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Políticas públicas e agenda política

João Bilhim

Resumo

Durante anos, as políticas públicas foram ensinadas na Europa, no âm-


bito de quatro diferentes disciplinas académicas - sociologia, ciência política,
economia e administração pública. Nesta oração de sapiência, proferida na
abertura do ano letivo do ISCSP/UTL em 2004, foi nossa intenção colocar a
questão das políticas públicas na agenda do Instituto e chamar a atenção para
as vantagens que adviriam da sua concentração na Unidade de Coordenação
Científica e Pedagógica de Administração Pública. Acabara de ser reconhe-
cido pela Fundação de ciência e Tecnologia (FCT) o Centro de Administração
e Políticas Públicas (CAPP), criado pelo autor e importava agora trazer esta
problemática para os curricula de ensino graduado e pós-graduado. Tal só
foi efetivamente possível com a adaptação dos cursos do ISCSP ao modelo de
Bolonha. Neste trabalho, faz-se uma breve introdução ao tema das políticas
pública destacando o processo, o ciclo e o futuro da problemática.

Introdução

O nascimento formal do discurso de política pública anda associado


a Harold Lasswell 1 nos anos trinta do século passado nos EUA, mas um
dos seus aspetos mais marcantes como objeto de pesquisa e ensino gra-
duado e pós-graduado, nos anos sessenta e setenta do século passado, é o
seu caráter interdisciplinar. Há quatro diferentes disciplinas académicas
a estudar as políticas públicas: sociologia, ciência política, economia e
administração pública.

1 
Lasswell , H. 1971. A Pre-View of Policy Sciences. NY: American Elsevier.
1
Orações de Sapiência

Aliás, quando se iniciou no Reino Unido a discussão sobre a introdu-


ção de uma disciplina de política pública nos currículos universitários, a
reação foi que o seu conteúdo já estava presente em diversas disciplinas,
nomeadamente de administração pública, de ciência política, de política
social e de administração social 2, e consequentemente não viam os britâ-
nicos ao tempo grande utilidade na sua autonomização.
Com efeito, quando se olha para a política pública pelo lado das diver-
sas políticas públicas sectoriais, tais como as políticas de habitação, edu-
cação, saúde, segurança social ou cultura, verificaremos que muitos dos
seus autores não ensinam, nem investigam no âmbito dos departamentos
de ciência política ou de gestão e administração pública. Pelo contrário,
estão localizados no interior dos departamentos de sociologias, ciências da
educação, economia, etc. Ora a envolvente em que a política pública é en-
sinada acaba por condicionar fortemente o seu conteúdo e a sua orientação
estratégica. Esta é uma tendência normal, que já acontecera com a disci-
plina de sociologia da educação, ensinada nos departamentos de educação
ou nos de sociologia.
Acresce que o estudo das políticas públicas, na década de oitenta do
século passado, chegou a ser a área mais importante da administração
pública, usando, por um lado, conceitos oriundos das diversas ciências
sociais e, por outro, recorrendo à perspetiva de processo que envolve um
conjunto complexo de elementos: atores - grupos de interesse, agências
governamentais, legislaturas, investigadores e média, com diferentes valo-
res, perceções, e preferências; com intervalos de tempo de uma década ou
mais; níveis múltiplos de governo; debates políticos sobre aspetos técnicos
do problema, as razões e impactos de soluções políticas; grande parte de
debates/disputas envolvem valores/interesses, valores financeiros eleva-
dos. Há quem resuma a construção das políticas públicas ao resultado de
três grandes atores: políticos, grupos de interesse e burocratas/dirigentes
superiores da administração.
Assim, os modelos de análise das políticas públicas oriundas dos
EUA, dez anos depois, conquistaram o Reino Unido, espalhando-se ra-
pidamente pela Europa, países escandinavos, Austrália e Nova Zelândia.
A Europa continental, fiel ao modelo de administração pública enraizado
no conceito de estado-nação, revelou maior dificuldade em absorver esta
inovação, estranha à sua tradição administrativa e à sua cultura jurídica.
A política pública era filha do modelo americano de sociedade industrial
e, consequentemente, medra mais facilmente nas matrizes administrati-

2 
Hogwood, Brian. 1995. “Public Policy”. Public Administration. Vol. 73, n.º 1.
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João Bilhim

vas dos países de tradição anglo-saxónica. Como salienta Barbara Nelson,


esta disciplina de política pública nasce nos EUA por lá existir as duas
condições indispensáveis: estabilidade política e estabilidade democrá-
tica, aliada à existência de grupos de opinião independentes que avaliam
a ação do governo. 3
Apesar desta afinidade, a afirmação da política pública entre os acadé-
micos e em particular entre os profissionais no Reino Unido não deixou de
sofrer algum revés com a emergência da abordagem teórica, conhecida por
New Public Management, nos anos oitenta e noventa do século passado,
que visava reduzir ao mínimo o âmbito de ação do Estado. Mau grado este
pequeno revés, atualmente os manuais, os artigos e as ofertas de cursos
graduados e pós-graduados com o enfoque na política pública proliferam 4
a tal ponto que se torna difícil fazer um levantamento ou balanço 5.
Em Portugal, o ensino e investigação nesta disciplina começou tarde.
Apenas no início dos anos noventa do século passado foi criada uma dis-
ciplina de política pública, na Universidade do Minho, na licenciatura e
mestrado em administração pública e, no ISCSP da Universidade Técnica
de Lisboa, na primeira revisão a que foi submetido o currículo da licen-
ciatura em gestão e administração pública, em Setembro de 2003, foi in-
troduzida esta disciplina, no 4.º ano. No mesmo ano foi reconhecido pela
Fundação de Ciência e Tecnologia o Centro de Administração e Políticas
Públicas do ISCSP da UTL.
Importa realçar que, em 1998, foi criada em Portugal a primeira as-
sociação profissional, com a designação de Associação Portuguesa de Ad-
ministração e Políticas Públicas (APAPP), por iniciativa da Universidade
do Minho e do ISCSP da UTL. Todavia, desde 2000 que as universidades
portuguesas alargaram as suas ofertas de ensino superior na área das polí-
ticas públicas, com mestrados, cursos de pós-graduação e especialização,
aumentando exponencialmente as teses e dissertações sobre políticas pú-
blicas, quer na sua vertente de desenho, implementação e avaliação quer
na sua vertente sectorial, isto é, comunicação social, educação, trabalho,
saúde, entre outros.

3 
Nelson, Barbara. Public Policy and Administration: Na Overview. In Robert E. Goodin e
Hans-Dieter Klingemannn, eds . 1998. A New Handbook of Political Science, Oxford.
4 
Hogwood, Brian. 1995. “Public Policy”. Public Administration, Vol. 73, n. 1.
5 
Rocha, José Oliveira. 1995. Teoria do Processo Político e Políticas Públicas. Braga: Uni-
versidade do Minho.
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Orações de Sapiência

Objeto das políticas públicas

Na literatura especializada abundam as definições de política pública


(public policy). Para Dye 6 política pública é tudo aquilo que constitui ma-
téria de opção do governo, seja ato ou omissão, tudo aquilo que ele optou
por fazer ou não fazer. O produtor de políticas públicas são o governo e
outras autoridades públicas. Os atores não-governamentais podem apenas
participar influenciando o desenvolvimento de políticas. As políticas pú-
blicas implicam a decisão enquanto escolha entre alternativas, por parte
do governo, de fazer algo ou não tendo em vista a produção de resultados.
Não fazer é também uma escolha.
Nagel 7 é de opinião que a política pública compreende as decisões
governamentais destinadas a resolver problemas. Na perspetiva de Ander-
son 8, a política pública diz respeito à ação do governo e dos dirigentes
e funcionários públicos destinada a lidar com um determinado problema
cujo objetivo é a eficiência, equidade, segurança/necessidade e liberdade
em especial a relação entre eficiência e igualdade.
Em suma, pode dizer-se que há duas grandes tradições de caracteriza-
ção do processo político. A primeira, de carácter generalista, que integra
tudo quanto possa ser actividade do governo 9 ; a segunda, menos ampla,
que se restringe às atividades de resolução de problemas. Todavia apre-
sentam algo em comum: o papel central desempenhado pelo governo, que,
na expressão de Nelissen 10, ficou conhecido como dirigente da sociedade
“steering of society”. Grande parte das políticas envolve uma série de deci-
sões que contribuem para um dado resultado.
Acontece que a crescente complexidade que a vida moderna revelou
levou a considerar o poder político institucionalizado como uma rede de
poderes, o que tende a encarar a vida política como um processo de ne-
gociação e de troca, no qual governar assenta sobretudo num processo de

6 
Easton, David. 1975. Understanding Public Policy, 2.ª ed. Englewood New York: Pren-
tice-Hall.
7 
Nagel , Stuart. 1980. “The Policy Studies Perspective”. Public Administration Review, Vol.
??? 391-396.
8 
Anderson, James. 1984. Public Policy Making, 3.ª ed. New York: Holt Rinehart and
Winston.
9 
Sabatier, Paul. 1991. “Political Science and Public Policy”. Political Science & Politics,
June, 143-6.
10 
Nelissen, Nico, et al. 1999. Renewing Government. Ultrecht: International Books.
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ajustamento entre grupos, sendo equivalente a um modo dinâmico de gerir


crises 11.
As políticas e programas que estruturam e conduzem a vida política
e social atual são o resultado de interações de muito diferentes grupos e
organizações, a mistura de muito diferentes opiniões e interesses.
Nesta conceção pluralista do político não há propriamente uma socie-
dade, mas sociedades. Há sempre um mosaico ou um complexo de grupos,
onde cada grupo se apresenta como uma massa de atividades, onde há flu-
tuações de adesões individuais. Há uma pluralidade de centros de decisão,
uma vasta constelação de pequenos poderes de contornos e articulações
complexas. Assim, em muitas áreas, deixou de fazer sentido pensar as
políticas públicas como o resultado de um processo de decisão do governo.
O governo não deixa de ser um ator e, em certos casos, um ator de
muito peso; mas as políticas públicas que guiam a sociedade são o resul-
tado de um conjunto de interações complexas envolvendo múltiplos grupos
de interesses, acabando por se combinar de uma maneira normalmente
muito imprevisível e não menos fascinante.
O governo não é mais “aquele que está encarregado”; desvaloriza-se o
seu caráter empreendedor valorizando-se em seu lugar a cidadania ativa.
Nesta perspectiva só é cidadão aquele que participa nas decisões da comu-
nidade política e aquele que ora governa ora é governado 12. O cidadão não
é nem escravo, nem súbdito. Esta é a posição oposta à ilusão demiúrgica
de Thomas Hobbes e do Individualismo possessivo e do pretenso dono e
senhor da sociedade.
Todavia, se a definição clássica de política pública como curso de ação
seguido pelo governo e funcionários públicos, destinado a resolver um de-
terminado problema, já não satisfaz as exigências de uma cidadania ativa,
mantém-se válida a ideia de que esta disciplina procura responder à ques-
tão: “Como se toma decisões políticas em matéria de políticas públicas”.
As abordagens desta disciplina são de dois tipos 13: descritivas e pres-
critivas. As descritivas, que compreendem as áreas de estudos de conteúdo
político, estudos de processos políticos, estudos de resultados políticos e
de avaliação de estudos; as prescritivas, que englobam matérias de infor-
mação para os decisores políticos, melhoria do processo político, análise

11 
Maltez, Adelino. 1996. Princípios de Ciência Política. Lisboa: ISCSP.
12 
Maltez, Adelino. 1996. Introdução à Ciência Política. Lisboa: ISCSP.
13 
Rocha, José Oliveira. 1995. Teoria do Processo Político e Políticas Públicas. Braga: Uni-
versidade do Minho.
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Orações de Sapiência

da análise - a avaliação crítica dos pressupostos, metodologias e validação


das análises políticas.
Há, porém, autores que agrupam as abordagens das políticas públicas
em quatro grandes áreas: a) Funcional, designadamente saúde, educação,
justiça, entre outras; b) Avaliação e medição dos impactos, nomeadamente
análise de custo/benefício; c) Estudo do processo político e dos fatores que
afetam a formulação e implementação das políticas e dos seus efeitos; d)
Eficácia dos diferentes tipos e instrumentos de implementação das políti-
cas.

Agenda política e formulação das políticas públicas

Que problemas chegam às mãos dos políticos para decisão? Como cha-
mam tais problemas a atenção dos políticos e motivam uma proposta po-
lítica destinada à sua resolução? Por que razão determinados problemas
entram na agenda política e outros não? Em que momento se constrói a
agenda política em definitivo? O ciclo de políticas públicas é iniciado com
a agenda e filtrado com a formulação?

A teoria clássica ensina que para determinado interesse fazer parte da


agenda política é necessário que se transforme num facto político contro-
verso, que haja um conflito de interesses que justifique a intervenção do
poder político. 14 A criação de um facto político através da fabricação de
um conflito era uma forma usual de colocar na agenda política um deter-
minado problema.
Kelman 15, por exemplo, seguindo a peugada clássica das políticas pú-
blicas desde a sua génese até à sua avaliação, realça as seguintes fases:

• A ideia política – é a matéria-prima, consubstanciada em propostas,


mesmo que vagas, para que algo mude na acção do governo;
• Escolha política – os cidadãos portadores de tais ideias tentam in-
fluenciar o governo no sentido de as porem em prática;
• Produção – uma vez decidida, a implementação transita para uma
instituição que dará corpo a tal decisão política;
• Ação do governo – este processo culmina num conjunto de ações do
governo que são sentidas ao nível do cidadão comum;

14 
Cobb Roger ; Elder, Charles. 1983. Participation in American Politics: the dynamics of
agenda-building. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.
15 
Kelman, Steven. 1987. Making Public Policy. Basic Books.
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João Bilhim

• Resultado real – integra o efeito do curso de ação determinado pelo


governo e os efeitos colaterais inerentes a variáveis diversas.

Esta sequência descrita por Kelman afasta-se das posições dos insti-
tucionalistas mais tradicionais, que apenas dividiam o processo de formu-
lação das políticas públicas através da divisão dos poderes em legislativo,
executivo e jurisdicional, e aproxima-se do conceito de cidadania de Aris-
tóteles.
Na perspetiva institucionalista tradicional, o estudo da política legisla-
tiva da iniciativa do parlamento ou do governo era suficiente para entender
a génese e desenvolvimento das políticas públicas.
As consequências desta perspetiva podem ainda ser identificadas na
velha dicotomia entre políticos eleitos e administradores públicos no-
meados, protagonizada Frank Goodnow e Woodrow Wilson, para quem
os políticos eleitos deveriam tomar as decisões políticas e os burocratas,
mantendo-se fora deste processo, deveriam apenas implementá-las.
Woodrow Wilson, que foi um dos primeiros presidentes da Associação
Americana de Ciência Política, nos anos oitenta do século XIX, Professor
em Princeton e posteriormente Presidente dos EUA, no seu famoso ensaio
de 1887 sobre burocracia, expressa bem uma das bases do velho institucio-
nalismo: o holismo. A investigação, mesmo que descritiva ao tempo, estava
centrada na análise legal e formal das instituições enquanto burocracias.
As instituições moldavam o comportamento dos indivíduos e nessa medida
a iniciativa da política pública cabia inteiramente ao poder político 16.
A teoria da Escolha Pública 17 (Public Choice), acentuando a optimiza-
ção das escolhas pelo agente económico individual ou grupal (agregação
de vontades), problematizou profundamente o movimento que vai da ins-
tituição política para o cidadão. A teoria da Escolha Pública, também co-
nhecida por Escolha Racional, coloca a ênfase exatamente no ponto oposto:
é o indivíduo na busca da máxima satisfação do seu interesse egoísta quem
vai influenciar a decisão política.
Para a Escolha Pública surgem diversas propostas racionais apresenta-
das pelos agentes económicos para resolver problemas públicos, e os polí-
ticos, bem como os administradores públicos, apontam soluções tendo em
conta os respetivos interesses egoístas. Para todos os problemas públicos
há soluções racionais. Todavia os políticos, cujo objectivo é a permanência

16 
Bilhim, João. 2014. “Política e administração”. Sociologia, Revista da Faculdade de Le-
tras da Universidade do Porto, Vol. XXVIII, 2014, pág. 11-31.
17 
Stiglitz, Joseph. 1988. Economics of the Public Sector. London: W. W. Norton & Company.
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Orações de Sapiência

no poder (reeleição) 18, raramente escolhem a alternativa mais eficiente,


mas, sim, aquela que tem maior rentabilidade eleitoral.
Por outro lado, fazem opções cujos benefícios se concentram no curto
prazo, tendo necessidade de “vender” essas políticas ao eleitor médio, es-
condendo os custos de tais opções.
Por seu lado, os quadros, os administradores públicos, ávidos de po-
der mas formalmente executores neutros das decisões políticas, procuram
maximizar os seus próprios interesses egoístas, entre os quais a detenção
de formas de poder sobre os outros grupos, a promoção pessoal, melhores
salários etc. Os quadros tendem a favorecer a produção pública de bens e
serviços pela administração direta do Estado, ao mesmo tempo que consti-
tuem um importante grupo de pressão junto dos políticos devido à sua pro-
ximidade ao poder, bem como a sua capacidade de controlo da informação
e da agenda política.
Assim, a decisão sobre as políticas públicas não segue o itinerário
das perspetivas institucionalistas, nem a racionalidade da eficiência eco-
nómica. Em rigor, o governo eficiente da public choice deveria ser uma
espécie de tecnocracia, em que os novos donos, aqueles que iriam fazer
o steering of society, seriam uma pequena elite, nos termos de Burnham 19
uma elite gestora, supostamente apoiada na técnica.
Fazer a análise da génese e do desenvolvimento das políticas públicas
é aplicar a abordagem sociológica e fenomenal, descrevendo o roteiro que
as mesmas realmente seguem e não o roteiro que seria presumível as mes-
mas seguirem.
Por isso, questiona-se hoje se serão as autoridades públicas que mode-
lam os interesses do cidadão, vendendo-lhe produtos políticos, ou se, pelo
contrário, são os cidadãos, individualmente ou associados em grupos de
interesse, que pressionam os políticos e lhes constróem a agenda política.
Por exemplo, Lindblom depara que o poder político molda as aspirações
dos cidadãos e controla a agenda política, acrescentando, a terminar este
ponto, que um dos objetivos da democracia é precisamente educar o povo.
O processo político assemelhar-se-ia ao mercado: espaço de troca en-
tre quem procura e quem oferece, compradores e vendedores. A produção
segue a procura, mas só se procura o que é produzido. Os governos pro-
duzem o que lhes interessa e tal interesse não coincide necessariamente
com o dos cidadãos, coincidindo, quando muito, com o interesse de certos
segmentos de cidadãos.

18 
Downs, Anthony. 1957. An Economic Theory of Democracy. New York: Harper &Row.
19 
Burnham, James. 1972. The Managerial Revolution. London: Greenwood Press.
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Sendo os governos nas democracias constituídos pelos partidos políti-


cos, os quais são fundamentalmente articuladores e agregadores de inte-
resses, parece-me que a agenda política é fixada de forma dinâmica numa
espécie de arena política onde lutam diversos interesses. É exatamente
isto que Raymond Aron queria significar ao escrever que a democracia
moderna, na sua realidade efetiva, poderá ser caracterizada por uma ins-
titucionalização de conflitos. O conflito e o consenso são virtudes da de-
mocracia; são como que os dois pólos que revitalizam a polis; duas faces
inseparáveis da mesma moeda.
À luz dos respetivos interesses, há na arena diversos atores em pre-
sença: os eleitorados de cada partido; os grupos que poderão beneficiar
ou vir a ser prejudicados com tais políticas; uma matriz ideológica que
serve, por um lado, de almofada, destinada a reduzir o impacto das ares-
tas dos diversos interesses e, por outro, de “racional” das propostas des-
tinadas a resolver problemas; os dirigentes partidários com os seus inte-
resses específicos e particulares nesse momento concreto da constituição
da agenda.
É daqui que surgem as primeiras vitórias e as primeiras derrotas na
escolha da agenda política. Uma coisa parece certa: neste jogo, os diversos
grupos de interesse averbarão permanentemente na sua contabilidade os
ganhos e perdas que se forem registando.
Deste modo parece que, agregando os diversos interesses em dois
grandes blocos (partidos/cidadãos), não surge claro se a agenda é fixada
predominantemente com base na procura dos cidadãos ou com base na
oferta dos políticos.
É fixada seguramente com base neste binómio, mas a dominância ou o
diferente peso de um sobre o outro apresenta grande variedade ao longo do
processo, desde a sua génese até à sua implementação.
Caso assim não fosse, como se compreende que, não só governos mino-
ritários, mas também governos com clara maioria parlamentar, façam tan-
tas concessões aos lobbies, tomando iniciativas que contrariam o programa
do governo e o programa do partido sufragado nas eleições?
É precisamente devido a este fenómeno, fruto da vontade de permane-
cer no poder, que os governos e os partidos políticos progressivamente jo-
gam no curto prazo, abandonando e muitas vezes comprometendo o médio
e o longo prazos.
E chegamos a um ponto que nos parece crítico para a democracia.
Como se deverá organizar a sociedade no sentido de pressionar os parti-
dos políticos a oferecerem produtos políticos que tenham em conta o longo
prazo e a sobrevivência de um país? Este é um dos pontos essenciais das
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Orações de Sapiência

políticas públicas dos nossos dias: divergências entre os diferentes gover-


nos e diferentes níveis de governo levam a políticas públicas fragmenta-
das e contraditórias. O que importa é que as políticas expansionistas ou
retracionistas não sejam ditadas por interesses partidários de curto prazo
ou diferentes lógicas de governação, nomeadamente municipal e central.
Aliás, não é certo que o cidadão médio só esteja preocupado com o
curto prazo; nem muito menos parece evidente que as decisões com im-
pacto positivo a médio e longo prazo não rendam politicamente. Parece que
se trata de uma questão de postura. O propósito de uma política pública
futura pode ser completamente espezinhado por diferentes agendas políti-
cas e institucionais incompatíveis ou contraditórias.

A decisão no setor público

No paradigma tradicional jurídico da Administração Pública Portu-


guesa decidir era o resultado do cumprimento de um determinado processo
imposto por lei ou regulamento. Assim, independentemente do resultado,
a decisão seria sempre boa se tivesse seguido o procedimento. O ato de
seguir o procedimento poderá levar a que a Administração compre um
produto ou serviço mais caro. Todavia, isso não importa; o que interessa é
seguir o procedimento. Para o novo paradigma de cariz gestionário, decidir
é o ato de optar entre alternativas; não há decisão se não foram geradas
alternativas convenientes. Este último paradigma releva mais das ciências
sociais e da gestão do que da ciência jurídica.
Deste modo, no caso vertente a decisão consiste em optar por um de-
terminado curso de ação, por uma proposta concreta, perante a diversidade
de alternativas existentes, destinadas à resolução de um determinado pro-
blema de interesse público; tendo em conta critérios de decisão, mesmo
que fracamente ligados na prática; comparando e classificando as alter-
nativas existentes, com base no conjunto de critérios de decisão estabele-
cidos.
Acresce que o processo de tomada de decisão varia também em fun-
ção dos decisores/dirigentes e dos contextos em que atuam. Por exemplo,
distintos países apresentam distintos modelos constitucionais e organiza-
cionais, bem como procedimentos operacionais, todos com impactos signi-
ficativos na tomada de decisão. Além disso, estes processos são igualmente
afetados pelos aspetos comportamentais inerentes à personalidade de cada
um. Cada um tem a sua história de vida ou percurso profissional, saberes
e valores que estarão presentes na forma como eles abordam o problema e
na relevância dos fatores que levam em conta na tomada de decisões.
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João Bilhim

Na decisão política, em matéria de políticas públicas, há três dimen-


sões a considerar: política, técnica e organizacional. Há a dimensão de,
a quem agrado ou desagrado com esta decisão; outra, estritamente téc-
nica, da viabilidade técnica da medida; e uma outra, organizacional, sobre
quem a vai implementar. Em comparação com a tomada de decisão no
setor privado, a grande diferença é colocar o lucro ou a sobrevivência da
empresa no lugar onde se coloca a dimensão política. De resto, as restantes
duas são perfeitamente idênticas aos dois setores.
Para além do modelo racional clássico, com fraca aderência prática,
que visava a otimização/maximização da decisão, existem métodos mais
práticos que ajudam a avaliar e a determinar as prioridades programáticas,
tendo em conta os níveis de constrangimento de financiamentos. Os três
mais importantes são: o incremental, o conceptual e o de desempenho.
Para o modelo de decisão “incremental”, a decisão pública é enca-
rada como um processo com restrição de informação e tempo, no qual há
conflitos, negociações e compromisso entre dirigentes que detêm os seus
próprios interesses. Neste modelo, ao contrário da racional, não se visa a
otimização, mas, antes, que as decisões sejam o resultado de contínuas
comparações limitadas que os dirigentes fazem das alternativas em jogo.
De acordo com este método, as decisões são tomadas sobre o volume
marginal de mudança que possa ocorrer de um ano para o outro, e os in-
teresses instalados em anos anteriores não são postos em causa. Em linha
de conta toma-se, apenas, o aspeto marginal de mudança que ocorre todos
os anos.
As decisões expressam mais o politicamente viável, enquanto necessi-
dade de satisfazer os interesses em jogo, do que o tecnicamente desejável
num ambiente de menor incerteza. Caiden 20 observou que, historicamente,
este tipo de afetação de recursos funcionou muito bem, dado que a ênfase
colocada no ajustamento marginal anual era um bom guia para a ação no
futuro imediato.
Na prática, este método apenas possibilita a escolha entre alternativas
na parte marginal que diz respeito ao novo ano. No essencial, o passado
está automaticamente aprovado para o ano seguinte. A principal atração
do modelo encontra-se, em nosso entender, na acentuação da estabilidade
e num processo de decisão assente na rotinização de procedimentos, tendo
em vista a minimização da incerteza. A principal crítica que se faz a este
método reside no facto de não ser sensível às mudanças da envolvente, num

20 
Caiden, N. “Public Budgeting Amidst Uncertainty and Instability”. In Shafritz, J. M.;
Hyde A. C. ed. – Classics of Public Administration. Pacific Grove, CA: Brooks/Cole.
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Orações de Sapiência

tempo marcado por profundas mudanças na forma de relacionamento entre


os cidadãos e a administração.
Neste contexto, o amanhã tende a ser encarado como diferente do hoje,
pelo que o passado – mesmo que tenha sido brilhante –, poucas garan-
tias pode dar relativamente ao futuro. A orientação pelo passado lembra a
imagem do condutor de uma viatura que se orienta pelo espelho retrovisor.
De pouco lhe serve essa informação se não tomar em linha de conta o que
se está a passar à sua frente. Do mesmo modo, o modelo incremental deu
muito bons resultados nos períodos de forte estabilidade.
Para Lindblom 21, as políticas públicas normalmente não escapam ao
status quo em virtude de: por um lado, o status quo representar um com-
promisso baseado em interesses existentes, é fácil manter a bitola tradicio-
nal de distribuição de bens e serviços, do que mudar; e por outro lado, os
procedimentos e práticas administrativas, que suportam a implementação,
aceitam mais facilmente pequenas modificações de práticas do que rutu-
ras dramáticas.
O método conceptual concentra-se na discussão política acerca do pa-
pel do governo sobre os propósitos subjacentes ao fornecimento de qual-
quer serviço pela administração pública. Por exemplo, o propósito do go-
verno é manter o nível de pobreza ou criar condições de autossuficiência,
por outras palavras, de acordo com o provérbio chinês, é oferecer peixe ou
ensinar a pescar? O salário mínimo garantido tem em vista criar condições
ao emprego ou reforçar o desemprego e a dependência?
Do ponto de vista social, o problema prende-se com a produtividade.
Até que ponto as necessidades dos cidadãos em relação a alimentação,
vestuário, habitação, saúde e segurança social, estão satisfeitas?
Quando se estabelece prioridades usando este método, a ênfase é posta
no grau em que a ajuda pontual ao cidadão lhe possibilita a autossuficiên-
cia futura. Assim, a prestação de serviços de educação e formação profis-
sional pode ser mais crucial para a tal autossuficiência do que a concessão
de subsídios para a ida ao teatro.
Do ponto de vista estrutural, há que reconhecer que uma das vanta-
gens da comunidade é a existência de sinergias na prestação de serviços,
impossíveis de ser obtidas por cada um individualmente.
O aspeto mais importante deste método está no facto de forçar a aná-
lise do papel que o governo deve desempenhar, não dando como adquirido
o que foi feito no passado. O passado é posto em causa, e confrontado com

21 
Lindblom, C. 1959. “The Science of Muddling Through”. Public Administration Review
v. 19, n.º 2, p. 79-88.
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o que deve ser feito, tendo em conta o propósito da administração, conju-


gado com o princípio da maximização da utilidade.
Até aqui fizemos o levantamento de dois diferentes sistemas de avalia-
ção e priorização de ações no setor público. Todavia, Mary Hale e Aimee
Franklin 22 apresentam os traços de um novo modelo de priorização a que
chamaram “reavaliação”. Este novo modelo trata da adequação entre três
elementos: necessidades do serviço a ser prestado; alternativas de finan-
ciamento; alcance dos objetivos.
Trata-se de um modelo alternativo que valoriza particularmente a in-
tegração de serviços a prestar à comunidade, realçando a necessidade de
canais permanentes de comunicação entre todos os grupos interessados
(stakeholders) e a flexibilidade necessária para se proceder a revisões pe-
riódicas de objetivos.
A chave para uma boa utilização deste modelo passa pelo envolvimento
dos principais atores no próprio processo, a comunicação social e a opinião
do público. Passa, ainda, pela implementação de um sistema de controlo e
revisão dos objetivos, associado a outro, de colheita sistemática de dados,
aliado a um bom sistema de resolução de conflitos.
Este modelo procura reduzir duplicações, compreender as ligações,
encorajar a colaboração e estabelecer áreas de responsabilidade baseada
na performance. O modelo introduz ainda uma democraticidade maior no
processo de priorização e consequente tomada de decisão.
Por último, e numa tentativa de integrar a contribuição de todos os
grupos interessados (stakeholders) no processo de avaliação e priorização
da intervenção administrativa, gostaria de lembrar que os modelos e téc-
nicas de avaliação que permitam a integração da visão dos clientes/uten-
tes e dos funcionários da Administração Pública estão a ganhar grande
atenção atualmente 23. Hoje não se aceita que haja organizações públicas
bem posicionadas na sua performance, se não possuírem clientes/utentes
e funcionários satisfeitos.

Implementação

A implementação corresponde a um momento crítico no ciclo de polí-


ticas públicas, pois diz respeito à efetivação da política pública. Ora, para

22 
Hale, Mary; Franklin, Aimee. 1997. “Re-evaluation Methods of Establishing Priorities
for Governmental Services”. Public Productivity & Management Review, Vol. 20, n.º 4: 384-396.
23 
Bilhim, João. 1999. “Metodologias e Técnicas de Avaliação”. In Avaliação na Administra-
ção Pública. Lisboa: INA.
13
Orações de Sapiência

os políticos, a política pública está concluída com a publicação do seu


diploma legal na folha oficial, descurando totalmente as restantes fases do
ciclo como seja a implementação e a avaliação. Esta é a razão por que, em
nosso entender, frequentemente falham as políticas públicas, não apenas
são fragmentadas mas sobretudo não se pensa de forma integrada desde o
desenho ao momento final da avaliação e do que se tenha a aprender com
essa avaliação final.
Trilhando a perspetiva da dicotomia entre administração e política, ou
seja, entre os “eleitos” e os “designados”, pode dizer-se que os políticos,
representantes do povo no ciclo de políticas públicas, possuem um papel
forte na agenda, na formulação e na decisão da política pública, mas é
aos designados, isto é, à administração, que cabe o papel maior na imple-
mentação e na avaliação da mesma. Isto porque as políticas públicas são
decisões políticas para implementação de programas que visam atingir
objetivos de interesse público.
As incoerências constantes entre a conceção e a implementação de po-
líticas lembram que muita melhoria pode ser feita pelos dirigentes, os de-
signados. As políticas públicas decididas no domínio político pelos eleitos
são, com frequência, amplas e vagas, sem preocupação com os pormenores
deixados ao cuidado dos designados. Acresce o facto de os organismos e
os dirigentes superiores da Administração disporem de orientações para
executar certas políticas públicas não significar que disponham, os mes-
mos, dos recursos necessários para a sua implementação e o apoio. Para
cumprir os objetivos, os dirigentes precisam de capacitação em diversas
áreas de competência, que muitas vezes são relativamente desconhecidas
para eles, caso tenham sido treinados no modo clássico da administração
pública, centrada na cadeia hierárquica de obrigações, e responsabilidade
para com superiores e os membros do Governo.
Não pode ainda, nesta fase do ciclo, deixar de salientar-se os riscos
que se corre com os chamados “burocratas de nível de rua” (street-level
bureaucrats), que muitas vezes se distanciam do que foi previsto na fase
de formulação. Os agentes locais permutam ou subvertem muitas vezes as
políticas, sobretudo exigindo e aceitando pagamentos por negligência ou
alteração de regras. Por outro lado, algumas políticas nacionais parecem
ter sido construídas para fracassar, independentemente do esforço de im-
plementação, por motivos de mera sinalização política.
No entanto, o maior problema em Portugal relativamente à implemen-
tação reside na postura cultural dos governantes e dos legisladores, que os
leva a pensar, sentir e agir como se a política pública estivesse concluída
com a publicação do respetivo diploma no Diário da República. Constata-
14
João Bilhim

-se na cultura dos políticos uma perspetiva excessivamente jurídica em


que se identifica o estudo das políticas com a análise dos diplomas legais,
quando tudo quanto foi dito nesta lição de sapiência vai na direção oposta,
ou seja, no sentido gestionário e integrado.
Neste ponto convoco o pensamento de Kurt Lewin 24, o pai da psico-
logia social, na sua teoria de campo, que definiu a gestão da mudança
com base em três fases: descongelamento, mudança e novo congelamento.
Implementar é introduzir processos de mudança, e esta tem de ser gerida.
Para se obter a efetivação de uma determinada política pública há que:
identificar as forças favoráveis e as que se opõem a tal política; salientar
as forças mais importantes, críticas para o sucesso; desenvolver ações des-
tinadas a enfraquecer as forças desfavoráveis e a fortalecer as restantes.
Como fica patente, tudo isto está muito para além da publicação do diploma
legal e releva de outras áreas do saber. Para que os dirigentes possam ser
julgados pela sua capacidade de fazer as coisas acontecer e não por suas
boas intenções, é indispensável que a formação dos dirigentes neste ponto
seja programada em termos muito diferentes dos atuais.
Por último, importa reter que a implementação de políticas públicas
também deve ser encarada como uma forma de governança em rede, exi-
gindo a coordenação entre um conjunto vasto e complexo de atores. Isso
é particularmente relevante quando se procura a integração de diferentes
objetivos de políticas através de um certo programa. Esta é outra faceta da
qualificação dos dirigentes superiores da Administração que não está a ser
levada devidamente em conta – o trabalho em rede.

Avaliação

A avaliação de políticas públicas, em termos de eficiência, eficácia,


economia e efetividade, envolve a avaliação do grau com que está atingindo
os objetivos propostos e, se não estiver, o que pode ser feito para corrigir
os desvios e melhorar o resultado final na perspetiva do cidadão ou das
empresas. Esta é uma fase do ciclo em que os dirigentes, à semelhança do
que acontece com a fase anterior da implementação, maior papel desem-
penham nas políticas públicas. Acontece que, por diversas vicissitudes,
nomeadamente pela já descrita postura cultural dos governantes e legis-
ladores, e por falta de formação adequada nesta área de competências, os
dirigentes que deveriam ser peritos neste domínio não o são e muito menos
se encontram sensibilizados para esta necessidade de capacitação, o que

24 
Lewin, Kurt. 1951. Teoria de Campo em Ciências Sociais. São Paulo: editora Pioneira.
15
Orações de Sapiência

ainda é pior. Tudo isto conduz a que não haja uma cultura de avaliação na
Administração em Portugal. Há auditorias, há fiscalização, mas não há
avaliação de políticas públicas, nem formação neste domínio.
A consequência imediata desta postura é não se aprender com o erro,
é a falta de melhoria contínua e de informação retroativa ou feedback para
a ação sobre o que correu bem e o que correu mal e por que razão. Na
sua ausência perpetuam-se os erros e reproduzem-se recorrentemente os
mesmo gestos, persistindo no percurso de um caminho que não conduz ao
sucesso.
Assim, a avaliação de políticas públicas raramente é utilizada e,
quando realizada, é determinada por exigências processuais ou considera-
ções de tática político-partidária, não contribuindo para a contínua apren-
dizagem em políticas públicas. Muitos governos e organismos públicos re-
correntemente impedem o acesso à informação, privando os avaliadores,
nomeadamente universitários, da oportunidade ou do “laboratório” para
exercitarem a avaliação e depois drenarem por todo o tecido as aprendiza-
gem obtidas através de formação especializada.
A avaliação ajuda o processo de criação de políticas públicas, pelas
seguintes razões: resume o conhecimento do problema e a solução pro-
posta de política pública ou programa; desmitifica o saber convencional ou
o conhecimento popular acerca do problema ou das soluções; aumenta a
informação disponível sobre a eficácia do programa ou da política pública;
explica aos principais atores os efeitos das novas informações obtidas por
intermédio da avaliação 25.
Dado que a avaliação facilmente pode descambar para problemas de-
licados de natureza política, em especial com efeitos no resultado eleitoral
e nas carreiras dos dirigentes da Administração, sugere-se que em todos
os Ministérios haja um departamento de estudos encarregado sobretudo
de solicitar ao exterior estas avaliações, fornecendo-lhes os dados indis-
pensáveis. Importa, pois, criar sistemas de avaliação independentes em
cada ministério e que os dirigentes compreendam a natureza política da
avaliação, não deixando igualmente de melhorar a objetividade das avalia-
ções administrativas. Para tal, será indispensável a criação de estruturas
de acompanhamento e de avaliação antes do início da implementação des-
tinada à produção de boa avaliação de impacto, envolvendo os principais
stakeholders.

25 
Wu, Xun; Ramesh, M.; Howlett, Michael; Fritzen, Scott. 2003. Studying Public Policy:
Policy Cycles and Policy Subsystems. Oxford: Oxford University Press.
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João Bilhim

A necessidade de avaliar um programa, o impacto de uma política


pública ou de um serviço prestado pela administração pública, tem ori-
gem na crença, comum, de que o resultado destas ações, por parte dos
decisores públicos, acarreta benefícios mensuráveis. Por exemplo, um
programa público destinado a alfabetizar adultos deve levar a melhorias
mensuráveis nas capacidades de leitura dos cidadãos. Uma medida de
redução dos limites de velocidade num itinerário principal, ou apenas a
tolerância zero, por parte dos agentes reguladores de tráfego, deve con-
duzir à diminuição dos acidentes e, talvez, a alguns ganhos no consumo
de combustível.
O que parece ser crítico para todos os métodos de avaliação que se-
jam adotados é a resposta às seguintes questões: O que é que o governo
se comprometeu, no programa eleitoral, a fornecer aos cidadãos? Quem é
responsável pelo quê nesse mandato? Quais as condições mais desejáveis?
Que imagem deseja promover junto da população? Quem são e o que de-
sejam os lobbies que influenciam a decisão política?
Tudo isto pressupõe que os programas sociais devem possuir metas
e objetivos bem explícitos, para que o sucesso ou o fracasso possam vir
a ser observados e medidos empiricamente. A afirmação, ou a simples
pressuposição de que a medida vai ter sucesso, já não é, nos nossos dias,
suficiente na administração pública.
As forças políticas envolvidas e os cidadãos, individualmente ou orga-
nizados em grupos de pressão, exigem mais de quem governa. As afirma-
ções só são válidas quando acompanhadas de provas empíricas que com-
provem, ou neguem, a relação afirmada a montante, de que tal programa
ou curso de ação iria provocar tal resultado.
Resta perguntar em que medida a avaliação de que aqui falamos,
apoiada nas teorias das diversas ciências sociais, é diferente de uma ava-
liação feita por um jornalista. A resposta encontra-se no uso do método
científico. Na verdade, tanto o camponês como o meteorologista fazem pre-
visões sobre o tempo e o camponês pode acertar mais do que o meteo-
rologista. Todavia, ambas as previsões, embora baseadas em evidências
empíricas – voo das aves e fenómenos meteorológicos –, são diferentes, por
terem por base o senso comum e a ciência.
O facto de uma observação ser científica tem a apoiá-la a comunidade
científica – a opinião dos pares – e dispõe de padrões ou protocolos tidos
em conta na observação, que permitem a réplica, ou seja, que outro cien-
tista, a partir dos mesmos dados, chegue a idêntica conclusão.
Há ainda que salientar um ponto importante: a avaliação de que fala-
mos, embora seja científica, não é investigação básica ou fundamental. É,
17
Orações de Sapiência

sim, investigação fundamentada, mas sempre no âmbito do que é conhe-


cido por investigação aplicada 26.

O futuro da disciplina

De acordo com o que atrás ficou dito, parece claro que há muito dobra-
ram os sinos a assinalar o funeral de abordagens legalistas, para as quais
o estudo da política pública se esgota no estudo da lei e o parlamento é o
único autor da política pública. O formalismo jurídico, transformado em
ritualismo ou, melhor, em feiticismo do regulamento, enraizado em cada
funcionário, dominado pela ideia de que ele representa o Estado, portanto
a lei aos olhos do cidadão, não convive bem com a cultura de cidadania
ativa. A racionalidade jurídico-formal tende a ser substituída pela racio-
nalidade gestionária da eficiência, eficácia e economia, isto é, dos meios-
-resultados.
Perspetivas teóricas como as comportamentalistas, a escolha racional
e mesmo o novo institucionalismo 27 olham para a política pública como
sendo fruto de um processo onde intervêm, individual e coletivamente,
cidadãos com vontade de ver resolvidos os problemas públicos. Contudo,
por outro lado, não deixa de reconhecer-se que o comportamento indivi-
dual, quer seja explicado de um ponto de vista económico, quer sociológico
ou psicológico, não é suficiente para explicar as políticas públicas – sua
génese, formulação, decisão, produção legislativa, sua implementação e
avaliação.
Nem o simples estudo das instituições políticas, nem o mero estudo
das leis parecem revestir um carácter exclusivo na compreensão e explica-
ção das políticas públicas. Reduzida a importância do paradigma legalista
como instrumento de formulação e implementação das políticas públicas,
as leis assumem o papel de meros instrumentos.
É do conhecimento público que o simples facto de existir uma política
pública, mesmo já consagrada em lei, independentemente de estar ou não
contida no programa do Governo, não significa que a mesma seja imple-
mentada e, consequentemente, seja objecto desta disciplina. É que esta

Bilhim, João. 1995. Gestão de Ciência e Tecnologia. Lisboa: ISCSP.


26 

Peters, Guy. 2000. Institutional Theory in Political Science: the new institutionalism.
27 

London: Continuum.
18
João Bilhim

disciplina trata daquelas políticas destinadas a resolver problemas públi-


cos que foram implementadas ou foram formalmente recusadas 28.
Além do mais, o importante é conhecer e detalhar a racionalidade de
todo o processo da formulação desta política pública, desde a sua génese
até à sua aprovação no parlamento ou, no caso português, pelo Governo, se
tal matéria não for da competência exclusiva da Assembleia da República.
Por outro lado, a política pública, na sua vertente de avaliação, vai
também tender a valorizar mais significativamente os métodos quantita-
tivos. De facto, dificilmente se pode falar sobre o impacto dos governos,
sem que tal afirmação seja comprovada com dados quantitativos e análises
sistemáticas acerca da despesa pública, do emprego público, da política
fiscal, etc.
A análise quantitativa, em particular baseada em séries estatísticas,
mais do que em modelo de investigação operacional para analisar as li-
nhas de tendência ao longo do tempo, constitui um instrumento chave na
caixa de ferramentas do analista de política pública. As séries estatísticas
que permitem avaliar o comportamento das variáveis ao longo do tempo,
por exemplo a curva descrita pela taxa de desemprego provocada por de-
terminadas políticas públicas de emprego, assumirão um papel de desta-
que nas metodologias a ensinar.
Acresce que a análise das análises, ou seja, a avaliação crítica dos
pressupostos, metodologias e validação das análises de política pública,
quer nos trabalhos académicos, quer nos relatórios técnicos elaborados
pelos diversos diretores-gerais e, em seu nome, pelos muitos Observatórios
que hoje se generalizaram, constitui outra área promissora desta disci-
plina.
Por último, mas nem por isso menos importante, o futuro desta dis-
ciplina passa pela análise do processo político. A nova sociedade do co-
nhecimento leva à cidadania ativa e, neste contexto, o principal papel do
governo não é dirigir o curso da ação destinada a satisfazer necessidades
públicas por meio de regulamentos e medidas legislativas, (embora tal seja
apropriado em muitos casos), nem é seu papel estabelecer apenas um con-
junto de regras e incentivos (o pau e a cenoura), através dos quais os cida-
dãos são guiados na direção correta. Neste novo contexto, o governo é ape-
nas mais um jogador, embora um importante jogador, na arena política e
no processo de desenvolvimento da sociedade numa direcção ou em outra.

28 
Cardim, Maria. 2007. Implementação de Políticas Públicas. Lisboa: ISCSP, (tese de
doutoramento).
19
Orações de Sapiência

Na busca de soluções para os problemas enfrentados pelas comuni-


dades de cidadãos, o governo passa a atuar de forma concertada com os
grupos privados e organizações não lucrativas. O governo perde o papel
de controlador e ganha o de elaborador de agenda, reunindo à volta da
mesma mesa os jogadores apropriados e os parceiros certos, facilitando,
negociando, mediando soluções para os problemas públicos (muitas vezes
através de parcerias entre o público, o privado e o chamado terceiro sec-
tor – voluntário ou não lucrativo).
Assim, enquanto tradicionalmente a política pública era o resultado
da resposta afirmativa ou negativa do governo aos pedidos dos cidadãos
– “Sim, podemos fornecer tal serviço” ou “não, tal serviço não será auto-
rizado” –, a política pública, no contexto do novo serviço público, sugere
que os políticos eleitos e os gestores públicos respondam aos pedidos dos
cidadãos não com um sim ou não, mas, antes, dizendo “vamos trabalhar
em conjunto para ver o que é preciso fazer” 29.
Na cidadania ativa, o papel do funcionário público também muda. O
administrador/gestor público vai progressivamente desempenhar um pa-
pel mais valorizado. Não vai apenas fornecer serviços públicos; vai jogar
um novo papel na conciliação, na mediação e na arbitragem. O seu perfil
profissional e de formação não poderá continuar ligado apenas à dimensão
do controlo organizacional e de gestão, mas a capacidades e habilidades
ligadas à mediação, à conciliação, negociação e gestão de conflitos. É que,
nesta nova perspetiva, os cidadãos não se limitam a assistir passivamente
na bancada a um jogo cujos protagonistas são o governo e os adminis-
tradores públicos. Os cidadãos também querem jogar ativamente o jogo
destinado a dar-lhes maior qualidade de vida e a assegurar-lhes os seus
direitos fundamentais (bem-estar económico e social, coesão social e li-
berdade política).
O papel do governo também está e vai continuar a mudar. Primeiro,
desempenhará um papel crucial na definição do quadro regulamentar (le-
gal e político), em que as diversas redes de atores e parceiros irão atuar.
Segundo, na proteção do interesse económico irá ajudar a equilibrar, ne-
gociar e facilitar as relações entre as diversas redes (incentivando mais
do que dirigindo). Terceiro, irá monitorizar o comportamento das diversas
redes para assegurar que os princípios democráticos e de equidade/coesão
social são mantidos. O governo terá de assegurar que com novos protago-
nistas, novos atores, novas redes, o processo democrático é preservado e
que, em última análise, o interesse público é salvaguardado.

29 
Pollitt, C. 1993. Managerialism and the Public Services, 2.ª ed. Oxford: Blackwell.
20
João Bilhim

Estes três papéis acabados de descrever encontram-se representados,


do ponto de vista teórico, em três grandes perspetivas atuais: a administra-
ção pública tradicional, a New Pubic Management e a New Public Service.
A administração pública tradicional revê-se nas dimensões institucio-
nais e legais e no primado da lei. A New Pubic Management, e parti-
cularmente a Public Choice, acolhe abertamente o princípio do Estado
catalisador e o pressuposto de que a satisfação acumulada dos interesses
egoístas dos indivíduos – a quem chama “cliente” –, resultará na satisfa-
ção do interesse público geral. A New Public Service encara o interesse
público como dominante, estando acima de tudo e resultando do diálogo
entre atores e redes, com interesses em alguns casos concorrentes, noutros
opostos e ainda noutros sobrepostos 30.

30 
Kickert, W. “Expansion and Diversification of Public Administration in the Post-war
Welfare State”. Public Administration Review, Vol. 56, 1, pp 88-94.
21

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