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DESEMPENHO, MANUTENÇÃO E INSPEÇÃO PREDIAL

TOTAL EM EDIFICAÇÕES
Tito Lívio Ferreira Gomide
Jerônimo Cabral Pereira Fagundes Neto
Marco Antônio Gullo

A Norma de Desempenho em Edificações, consignada na NBR 15.575 1 da ABNT,


Associação Brasileira de Normas Técnicas, instituirá uma nova dinâmica entre os
intervenientes do processo construtivo, ao estabelecer de forma incisiva as
responsabilidades impostas para cada “ator” que responderá pela respectiva fase
que compõe o ciclo do processo construtivo dos edifícios, consubstanciado nas
etapas denominadas como PPEEU e consagradas pela Engenharia Diagnóstica
em edificações.

O texto em pauta destacará, sobretudo a questão da Manutenção 2, cujo tema e


importância vem ganhando o destaque necessário em prol da conscientização de
todos os interessados, procurando mudar a cultura de se pensar que os cuidados
com a construção está limitado apenas até o momento da entrega da edificação, ou
seja quando a mesma entra em uso, conforme declinado na introdução da NBR
56743 da ABNT.

Destaca-se que ações de manutenção já devem recair dentre as principais


obrigações do Usuário, mesmo durante o período de garantia da sua edificação, tal
qual os proprietários dos veículos realizam, por exemplo, a troca do óleo dos seus
automóveis, no momento seguinte após a aquisição do mesmo, segundo a
orientação do respectivo manual do proprietário. Tal conscientização irá desonerar
Incorporadores e Construtores ao diferenciar a Assistência Técnica (de obrigação
dos mesmos), da Manutenção, já que a primeira trata dos reparos de eventuais
anomalias Endógenas, (incidentes durante a fase da Garantia), e a segunda
dizrespeito aos serviços de manutenção a serem desenvolvidos pelos Usuários,
Proprietários ou Condomínio, na fase pós entrega da edificação.

O produto imobiliário representa e requer um investimento muito maior do usuário


comparado ao montante que o mesmo destinará na compra e manutenção do seu
automóvel, dessa forma, com maior ênfase, é desejável que o produto imobiliário
seja disponibilizado com o respectivo “manual”. Tudo isso para que o usuário,
Proprietário ou Condomínio, sejam orientados, corretamente, sobre a forma mais
adequada para dispor do seu imóvel e mantê-lo. Nessa linha deverá seguir as
orientações quanto ao bom uso e operação do mesmo, para que o seu patrimônio
seja preservado física e economicamente, assegurando que a garantia seja
resguardada e o mesmo atinja a longevidade esperada, prevista ainda na fase do
projeto através da implantação do plano de manutenção para o seu imóvel.

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NBR 15.575 da ABNT – Edifícios habitacionais de até cinco pavimentos – Desempenho – Parte 1 a 6

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Manutenção: Conjunto de atividades a serem realizadas e respectivos recursos para conservar ou
recuperar a capacidade funcional da edificação e de seus sistemas constituintes de atender as
necessidades e segurança dos seus usuários
NBR 15.575 da ABNT
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NBR 5674 da ABNT – Manutenção de edificações – Requisitos para o sistema de gestão de Manutenção

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A figura a seguir apresentada, extraída da doutrina difundida e disseminada pela
Engenharia Diagnóstica, demonstra as fases que compõem o ciclo do processo
construtivo das edificações.

TPI TPI TPI TPI

P
PLANEJAMENTO
P
PROJETO
E
EXECUÇÃO
E
ENTREGA
U USO

TPI TPI TPI TPI

-TÉCNICA
-PRODUTIVIDADE
-INOVAÇÃO

O ciclo se inicia ainda na fase do PLANEJAMENTO, quando os estudos


preliminares são desenvolvidos pelo Empreendedor, para a concepção do produto
imobiliário, quando irá estabelecer as diretrizes para o seu “lançamento”, definindo
a tipologia e o padrão construtivo, dentre os principais parâmetros para possibilitar
a elaboração do projeto a ser desenvolvido na fase seguinte.

A fase do PROJETO é executada através da formalização das plantas, dos planos


de obra, enquadrados na observância das normas e legislação edilícia vigentes,
incluídos os produtos e sistemas adotados que irão compor a construção,
observados os requisitos definidos para a edificação. Os Projetistas contratados
pelo Incorporador ou Construtor, irão definir e especificar os materiais a serem
empregados na obra. Ressalta-se que nessa fase caberá aos mesmos a
determinação do nível de desempenho para a edificação, baseado na classificação
da Norma de Desempenho, NBR 15.574, a saber: Mínimo: “M”; Intermediário: “I”;
ou Superior: “S”. A definição dos materiais será influenciada, especialmente, pelo
ambiente ou atmosfera em que a obra estiver inserida entretanto deve levar em
conta o nível de desempenho proposto para a edificação. Os componentes, os
elementos integrantes dos sistemas construtivos devem ser especificados em
consonância com o nível a ser atingido, para que tenham desempenho compatível
durante o uso, ao longo da vida útil prevista. Caberá ao Projetista determinar a vida
útil das edificações, e indicar as ações de manutenção, que já deverão constar do

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escopo dos projetos, para os sistemas integrantes da edificação, que deverão ser
projetados, inclusive, sob a observância dos princípios da Manutenabilidade 4.

A etapa seguinte considera a EXECUÇÃO da obra, que pode ser associada a fase
de gestação propriamente dita do empreendimento, impingindo ao Construtor a
responsabilidade pela compra e aplicação dos materiais que foram escolhidos ou
indicados nos Projetos e memoriais descritivos elaborados na fase anterior. Não se
pode relevar a mão-de-obra a ser utilizada, que deverá ser treinada pelo
Construtor, para o emprego da boa técnica construtiva, favorecendo a correta
aplicação dos materiais fabricados e disponibilizados no mercado, segundo as
orientações dos fornecedores ou fabricantes e obedecidos os critérios de projeto. A
correta condução dessa fase contribui para o resultado final do produto e
contribuirá dentre outros requisitos, para a boa estética do empreendimento.

A nova fase que sucede pode ser equiparada ao nascimento do produto imobiliário
e coincide com a Conclusão ou Entrega da obra. Essa fase se apresenta e surge
de forma quase que instantânea e constitui a “data marco”, adotada para a
contagem dos prazos de garantia. Tal condição impõe a sua importância e
destaque no ciclo do processo construtivo. Polêmicas a parte, em relação à
determinação exata da data da entrega, especialmente das áreas comuns dos
condomínios, cuja interpretação ainda suscita dúvidas, que somente serão
elucidadas mediante a consolidação de jurisprudência sobre o tema, caberá ao
Construtor ou Incorporador disponibilizar ao primeiro proprietário ou Condomínio, o
“Manual de Uso Operação e Manutenção5” da edificação. Os referidos manuais
contem, dentre os principais tópicos a serem abordados, a apresentação das
características dos produtos imobiliários, indicação dos fornecedores, informações
sobre as condições de operação, uso e limpeza e relaciona as sugestões sobre a
implementação dos programas de manutenção, com previsão de modelos do
programa de manutenção contemplando procedimentos e periodicidade de
manutenção, baseada nos informes e prescrições dos projetos e respectivos nível
de desempenho do produto imobiliário. As diretrizes para elaboração dos Manuais
das edificações estão consolidadas na NBR 14.0376 da ABNT, cujo foco está
voltado para a qualidade da documentação técnica produzida ao longo das fases
de projeto e execução. Além disso, visa o seu direcionamento para esclarecer
dúvidas relativas às etapas de uso, manutenção e operação dos equipamentos,
apresentados em forma de manuais, para melhorar a comunicação no processo
entre os interessados na durabilidade das edificações.

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Manutenabilidade: Grau de facilidade de um sistema, elemento ou componente em ser mantido ou
recolocado no estado no qual pode executar suas funções requeridas, sob condições de uso
especificadas, quando a manutenção é executada sob condições determinadas, procedimentos e meios
prescritos - NBR 15.575 da ABNT
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Manual de operação, uso e manutenção: Manual destinado a orientar o usuário quanto ao correto
uso, operação e manutenção do imóvel
NOTA Também conhecido como manual do proprietário, quando aplicado para as unidades autônomas, e manual das
áreas comuns ou manual do síndico, quando aplicado para as áreas de uso comum. NBR 15.575 da ABNT

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NBR 14.037 da ABNT – Diretrizes para elaboração de manuais de uso, operação e manutenção das
edificações – Requisitos para elaboração e apresentação dos conteúdos

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A fase final do ciclo se consolida na fase do USO quando caberá ao Usuário do
produto imobiliário dispor e utilizar o imóvel, observadas as premissas declinadas
no Manual de Uso, Operação e Manutenção da edificação. Nesse passo será
desenvolvido, implantado e controlado, pelo Usuário, sob a sua única
responsabilidade e ônus, o Plano de Manutenção da Edificação, baseado nas
prescrições contidas na NBR 5674 da ABNT.

A manutenção7 das edificações é premissa básica para que as mesmas atinjam a


sua vida útil, prevista nos projetos, caso contrário, terão de ser substituídas
precocemente, gerando custos e resíduos indesejáveis, determinando,
consequentemente, os indesejáveis impactos ambientais. Essa substituição
consumirá insumos e recursos naturais, na contramão dos princípios e
recomendações propagados pelos critérios de Sustentabilidade que precisam estar
presentes nos empreendimentos em geral, no dia a dia dos cidadãos, devendo se
manifestar, marcantemente, em todas as fases do ciclo da construção.

A observância das normas pressupõe a ação dos intervenientes em todas as fases


do ciclo do produto imobiliário, sem exceção, implicando diretamente na qualidade
do produto através do enquadramento dentro de parâmetros mínimos e requisitos
de desempenho desde o início do ciclo. A aplicação das normas desde o início do
ciclo favorece alcançar a meta de vida útil, estabelecida na fase de Projeto. Na
outra ponta do ciclo caberá ao usuário a implantação dos planos de manutenção
para assegurar a durabilidade prevista para as edificações. Sem embargo das
normas que precisam ser revistas, pelo caráter anacrônico que muitas vezes
assumem ao longo dos tempos, quer seja por contradições identificadas nas
prescrições por vezes conflitantes que podem ser coligidas entre determinadas
normas vigentes, ressalta-se o espírito crítico que deve ser assumido pelos
técnicos, para que as normas sejam permanentemente aperfeiçoadas e
representem, efetivamente, os avanços das inovações tecnológicas e possibilitem a
sua aplicabilidade desejável.

As interações entre as partes intervenientes, aliadas à observância das normas,


possibilitam a instituição de um clima propício à melhoria no entendimento entre
produtores e consumidores ao promover uma inter-relação mais saudável no
mercado, gerando um nível diferenciado de confiança mútua. Tudo isso pressupõe
que as regras do jogo serão respeitadas, assegurando um nível pré-determinado
de qualidade técnica do produto, acessível a todos que se dispuserem a adotar os
preceitos normativos vigentes. Esse aspecto pode permitir um melhor balizamento
na concorrência entre as empresas e também favorece a escolha do Consumidor
que saberá, antecipadamente, as condições e expectativa da sua durabilidade do
seu imóvel, ressaltando nesse caso a sua responsabilidade pela manutenção do
mesmo, sem olvidar a responsabilidade do Incorporador e Construtor pelas demais
fases do produto imobiliário.

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Manutenção: Conjunto de atividades a serem realizadas e respectivos recursos para conservar ou
recuperar a capacidade funcional da edificação e de seus sistemas constituintes de atender as
necessidades e segurança dos seus usuários
NBR 15.575 da ABNT

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A figura indicada adiante, explica de que maneira a ação da manutenção pode
incidir em ganho de vida útil, podendo até prolongá-la ou ainda, pelo contrário, em
caso de negligência por parte do Usuário, ensejar a deterioração precoce e a
consequente e indesejável desvalorização patrimonial. Tal condição perfeitamente
previsível, portanto evitável, pode ser minimizada em caso da atuação da
manutenção, através da implantação do plano de manutenção das edificações,
pelo Usuário.

O enfoque previsto pelos princípios da Inspeção Predial Total destaca outros


aspectos fundamentais que não podem ser esquecidos, ressaltando outros fatores
externos, que fogem ao controle do Incorporador ou Construtor, que devem ser
simultaneamente analisados e implantados, como premissa para que a vida útil da
edificação seja alcançada, a saber:
 A implementação de planos de manutenção – pelo proprietário e usuário;
 Os cuidados no uso e operação dos sistemas e seus componentes;
 Os parâmetros de projetos devem ser mantidos: as condições climáticas no
entorno da edificação e o uso previsto no projeto, devem ser preservados ao
longo do tempo.

A diretrizes preconizadas pela Norma de Inspeção Predial Total mostra o alcance e


aplicabilidade dessa importante ferramenta da Engenharia Diagnóstica, visando a
verificação e ação corretiva do ciclo de qualidade da construção, com ênfase à fase
de manutenção.
Outras normas devem ser desenvolvidas para monitorar o ciclo do processo
construtivo, nas suas diversas fases, possibilitando através da Visão Sistêmica

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Tridimensional (técnica, uso e manutenção) e ação pró-ativa, especialmente para
complementar os níveis de controle das diversas etapas do ciclo em pauta.

Destaca-se a própria Norma de desempenho, NBR 15.575 da ABNT que


recomenda a utilização da ferramenta: Inspeção Predial de Uso e Manutenção8,
para análise do cumprimento dos itens pré-estabelecidos no projeto e das
condições de uso e manutenção do edifício.

A Visão Sistêmica Tridimensional (VST) é uma metodologia de modelagem da


análise técnica da edificação, dentre as principais premissas, permitindo avaliar as
variantes que envolvem o desempenho dos elementos edificantes, possibilitando
ajustar e introduzir técnicas de manutenção predial visando alcançar a qualidade
total predial.
O conceito de Inspeção Predial Total até então consagrado pela literatura técnica,
recentemente ajustada na publicação Engenharia Diagnóstica em Edificações,
conforme prescreve na sua definição:
“Inspeção Predial é a análise das condições técnicas, de uso e
de manutenção da edificação, visando orientar a Manutenção e
a Qualidade Predial Total”
A análise da qualidade predial total abrange, necessariamente, as correções
construtivas, a condições de uso e de manutenção, podendo assim ser subdividida
conforme ordenação dos princípios da Inspeção Predial Total, a saber:

Condição Técnica Construtiva:

A inspeção predial total pressupõe o enfoque que preconiza a identificação dos


sistemas e/ou elementos construtivos aparentes de “reconhecida baixa qualidade”
ou em “desacordo com as especificações usuais para o uso e padrão da
edificação”. Além disso, prevê a indicação das irregularidades técnicas legais
aparentes construtivas ou de projeto, em relação às normas técnicas e legislação
vigente. As inspeções devem ser pautadas na análise das falhas ou anomalias que
impõem riscos à solidez ou a vida e saúde do usuário, assim como da perda de
desempenho ou funcionalidade das instalações.

Condições de Uso

Pressupõe nesse tópico o enfoque e análise da rotina predial, sobretudo as


condições de operação das instalações, “verificando se as condições de
habitabilidade e de ocupação/uso do edifício colocam em risco a segurança e a
saúde dos usuários ou podem trazer perda de desempenho ou da funcionalidade
das instalações, assim como algum acometimento ao meio ambiente”.

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Inspeção predial de uso e manutenção:
Verificação, através de metodologia técnica, das condições de uso e de manutenção preventiva e
corretiva da edificação – NBR 15.575 da ABNT

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Procedimentos de Manutenção

Nesse item indica a análise dos procedimentos de manutenção, incluindo a


verificação do programa e registros (quando existentes) além da análise da
operação e seu desempenho.
 Analisar tecnicamente o programa ou planejamento da manutenção,
avaliados sob o aspecto da periodicidade de intervenção. A especialidade e
experiência profissional do engenheiro diagnóstico deve ser privilegiada,
para que possa analisar a razoabilidade, ou não, das periodicidades
propostas.

 A experiência profissional do engenheiro diagnóstico também deve ser


utilizada para analisar as operações e os procedimentos do processo
executivo no que se refere as técnicas executivas empregadas e na
avaliação da razoabilidade dos procedimentos empregados e/ou utilizados.

 As condições de funcionamento e funcionalidade das instalações que


compõem a edificação devem ser analisados, em relação às condições
aparentes de manutenção (verificando-se eventuais deteriorações precoces
ou anômalas)

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Engenharia Diagnóstica através da Inspeção Predial Total se consolidada como
ferramenta imprescindível para verificação das condições físicas e da manutenção
dos edifícios, além de fornecer subsídios para orientar o plano e programas de
manutenção, ou promover a sua atualização, através das recomendações técnicas
incluídas na elaboração do Laudo de Inspeção Predial Total. Colabora em última
análise para a consolidação das condições de durabilidade das edificações ao
promover o acréscimo do desempenho das mesmas, favorecendo,
consequentemente, a qualidade da edificação ao longo da sua vida útil ao incutir
nos consumidores a almejada prática da boa manutenção e os benefícios
decorrentes da sua implantação.

Além disso, nota-se que a proposta da sustentabilidade nas edificações deve


nortear, de forma irreversível, os projetos para desenvolvimento dos produtos
imobiliários em geral, exigindo a mobilização de todos os intervenientes e
interessados no ciclo do processo construtivo das edificações, com reflexos,
inclusive, na qualidade de vida dos usuários. O advento de produtos inovadores
também sobrevirá dessa feita sob o novo enfoque da Responsabilidade Social,
nova vertente que deverá ser incorporada e buscada como meta pela sociedade
civilizada, instituindo essa nova exigência dos usuários. Tal prática deverá ser
implantada desde os canteiros de obras, estendida aos operários, mas, sobretudo
no funcionamento das edificações, fomentando a interação e a melhoria das
relações entre os seus ocupantes, ao longo da vida útil das edificações.

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