Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1
Introdução
Jan Melissen, um dos grandes teóricos sobre a diplomacia pública, que pode ser definida
como comunicações, diálogos e intercâmbios promovidos pelo governo de um país e
direcionados para o público estrangeiro de outro(s) país(es) com o intuito de provocar
entendimento cultural mútuo, influenciar opiniões e valores, bem como colocar a política
externa do país representado em uma luz favorável, faz a seguinte pergunta no livro The
New Public Diplomacy – Soft Power in International Relations, editado em 2005: “É
possível discutir a diplomacia pública sem dar uma importância central para a diplomacia
pública dos Estados Unidos e sobre os debates sobre diplomacia pública no mundo
anglófilo?”1 (MELLISEN, 2005, p. 6) De fato, as origens contemporâneas e o debate atual
sobre a diplomacia pública são fortemente dominados pela experiência dos Estados
Unidos (HAM, 2010; MELLISEN, 2005 e 2011), sendo que a redescoberta da diplomacia
pública naquele país foi motivada pelos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001
que atingiram símbolos do poderio econômico e militar estadunidense: o Centro de
Comércio Mundial e o Pentágono, respectivamente. A conspicuidade do sentimento
antiestadunidense no Oriente Médio e na sociedade islâmica como um todo motivou
governantes e cidadãos dos Estados Unidos a se perguntarem: “por que eles nos odeiam
tanto?” (NYE, 2004b).
Autores como Gilboa (2008), identificam uma série de fraquezas no estudo sobre o tema,
que incluem o enfoque excessivo na experiência dos Estados Unidos durante a Guerra
Fria e a confusão conceitual que se faz entre diplomacia pública e propaganda.
Hodiernamente, não é difícil encontrar artigos e livros que retratem a diplomacia pública
consistindo apenas em práticas de propaganda, formulação de imagem (nation branding)
ou relações públicas internacionais (CHARLES, 2001; KENDRICK, 2004; MELLISEN,
2005; DEAN, 2006), atividades que eram mais comuns e evidentes durante a Guerra Fria.
Outros autores, como Hall, 2010, criticam a validade analítica do conceito de poder
brando (“soft power”), que é habitualmente associado à prática da diplomacia pública.
1
“Is it possible to discuss public diplomacy without giving central importance to US public diplomacy and
the debates on public diplomacy in the anglophone world?” Tradução livre do autor. (MELISSEN, 2005, p.
6)
2
Tendo em vista a o crescente número de trabalhos recentes que têm sido escritos sobre a
sociologia das teorias das Relações Internacionais com o intuito de revisitar marcos
históricos e práticas didáticas da disciplina, além de questionar a predominância da
produção de conhecimento das Relações Internacionais nos Estados Unidos e no mundo
anglófilo (SCHMIDT, 1998; WILSON, 1995; LONG e SCHMIDT, 2005), esse trabalho
tem o objetivo principal de fazer uma breve análise sobre a sociologia do conceito de
diplomacia pública e do conceito que é a ela associado: o conceito de poder brando. É
preciso entender as motivações e o propósito da diplomacia pública estadunidense para
estudar o tema de forma crítica e contextualizada. Igualmente, mesmo que o conceito de
poder brando, desenvolvido pelo cientista político estadunidense e ex-funcionário do
governo dos Estados Unidos, Joseph Nye, seja usado recorrentemente nos estudos sobre
diplomacia pública, deve-se examinar a sua aplicabilidade analítica e o que ele nos diz
sobre as relações de poder nas relações internacionais.
2
“Public diplomacy deals with the influence of public attitudes on the formation and execution of foreign
policies. It encompasses dimensions of international relations beyond traditional diplomacy; the
cultivation by governments of public opinion in other countries; the interaction of private groups and
interests in one country with those of another; the reporting of foreign affairs and its impact on policy;
communication between those whose job is communication, as between diplomats and foreign
correspondents; and the processes of inter-cultural communications.” (CULL, 2009, p. 19).
4
Nos dias atuais, tem havido muita confusão sobre o conceito de diplomacia pública, pois
ele tem sido usado intercambiavelmente com “diplomacia cultural”, “propaganda
estrangeira”, “relações públicas internacionais” e “diplomacia midiática”, por exemplo.
O fato de o conceito ter sido cunhado nos Estados Unidos para recontextualizar e rotular
atividades antigas de propaganda, bem como o grande impacto que a revolução nas
tecnologias de comunicação e os canais internacionais de notícias como a CNN e a BBC3
têm exercido sobre a diplomacia tradicional são provavelmente responsáveis por essa
imprecisão conceitual (BERRIDGE, 2010; CHARLES, 2001; KENDRICK, 2004;
MELLISEN, 2005; DEAN, 2006). Essa noção não é per se incorreta, mas ela só dá conta
de alguns elementos da diplomacia pública.
3
O “efeito CNN” é um conceito utilizado para se referir à influência que a mídia internacional tem na
determinação de agendas e na elaboração de políticas externas. (GILBOA, 2008, p. 63).
5
com indivíduos-chave, como intercâmbios educacionais e culturais. (LEONARD, 2002,
pp. 8-21).
6
No que se refere ao poder militar per se, o seu uso tem se tornado cada vez mais custoso
tanto em termos econômicos como políticos, sobretudo se pensarmos na proibição do uso
ou ameaça do uso da força pela Carta das Nações Unidas e no aparato tecnológico e
humano que é utilizado das guerras contemporâneas. Deve-se ter em mente, outrossim,
que a multiplicidade de questões que exigem cooperação internacional, tais como a
degradação do meio ambiente, o narcotráfico internacional, o terrorismo, o desrespeito
ao direitos humanos e os crimes internacionais, requer que os Estados não só se
relacionem com atores não governamentais influentes, como também restrinjam o uso da
coerção ou da força militar na condução das suas relações exteriores (NYE, 2004b).
Portanto, é preciso extrapolar cálculos políticos baseados apenas em recursos duros de
poder para incorporar questões importantes como legitimidade, atratividade e autoridade
moral, ideias que foram didaticamente condensadas no conceito de “poder brando” (“soft
power”), elaborado por Joseph Nye no início década de 19904 e aprimorado pelo autor
nos anos 2000 (NYE, 2004b e 2008).
Segundo Nye (2004a), o poder brando5 é a capacidade que um Estado tem de alcançar
objetivos de política exterior mais em decorrência da atração e da legitimidade, do que
por meio de coerção (sticks) e pagamentos (carrots). De acordo com o autor, o poder
brando tem fontes mais intangíveis e abstratas do que aquelas do poder duro, sendo três
as principais: a atratividade da cultura de um país; a coerência e atratividade dos valores
políticos; assim como a legitimidade e autoridade moral da política externa de um país.
Em meio à crescente importância da dimensão branda do poder nas relações
internacionais contemporâneas, a diplomacia pública se torna um instrumento
indispensável, na medida em que lida com aspectos culturais e comportamentais da
política mundial, assim como com o papel das opiniões, das ideias e dos valores em
processos políticos que envolvem atores estatais e não estatais (GREGORY, 2008).
4
O conceito de poder brando (“soft power”) foi originalmente desenvolvido por Joseph Nye no livro
“Bound to Lead: the Changing Nature of American Power”, publicado em 1990, que discutia a ideia
prevalente na época de que o poder dos Estados Unidos estava em declínio (NYE, 2004a, p. xi).
5
Cabe ressaltar que o conceito de “poder brando” tem sido bastante criticado desde que foi introduzido por
Nye no início dos anos 1990. Alguns autores discutem a instrumentalidade analítica do conceito de poder
brando (Hall, 2010), enquanto outros questionam não só a ligação automática que é feita entre atratividade
da cultura de um país e os resultados políticos que são por ele alcançados (JOFFE, 2006), como também a
inexistência da coerção em processos de convencimento e cooptação políticos (Mattern, 2005)
7
Poder duro e poder brando compõem as faces de uma mesma moeda. Afirmar que
recursos intangíveis de poder vêm ganhando maior importância no contexto
contemporâneo das relações internacionais não significa que recursos tradicionais de
poder, como poderio militar e desenvolvimento socioeconômico, não continuem a ser
importantes. Nye (2008) afirma que o uso inteligente e equilibrado das facetas dura e
branda do poder constituem o que ele denominou de “poder inteligente” (“smart power”).
O fato é que a diplomacia pública tem se tornado uma parte essencial da prática
diplomática, sobretudo porque a diplomacia tradicional deve ser capaz de ir além das
relações oficiais entre governos, já que hoje existem uma abundância de repórteres “não
oficiais”, atores não estatais e canais internacionais de comunicação que têm sido capazes
de influenciar e moldar as decisões governamentais. (FISHER, 1988; MELISSEN, 2005).
Uma análise da atuação das agências supracitadas nos permite identificar o fio condutor
da diplomacia pública estadunidense como sendo uma estratégia reativa da política
externa dos Estados Unidos para lidar com exigências de tempos de guerra, ou seja, a
diplomacia pública daquele país é motivada majoritariamente por questões de segurança.
A criação do Comitê sobre Informação Pública por Woodrow Wilson, por exemplo, teve
a motivação principal de convencer o público dos Estados Unidos sobre a necessidade de
o país entrar na I Guerra Mundial, em 1917, contra a Alemanha. Além dessa dimensão
8
doméstica, havia um propósito de se comunicar com públicos estrangeiros para aumentar
o moral de tropas aliadas, angariar o apoio de países neutros, causar desentendimentos
nos países centrais e projetar uma imagem positiva dos Estados Unidos e do seu sistema
democrático (WOLPER, 1993 citado em WANG, 2007, p. 23). O CIP atuou por apenas
18 meses e foi bastante criticado, sobretudo por utilizar práticas propagandísticas e de
censura que tinha o claro intuito de manipular informações para amparar a consecução de
objetivos da política externa estadunidense (WANG, 2007).
Após o fim da II Guerra Mundial, houve um debate nos Estados Unidos sobre a
necessidade de se manter programas oficiais de informação. Em face da reconstrução da
Europa e do Japão, bem como do desafio imposto aos Estados Unidos pela ideologia
comunista, decidiu-se aprofundar as atividades de diplomacia pública estadunidense com
uma série de medidas. Em 1945, por exemplo, a “Voice of America” foi realocada para o
Departamento de Estado, atingindo um status privilegiado pelo governo em 1948. Nesse
mesmo ano, o “Smith Mundt Act” foi ratificado de modo a melhorar o entendimento
mútuo entre os povos do mundo e os Estados Unidos por meio de programas de
intercâmbio educacional e cultural. Em 1953, a Agência de Informação dos Estados
Unidos (AIEU) foi criada com a função principal de contar, com uma abordagem
propagandística, a história dos Estados Unidos para o mundo. Por fim, em 1961, o
Fulbright-Act foi decretado com o intuito de unificar os esforços do Escritório de
Assuntos Educacionais e Culturais (Bureau of Educational and Cultural Affairs) com os
da AIEU e aprimorar intercâmbios e exposições culturais no exterior (KENNEDY, 2003).
9
Embora as políticas e atividades diplomacia pública dos Estados Unidos fossem intensas
durante a Guerra Fria, como ficou claro com as decisões governamentais tomadas entre
1945 até 1961, a queda do Muro de Berlim acarretou uma marginalização da diplomacia
pública. A esse respeito, pode-se citar os cortes austeros no corpo de funcionários e no
orçamento da AIEU: ao passo que, em 1967, a agência empregasse 12.600 pessoas, em
1994 esse número tinha caído para 8.500; e a cifra do seu orçamento, que em 1994
totalizava US$ 35 milhões, era praticamente irrelevante se considerarmos o custo de um
jato F-18 (LAQUEUR, 1994).
A análise da evolução histórica da diplomacia pública dos Estados Unidos nos permite
extrair algumas conclusões. Primeiramente, quando o conceito de ‘diplomacia pública’
foi cunhado por Gullion, em 1965, o termo foi usado para se referir a atividades prévias
de propaganda que eram conduzidas pelo governo estadunidense, sobretudo durante a
Guerra Fria para influenciar públicos estrangeiros. As atividades de propaganda se
resumiam fundamentalmente a transmissões radiofônicas como “Radio Free Europe”,
“Radio Liberty” e “Voice of America”. Devido à conotação negativa que o termo
propaganda adquiriu por estar associada a práticas de regimes fascistas, nazistas e
comunistas (PRINCE, 2001), o novo termo “diplomacia pública” serviu para disassociar
as atividades de informação e intercâmbio cultural dos Estados Unidos do significado
pejorativo de práticas propagandísticas (COWAN e CULL, 2008).
10
de convencer públicos estrangeiros do Leste Europeu sobre a superioridade da ideologia
capitalista (STONE, 2003). Atualmente, é possível observar que o enfoque da diplomacia
pública estadunidense, sobretudo voltada para o Oriente Médio, continua recaindo na
dimensão propagandística do conceito. As autoridades estadunidenses tiverem
dificuldade em desenvolver uma abordagem mais equilibrada de diplomacia pública em
relação a essa região, de modo a permitir um diálogo genuíno para se entender a dinâmica
social e política do Oriente Médio e as razões do sentimento antiestadunidense . A postura
de oficiais do governo tem sido mais “escutem o que NÓS (grifo do autor) temos a dizer,
ou…”, (HAM, 2010, p. 121), ou seja, os Estados Unidos adotaram um discurso agressivo
de luta verbal (MATTERN, 2005)6, em que tentam convencer coercitivamente as
autoridades e a população do Oriente Médio a concordarem com as políticas
intervencionistas dos Estados Unidos para a região.
6
Mattern (2005) desenvolveu o conceito de “verbal fighting” (ou “representational force”) para se referir
a discursos coercitivos que, por meio tentam alcançar certos objetivos políticos não pelo uso do poder
militar ou de pagamentos, mas por meio de ameaças que podem ser lidas nas entrelinhas.
11
Uma análise crítica do conceito de poder brando
Como foi visto na parte conceitual desse trabalho, o conceito de poder brando
desenvolvido por Nye (2004) é essencial para se entender a função e a prática da
diplomacia pública. No entanto, poder duro e poder brando compõem as faces de uma
mesma moeda. Afirmar que recursos intangíveis de poder vêm ganhando maior
importância no contexto contemporâneo das relações internacionais não significa dizer
que recursos tradicionais de poder, como poderio militar e desenvolvimento
socioeconômico, não continuem a ser importantes. Nye (2008) afirma que o uso
inteligente e equilibrado das facetas dura e branda do poder constituem o que ele
denominou de “poder inteligente” (“smart power”). Segundo a avaliação desse autor
(2008), por exemplo, ao passo que os Estados Unidos souberam equilibrar o uso de
recursos duros e brandos de poder durante a Guerra Fria, o mesmo não vem ocorrendo
nos esforços atuais de diplomacia pública voltados para o Oriente Médio, o que tem
gerado o insucesso da diplomacia pública estadunidense para a região.
O conceito de poder brando foi originalmente desenvolvido por Joseph Nye no livro
Bound to Lead: the Changing Nature of American Power, publicado em 1990, onde
se discutia a ideia prevalente na época de que o poder dos Estados Unidos estava em
declínio (NYE, 2004a, p. xi). O autor, cientista político dos Estados Unidos e ex-
funcionário do governo estadunidense, tentava defender a ideia de que, se ‘poder’ for
entendido como uma mistura de recursos tangíveis e intangíveis, os Estados Unidos ainda
eram os mais poderosos do mundo, apesar da redistribuição de poder econômico que
estava em curso no pós-Guerra Fria, sobretudo vis-à-vis a ascensão econômica do Japão
(HALL, 2010). ,
Contudo, o conceito de “poder brando” tem sido bastante criticado desde que foi
introduzido por Nye no início dos anos 1990. Tod Hall (2010), por exemplo, afirma que
o uso recorrente do termo “poder brando” no meio político e no meio acadêmico não o
qualifica como categoria científica de análise. Brugaker e Cooper (2000, citado em
HALL, 2010, p. 193) separam os conceitos em duas categorias: as “categorias de prática”
e as “categorias de análise”. As categorias de prática são definidas como conceitos
intuitivos, que servem como instrumento para se entender como o mundo funciona e o
que constitui categorias ontológicas válidas. As categorias de análise, por sua vez,
12
referem-se a conceitos que tem validade científica para as ciências sociais, ou seja, eles
identificam objetos e grupos de fenômenos de acordo com os resultados comuns que eles
geram (HALL, 2010). O que descaracteriza o poder brando como categoria de análise é
a dificuldade de identificar e medir os recursos intangíveis de poder, bem como a
impossibilidade metodológica de relacionar a posse de recursos intangíveis de poder com
resultados políticos positivos (HAM, 2010).
Hall (2010) também questiona a ideia de atratividade que é desenvolvida por NYE (2004),
que considera a cultura, os valores políticos e a política externa de um país como fontes
de poder brando. No que diz respeito à atratividade da cultura de um país, Hall critica a
relação automática que é traçada entre o consumo de produtos e da cultura estadunidense
(filmes, música, livros, programas de TV, etc), de um lado, com a admiração pelos
Estados Unidos ou com uma aceitação da política externa desse país, de outro lado.
Joseph Joffe (2006) também nos chama a atenção para o fato de que a ubiquidade mundial
dos produtos e da cultura estadunidense não leva necessariamente a um aumento da
influência dos Estados Unidos em assuntos políticos mundiais. De fato, mesmo que
cidadãos do mundo islâmico queiram beber Coca-Cola, comer Big Macs, ver filmes de
Hollywood ou ouvir CDs da Britney Spears, isso não faz com que eles necessariamente
aprovem a política externa e o intervencionismo estadunidense no Oriente Médio
(FERGUSON, 2003; HALL, 2010)
HALL (2010) também questiona a relação que se faz entre a adoção de valores políticos
com a aceitação de objetivos de política externa. O fato de que o Hamas tenha escolhido
atuar politicamente por meio de eleições abertas, o que aparentemente nos leva a crer que
eles tenham adotado valores democráticos dos Estados Unidos, não significa
necessariamente que essa organização palestina queira agir conforme a vontade
estadunidense. No que se refere à política externa, a crítica de Hall é mais evidente e fácil
de entender, pois a sua aceitação ou atratividade está relacionada a interesses
compartilhados. Países tendem a apoiar políticas externas alheias que servem os seus
interesses e não por causa de uma atratividade intangível que não tem lastro político ou
prático. Pode-se concluir, portanto, que o conceito de poder brando tem uma utilidade
política de reafirmar políticas e valores de determinados atores, incluindo os do próprio
Nye e os dos Estados Unidos. Dito de outra forma, o discurso por trás da conceituação de
poder brando propõe, de forma indireta, benefícios políticos para aqueles que aceitam e
concordam com os valores culturais e objetivos políticos dos Estados Unidos.
13
Considerações Finais
Robert Cox, ex-professor britânico de Ciências Políticas e ex-oficial da ONU, uma vez
afirmou que “uma teoria é feita por alguém para o benefício de alguém”. Esse trabalho
tentou demonstrar que a teoria de diplomacia pública deve ser vista com cuidado por duas
razões principais. A primeira dela é a de os estudiosos do tema não devem adotar
acriticamente a prática e o conceito de diplomacia pública formulado nos Estados Unidos,
principalmente porque, naquele país, prática e discurso tendem a ser bem diferentes.
Como foi visto, a diplomacia pública estadunidense é fortemente influenciada por
questões de segurança, o que acorrenta o país a antigas práticas propagandísticas de
diplomacia pública. A segunda razão diz respeito à utilização do conceito de poder brando
como categoria de análise. A dificuldade está não apenas em medir recursos intangíveis
de poder como atratividade cultural e moral ou legitimidade política, mas também em
relacionar tais recursos intangíveis com a conquista de objetivos políticos. O trabalho
defendeu a ideia de que o conceito de poder brando desenvolvido por Nye tem uma
proposta latente de reafirmar a superioridade cultural e política dos Estados Unidos.
Apesar das críticas que foram feitas, o importante a se ressaltar é que a diplomacia pública
tem se tornado uma parte essencial da prática diplomática, independentemente da prática
estadunidense. A diplomacia tradicional deve ser capaz de ir além das relações oficiais
entre governos, já que hoje existem uma abundância de repórteres “não oficiais”, atores
não estatais e canais internacionais de comunicação que têm sido capazes de influenciar
e moldar as decisões governamentais. (FISHER, 1988; MELISSEN, 2005). Apesar de o
conceito de diplomacia pública ter sido primeiramente definido nos Estados Unidos, a
prática nesse país da faceta pública da diplomacia na verdade nos mostra o que deve ser
evitado. No que diz respeito à diplomacia pública, é preciso que cada país analise o seu
contexto e que identifique as suas próprias necessidades, de modo a atuar de forma
autônoma nas relações internacionais.
14
Bibliografia
CHARLES, Papas. The Selling of America. In Advertising Age, Col. 72, Issue 51, Dec. 2001.
CULL, Nicholas. Public Diplomacy before Gullion – the evolution of a phrase. Routledge
Handbook of Public Diplomacy. New York: Routledge, 2009, p. 19-23.
DEAN, Kruckeberg and VUJNOVIC, Marina. Public relations, not propaganda for US
public diplomacy in a post-9/11 world: Challenges and opportunities. In Journal of
Communication Management, Vol. 9, No. 4, pp. 296-304, January 2006.
FISHER, Glen H. Public Diplomacy and the Behavioural Sciences. Bloomington, Ind.:
Indiana University Press, 1972.
FISHER, Glen H., Mindsets: the role of culture and perception in international
relations. Yarmouth, Me.: Intercultural Press, 1988.
GILBOA, Eytan. Searching for a Theory of Public Diplomacy. The Annals of the
American Academy of Political and Social Science, 2008, n. 616:, p. 55-77
GREGORY, Bruce. Public Diplomacy: Sunrise of an Academic Field. The Annals of the
American Academy of Political and Social Science, 2008, n. 616, p. 274-290.
HAM, Peter van. Social Power in International Politics. New York: Ed. Routledge,
2010.
HAMILTON, Keith and LANGHORNE, Richard, The practice of diplomacy: its evolution,
theory and administration. Londres: Routledge, 1995.
JOFFE, Joseph. The Perils of Soft Power. The New York Times, 14/05/2006. Disponível em <
http://www.nytimes.com/2006/05/14/magazine/14wwln_lede.html?pagewanted=all&_r=0>.
Acessado em Fevereiro de 2015.
15
KENDRICK, Alice and FULLERTON, Jami A., Advertising as Public Diplomacy:
Attitude Change among International Audiences. In Journal of Advertising Research,
September 2004.
LAQUEUR, Walter, Save Public Diplomacy. Foreign Affairs, vol. 73, no. 5, September/October
1994.
LEONARD, Mark et al, Public Diplomacy. London: Foreign Policy Centre, 2002.
LONG, David & SCHMIDT, Brian C. (eds.). Imperialism and Internationalism in the
discipline of international relations. Albany: SUNY, 2005.
MATTERN, Janice Bially, Why ‘Soft Power’ Isn’t So Soft: Representational Force and
the Sociolinguistic Construction of Attraction in World Politics’, Millennium, Vol. 33,
No.3 (2005), p. 683-612.
MELISSEN, Jan. The New Public Diplomacy: Between Theory and Practice. The New Public
Diplomacy - Soft Power in International Relations. New York, N.Y.: Palgrave Macmillan,
2005, pp. 3-27.
MELISSEN, Jan. Beyond the New Public Diplomacy. Clingendael Paper No 3/2011,
2001, Clingedael: The Netherlands Institute of International Relations.
NYE, Joseph S. Jr. Soft Power: the means to success in world politics. New York:
BBS Public Affairs, 2004a.
NYE, Joseph S. Jr. Hard Power, Soft Power, and ‘The War on Terrorism. IN HELD,
David and KOENIG-ARCHIBUGI, Mathias (eds.), American Power in the 21st
Century. Cambridge: Polity, 2004b.
NYE, Joseph S. Jr. Public Diplomacy and Soft Power. The ANNALS of the
American Academy of Political and Social Science, Philadelphia, v. 616, n. 1, p. 94-
109, 2008.
NYE, Joseph S. Jr. The War on Soft Power. Foreign Policy. 12/04/2011. Disponível em
http://foreignpolicy.com/2011/04/12/the-war-on-soft-power/ . Acesso em Janeiro de
2015.
16
PETERSON, Peter G., Public Diplomacy and the War on Terrorism. Foreign Affairs,
Vol. 81, No. 5, September/October 2002, pp. 74-94.
STONE, Peter H., The Softer War. National Journal, Vol. 35, Issue 22, 05/31/2003.
WANG, Jian. Telling the American Story to the World: the Purpose of U.S. Public
Diplomacy in Historical Perspective. Public Relations Review, 33, 2007, p. 21-30.
WILSON, Peter. Introduction. IN: LONG, David & WILSON, Peter (ed.). Thinkers o
the twenty years’ crisis: Inter-war idealism reassessed. Oxford: Claredon Press, 1995.
17