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Chegou ao fim o XIX Panorama Coisa de Cinema no Glauber Rocha.

Com mais de 16 mil


pessoas atendendo o festival, foram mais de cem filmes exibidos nesta semana de festival.
Apesar de ter acabado, o Panorama deixa um gosto de felicidade nas mentes dos cineastas e
públicos, que contaram com uma semana de muita experimentação e sensibilidade através da
câmera.

“Eu acho que a câmera [é o mais impressionante], é a câmera voltada para as pessoas e essa
sensibilidade, eu acho que ela foi muito bem colocada. Ver essa sensibilidade e também um
certo experimentalismo em um local aberto ao experimentalismo, eu acho que tiveram várias
narrativas que elas rompem o que a gente vê em uma sala de cinema, eu acho que isso é o
especial do festival”, afirma Ciro Garcez, integrante do Júri Jovem do Panorama.

“Foi uma semana muito proveitosa. Para as pessoas que gostam desses filmes, um panorama,
um festival de cinema, eu acho que é uma aula, é uma universidade. Então, para você fazer
filme, você tem que assistir filmes. Então é uma oportunidade única”, comenta Marcelo
Rabelo, responsável pelo documentário “No Rastro do Pé de Bode”.

Ao final do festival, seguindo a formação de alguns grupos de jurados, foram votados e


concedidos prêmios para alguns dos destaque nessa semana de cinema. Apesar da competição
acirrada, No Rastro do Pé de Bode e O Tempo das Coisas foram os dois grandes vencedores
da noite.

De São Paulinho para as telonas

Parte da Competitiva Baiana, “O Tempo das Coisas” lança um olhar contemplativo sobre as
histórias e saberes da comunidade rural de São Paulinho, no baixo sul da Bahia. A produção
ganhou o Prêmio Flávia Abubakir e foi o escolhido pelo Júri Jovem. Lara Beck, diretora do
filme, comemora poder participar do festival e trazer visibilidade para a comunidade
retratada.

“Foi uma emoção imensa participar com o filme do Festival. Algumas mulheres que foram
personagens desse filme, que participaram do filme com a gente, puderam vir para Salvador e
assistir a sessão no cinema”, comenta Beck “Foi um filme feito com muita simplicidade, com
uma equipe pequena, um filme feito com as pessoas da comunidade de São Paulinho, e não
sobre as pessoas, com as pessoas, feito à medida em que a gente se encontrava. Então a gente
fica feliz e emocionada de ver que um filme que conta de uma maneira simples, mas sincera,
sobre pessoas de um lugar tenham tido esse reconhecimento, tenha tocado o coração das
pessoas, é uma alegria grande”.

A diretora também ressalta como essa proximidade com a comunidade de São Paulinho foi
importante na gravação e em como isso trouxe uma nova perspectiva para a obra, mostrando
que ‘é possível fazer o cinema com quem planta’.
“Teve um momento [na gravação] em que eu carreguei um ramo imenso de alface da horta
numa mão e na outra mão a câmera. Então é isso, é possível fazer um cinema como quem
planta, como quem cultiva a terra. Um cinema ligado à terra, ligado à vida”, pontua.

Com o sucesso no festival, Lara revela ter planos de exibir “O Tempos das Coisas”, não
somente em festivais, mas em outros circuitos, em especial nos de comunidades rurais. A
diretora enfatiza o poder de identificação que o curta têm com sua audiência e busca poder
aproximar ele ao máximo.

“Em abril a gente vai ter uma exibição do Tempo das Coisas no Quilombo do Boqueirão, que
fica na zona rural de Teolândia, baixo sul da Bahia também. Então, além de festivais, cria
esse circuito onde estão as pessoas também que se identificam com esse filme, onde estão
esses territórios que esse filme pode passar, esse filme que fala da zona rural, fala da terra,
então além dos festivais temos esses planos também”, conclui a diretora.

Homenagem Para Rato Branco

Ganhador de três das quatro categorias nas quais concorria, o documentário baiano “No rastro
do Pé de Bode”, de Marcelo Rabelo, foi o grande destaque da noite, sendo o filme mais
premiado do XIX Panorama Internacional Coisa de Cinema. O longa que resgata os segredos
e toques tradicionais da sanfona de 8 baixos, também chamada de “pé de bode”, foi escolhido
pelo Júri Oficial e pelo Júri Jovem da Competitiva Baiana, e também ganhou o inédito
Prêmio Flávia Abubakir.

“Eu diria que a sanfona de 8 baixos é um instrumento erudito, não é um instrumento somente
popular, não é aquela pequena sanfona que Januário ensinou ao Luiz Gonzaga, é um
instrumento extremamente difícil de executar”, discursou Marcelo ao receber o segundo
prêmio da noite, dedicando o prêmio a todos os mestres do instrumento e especialmente a
Rato Branco, seu personagem central, que faleceu de covid em 2020.

Rabelo, além de celebrar as vitórias do filme, também comemora o destaque dos


documentários em conseguir furar a bolha audiovisual, não apenas no Panorama, mas fora
dele também, como o caso de ‘20 dias em Mariupol’ que circulou pelo circuito comercial
após sua indicação no Oscar.

“Eu acho que o gênero documentário, ele cada vez vem conseguindo furar mais essa distância
do público. Acho que as pessoas vem se aproximando mais do filme documentário e que é
cinema também, a forma mais real de contar uma história. E tem várias formas de você fazer
um filme documentário. Então também é uma alegria muito grande o filme documentário
conseguir penetrar mais na sala de cinema”, celebra o diretor. “Hoje você vê as salas
exibirem filmes documentários. O Panorama tem essa sacada de colocar o filme
documentário na linha de frente para concorrer, para despertar no público. Então é uma
alegria também ver que o filme documentário cada dia mais ganha seu espaço e que é muito
merecido”

Com o fim da premiação, Rabelo torce pela distribuição do filme em outros festivais pelo
país. Apesar de reconhecer que o filme dialoga muito com um certo recorte geográfico, isso
não faz sua história, seus personagens e seus temas fortes deixarem de dialogar com outras
esferas no Brasil.

“Para você fazer documentário você tem que saber identificar bem os seus personagens, né, e
esses personagens que temos, ele tem um arco dramático forte, então isso público prende o
público, né, além do que a sanfona de Oito Baixos é uma pérola também no filme, né, é
tratada como um ser. Um ser vivo e por que não é um grande patrimônio material que nós
temos”, finaliza.

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