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A Responsabilidade da Administração na garantia da

qualidade das obras públicas – O art. 618 do Código Civil

Em que pese o fato das notícias de corrupção, que


vemos diariamente nos jornais, demonstrarem que nem sempre
é lícito o caminho percorrido pelos recursos até sua
aplicação nas obras públicas, o fato é que toda obra,
depois de concluída, deve ser sólida, segura e funcional.
Os prejuízos advindos de uma obra mal executada tanto
podem ser diretos, com a impossibilidade ou restrição de
seu uso, quanto indiretos, como gastos com novas
contratações para corrigir as falhas ou o pagamento de
indenizações, que podem até mesmo superar o valor gasto na
obra.
As falhas de execução podem ter origem na utilização
de materiais de má qualidade, aplicação de métodos
construtivos inadequados ou de maneira inadequada,
inexecução parcial de etapas do projeto, erros nos
projetos, etc.
A primeira obrigação do gestor na garantia da
qualidade da obra se dá pela fiscalização e acompanhamento
da execução contratual, a fim de evitar tais falhas. Depois
disso, vem a responsabilidade pelo recebimento do objeto do
contrato, exigindo, já nesse momento, o reparo de qualquer
imperfeição, conforme determinado nos arts. 69 e 73 da Lei
8.666/93. Nessa fase, ressaltamos a importância do as
built, que caracteriza o projeto definitivo exatamente como
foi construído, sendo essencial para futuras intervenções.
A responsabilidade do construtor pela qualidade da
obra permanece após o recebimento pela Administração, já
que muitos dos problemas originados pelas falhas
anteriormente apontadas se manifestam somente na sua fase
de utilização.
Isso ocorre com a maioria dos chamados vícios ocultos,
que são aqueles de difícil detecção, como um pequeno
vazamento numa tubulação que se evidencia somente depois de
a água percolar pela parede e formar manchas de umidade.
Para corrigir tais problemas, a Administração tem a
obrigação de acionar o empreiteiro, com base no disposto no
art. 618 do Código Civil que prevê a responsabilidade
objetiva do mesmo em prestar garantia por suas obras no
período de cinco anos, a contar do recebimento da obra pela
contratante, respondendo por sua solidez e segurança.
O entendimento atual é que o conceito de solidez e
segurança abrange também a funcionalidade da obra, ou seja,
a condição de uso para a finalidade projetada, garantindo
salubridade e habitabilidade, o que inclui reparos em
instalações elétricas e hidráulicas numa edificação, por
exemplo.
Inicialmente, o problema deve ser documentado através
de fotos, laudos e relatos e deve restar claro que a
manutenção está sendo realizada. Então, deve ser feita a
notificação extrajudicial, estabelecendo um prazo para a
correção dos defeitos.
É lógico que, não havendo resposta positiva imediata
do construtor, o gestor deve promover a correção das
falhas, havendo cobrança posterior de ressarcimento, pela
via judicial.
Muitas vezes, o construtor atribui a culpa ao
projetista e vice-versa. É evidente que o projetista tem
responsabilidade técnica pelo projeto, entretanto o
executor tem a obrigação de examiná-lo e apontar as
incorreções verificadas, aplicando inclusive os
conhecimentos adquiridos na visita técnica comumente
exigida nos editais de licitação. A extensão das
responsabilidades é definida em normas técnicas da ABNT
(entre elas a NBR 5671) e nas anotações de responsabilidade
técnica recolhidas pelos profissionais junto aos órgãos de
classe, CREA ou CAU.
A Administração também pode se valer dos procedimentos
constantes na Orientação Técnica OT-IBR 003/2011 do IBRAOP,
que estabelece parâmetros para as avaliações periódicas de
qualidade e procedimentos para o acionamento dos
responsáveis pela reparação dos defeitos.
Importante salientar que a responsabilidade do
construtor não se limita ao prazo previsto no art. 618. Sua
responsabilidade se estende por toda a vida útil da obra,
entretanto sua culpa deverá ser comprovada, não havendo
mais a presunção da mesma. Nesses casos, o gestor encontra
amparo na legislação que regula as profissões da engenharia
e arquitetura e na possível aplicação dos prazos de
acionamento constantes no Código de Defesa do Consumidor,
em seus arts. 12, 20, 26 e 27, entre outros.
Conclui-se que o Administrador possui importantíssimo
papel na garantia da segurança, solidez e funcionalidade
das obras públicas, devendo se apoiar na vasta legislação
que regulamenta o assunto.

*Silvia M. A. Guedes Gallardo é Assessora Técnica do


Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

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