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Contemporânea

Contemporary Journal
3(10): 16941-16968, 2023
ISSN: 2447-0961

Artigo

PLANEJAMENTO DO ENSINO EM SALAS


MULTISSERIADAS NA EDUCAÇÃO DO CAMPO DE
PARAGOMINAS-PA

PLANNING TEACHING IN MULTISERIES CLASSROOMS IN


RURAL EDUCATION IN PARAGOMINAS-PA

DOI: 10.56083/RCV3N10-021
Recebimento do original: 01/09/2023
Aceitação para publicação: 03/10/2023

Jesias Pereira Barros


Mestre em Desenvolvimento Rural e Gestão de Empreendimentos Agroalimentares
Instituição: Secretaria Municipal de Educação e Cultura do Pará (SEMEC-PA)
Endereço: Rua Guimarães Rosa, 448, Promissão 2, Cidade Paragominas – PA, CEP: 68628-220
E-mail: jesiasmestre3524@gmail.com

Miranilde Oliveira Neves


Doutora em Educação
Instituição: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)
Endereço: Rodovia BR 316, Km 61, s/n, Saudade II, Castanhal – PA, CEP: 68740-970
E-mail: miranilde.oliveira@ifpa.edu.br

Rosemeri Scalabrin
Doutora em Educação
Instituição: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA)
Endereço: Rodovia BR 316, Km 61, s/n, Saudade II, Castanhal – PA, CEP: 68740-970
E-mail: rose.scalabrin@ifpa.edu.br

RESUMO: Este artigo objetivou investigar o processo de construção dos


planejamentos de professores em turmas multisseriadas do 1º ao 5º ano do
Ensino Fundamental em escolas do campo, no município de Paragominas,
Pará. Dentre outras, utilizou-se referências como: Rocha & Hage (2015),
(2021); Scalabrin (2019); Caldart (2020); Arroyo (2019), que dialogam com
a realidade camponesa. Metodologicamente, a coleta de dados foi feita a
partir de entrevistas semiestruturadas e aplicação de questionários.
Participaram desta pesquisa doze docentes e três coordenadores que
trabalham com multissérie. Após a pesquisa, produziu-se um documentário

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que marca a realidade da multissérie no campo. Os resultados demonstraram
que os professores entrevistados sentem a necessidade de construírem os
planejamentos de forma interdisciplinar e que reconhecem as dificuldades
para elaboração dos planos de aula e de dedicarem maior tempo e atenção
individual aos estudantes durante as atividades, o que demonstra o quanto
a formação de professores e as estratégias metodológicas interferem no
processo educativo e podem apontar caminhos para se chegar a uma
aprendizagem mais significativa.

PALAVRAS-CHAVE: Planejamento, Multisséries, Educação do Campo.

ABSTRACT: This paper aimed to investigate the process of building teachers'


plans in multiseries classes from 1st to 5th grade of elementary education in
rural schools in the municipality of Paragominas, Pará. Among others, we
used references such as: Rocha & Hage (2015), (2021); Scalabrin (2019);
Caldart (2020); Arroyo (2019), which dialogue with the peasant reality.
Methodologically, data collection was made from semi-structured interviews
and application of questionnaires. Twelve teachers and three coordinators
who work with multiseries participated in this research. After the research, a
documentary was produced that shows the reality of the multiserie in the
countryside. The results showed that the interviewed teachers feel the need
to build their planning in an interdisciplinary way and that they recognize the
difficulties in developing lesson plans and dedicating more time and
individual attention to students during activities, which shows how much the
training of teachers and methodological strategies interfere in the
educational process and can point to ways to achieve a more meaningful
learning.

KEYWORDS: Planning, Multiserie, Rural Education.

1. Introdução

Este artigo discute a problemática vivenciada em classes


multisséries/multisseriadas na educação do campo no território de
Paragominas - Pará, à luz da concepção da Educação do Campo. Nessa
perspectiva, a pesquisa teve como objetivo investigar o processo de

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construção dos planejamentos de professores em turmas multisseriadas do
1º ao 5º ano do Ensino Fundamental em Paragominas. Partiu de uma
pesquisa de Mestrado Profissional, a qual, além da dissertação, gerou
também um documentário intitulado: Narrativas do Multisseriado em
Paragominas. Para compreender o processo de multisseriação no campo
pesquisado foram entrevistados os professores e coordenadores que
participam da elaboração desses planejamentos no campo.
O multisseriado é uma modalidade de educação que surgiu para
atender aos estudantes que residem em espaços rurais, devido à distância e
ao acesso para sua permanência em escolas polos com ensino regular ou o
seu trajeto e condução para chegar até à cidade, de caráter exclusivo para
os estudantes do campo. Esta organização ocorre de forma reunida, em
detrimento da variedade de anos de escolaridade, juntos, simultaneamente,
no mesmo espaço de sala de aula, com distorção idade-ano de escolaridade.
Na sua conjuntura, é apenas um professor para lecionar da educação infantil
ao quinto ano, o que chamamos de monodocência. Sobre este aspecto os
Souza & Gonçalves explicam que

Etimologicamente, monodocência refere-se ao regime de trabalho em


que um professor assegura todos os domínios das diferentes áreas
curriculares. Formada a partir do prefixo grego mono (um) e da
palavra latina docência (do latim docere), o termo procura nominar
um fenômeno muito conhecido desde a invenção da escola como
instituição social, que é a atuação de um único professor no ensino
fundamental de 1º ao 5º ano ou em salas multisseriadas, no caso da
educação rural. (SOUZA & GONÇALVES, 2018, p. 4 e 5).

A partir do conceito destacado acima, nota-se que o multisseriado está


no centro do debate da educação e requer soluções que ajudem os
educadores e educadoras da educação do campo a avançarem no
planejamento, de modo a oportunizar um processo de construção do
conhecimento que atenda às necessidades das populações do campo. Para
isso, é indispensável que se parta do estudo da realidade onde as escolas do

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campo estão inseridas, portanto, de seus territórios, com vistas à sua
transformação pelos sujeitos do campo, oportunizem a organização do
conhecimento pela coletividade, de modo a auxiliar na aplicação do
conhecimento de forma ressignificada.
O interesse pela presente pesquisa está diretamente ligado às nossas
trajetórias com experiências na prática educativa em Escolas Públicas do
Campo da Amazônia Paraense, em Municípios do Nordeste e Sudeste do
Estado do Pará e pela preocupação sobre a elaboração dos diversos planos
de aula necessários para atender às variadas séries presentes no mesmo
horário para lecionar, o que ocupa uma grande parte do tempo dos
professores, o qual poderia ser dedicado à elaboração de atividades e outras
pesquisas para fortalecer ainda mais o ensino e a aprendizagem dos
estudantes.
A atenção dada para esta modalidade é quase invisível diante da
importância que o assunto exige para se pensar a educação do campo, pois
é preciso analisar as suas relações sociais e desconstruir a ideia de uma
escola criada, ainda nos ideais da pré-história do sistema educacional
Brasileiro.
Portanto, apresenta-se neste texto, considerações importantes para
levantar questões sobre uma Educação do Campo, que seja capaz de
construir propostas de ensino e de práticas que atendam aos interesses dos
sujeitos aprendizes, ouvindo suas vozes e contemplando suas necessidades,
para que sua educação abranja e atinja outros graus de consolidação e de
qualidade.
Nos últimos anos, diversos autores têm se debruçado sobre as políticas
de educação para o campo e tem contribuído para manter viva a chama da
busca por uma formação que condiga com a realidade camponesa, é o caso
de Hage et al (2021), Scalabrin (2019), que destacam a trajetória do ensino
público ofertado para o povo do campo ao longo da história da educação
brasileira, onde vive grande parte das pessoas que sempre foram excluídas

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das Políticas Educacionais. Este modelo educacional tem contado com a falta
de preparo dos educadores e com a preocupação de terem que elaborar
vários planos de aulas para lecionar nesta modalidade e com uma demanda
de estudantes de acordo com o seu ano de escolaridade e suas formas de
aprender, instrumentos de aprendizagem para atender, individualmente,
cada série e ao mesmo tempo, nos ritmos de aprendizagens de cada
estudante. Logo, um grande desafio.
Em consonância com essa discussão e apontando o processo histórico
da educação do campo no Brasil, nota-se que “Historicamente, a educação
rural no Brasil esteve a serviço do grande latifúndio. Isso não se deu sem
reação da sociedade, que exige o direito à educação no próprio território
onde vive e produz materialmente sua vida[...]” (COSTA & SILVA, 2019,
p.134). Para os autores, a grande questão é enxergar o campo com
perspectiva em busca de alternativa e que se recusa a participar de uma
educação ruralista.
Nota-se que a partir do modelo de educação multisseriado que se fixou
no Brasil para sanar a carência educacional no meio rural ou a falta dela, que
tem minimamente, atendido aos sujeitos em seus territórios com alternativas
para erradicar o analfabetismo no país e os materiais disponíveis não que
dão condições de o professor desempenhar a sua função com desenvoltura.
O adequado, se tratando do multisseriado, seria que as salas multisseriadas
pudessem oportunizar um ensino qualitativo. Sobre esta questão, Barros
sinaliza que

As salas multisseriadas [...] nem sempre representam a melhor


alternativa metodológica para a comunidade, funcionam mais como
forma de ofertar uma educação, minimamente, de qualidade a esses
sujeitos, atendendo às políticas educacionais que são implementadas
para esta realidade. (BARROS, 2018, p.19).

Partindo do contexto vivenciado no multisseriado, é importante


lembrar que, destaca-se aqui, uma boa parte das populações deste território,

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que diz respeito às suas identidades, culturas e modos de vida, de processos
produtivos, de trabalho e que desenvolvem a agricultura e os meios de
sustentação da vida humana neste país.
Portanto, a pesquisa teve como fundamento evidenciar o trabalho
docente, destacando esta modalidade de ensino como um dos coletivos
amazônicos mais importantes a ser debatido no cenário hodierno da
educação Amazônica paraense e brasileira, ao apontar as possibilidades e
reflexões no contexto educacional da escola do campo, em especial, no
desafio que representa planejar essa formação.

2. Materiais e Métodos

A pesquisa foi realizada no Município de Paragominas, mesorregião do


Sudeste do Estado do Pará, a 320 km de Belém (capital do estado do Pará),
região intermediária, Rio Capim. Municípios limítrofes: Ipixuna do Pará,
Goianésia do Pará e Centro Novo do Maranhão, onde estão localizadas as
escolas lócus desta análise.
Paragominas possui uma área territorial de aproximadamente em
19.342,565 km², segundo os dados do IBGE (Instituto de Geografia e
Estatística), e uma população estimada em 2021 de 115.838 habitantes,
ocupando a décima quinta posição das cidades mais populosas do estado do
Pará.
Utilizou-se como procedimentos metodológicos a abordagem
qualitativa, de natureza aplicada, pesquisa de campo e bibliográfica. Os
instrumentos utilizados na Pesquisa foram pesquisa documental, entrevistas,
questionários com questões estruturadas e semiestruturadas e aplicou-se o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para permissão, dentre outros
itens da citação de nomes dos docentes durante o artigo.
A pesquisa bibliográfica e documental que respaldou esta investigação,
baseou-se em uma revisão do tema em livros, artigos, documento de

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orientação curricular de Paragominas e dissertações que discutem o tema
em questão e amparam basilarmente a discussão sobre o ensino
multisseriado, com o objetivo de reunir as informações necessárias para
construção deste artigo visando a debates sobre a modalidade de ensino em
questão. Dito isso, no âmbito da pesquisa bibliográfica, Lakatos (2003)
ressalta que:

A pesquisa bibliográfica é um apanhado geral sobre os principais


trabalhos já realizados, revestidos de importância, por serem capazes
de fornecer dados atuais e relevantes relacionados com o tema. O
estudo da literatura pertinente pode ajudar a planificação do trabalho,
evitar publicações e certos erros, e representa uma fonte
indispensável de informações, podendo até orientar as indagações.
(LAKATOS, 2003, p. 158).

A partir da pesquisa bibliográfica foi possível dialogar, expandir os


horizontes da pesquisa em questão, permitindo enxergar com olhares
aguçados a Educação do Campo e sua realidade educativa, fortalecendo
ainda mais a tentativa de qualificar a Educação do Campo neste território,
com as contribuições, sobretudo, o planejamento do professor e a melhora
na aprendizagem dos estudantes desta modalidade de ensino.
Os principais teóricos que respaldam esta pesquisa são: Hage et al
(2021), que auxilia na discussão sobre multissérie/multisseriado; Arroyo
(2019); Caldart (2020); Scalabrin (2019); Gonzales (2020) que debatem
sobre a educação do campo e os desafios do mundo camponês.
Na pesquisa de campo foram realizadas entrevistas e aplicação de
questionários pelo Google Formulário com doze professores e três
coordenadores, ambos com atuação no multisseriado, a princípio,
selecionamos as escolas que atuam especificamente com turmas
multisseriadas, a fim de analisar o planejamento dos educadores.
As entrevistas foram gravadas em vídeos para a composição do
documentário que dialogou diretamente com os educadores de turmas
multisseriadas. Este estudo apresenta a epistemologia da literatura da

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Educação do Campo na Amazônia Paraense Brasileira e por si só, já
apresenta debates relevantes para assentar a modalidade de ensino
Multisseriado como tema de interpretação e reflexão das relações sociais e
educacionais no Município de Paragominas Pará, como um dos coletivos
Amazônicos mais importantes da hodiernidade, trazendo para este debate
reflexos e ações que modificam a prática e a organização pedagógica dos
professores. Sobre a entrevista Lakatos (2003) apresenta como:

Um encontro entre duas pessoas, a fim de que uma delas obtenha


informações a respeito de determinado assunto, mediante uma
conversação de natureza profissional. É um procedimento utilizado na
investigação social, para a coleta de dados ou para ajudar no
diagnóstico ou no tratamento de um problema social. (LAKATOS,
2003, p.195)

Considera-se a entrevista como uma importante técnica para a


obtenção do que se pretende alcançar, conduzindo o pesquisador à
compreensão da problemática, por meio da qual foi possível investigar o que
os educadores pensam sobre o tema em questão.
Optou-se pela entrevista semiestruturada e concordamos com Lakatos
(2003, p.197) quando ela destaca que nesse formato, “o entrevistador tem
liberdade para desenvolver cada situação em qualquer direção que considere
adequada. É uma forma de poder explorar mais amplamente uma questão”.
O desempenho desta ação é de fundamental importância para as
coletas das informações que permitem com segurança dar veracidade à
investigação científica. Para a análise dos resultados da pesquisa, optou-se
em fazer a exploração do material, tratar os resultados e retirar as
inferências, para posteriormente, fazer a interpretação dos dados.

3. Resultados e Discussões

O planejamento pedagógico docente é mais que uma simples


obrigação, é responsável pelo sucesso da aprendizagem do educando que

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reflete sobre os conteúdos trabalhados pelos educadores durante o ano
letivo, e apresenta na sua conjuntura características que caminham em
sintonia com a realidade, com objetivos que precisam atender por meio da
prática docente, especificidades, entraves, que estão diretamente ligados à
condição do sujeito em sociedade, mas sobretudo, é uma preparação
formativa do sujeito para desenvolver habilidades e competências sobre
determinados temas e que seja organizado a partir da ótica pedagógica que
transcenda a aprendizagem do sujeito, no seu tempo, na sua realidade e
para além dos anseios de uma sociedade capitalista. De acordo com os
autores da área,

Deve-se compreender que o trabalho com as escolas multisseriadas


não pode ser via seriação (dividido pelos anos escolares) como fazem
os professores na hora do planejamento, não cabe planejamento para
cada ano de ensino, é um único planejamento para a turma, o que
diferenciará são as intervenções que a professora fará para cada ano
e nível de desenvolvimento do aluno, para que possa ocorrer a
aprendizagem. (NUNES, 2018, p. 207).

É a partir da concepção de planejamento que os educadores podem


construir caminhos pelos quais percorrerão para desenvolverem as
deliberações estabelecidas nos planejamentos. No entanto, o ato de planejar
coletivamente no multisseriado é ainda mais exigente, devido à
complexidade existente, pois há a necessidade de obter olhares múltiplos
acerca do ritmo de aprendizagem dos educandos, com foco no sujeito e sua
aprendizagem é estar atendo e traçar o planejamento sabendo que poderão
modificar a qualquer momento, sempre no intuito de favorecer o estudante,
o planejamento pode ser volátil, mas é um roteiro elaborado que guiará o
educador, na condução da prática docente.
Para se pensar alternativas metodológicas que favoreçam a
aprendizagem dos estudantes, pensando nos níveis de conhecimento,
ratifica-se a força da organização do planejamento dos professores que
atuam na multissérie para atender às necessidades dos sujeitos do campo.

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Neste sentido, o planejamento contribui para o acompanhamento das
aprendizagens dos alunos, guiando os docentes a criarem outras
possibilidades para assegurar os processos que garantam a construção do
conhecimento com vista à formação humana nas escolas ou classes
multisseriadas.
Sobre a prática pedagógica e o trabalho coletivo Gonzales salienta que:

A forma como a sociedade contemporânea está organizada coloca


para a escola novos desafios, que requerem uma formação
decorrente de um processo gradual, sistêmico e coletivo, pois não
basta apenas o professor tomar conhecimento da teoria que cerca o
seu trabalho, é necessário refletir sobre a sua prática, mobilizando
ações conscientes que pautem o seu fazer pedagógico na reflexão-
ação-reflexão. (GONZALES, 2020 p. 21).

É neste sentido que a pesquisa identificou as complexidades da atuação


na multissérie, devido à heterogeneidade que compõe vários níveis de
conhecimento, pelos diferentes anos de escolaridades presentes no mesmo
espaço de sala de aula, e no mesmo horário, com ritmos de aprendizagens
diversos. Isso significa que o docente precisa dar conta de uma estrutura
curricular estabelecida pela secretaria de educação, e ainda mostrar a
eficiência na sua prática pedagógica. Com poucas orientações e formações
ofertadas pelo Departamento de Educação do Campo, os profissionais que
ocupam estas funções têm uma formação que não considera as
especificidades do campo e não possuem na matriz curricular do curso de
graduação e pós-graduação, formação específica para consolidar, organizar
e planejar o trabalho pedagógico em turmas multisseriadas, de acordo com
os seus contextos sociais, culturais, de identidade e de territórios.
Com base nos anúncios e nas denúncias expressas no livro organizado
por ROCHA & HAGE (2015) “escola de direito reinventando a escola
multisseriadas”, são nítidas as sequelas educacionais por falta de política
pública para as escolas do campo e sobretudo, para classes multisseriadas
e, no conjunto destas discussões, encontram-se a ausência de formação

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continuada de professores, que atuam arduamente, anos após anos, em
escolas multisseriadas, sem apoio pedagógico, se reinventando a partir da
forma como percebem a realidade e o que pode ser extraído para compor o
junto de recursos e de materiais que auxiliem na construção dos
conhecimentos que devem serem ensinados nas escolas.
A invisibilidade desta modalidade de educação do campo do ponto de
vista nacional e de projetos de leis, que regulamentam a modalidade com
mais disponibilidade de recursos e investimentos, tem se tornado no campo
utópico, apenas a esperança dos educadores brasileiros, de que um dia será
possível no conjunto do seu trabalho pedagógico de ensino, de
aprendizagem, de espaço de luta e de resistência, alcançar o ideal de uma
classe que desafia o seu modelo negacionista, que rompe os paradigmas da
invisibilidade atual. Dentro dessa reflexão, Castro destaca que:

O reflexo disso é a inexistência, por vários anos [...] Diante das


consequências da omissão do Estado brasileiro na formação de
diretrizes políticas e pedagógicas específicas para os povos do campo,
ainda hoje, temos um cenário de desvalorização e negação das
escolas campesinas, priorizando os grandes latifúndios, que
acumulam maior parte do capital (através da produção) e do
território, muitas vezes, não produtivos, frutos de um modelo de
educação pautada numa perspectiva urbana. (NOVAES; SOUSA;
FORMIGOSA, 2021, p.180).

Portanto, é necessário a transgressão do comodismo e da alienação


pedagógica, que tenta a qualquer custo paralisar a função social da
educação, e por que não falar da função social dos educadores e educadoras,
que agregam mudanças no ensino-aprendizagem, no sentido de
(re)conhecerem os saberes e as práticas vivas no cotidiano da realidade
educativa do multisseriado. Com base nessa reflexão Caldart infere que:

A função social, ambiental e humana da escola fica maior e se


fortalece quando ela é capaz de traduzir para suas tarefas educativas
específicas cotidianas esses desafios, ainda que não possa pretender
dar conta deles. [...] de uma formação multilateral que visa o
desenvolvimento livre das capacidades humanas e a inserção crítica
e criativa das novas gerações no trabalho social, entendido como o

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que se faz pelo bem-estar coletivo. No campo é essa a perspectiva
para a conexão das escolas com a agricultura agroecológica, seus
sujeitos e processos de trabalho vivo. (CALDART, 2020, p.09)

A defesa de uma educação do campo se ancora no diálogo, na relação


teórica e nas práticas de desenvolvimento local, as quais possibilitam a
construção da escola como espaço de fortalecimento das identidades e das
culturas, por meio do incentivo à produção do conhecimento e de sua
divulgação caiu ainda mais durante a pandemia.
Não é de se estranhar que a educação do campo sempre foi tratada
em segundo plano, e que essa relação de poder estranhamento visível
floresce em plena pandemia, que ataca, que exclui com mais força o direito
à educação. Esta que se projeta com um pensamento conservador do
“mínimo” para tanto, os que pensam, aguardam outros órgãos ou outros
superiores, a pensar a forma que deve ser efetivado o ensino no campo, sem
antes consultar aos sujeitos o que querem, de que forma querem, ou ainda
qual a realidade desejada que se espera, no entanto, somente o discurso
enaltece com uma ideologia projetada sobre os filhos, filhas de moradores
do campo, que não se realizará. Isso porque, não se trabalha com a forma
como se percebe o mundo ou algo que desperte a criticidade e a
independência ideológica.
No período da pandêmico vivenciou-se práticas de planejamento das
aulas voltadas para a produção de atividades elaboradas pelos educadores,
por meio do processo de coletividade, uma das formas para se alcançar o
excessivo número de atividades já visto, elaborado como forma de ocupação
do tempo do educador para garantir que o aluno não ficasse sem
“estudo/educação”, ou seja, sem atividades para realizar. Esse material foi
construído a partir dos conteúdos escolares, com base nas habilidades e
objetos do conhecimento estabelecido pela base nacional comum curricular.
Observou-se também que não houve critérios definidos de avaliação
ou correção das atividades, para analisar e acompanhar o avanço dos

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estudantes. Dessa forma, entende-se que somente foi possível verificar o
nível de aprendizagem dos alunos no retorno das aulas presenciais, pois não
houve direcionamento das escolas para correção do material entregue aos
alunos, no período pandêmico.
As entrevistas com os docentes possibilitam afirmar que do ponto de
vista do planejamento educacional, quando o assunto é “educação do
campo”, e sobretudo, nas classes multisseriadas, inexiste uma política capaz
de atender às especificidades das escolas do campo, pois os componentes
curriculares estão embasados por diretrizes que indicam o ensino-
aprendizagem baseado nos preceitos de conhecimentos e identitários da área
urbana, deixando de lado a identidade, cultura, relação com o
espaço/ambiente.
Notou-se que o planejamento caminha dissociado do contexto, da
prática e, sobretudo, das experiências e da relação do ser humano com o
espaço, com a natureza com o trabalho, na coexistência que interconecta
com a dimensão da vida e dos seres vivos, portanto, do ponto de vista, de
uma escola viva e em movimento, o planejamento nesse molde, não há
sentido, caminha em sentido oposto, sem direção, sem ação e sem resultado,
logo, pouco contribui no processo educativo e tem pouquíssima chance de
contribuir de forma assertiva com a formação que desenvolve e movimenta
a criticidade da geração atual e das próximas gerações.
O planejamento dos professores serve mais para atender às exigências
burocráticas do sistema e nortear de forma clara e apropriada as etapas da
ação educativa, referentes aos conteúdos propostos à aprendizagem do
aluno. Diante do exposto, não é possível elaborar estratégia de recuperação,
muito menos de o professor analisar criticamente o planejamento e perceber
a dimensão das dificuldades, a partir de atividades remotas sem contato com
o aluno/aluna, como o período do ensino remoto para classe multisseriada
na educação do campo, sem apoio de pelo menos o acesso à comunicação
em ambiente virtual.

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O diálogo é o requisito básico para a construção de uma educação
positiva, o diálogo não pode ser construído sem a empatia de conhecer o
ponto de vista daqueles que vivem a realidade nos interiores do município,
portanto, para auxiliar na construção de planejamento em classe
multisseriada e uma das tantas outras obrigações do papel do educador, é
necessário a formação para o diálogo que auxiliará na criação de
planejamento à luz da realidade da educação do multisseriado. Sobre este
aspecto Freire salienta:

Diálogo é o encontro entre os homens, mediatizados pelo mundo,


para designá-lo. Se ao dizer suas palavras, ao chamar ao mundo, os
homens o transformam, o diálogo impõe-se como o caminho pelo
qual os homens encontram seu significado enquanto homens; o
diálogo é, pois, uma necessidade existencial. E já que o diálogo é o
encontro no qual a reflexão e a ação, inseparáveis daqueles que
dialogam, orientam-se para o mundo que é preciso transformar e
humanizar, este diálogo não pode reduzir-se a depositar idéias em
outros. (FREIRE, 1987, p.42)

O sentido de diálogo para o autor, deixa claro que tipo de diálogo que
se quer sobre a participação dos sujeitos que na sua conjuntura, faz parte
do segmento educação do campo. É, sobretudo, a maneira de confraternizar
com as experiências, o agir que se solidariza, o refletir humanizado que
envolve os sujeitos com o propósito de tornar simples a troca de conceitos e
opiniões, sem imposição de poder, mas na busca da compreensão de como
fazer as mudanças necessárias a partir do comprometimento na construção
de um projeto de educação que sirva para melhorar a consciência crítica dos
sujeitos ao seu modo, na construção de melhorias.
Durante a pesquisa, foram ofertadas oficinas aos professores
participantes e eles ressaltaram que houve mudança nas estratégias
metodológicas, como pode-se observar nos depoimentos abaixo:
(Docente Carmen Suely) “Antes era um planejamento para cada ano
de escolaridade, era um sacrifício, hoje eu faço de forma interdisciplinar,

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atendendo várias disciplinas e o currículo do município, com foco na
aprendizagem do aluno. Agora ficou mais fácil o planejamento”.
(Docente Nilva Pereira) “Eu fazia um planejamento para o primeiro e
segundo ano, um outro planejamento para o terceiro e quarto ano e um outro
planejamento para o 5º ano trabalhando duas disciplinas por dia, até o
intervalo trabalhava uma disciplina, depois do intervalo outra disciplina,
eram vários planos de aulas, hoje com as discussões e a aprendizagem,
graças às oficinas tem uma possibilidade de organizar melhor o meu
planejamento, focando em um planejamento que contemple várias
disciplinas sem perder de vista o currículo base do município, é possível hoje
fazer um planejamento interdisciplinar ou até multidisciplinar”.
As oficinas evidenciaram, sobretudo, a forma tradicional de planejar e
remodelou por meio da Praxiologia dos docentes ações diferenciadas, mas
focadas no valor da transdisciplinaridade.
Portanto, infere-se que a educação do campo necessita de formação
teórica e metodológica que possa garantir a qualidade do ensino, sobretudo,
fortalecer o projeto de campo que tem sido protagonizado pelo movimento
nacional por uma educação do campo.
As abordagens e reflexões tecidas neste artigo são importantes para
que se possa pensar na construção de uma escola, viva, fortalecida com a
sua identidade. No entanto, esse é um sonho que deve ser sonhado de forma
coletiva com os educadores do campo e as suas comunidades, pois, se esse
sonho de educação de qualidade for sonhado apenas pelos poucos
pesquisadores deste município, não será possível quebrar as barreiras da
falta de políticas públicas voltadas para o fortalecimento das escolas do
campo.
A pesquisa documental constou da análise do “Documento de
Orientação Curricular de Paragominas”, concomitante a esta organização
curricular para o território paragominense, a proposta curricular para o
campo, construída com a participação dos educadores e educadoras, foi

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incorporada ao Documento de Orientação Curricular de Paragominas 1 que
rege a educação básica da educação infantil e ensino fundamental, segundo
o documento:

A rede municipal de Paragominas oferta a educação em classes


multisseriadas no atendimento a comunidade das áreas rurais,
considerando as diversidades do contexto geográfico e a densidade
populacional das comunidades, a partir do seguinte: turmas da
Educação Infantil com alunos do 1º ao 2º ano do Ensino
Fundamental; turmas do 1º ao 3º ano, 1º e 2º ano, 2 e 3º ano, 4º e
5º ano, 6º ao 9º ano, 6º e 7º ano, 8º e 9º ano. Quando falamos em
multissérie na Rede Pública desta municipalidade especificamente na
Educação do Campo nos reportamos também a organização de
crianças da Educação Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental em
uma mesma classe, sendo atendidos por professor unidocente. (DOC,
2020, p.28).

Com base no referido documento analisado, fica clara a composição


das classes multisseriados, o mesmo deixa registrado como estão
estruturadas as enturmações, retratando as realidades da composição destas
turmas e esclarece ainda o motivo pelo qual acontece às junções das turmas,
pois no campo, a densidade populacional das comunidades, torna insuficiente
o quantitativo de alunos para enturmações seriadas. Segundo o documento,
é esse o motivo de manter-se as classes multisseriadas. Para assegurar o
direito à educação ao sujeito do campo, o documenta destaca que:

Educação do Campo deve ser pensada como um direito a ser


garantido a todos os povos que vivem ou trabalham no campo,
objetivando assim, contribuir para a emancipação, a cidadania e
formação das crianças, adolescentes, jovens e adultos, sem
desconsiderar a riqueza de saberes, que essa população constrói nas
suas vivências cotidianas (DOC, 2020, p. 26).

Percebe-se, neste sentido, que o documento de orientação curricular


contempla na sua estrutura, a garantia de direito e acesso à educação, dos
sujeitos do campo. Ele destaca que “o fazer pedagógico dos educadores

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DOC- Documento de Orientação Curricular de Paragominas, orienta de onde deve nascer
o fazer pedagógico dos educadores para toda a rede pública de ensino.

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precisa nascer destas orientações, pelo compromisso educacional, social e
cultural entendendo que se investe em um movimento global de ensino e de
investimento para a formação integral de pessoas” (DOC 2020, p.11).
Percebe-se que ele sustenta na sua conjuntura documental, de onde deverão
nascer as práticas pedagógicas e a quem deve atender.
Para Arroyo (2019), incorporam o processo de independência e de
mudança humana e precisam ser coadunadas no trabalho pedagógico das
escolas, uma vez que a possui dimensões dinâmicas, trata-se de uma
grandeza produzida pelos seres humanos, compostos pelas suas crenças,
identidades saberes e experiências. Isso que descreve a vida, e sobretudo,
as formas de ensinar, devem esta combinar, ensino e vivências embutidas
nas relações sociais dos sujeitos.
Percebe-se que a partir da análise documental realizada, que não
houve menção à formação de professores de classes multisseriadas, que
mais uma vez, fica de fora dos documentos oficiais, para garantia de direito
do ensino e da aprendizagem para estudantes e professores da educação do
campo.
Inferiu-se a partir da pesquisa realizada que quando o educador não
possui formação ou orientação para melhorar a qualidade da educação do
campo é de fato difícil, mas depende da sua concepção de ver o outro e suas
necessidades para começar a investigação, em busca de se melhorar ou
aperfeiçoar o que já vem sendo desenvolvido na prática de muitos
educadores na educação do campo, solicitação de estudos científicos com
pesquisadores que de fato vivenciam a educação do campo e, sobretudo, do
multisseriado, para explorar o universo do ensino desenvolvido nesta
modalidade de ensino, examinando com cautela para se chegar ao pelo
menos na solução dos problemas vivenciado nos processos de construção
dos planejamentos dos professores em turmas multisseriadas do 1º ao 5º
ano do Ensino Fundamental, como forma de solucionar problemáticas que
estão visivelmente presentes no dia a dia dos educadores do multisseriado.

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Verificou-se que no âmbito da educação do campo em Paragominas
que não há programas de formação continuada direcionados especificamente
para a modalidade multisseriado, para que os problemas, paulatinamente,
sejam analisados em busca de soluções. Diante disso, percebe-se a
necessidade de os educadores terem formação continuada para planejar as
saídas que possam ajudar na condução do ensino diante das mudanças que
necessitam ser feitas.
Portanto, as lutas por melhorias em busca da educação escolar do
campo em Paragominas, gira em torno da espera de implantação de política
pública tanto de formação de professores, quanto em estrutura do currículo.
Segundo a coordenadora pedagógica, a multissérie está com um perfil
de organização e sua estrutura curricular continua atrelada à seriação, logo,
a forma de pensar o planejamento, encontra-se, por muitos, sendo pensada
de forma seriada. Para tanto, é necessária a quebra de um paradigma
estrutural da educação em seus espaços sobre este aspecto os autores
citados nos ajudam a entender que:

Muitos são os problemas no Brasil quanto à educação, entretanto, no


âmbito rural, a situação se complica ainda mais. Os currículos
escolares das nossas escolas, geralmente enaltecem a vida urbana,
enfatizando os direitos básicos da cidadania, reduzidos aos limites
geográficos e culturas das cidades, desconsiderando o espaço social
e de constituição de identidades e sujeitos que o campo traz. (SILVA
& NEVES, 2020, p. 1530)

Os autores acima fazem menção ao que vem sendo apresentado no


campo, quanto requisito de preocupação mediante aos desafios e estruturas
curriculares que têm, por vezes, distanciado em nível de educação, ainda
mais para as populações rurais, por conta de uma estrutura estacionada que
impacta diretamente as realidades educativas dos sujeitos do campo.
Com base nesta reflexão sobre a função social da escola do campo,
pode-se inferir que “A função social, ambiental e humana da escola fica maior
e se fortalece quando ela é capaz de traduzir para suas tarefas educativas

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específicas cotidianas esses desafios, ainda que não possa pretender dar
conta deles”. (CALDART, 2020, p.09). A autora enfatiza que a escola precisa
oferecer uma formação multilateral e ao mesmo tempo que forme sujeitos
com a mentalidade humana livre, critica analítica e discursiva, sobretudo,
criativa e de bem-estar coletivo, só assim fará sentido a conexão das escolas
com os seus sujeitos e processos de trabalho vivo.
Na verdade, um dos grandes empecilhos que impossibilitam o trabalho
da coordenação pedagógica das escolas do campo a fazerem o
acompanhamento das atividades docentes e elaboração do planejamento das
atividades escolares a serem aplicadas e desenvolvidas no espaço escolar ou
fora dela, a distância entre as escolas e a falta de transporte para dar
condução e condição de ir e vir às escolas.
Destacou-se, ainda, na entrevista aos coordenadores das escolas do
campo: quais as práticas pedagógicas do multisseriado utilizadas pelos
educadores que têm contribuído para a melhoria da trajetória da Educação
do Campo de Paragominas e a partir de então, constatou-se que os
coordenadores entendem que o trabalho com as atividades sequenciais
possibilita aos professores resolverem questões como analfabetismo,
problemas de leitura e escrita, ortografia, dentre outros. Para isso, propõem
a organização do trabalho de forma sequencial, ou seja, é organizado por
exemplo, o material da disciplina de História que será trabalhado durante
uma quinzena ou mais, dependendo da quantidade de habilidades que se
pretende contemplar ao longo da sequência de atividades, que coaduna com
a fala dos participantes:
(Coordenador Pedagógico 03) “A ideia central é proporcionar ao
educando um ensino para a vida e não uma mera repetição de um ensino
que revele um mundo alheio à realidade deles. Têm-se dado um foco ao
contexto local aliado ao conhecimento universal, pois assim tem mais sentido
para os alunos, apesar de que ainda precisamos estudar e entender melhor
o ensino multisseriado para aprimorar ainda mais essa prática”.

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Percebe-se, no comentário acima, que os coordenadores da educação
do campo têm ciência da importância do seu trabalho e dos educadores, pois
o ensino deve perpassar os muros da escola e deve servir para vida em
sociedade. Portanto, ensinar torna-se uma tarefa cada vez mais desafiadora
quando a temática em questão é classe multisseriada.
Foi questionado aos coordenadores pedagógicos: O que está sendo
planejado para a superação das dificuldades encontradas na aprendizagem
do estudante do campo a partir dos planejamentos produzidos pelos
educadores?
As respostas obtidas revelaram as estratégias que permeiam o campo
educacional no multisseriado como forma que assegure a aprendizagem dos
seus estudantes. Com base nas afirmações dos coordenadores listam-se
aqui as medidas mais adotadas:
(Coordenadores: 01, 02, 03) “Projetos de leitura, atendimento de
reforço escolar no contraturno; Atividades diagnósticas a cada bimestre; O
que se tem feito são atividades contextualizadas com o seu espaço e com
suas culturas, aliados aos simulados que sempre são aplicados. Temos
muitos alunos com defasagem idade/série, e também analfabetos funcionais,
então, nós trabalhamos com sequências didáticas, com constantes
retomadas dos assuntos e também com projetos didáticos facilitadores do
processo”.
Observa-se nos comentários dos coordenadores que cada escola tem
buscado, a seu modo, estratégias para suprir as necessidades educativas dos
seus discentes.
Infere-se, portanto, a partir do planejamento pedagógico dos
educadores organizados de forma interdisciplinar, que o trabalho com
projeto de leitura e escrita e sequências didáticas. Favorecem a
aprendizagem dos estudantes que são expostos, diariamente em convivência
com o ato de ler e escrever, constroem um universo de possibilidades, entre
elas: a formulação de hipóteses, a capacidade de escrita com vocabulário

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linguístico apropriado, de acordo com as normas cultura de linguagem. Isso
possibilita a interpretação nos mais variados gêneros textuais que
compreende a Língua Portuguesa, a leitura ajuda na elaboração das próprias
ideias que possibilita experimentar a utilização da Língua escrita e no
processo de letramento amplamente debatido por SILVA & NEVES, 2020.
Foi questionado aos participantes, no âmbito do Departamento de
Educação do Campo, como ocorre a orientação dos educadores do
multisseriado quanto aos planejamentos?
As respostas foram as seguintes:
(coordenadores, 01, 02, 03) “Para turmas multisseriadas até se faz um único
planejamento, mas com atividades diferentes para cada necessidade; a
secretaria de educação sempre proporciona formações continuadas e oficinas
com os professores, há também o trabalho de acompanhamento com fichas,
portfólios, simulados e outros aparatos úteis ao processo; de forma razoável
essa orientação no começo tive dificuldade de analisar esse planejamento,
pois vinha de realidade regular”.
Observa-se que as três respostas apresentadas pelo questionário não
apresentam com clareza como ocorrem as orientações dos educadores para
construção do planejamento para seu exercício pedagógico, foi apresentado
somente o que tem sido feito em âmbito geral. Nesse sentido, as afirmações
contidas na citação permitem-se observar que há ausência de diálogo sobre
a pergunta inferida, o que possibilita refutar que o planejamento para classes
multisseriadas fica aberto ao entendimento de cada educador realizar nos
moldes assim ensinados nos cursos de graduação e praticados no ensino
seriado, no tocante ao planejamento educacional, concordo com SANTOS
(2016, p. 09, 10) ao afirmar que:

Planejamento educacional diz respeito ao planejamento que é


realizado objetivando intervir em alguma realidade educativa, com o
objetivo de solucionar problemas, construir e desenvolver indicadores
e metas relativos a esse problema, bem como correlacionar fatores
sociais, culturais, econômicos e históricos às dinâmicas educativas

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relativas ao ensino – aprendizagem, com vistas a intervir individual
ou coletivamente nos processos educativos sobre o escopo da referida
realidade.

Com base na análise do autor, o planejamento torna-se mutável e ao


mesmo tempo dialético, pois deve ser incorporado à situação concreta da
realidade educativa dos seus sujeitos. O planejamento deve abranger o local
para atingir transformação da realidade tanto para o docente quanto para o
discente que faz parte, sobretudo, dessa discussão.
Portanto, o planejamento deve discorrer como forma de organização
do trabalho, como guia que orienta o docente na realização da aplicabilidade
do ensino para mensuração do nível de aprendizagem de cada discente,
possibilita a reflexão sobre os objetivos alcançados ou não, seguindo esta
linha de raciocínio o planejamento para classes multisseriadas devem na sua
conjuntura atingir as metas estabelecidas pelos educadores, e concernente
a isso sofrer alterações para melhor atender às expectativas de ensino e de
aprendizagem, colocando sempre o aluno como ponto de partida e de
chegada, capaz de registrar os resultados por meio do longo processo de
avaliação.
Em seguida foi perguntado: Como organizar o planejamento
pedagógico para turma multisseriada, sem ter que elaborar vários planos de
aulas?
Para um dos participantes o trabalho com temática, facilita o
planejamento do professor, pois dentro de cada tema pode estar montando
uma sequência de atividades. Neste sentido, o planejamento torna-se
interdisciplinar, perpassando por outras áreas do conhecimento.
Outra participante, destaca que “infelizmente ainda não chegamos a
este patamar”. (Coordenador, 02). Portanto, observa-se na fala da
coordenadora, que a organização dos planos de aulas segue de forma
seriada, um planejamento elaborado para atender cada ano de escolaridade,
dando veracidade ao objetivo geral deste trabalho que culmina com os

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processos de construção dos planejamentos dos professores em turmas
multisseriadas do primeiro 1º ao quinto 5º ano do Ensino Fundamental.
Concomitante a isto, a participante ressalta que:
(Coordenadora, 03) “Não há necessidade de se trabalhar vários planos
de aula. Ao meu ponto de vista podemos trabalhar um determinado tema
onde os objetivos serão intencionados a determinando aos alunos,
respeitando suas habilidades, desse modo, poderemos relacionar dentro de
uma sala de aula com vários alunos de diferentes séries uma rede de saber.
Priorizando a construção e não apenas complemento conteudista”.
Faz-se um contraponto entre as falas das coordenadoras, sendo
possível ver a disparidade de entendimento sobre as formas de organização
do planejamento pedagógico nas escolas com classes multisseriadas, pois
para uma delas não há necessidade de elaborar diversos planos de aulas,
uma vez que é possível relacionar as habilidades e trabalhar de maneira
transversal; para a outra encontra-se atrelada ao processo de ensino seriado
(ensino regular), chega-se à conclusão de que não há um entendimento de
que forma prosseguir e que caminho é o melhor para organizar o
planejamento, facilitando a sobrecarga de atividades do professor, no
entanto percebe-se que cada escola analisada materializa o ensino a partir
do retrato fiel do seu planejamento.
Infere-se ainda que as práticas de planejamentos sofrem relutâncias,
de um lado um grupo que elabora vários planos para ministrar as aulas, de
outro, um grupo que pensa em um modelo que abrange as necessidades
educacionais de seus sujeitos de forma exequível. No diálogo com os
coordenadores, ficou evidente a forma como se pensa a multissérie no
espaço rural de Paragominas:
(Coordenador, 02) “A multissérie deve deixar de ser vista apenas como
uma estratégia encontrada para suprir a problemática de alunos no campo.
A multissérie é um prédio de conhecimento construído por várias mãos e

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saberes diferentes. Se fala em multissérie, mas os livros são seriados, diários
seriados, currículo é seriado”.
A discussão acerca da estrutura e forma de organização para o
atendimento à educação no espaço rural é, sem dúvida, o que mais tem
dificultado o trabalho docente, pois segundo a coordenadora pedagógica, a
multissérie está com um perfil de organização e sua estrutura curricular
continua atrelada à seriação, a forma de pensar o planejamento encontra-se
por muitos, sendo pensada de forma seriada, para tanto, é necessário a
quebra de um paradigma estrutural da educação em seus espaços.
Os resultados demonstraram que há uma necessidade de se construir
os planejamentos de forma interdisciplinar e que reconhecem as dificuldades
para elaboração dos planos de aulas, que dialoguem entre si com as demais
áreas dos conhecimentos, e que precisa de muitas orientações para
desenvolverem as atividades docentes.

4. Considerações

A educação do campo surge, nesta análise, como protagonista do fazer


e do saber, as trajetórias e memórias aparecem vivas nos relatos que
convidam a se fazer profundas reflexões acerca do ensino em classes com
multisseriação, às práticas e metodologias, recursos didáticos e à ausência
de políticas públicas de reparação educacional, se juntam para reivindicar a
qualidade da educação do campo.
Portanto, é necessário perceber a importância de pesquisas que
apresentam o planejamento de ensino em classes multisseriadas e revelem
a grandeza das experiências educacionais de docentes na Amazônia
paraense.
A educação do campo na Amazônia vem sendo símbolo de luta e
resistência para abrir espaço de diálogo e de pesquisas nas universidades,
mas ainda é uma parcela minúscula dos acadêmicos que ousam evidenciar

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as carências nesta modalidade de ensino. É, portanto, preciso deixar de ser
um problema isolado da sociedade, para se tornar um problema maior
anunciado e acolhido pelas políticas públicas do território nacional.
Quebrar a lógica de uma educação que exclui parte de sua população
não é fácil, mas é possível, porque mudar, significa estabelecer a ruptura de
uma modelo engessado, que arranca o brio e a esperança de muitos sujeitos
sociais, donos de sua história e trajetória da qual fazem parte.
Mudar as práticas e metodologias de ensino rumo a uma educação para
todos, o entanto, é perceber que o ato de ensinar está diretamente ligado
ao trabalho e desafios postos aos educandos, para que estes sujeitos tenham
consciência da sua existência, que implica sobretudo, em compreender a sua
realidade.
Esta pesquisa não finaliza aqui, pois existem muitas vertentes dentro
do âmbito do planejamento para o multisseriado que precisam ser
intensificadas, investigadas e, acima de tudo, que o multisseriado seja visto
como uma modalidade que carece de políticas públicas de intervenção, pois
durante a pesquisa surgiram palavras afirmando que o ensino multisseriado,
por diversas vezes, é complicado, desafiador, um trabalho árduo,
incompreensivo, repleto de obstáculos, fatigante, mas também surgiram
palavras como: ensinamento prazeroso, paciência, gratificante, esperança,
empatia, superação, prática, inovação, apaixonante. Estas refletem os
aspectos positivos e negativos de ser docente nesta modalidade, por isso,
considera-se ser tema de investigação cientifica para contribuir com a
literatura da educação do campo em todo o território nacional, alimentando
um diálogo que, paulatinamente, possa chegar à formação dos educadores
e educadoras para melhorar a qualidade da educação, tanto do discente
quando do docente.
O desenvolvimento das oficinais possibilitou várias reflexões sobre o
planejamento. Assim como desencadeou nos docentes, diversas maneiras de
elaborarem os seus planejamentos e organizarem melhor as suas aulas,

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portanto, o planejamento tomou dimensões que variam entre as
organizações de projeto didático, sequências de atividades com
planejamento interdisciplinar como demonstram os resultados da pesquisa,
os quais apontam caminhos possíveis para um ensino mais inclusivo nas
turmas multisseriadas.

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