de modernidade, definida por Bauman como “sólida”.
DO SÓLIDO AO LÍQUIDO
A modernidade se estabelece em contraste com a tradição. Historicamente, ela marca o
abandono das estruturas da Idade Média e a sedimentação de outros fundamentos
inteiramente diferentes como, por exemplo: a formação dos Estados nacionais, a crescente
urbanização, a perda do monopólio das religiões para a orientação e o sentido das sociedades,
o processo de individualização e suas técnicas (letramento, imprensa etc.), o surgimento da
ideia de progresso, a invasão da América pelos europeus, a ascensão do capitalismo, o
Iluminismo e a exaltação da ciência e da racionalidade.
A ideia de panóptico ficou conhecida a partir dos escritos de Michel Foucault (1926-1984), que
se inspirou na idealização de Jeremy Benthan (1748-1832) de uma penitenciária ideal, onde os
encarcerados podiam ser vistos sem verem o vigilante, portanto nunca sabendo quando e se
eram ou não vigiados. Panóptico (pan + óptico, sugerindo a ideia de múltiplos olhares) era o
nome dado à estrutura arquitetônica desse projeto penitenciário.
O termo “líquido”, por sua vez, surge quando a incerteza e a indeterminação entram em cena e
desestabilizam modelos e estruturas, fazendo com que eles não perdurem de modo satisfatório
para conseguirem se enraizar na sociedade. De acordo com Bauman, esse estágio fica mais
evidente no final do século XX, quando nada parece persistir. Vejamos traços dessa liquidez:
O laço social fica mais tênue com relações sem vínculos, persistência ou profundidade.
O trabalho se torna cada vez mais precário e os direitos trabalhistas são desmontados
A desintegração social é intensificada pela passagem do cidadão (politicamente
engajado e preocupado com os rumos do bem comum) para o indivíduo consumidor.
Além disso, ao invés de produzir um indivíduo mais autônomo, essa nova situação moderna
escancara a sua fragilidade: a contingência, a vulnerabilidade e a falta de narrativas capazes
de se opor ao modo de vida capitalista em sua forma neoliberal produzem um indivíduo
incapaz de controlar as situações sociais que permitem que ele possa se autoafirmar enquanto
indivíduo autônomo.
Produção Consumo
Liberalismo Neoliberalismo
Coletividade Individualidade
Panóptico Autovigilância
Unidade Fragmentariedade
Rigidez Flexibilidade
DIALÉTICA HEGELIANA
A COLONIZAÇÃO DO PÚBLICO
No decorrer de sua obra, Bauman não apenas costurou um complexo diagnóstico do nosso
tempo e seus problemas, mas também elaborou críticas contundentes ao atual estágio da
modernidade. Um dos principais objetos de sua análise são as transformações profundas no
espaço público acarretadas pelo individualismo, consumismo e pelas mudanças provocadas
pelos meios de comunicação eletrônicos e computacionais. É por conta disso que ele se torna
um autor incontornável para os estudos sobre a chamada cultura midiática.
Antes mesmo da publicação do livro Modernidade Líquida, Bauman já se mostrava preocupado
com o enfraquecimento da política nas sociedades contemporâneas. Com a emergência dessa
nova forma de modernidade, o sociólogo defendeu que o poder (no sentido da capacidade de
fazer coisas) foi separado definitivamente da política (entendida por Bauman como a
capacidade de decidir o que deve ser feito e com que prioridade).
Tal separação ocorreu, principalmente, porque a dimensão privada teria sufocado a esfera
pública (o espaço onde surgiriam e seriam discutidos os assuntos relevantes para a
coletividade), o que então foi acelerado pela mídia, particularmente a partir dos anos de 1980,
como o próprio sociólogo afirma em uma anedota contada durante uma entrevista. O indivíduo
da modernidade líquida considera o espaço público não mais “que uma tela gigante em que as
aflições privadas são projetadas sem cessar, sem deixarem de ser privadas ou adquirirem
novas qualidades coletivas no processo da ampliação: o espaço público é onde se faz a
confissão dos segredos e das intimidades privadas.” (BAUMAN, 2001).
Essa tomada do espaço público pelos interesses privados e a decorrente deterioração dos
interesses comuns foram intensificadas ainda mais a partir do surgimento das redes sociais e
das formas algorítmicas de comunicação. Essa é a base da sua crítica à necessária
diferenciação entre: redes e conexões X vínculo afetivo e social.
Essa crítica da colonização da esfera pública pela privada é acompanhada por uma tarefa ou
demanda de defesa do que resta de espaço público – o que Zygmunt Bauman buscou
incansavelmente ao manter uma presença constante no debate midiático, um verdadeiro
ativismo intelectual. Mais ainda, ele convoca as pessoas para “reequipar e repovoar o espaço
público que se esvazia rapidamente” por conta da retirada do “cidadão interessado” da esfera
pública e da “fuga do poder real para as redes eletrônicas.” (BAUMAN, 2001).
Bauman, portanto, conserva certo distanciamento em relação ao que haveria de benéfico com
a emergência de uma cultura midiática. Postura bem diferente à do nosso próximo autor, Gilles
Lipovetsky, que ganhou notabilidade por defender a equivalência dos aspectos positivos e
negativos do atual estágio sociocultural.
GILLES LIPOVETSKY E A
HIPERMODERNIDADE
Gilles Lipovetsky está entre os intelectuais mais influentes e mais discutidos por estudiosos
da cultura contemporânea. Isso se deve, particularmente, às suas ricas e controversas
proposições sobre individualismo, moda, luxo, mídia e consumo enquanto elementos
constitutivos das sociedades desenvolvidas.
GILLES LIPOVETSKY
Gilles Lipovetsky nasceu em 1944 na cidade de Millau, na França. Formado em Filosofia pela
Universidade de Grenoble, participou do movimento de maio de 1968, que exigia mudanças no
sistema educacional francês. A partir da década de 1980, ele passa a analisar a sociedade
contemporânea com base nas relações de consumo e no individualismo. Autor de vários livros,
Lipovetsky viaja o mundo como palestrante. Também esteve no Brasil em diversas ocasiões.
Atualmente, ele integra o Conselho de Análise da Sociedade, mantido pelo governo francês.
Assim como Bauman, inicialmente esse filósofo francês foi um dos teóricos do chamado
pensamento pós-moderno. Seus pressupostos eram semelhantes: as sociedades pós-
modernas eram caracterizadas pelo enfraquecimento da esfera pública e das grandes
instituições e narrativas coletivas, pelo aumento do consumo, pela expansão das mídias, pelo
multiculturalismo e por um intenso individualismo. Entretanto, as semelhanças são bem
menores do que suas diferenças.
Com o passar dos anos, entretanto, Lipovetsky observa que esse processo intenso de
individualização baseado no consumo não apenas era paradoxal – no que diz respeito às suas
promessas e aos seus perigos – como não se caracterizou como um rompimento com a
modernidade (conforme queriam os defensores do pós-moderno).
Ao contrário, a nossa época seria marcada pela elevação do projeto da modernidade ao seu
grau máximo: o processo de modernização já não mais possui freios, a mercantilização e a
midiatização atingiram todos os aspectos da vida, a economia está cada vez mais
desregulamentada e o ímpeto tecno-científico está mais forte do que nunca, já que a
“modernidade ainda tinha contrapesos da tradição, de partidos revolucionários, da luta de
classes, o ideal de nação, a administração estatal de diversas atividades da vida econômica –
isso agora desapareceu.” (LIPOVETSKY; CHARLES, 2007).
O INDIVÍDUO PARADOXAL
O indivíduo da hipermodernidade é bipolar. Ele oscila entre extremos: ora prudente, ora
desregrado, ora independente, ora dependente, ora cultua a saúde, a higiene e o corpo, ora
cede ao excesso e ao consumo descontrolado. Ele é resultado de um paradoxo da
hipermodernidade que ao mesmo tempo em que valoriza a autonomia individual, aumenta
a sua dependência (econômica, política, financeira etc.).
O movimento ambíguo pode ser exemplificado na análise que Lipovetsky faz das redes sociais
enquanto espaços de desenvolvimento da identidade, o que ocorre não mais pela política ou
religião, mas por gostos culturais e afetos que estariam na base (hiper)hedonista e
(hiper)narcisista do hiperindividualismo – ambos considerados não apenas em seus aspectos
negativos, mas positivos, enquanto fomentadores das singularidades do indivíduo.
LIPOVETSKY, 2008.
Ao contrário de Bauman, cuja análise deságua numa crítica à modernidade líquida e aponta
para formas de resistência, Lipovetsky coloca a hipermodernidade e sua sociedade de
hiperconsumo como nossa única alternativa. Para ele, o mercado enquanto condutor das
formas de vida em sociedade se apresenta como a solução menos ruim por ser, “a mais bem
adaptada a uma sociedade de indivíduos reconhecidos como livres. O ‘antidesenvolvimento’ ou
a sociedade de decrescimento aparece como um modelo não apenas irrealista, mas também
não desejável. Se é verdade que ‘mais não é melhor’, não concluamos daí que ‘menos’ seja a
solução dos nossos males.” (LIPOVETSKY, 2008).
SAIBA MAIS
Uma das principais críticas à obra de Gilles Lipovetsky se refere à forma com que ele faz uma
associação direta entre Estado democrático e sociedade de consumo/individualismo. Em seu
livro A sociedade de consumo, publicado em 1970, o pensador francês Jean Baudrillard (2008)
já criticava um processo de “personalização” submetido às seduções e demandas do mercado.
Para ele, a igualdade pelo consumo mascarava a ausência de democracia. Mais ainda: há o
risco de se confundir democracia com consumo. Esse pensamento de Baudrillard foi retomado
pelo filósofo Jacques Rancière para criticar a obra de Lipovetsky. Para Rancière, ao se eliminar
a figura política da democracia e ao identificar o cidadão ao consumidor, Lipovetsky reduziria a
democracia apenas a um estado de sociedade (RANCIÈRE, 2014, p. 25).
Acompanhe o debate dos professores Catharina Epprecht e Rodrigo Rainha sobre Gilles
Lipovetsky e Zygmunt Bauman.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
MÓDULO 2
CIBERCULTURA E CONVERGÊNCIA
MIDIÁTICA
Assim como Bauman e Lipovetsky, outros autores, como Pierre Lévy e Henry Jenkins,
analisam a contemporaneidade, mas agora pensando a relação das pessoas com as mídias
em rede. Assista!
PIERRE LÉVY E A CIBERCULTURA
O filósofo francês Pierre Lévy é um dos autores mais citados em estudos sobre mídias digitais
e as transformações sociais, culturais, epistemológicas e políticas provocadas pela expansão
das redes computacionais nas sociedades contemporâneas.
PIERRE LÉVY
Pierre Lévy é um filósofo francês nascido na Tunísia (na época, uma colônia francesa) em
1956. Professor da Universidade de Montreal e membro da Royal Fellow Society do Canadá,
formou-se na Universidade Sorbonne, em Paris. Em 1980, seu mestrado foi orientado por
Michel Serres e, em 1983, concluiu seu doutorado na renomada Escola de Estudos Avançados
em Ciências Sociais (EHESS).
CIBERCULTURA
Lévy ainda afirma que o elemento sine qua non para essa forma cultural universal – mesmo
que descentrada – é a participação no ciberespaço. É daí que deriva o neologismo
“cibercultura”. Assim, nas palavras do próprio autor, o conceito de cibercultura caracteriza,
então, o “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de
pensamento e de valores, que se desenvolve juntamente com o crescimento do ciberespaço.”
(LÉVY, 1999). Mas ainda nos vemos presos a um outro conceito que necessita de uma rápida
clarificação: afinal, o que é o ciberespaço?
CIBERESPAÇO
O termo ciberespaço parece ter saído de uma ficção científica. E, na verdade, é isso mesmo.
Sua popularização é creditada ao livro Neuromancer, do escritor norte-americano William
Gibson, publicado em 1984. Essa palavra foi usada para descrever uma rede de
computadores cuja conexão se dava diretamente no sistema neural dos usuários. Nas palavras
do escritor:
Embora a palavra tenha sido usada anteriormente pelo próprio Gibson em seu livro Burning
Chrome, publicado em 1982, Neuromancer é sua obra mais conhecida e, por isso, a
popularização do termo é atribuída a ela.
GIBSON, 2016.
Já Pierre Lévy (1999) faz uso desse termo para definir o novo meio de comunicação que surge
da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infraestrutura
material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ele
abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Assim, não
somente a web, como todas as redes computacionais (financeiras, governamentais etc.)
carregariam, enquanto tecnologias da cibercultura, aspectos não apenas descentralizadores,
mas também participativos, socializantes e, em última instância, cognitivos e emancipadores.
WEB
A World Wide Web (WWW) é um sistema de informações em que seus recursos são
interligados por hipertextos acessíveis pela internet e identificados por Localizadores de
Recursos Uniformes (URLs).
INTELIGÊNCIA COLETIVA
Pierre Lévy defende que o ciberespaço fornece um ambiente perfeito para o desenvolvimento
daquilo que ele chamou de inteligência coletiva. E quanto mais a rede de computadores se
expande, maior o potencial dessa inteligência interconectada.
A disponibilidade ubíqua dos mais diversos conteúdos no ciberespaço não seria livre de fatores
negativos: o isolamento e excesso de informação, a dependência, as tendências monopolistas
de controle, a exploração do trabalho remoto e vigiado, bem como a “bobagem coletiva”.
Entretanto, podemos afirmar que, no final da década de 1990, Lévy permanecia bastante
otimista com as possibilidades da internet. Ele acreditava que seria uma questão de tempo
para que as mentes e ideias interconectadas produzissem coletivamente soluções para os
diversos problemas da humanidade.
Com o conceito de inteligência coletiva, Lévy não quer descrever a constituição de um imenso
“cérebro” humano, mas apontar para o fato de que o ciberespaço tende a guardar
potencialmente em si todo tipo de conhecimento.
O VIRTUAL
A ideia de potencialidade está intrinsicamente associada ao conceito de virtual. Como defende
Pierre Lévy, o virtual não deve ser entendido como algo que se opõe ao real, mas ao atual. É
algo que existe em potência e é atualizado ao ser acessado. O virtual, portanto, seria um real
que ainda não foi manifestado – um exemplo: toda planta existe virtualmente em sua semente.
LÉVY, 1999.
Essa experiência pode ser verificada concretamente no uso cotidiano de tecnologias digitais.
Por exemplo, todas as fotos armazenadas no seu celular estão virtualmente lá até o momento
em que você as atualiza na tela do dispositivo.
CRÍTICAS
A obra de Pierre Lévy possui tanto defensores quanto críticos. Entre as críticas mais frequentes
está a desconsideração dos aspectos econômicos e ideológicos das tecnologias digitais. Para
alguns autores, por exemplo, houve, a partir dos anos 1990, uma associação entre cibernética
e neoliberalismo que deveria ser exposta e discutida. Por exemplo, os teóricos da mídia
Richard Barbrook e Andy Cameron, sem citar diretamente Pierre Lévy, publicaram em 1995 o
ensaio A ideologia californiana para denunciar o que eles chamaram de “neoliberalismo
pontocom”, propagado pelas empresas de tecnologias da informação da região do Vale do
Silício. Segundo eles, os gurus e exaltadores do digital consideram que apenas o fluxo
cibernético do livre mercado e das comunicações globais são capazes de determinar o futuro e
livrar o capitalismo de suas crises.
Outra crítica frequente ao trabalho de Pierre Lévy diz respeito às formas neutras que os seus
conceitos assumem, sem levar em consideração realidades concretas com seus atritos,
suas desigualdades e seus desafios.
É nessa linha que argumenta a socióloga holandesa Saskia Sassen em relação ao conceito de
inteligência coletiva. O Explore+ traz a indicação de um vídeo em que a socióloga expõe essa
crítica.
HENRY JENKINS
Henry Jenkins nasceu em 1958 em Atlanta, nos Estados Unidos. Formado na Universidade do
Estado da Georgia em Ciências Políticas e Jornalismo, Jenkins possui mestrado e doutorado
em Ciências da Comunicação. Em 1993, fundou o programa de Estudos de Mídia Comparada
no renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), que coordenou até 2009.
Atualmente, é professor da Escola de Comunicação e Jornalismo (Annenberg School for
Communication and Journalism) da Universidade do Sul da Califórnia.
Como sugere o próprio título do seu livro mais famoso, Jenkins afirma que vivemos em uma
era de transição, em uma cultura da convergência: de diferentes suportes, linguagens, estilos,
gostos, formatos, de convergência entre os papéis de consumidor e produtor de mídia, entre as
produtoras e o púbico, entre os emissores e os receptores, entre a mídia mainstream e a
mídia alternativa, entre os meios digitais e analógicos.
MAINSTREAM
Assim, o conceito de convergência pode ser entendido como convivência e implicação mútua
dos meios de comunicação e expressão. Ao contrário do que previram os primeiros teóricos ou
“gurus” da cultura digital, como Nicholas Negroponte, por exemplo, a mera substituição das
mídias analógicas pelas digitais não foi concretizada, muito menos houve a convergência de
vários suportes em apenas um (como o computador e sua lógica digital que universalizaria
todas as linguagens). Trata-se antes de uma mudança cultural.
O que muda, com isso, são as posições e funções das tecnologias anteriores – algumas
ganham status de culto, outras acabam atendendo a necessidades mais específicas. E isso
podemos perceber facilmente em nosso cotidiano: vinis convivem com CDs e com plataformas
digitais de música, filmes fotográficos ainda são revelados, a TV absorveu algumas funções do
computador etc. É por isso que as maiores transformações da cultura da convergência podem
ser verificadas nas práticas midiáticas de consumo e produção: “A maior mudança talvez seja a
substituição do consumo individualizado e personalizado pelo consumo como prática
interligada em rede.” (JENKINS, 2009).
De um lado, seguindo a mesma linha de Lipovetsky (mesmo que não o cite em seu livro),
Jenkins descreve a cultura da convergência como uma via de mão dupla positiva entre
produtores e consumidores. A indústria de mídia e entretenimento não apenas se beneficiaria
com a criação de múltiplas formas de vender seus produtos, mas os consumidores também
estimulariam as formas de produção, fosse por meio da apropriação e ressignificação dos
objetos ou por meio das comunidades de fãs que demandariam ou mesmo criariam outros
objetos midiáticos a partir dos originais.
De outro lado, desta vez apoiado no pensamento de Pierre Lévy (citado frequentemente em
seus trabalhos), as novas formas de participação e colaboração teriam sido intensificadas pela
emergência das redes digitais, responsáveis pela distribuição de fontes alternativas de poder e
de decisão, em outras palavras, as tecnologias computacionais forneceriam as ferramentas
técnicas necessárias para que o consumidor conseguisse controlar suas escolhas e afirmar as
suas preferências.
Para dar conta da sua concepção de uma cultura da convergência e fundamentar seus
argumentos, Jenkins lança mão de três conceitos: inteligência coletiva, cultura participativa e
transmídia.
INTELIGÊNCIA COLETIVA
Amparado no termo cunhado por Pierre Lévy, Jenkins se apropria do conceito de inteligência
coletiva para descrever o consumo como um processo coletivo. É como se o princípio de
fóruns digitais ou da Wikipédia fosse aplicado para entender as práticas de consumo midiático.
É a partir da constituição de um grande caleidoscópio no qual cada um contribui em uma
pequena peça que, unidas, são capazes de redefinir as formas de produção: “A inteligência
coletiva pode ser vista como uma fonte alternativa de poder midiático.” (JENKINS, 2009). A
inteligência coletiva vai ao encontro de uma cultura da participação que, no olhar de Jenkins,
desafia as mídias tradicionais.
CITAÇÃO
JENKINS, 2009.
Um exemplo clássico desse conceito é a franquia de ficção científica Matrix, criada pelas irmãs
Wachowski, que abrange três filmes de longa-metragem, uma série de animes, histórias em
quadrinhos e videogames. Esse mesmo fenômeno pode ser observado em diversos outros
filmes, séries e videogames, como: O Senhor dos Anéis, Star Wars, Game of Thrones, Final
Fantasy etc.
CRÍTICAS
Assim como ocorreu com Pierre Lévy, a obra de Henry Jenkins suscitou um intenso debate
sobre o alcance e a validade dos seus conceitos. Em 2011, os teóricos James Hay e Nick
Couldry editaram um dossiê dedicado à cultura da convergência para o jornal acadêmico
Cultural Studies. Com o título Rethinking Convergence/Culture, o dossiê apresenta um conjunto
abrangente de posicionamentos teóricos em face da teoria de Jenkins. Entre algumas das
principais críticas estão:
VERIFICANDO O APRENDIZADO
CONCLUSÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Discutimos neste tema algumas das principais contribuições de Zygmunt Bauman, Gilles
Lipovetsky, Pierre Lévy e Henry Jenkins para a constituição de um quadro teórico capaz de nos
ajudar a compreender o atual estágio da cultura midiática nas sociedades contemporâneas.
Foram quatro formas distintas de descrever o nosso tempo.
Para além de suas afinidades e diferenças, da questão de saber qual seria a mais pertinente
para analisar o nosso Zeitgeist, do problema da ruptura ou continuidade em relação aos
debates modernos e pós-modernos, todos os conceitos e as teorias apresentados aqui servem
para afinar a nossa sensibilidade e o nosso intelecto para as características mais singulares do
nosso momento histórico. Por isso, eles são necessários não apenas para indicar caminhos
conceituais a serem trilhados, mas também para nos ajudar a encontrar novos objetos de
estudo e novas formas de criação.
PODCAST
Agora, os professores Catharina Epprecht e Rodrigo Rainha encerram o tema falando sobre
contemporaneidade e mídia.
AVALIAÇÃO DO TEMA:
REFERÊNCIAS
BAUDRILLARD, J. A sociedade de consumo. Tradução: Artur Morão. Lisboa: Edições 70,
2008.
BAUMAN, Z. Em busca da política. Tradução: Marcus Penchel. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
BAUMAN, Z. Modernidade líquida. Tradução: Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
BAUMAN, Z. Ética pós-moderna. Tradução: João Rezende Costa. São Paulo: Paulus, 2003.
BAUMAN, Z. Amor líquido: Sobre a fragilidade dos laços humanos. Tradução: Carlos Alberto
Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2004.
BAUMAN, Z. Medo líquido. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.
BAUMAN, Z. Confiança e medo na cidade. Tradução: Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Zahar,
2009.
BAUMAN, Z. Vigilância líquida. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,
2014.
GIBSON, W. Neuromancer. Tradução: Fábio Fernandes. 5. ed. São Paulo: Editora Aleph,
2016.
LÉVY, P. Cibercultura. Tradução: Carlos Irineu Da Costa. São Paulo: Editora 34, 1999.
LIPOVETSKY, G.; ROUX, E. O luxo eterno. Tradução: Maria Lucia Machado. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005.
MARX, K.; ENGELS, F. Manifesto comunista. Tradução: Álvaro Pina. São Paulo: Boitempo
Editorial, 2005.
EXPLORE+
Além das obras referenciadas neste tema – e que, em sua maioria, por terem sido escritas a
um grande público, apresentam uma leitura agradável e elucidativa – selecionamos alguns
vídeos com os autores mencionados para que você possa ter contato com as pessoas que
estão escondidas atrás das linhas e dos constructos teóricos apresentados em seus livros.
Zygmunt Bauman
Por ser um autor celebrado no Brasil, há muitas entrevistas concedidas por Bauman a veículos
de comunicação nacionais. Destacamos a conversa que ele teve com jornalista Alberto Dines,
para o Observatório da Imprensa, disponível na internet e intitulada de Observatório da
Imprensa entrevista o sociólogo Zygmunt Bauman.
Também recomendamos que pesquise em seu navegador e assista aos seguintes vídeos:
Gilles Lipovetsky
Para saber mais sobre as posições do filósofo em relação à liberdade e ao indivíduo, confira o
documentário português O Valor da Liberdade, produzido pela Fundação Francisco Manuel dos
Santos.
Também sugerimos que pesquise em seu navegador e assista aos seguintes vídeos:
Pierre Lévy
Assim como Bauman e Lipovetsky, Lévy é um filósofo que veio em diversas ocasiões ao Brasil.
Há várias entrevistas concedidas a veículos nacionais, mas destacamos aqui uma entrevista
concedida ao programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2001, ainda no calor do lançamento das
suas obras mais relevantes. Pesquise em seu navegador e assista!
Outros vídeos para se aprofundar nos conceitos trabalhados por esse filósofo são:
Henry Jenkins
Para ouvir o próprio Jenkins dando uma aula sobre seu conceito de cultura participativa,
recomendamos sua palestra durante uma TEDx-Talk em 2010, intitulada TEDxNYED – Henry
Jenkins – 03/06/10.
Para saber mais sobre o poder da mídia em um mundo transmidiático do século XXI, assista ao
vídeo Jenkins falando de Cultura da Convergência.
Para compreender a crítica de Saskia Sassen a Jenkins, assista ao vídeo Saskia Sassen – As
contradições da inteligência coletiva.
Para se aprofundar mais neste tema, recomendamos a leitura dos seguintes livros:
BAUMAN, Z. Comunidade: a busca por segurança no mundo atual. Tradução: Plínio Dentzien.
Rio de Janeiro: Zahar, 2003.
BAUMAN, Z. Vidas desperdiçadas. Tradução: Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar,
2005.
GITELMAN, L. Always Already New: Media, History, and the Data of Culture. Cambridge,
Mass. Londres: The MIT Press, 2008.
JENKINS, H. Textual Poachers: Television Fans & Participatory Culture. Nova York:
Routledge, 1992.
JENKINS, H. Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring Participatory Culture. Nova York: NYU
Press, 2006.
LEVY, P. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. Tradução: Luiz Paulo
Rouanet. São Paulo: Edições Loyola, 2007.
LÉVY, P. O que é o virtual? Tradução: Paulo Neves. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2011.
CONTEUDISTA
Maurício Augusto Pimentel Liesen Nascimento
CURRÍCULO LATTES