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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

II Seminário de Psicologia e
Políticas Públicas

Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

RELATÓRIO

Organização:
Marcus Vinícius de Oliveira Silva

João Pessoa - PB
Maio/2003

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ...................................................................................... Pág. 06

CONFERÊNCIA I
Psicologia e Protagonismo Social .............................................................. Pág. 07
Coordenador: Odair Furtado (Presidente do CFP) ................................. Pág. 08
Marcus Vinícius de Oliveira Silva (Presidente do CNDH/CFP.................. Pág. 09
Debate.......................................................................................................... Pág. 28

LANÇAMENTO DO LIVRO “ADOLESCÊNCIA E PSICOLOGIA”........ Pág. 38


Coordenador Aluízio Lopes Brito (Secretário de Ética/CFP)............................ Pág. 39
Cláudio Vieira (Conanda)......................................................................... . Pág. 40
Maria de Lourdes Contini (CRP/14) ......................................................... Pág. 42
Monalisa Barros (CRP/03) ......................................................................... Pág. 45
Ana Sudário Lemos Serra (Ministério da Saúde) ..................................... Pág. 50
Psicologia e Direitos Humanos: perspectiva crítica ou modismo?................ Pág. 55
Coordenador: Marcus Vinícius de Oliveira Silva (CNDH/CFP) ............... Pág. 56
Pedrinho Guareschi (CNDH/CFP)........................................................... Pág. 62
Paulo Maldos (CNDH/CFP)....................................................................... Pág. 67
Heliana Conde (CNDH/CFP) .................................................................... Pág. 72
Debate........................................................................................................... Pág. 78

CONFERÊNCIA II
Protagonismo Social no Campo da Circulação Humana.......................... Pág. 85
Coordenadora: Gislene Maia Macedo (CFP)............................................ Pág. 86
Zulmira Bonfim (UFCE) ............................................................................. Pág. 87

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Debate......................................................................................................... Pág. 108

CONFERÊNCIA III
Protagonismo Social da Psicologia na Reforma Psiquiátrica .................. Pág. 115
Pedro Gabriel (Delegado/Ministério da Saúde)...................................... Pág.116
Coordenadora: Marta Elizabeth de Sousa (CRP-04) ............................... Pág. 134
Debate......................................................................................................... Pág. 140
Protagonismo Social na Democratização das Comunicações ................... Pág. 150
Coordenador: Ricardo Moretzsohn (CFP) .............................................. Pág. 151
Marcos Ribeiro Ferreira (CRP-12)............................................................ Pág. 151
Debate......................................................................................................... Pág. 172
Protagonismo Social na Área da Criança e do Adolescente ................... Pág. 183
Coordenadora: Carla França (CRP-03) .................................................... Pág. 184
Cláudio Vieira (Conanda)......................................................................... Pág. 184
Debate......................................................................................................... Pág. 206

CONFERÊNCIA IV
Protagonismo Social da Psicologia na Defesa dos Direitos Humanos........ Pág. 215
Cecília Maria Bouças Coimbra (Grupo Tortura Nunca Mais) .................. Pág. 216
Coordenadora: Maria de Nazaré Zenaide (CRP-14) ............................... Pág. 216
Debate......................................................................................................... Pág. 226

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APRESENTAÇÃO

O II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas resulta do


caráter esratégico das políticas para o futuro da profissão de psi-
cólogo. Neste contexto, e com as mudanças ocorridas desde a
promulgação da Constituição de 1988, surge um novo dilema: ou
os psicólogos envolvem-se com a construção de políticas públicas
ou não terão perspectiva de futuro com a profissão no Brasil.

O número de profissionais cresceu, ultrapassando 130 mil em


todo o país, o que faz pensar a presença do psicólogo no processo
social. Alguns espaços têm sido conquistados.

O novo quadro social faz com que os psicólogos e suas or-


ganizações preocupem-se com questões relacionadas à vida das
pessoas e aos espaços onde estas circulam, colocando os profissio-
nais na posição de protagonistas na redefinição de novas relações
sociais.

Por isso a importância de estarmos pensando, neste Seminá-


rio, na construção e consolidação de espaços de articulação den-
tro de um projeto estratégico para a profissão que reflita sobre o
impacto e as conseqüências de nossas intervenções para a vida das
pessoas e das cidades onde atuamos como profissionais.

Odair Furtado
XII Plenário - Presidente

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CONFERÊNCIA DE ABERTURA
Psicologia e Protagonismo Social
Coordenador: Odair Furtado
Presidente do Conselho Federal de Psicologia

Conferencista: Marcus Vinícius de Oliveira Silva


Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP
(CNDH)

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CONFERÇÊNCIA DE ABERTURA
Psicologia e Protagonismo Social
Odair Furtado
Presidente do Conselho Federal de Psicologia
É com imensa satisfação da Psicologia brasileira com a
que estamos aqui, inauguran- construção de novos caminhos
do os trabalhos do II Seminá- que venham a se somar com
rio de Psicologia e Políticas Pú- soluções para a difícil situação
blicas e coordenando a Mesa social vivida em nosso país.
“Psicologia e Protagonismo
Social”. O II Seminário já co- Nesta oportunidade, esta-
meça a se transformar em uma mos trazendo o tema “Psico-
tradição, como um evento-sa- logia e Protagonismo Social”.
télite do III Congresso Norte- São novos tempos e conside-
Nordeste, pois, em primeiro ramos que é o momento de a
lugar, representa todo o apoio, Psicologia e de os psicólogos
interesse e esforço do Sistema de todo o Brasil apostarem
Conselhos na construção deste na transformação social, aju-
encontro científico, que tem dando a construir a transfor-
se mostrado efetivamente um mação social. Nesse sentido,
pólo de atração da Psicologia e num primeiro momento,
da construção da ciência neste interessa-nos apontar para
país, particularmente no que esse norte, procurando a de-
se refere às normas do traba- finição do que é realmente o
lho acadêmico e do trabalho protagonismo social e do que
profissional. é efetivamente o compromisso
com essa transformação.
O Conselho Federal, com
o II Seminário de Psicologia Para inaugurar o nosso
e Políticas Públicas, está pro- seminário, estamos trazendo
curando trazer esse aspecto do a palavra de Marcus Vinícius
elo entre o campo da produção de Oliveira Silva, Coordena-
acadêmica e o efetivo trabalho dor da Comissão Nacional de
dos psicólogos. É de políticas Direitos Humanos, que irá
públicas exatamente porque discorrer sobre o tema “Psico-
trata do compromisso social logia e Protagonismo Social”.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Marcus Vinícius de Oliveira Silva


Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos do CFP
(CNDH)

É com grande satisfação políticas públicas, como grupo


que estamos aqui para a primei- organizado dos psicólogos, de-
ra atividade do II Seminário de fine hoje as possibilidades da
Psicologia e Políticas Públicas. futura expressão dessa profis-
Sinto-me particularmente dis- são na sociedade brasileira.
tinguido com a condição de
primeiro interlocutor deste Somos uma profissão que
debate, como organizador que tem um grave problema de
fui do I Seminário de Psicolo- empregabilidade. Somos uma
gia e Políticas Públicas. profissão marcada por uma
potencialidade virtual que, en-
Quero trazer aos colegas tretanto, tem encontrado limi-
a convicção de que o debate tadas possibilidades de expres-
das políticas públicas para são concreta. É comum ouvir
a profissão de psicólogo no os psicólogos dizerem que a
Brasil, hoje, não está colocado Psicologia é tão importante
como uma opção facultativa. e poderia ser tão útil se a so-
Neste momento, enfrentar a ciedade percebesse isso, com-
discussão das políticas públicas preendesse seu lugar, papel e
não é algo que os psicólogos importância e abrisse espaço
brasileiros possam escolher. para a atuação dos psicólogos.
Enfrentar a discussão das po- Este é um discurso muito co-
líticas públicas é uma questão mum entre os profissionais da
estratégica e fundamental que Psicologia.
define a possibilidade da ex-
pressão futura desta profissão Efetivamente, os modos de
na sociedade brasileira. Então, atuação profissional dos psicó-
estou afirmando a tese de que logos na sociedade brasileira
o debate, a participação, a foram desenhados de uma
compreensão e a capacidade forma bastante simplificada.
de reflexão acerca das políticas O repertório de possibilida-
públicas, enfim, a capacidade des concretas de intervenção
de intervenção política nas dos psicólogos na sociedade

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brasileira ficou durante muito muitos anos, foi equivocada-


tempo extremamente resumi- mente centrado na atenção
do a uma prática relacionada individual no interior da es-
à educação e ao trabalho das cola e no estabelecimento dos
organizações, sobretudo mar- consultórios psicológicos no
cado pela Psicotecnia. Poste- interior dos estabelecimentos
riormente, nos anos 70, com o escolares, num modelo muito
boom da Psicologia brasileira - a similar ao da Psicoterapia, que
proliferação dos cursos de Psi- gerou um certo esvaziamento
cologia, ampliação das vagas e desse espaço, e também de-
incremento da produção em monstra sinais de cansaço.
série de profissionais -, tivemos
o desenvolvimento hipertrofia- Em relação à área da Psico-
do da Psicoterapia como modo terapia, assistimos à multipli-
de excelência de prestação cação geométrica do número
de serviços, comercialização de profissionais disponíveis no
de serviços ou fonte de renda mercado versus uma situação
para os profissionais. Entre- inversamente proporcional
tanto, esse modelo dá sinais de diminuição do poder aqui-
evidentes de esgotamento. sitivo das classes médias. Isso
significa que aquele modelo
No campo do processo de liberal, copiado da prática
reestruturação produtiva, con- médica, sonho de todo psicó-
siderando os postos de traba- logo que se formava - montar
lho que absorvem psicólogos o seu consultório, desenvolver
no interior das organizações, uma clientela e vender de
as possibilidades de interven- forma liberal os seus trabalhos
ção da Psicologia hoje têm - está hoje bastante limitado,
sido proporcionalmente redu- porque, efetivamente, a mul-
zidas em relação à expectativa tiplicação dos profissionais
que havia sobre essa área nos na sociedade e a diminuição
anos 70 e 80. dos clientes com capacidade
aquisitiva para adquirir esse
Também no processo da serviço, aliadas a um certo fe-
educação, na Psicologia Edu- chamento dos planos de saúde
cacional, o repertório de inter- à possibilidade de que esta prá-
venção dos psicólogos, durante tica seja financiada por outros

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sistemas de seguro saúde ou lher entre debater e enfrentar


planos previdenciários, fazem a questão das políticas públicas
com que as perspectivas sejam ou não fazê-lo. As políticas pú-
bastante preocupantes para blicas são, sem dúvida, neste
essa profissão. momento, a possibilidade de
expressão de toda essa dispo-
Somos hoje uma profissão nibilidade da Psicologia e dos
curiosamente marcada pelo psicólogos, na prestação de
desemprego, característica serviços de utilidade e de inte-
principal da maioria dos seus resse público para a sociedade
integrantes. Observamos, hoje, brasileira. É na garantia das
a proliferação contínua de no- políticas públicas de educação,
vos cursos de Psicologia e a in- de saúde, de segurança e de
teriorização dos cursos de Psi- atenção à criança e ao adoles-
cologia - antes a multiplicação cente que, efetivamente, uma
dos cursos de Psicologia estava nova prática psicológica está se
centrada nas grandes cidades. instalando, e é no interior des-
Estive recentemente em Santa se espaço que devemos buscar
Catarina e fiquei espantado, a expansão legítima dos postos
pois cidades com pouco mais de trabalho, tão necessários à
de vinte mil habitantes man- dinâmica de uma profissão.
têm cursos de Psicologia. No
resto do país essa situação tem Se uma profissão conse-
se reproduzido. A Monalisa, gue ter um número maior
de Vitória da Conquista, per- de desempregados do que de
guntava-me como iria ficar a empregados, ela vai perdendo
situação de duzentos novos o seu sentido de ser como pro-
psicólogos por ano em Vitória fissão e vai passando a ser uma
da Conquista, se hoje os trinta experiência de assimilação in-
e poucos profissionais já não telectual de informações sobre
estão conseguindo trabalho. uma determinada especialida-
O que vai acontecer quando de, porque, efetivamente, não
estivermos produzindo duzen- tem um campo de exercício
tos novos profissionais?! no interior da sociedade e
não se materializa como uma
Não se trata, para os psicó- prática no interior da socieda-
logos, neste momento, de esco- de. Então, passa a constar no

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currículo dos indivíduos como trouxeram a este momento e a


um elemento a mais do seu en- esta conjuntura. Os processos
riquecimento, da sua formação de proliferação dos cursos de
e da sua autoconstrução como Psicologia no interior da socie-
indivíduo na sociedade. dade brasileira e de definição
de áreas de interesse dessa pro-
É através da prestação de fissão durante muito tempo
serviços e do exercício das suas estiveram alheios ao controle
técnicas e das suas práticas, de da profissão de psicólogos
uma forma remunerada, que enquanto uma organização
uma determinada profissão coletiva.
pode ser reconhecida como
profissão. Se todos nós sabe- Estou querendo dizer
mos Psicologia e somos for- que chegamos até aqui por
mados em Psicologia, mas não conta das políticas educacio-
temos a possibilidade prática nais dos governos, que têm
de vivermos dos serviços que patrocinado - e o Governo
podemos prestar, orientados Fernando Henrique Cardoso
por esse tipo de conhecimen- foi particularmente empenha-
to, não merecemos o nome de do nesse sentido - uma quase
profissionais psicólogos; mere- irresponsável proliferação de
cemos, sim, o nome de sujeitos cursos superiores de natureza
formados em Psicologia ou profissional sem qualquer pre-
com um grau de informação ocupação com a questão da de-
em Psicologia. manda social em relação a essa
produção de profissionais.
Temos, então, um proble-
ma muito grave hoje no devir Chegamos até aqui go-
histórico dessa profissão, e vernados pelos interesses dos
temos de enfrentá-lo. A ques- empresários da educação,
tão é que chegamos até aqui os quais, sendo a Psicologia
por vias sobre as quais tivemos uma área de curiosidade de
muito pouca governabilidade interesse social que exige
enquanto um grupo profis- baixíssimos investimentos na
sional. Estou querendo dizer, instalação de cursos universi-
com isso, que não governamos tários, ofereceram uma grande
muitas das variáveis que nos expansão no interior das suas

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universidades. Temos, hoje, o de serviços. Costumo dizer


franchising. Uma universidade para os meus alunos, na Facul-
privada, que está numa grande dade de Psicologia da UFBA,
metrópole, obtém autorização em Salvador, que quem precisa
para o funcionamento de um de corrente é cachorro e quem
curso superior de Psicologia precisa de linha é trem. Psicó-
e estende, automaticamente, logo precisa de informação e
essa autorização para os oito, de capacidade técnica e ana-
dez, doze quinze campus que lítica dos contextos concretos
mantém no interior do estado. nos quais vai intervir. Ele preci-
sa saber analisar os espaços de
Chegamos até aqui gover- intervenção nos quais vai atuar
nados pelo sabor e pelo inte- e daí sacar as ferramentas.
resse dos modismos intelectu-
ais e teóricos que impuseram, Não estou propondo ne-
a cada momento, o que era in e nhum obscurantismo que ig-
o que era out em termos de Psi- nore o valor e a importância da
cologia, estabelecendo o que teoria, mas não posso admitir
estava em voga no mercado e o que a teoria governe o homem.
que cada psicólogo deveria ter, É o homem que governa a te-
para ser considerado alguém oria, não devemos servir às
em sintonia com o mercado teorias. As teorias devem estar
das informações psicológicas. a nosso serviço. Nesse sentido,
Assim, nos anos 60, o Behavio- fomos vítimas, de certa forma,
rismo ocupou esse lugar; nos porque um tanto passivos dian-
anos 70 e 80, a vaga da Psicaná- te da opinião pública interior
lise; nos anos 90, quem não era ao campo da Psicologia, quee
lacaniano não tinha um lugar estabeleceu como a moda
garantido no céu. mais quente do momento e
alimentou muitos caciques da
De certa forma, as escolas formação profissional, muitas
teóricas estabeleceram, nos lideranças carismáticas das li-
últimos tempos, quais eram os nhas teóricas, alguns dos quais
conteúdos relevantes ou irrele- que se beneficiam desse mer-
vantes para que um psicólogo cado interno que nós mesmos
pudesse ser considerado ade- constituímos, mercado este
quado e apto a sua prestação muito significativo. É curioso

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isso porque a Medicina, se fos- adequada do ponto de vista


se precisar dos médicos como de um certo pensamento es-
pacientes para poder subsistir, tratégico sobre o futuro da
certamente teria dificuldades. expressão dessa profissão na
Da mesma forma, os advoga- sociedade brasileira. O Estado
dos. é, sem dúvida, o ente que tem
hoje a capacidade de fazer es-
Agora, os psicólogos são tender às populações aqueles
um tipo de profissionais tão serviços que possam atender
interessantes que são capazes às necessidades fundamentais
de se alimentarem da própria dos cidadãos. Não estamos
produção do campo social que pensando as políticas públi-
os conforma. Os estudantes cas como um favor do Estado
de Psicologia mais jovens tra- ou como objeto de interesse
tam ou consomem serviços de estritamente corporativo. É
cursos de supervisão e, numa preciso afirmar que a batalha
cadeia ascendente, o peixão pelas políticas públicas signi-
grande come o menor, que fica, hoje, a condição de que
come o outro, até comer o pei- os psicólogos possam prestar
xinho. Temos, portanto, uma os seus serviços para a maioria
antropofagia econômica que da população da sociedade
retroalimentamos com cursos, brasileira. Isso, obviamente,
formações e Psicoterapia do implica em um certo redire-
próprio mercado. Esse merca- cionamento do nosso olhar.
do também revela-se, a despei- Ao longo dos primeiros anos
to da expansão dos cursos de da institucionalização da nos-
Psicologia, bastante limitado e sa profissão, o nosso olhar es-
bastante empobrecido. teve direcionado à construção
de um tipo de objeto de inter-
Eu trouxe esse dado, pri- venção marcado pela identi-
meiro, para convencê-los de dade com a nossa condição de
que estar aqui neste momen- classe social, ou seja, o homem
to, participando desse debate que cultivamos nos nossos es-
que o Conselho Federal de tudos é abstrato do ponto de
Psicologia está promovendo vista dos conteúdos da teoria
sobre as políticas públicas, e é concreto do ponto de
talvez seja a atitude mais vista da nossa imaginação. É

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um homem igual a nós, é da Uso essa metáfora para


nossa classe social e é pensado dizer que nós, psicólogos, so-
segundo a nossa imagem e mos filhos de um período de
semelhança enquanto classe ditadura militar. Enquanto tra-
social. balhadores estavam morrendo
no desemprego e nos aciden-
Efetivamente, o fato de a tes de trabalho, enquanto
Psicologia, durante os primei- trabalhadores estavam sendo
ros vinte anos do seu desenvol- explorados em relações capita-
vimento, ter estado vinculada listas absolutamente hostis, en-
a um período ditatorial da so- quanto pessoas estavam sendo
ciedade brasileira, com ausên- torturadas nos cárceres da di-
cia da liberdade de expressão, tadura militar, enquanto a vida
ausência da liberdade de orga- social e a educação estavam
nização e ausência da liberda- sendo sucateadas, a ditadura
de de crítica, fez com que nos militar nos dizia: “não vejam
parecesse que toda a Psicolo- isso, nada disso está aconte-
gia estivesse resumida aos in- cendo, não se preocupem com
divíduos e à sua subjetividade este assunto, que isso não lhes
como uma expressão essencial diz respeito...”
da sua interioridade. A Psico-
logia brasileira, costumo dizer, Escutamos essa mensagem,
é filha de uma mãe esquizofre- seguimos e construímos a nossa
nogênica. Mãe esquizofreno- profissão durante os vinte pri-
gênica é aquilo de que, nos meiros anos da sua existência
anos 60, chamávamos as mães como uma profissão alienada
que estabeleciam as relações da realidade. Talvez esse seja
de ambivalência, de duplo o débito que nos traz hoje um
vínculo, de dupla mensagem, plus de dificuldade no debate
com os seus filhos. Alguns te- sobre as políticas públicas. Efe-
óricos, à época, Ronald Laing tivamente, estivemos, durante
e David Cooper, Gregory Ba- longo tempo, fora do espaço
teson, propunham, portanto, da política, fora do espaço do
que esse padrão de comunica- público e fora do espaço no
ção, baseado na ambivalência, qual se define a convivência
pudesse ser fonte da produção social da maioria dos cidadãos
da esquizofrenia. brasileiros. Estivemos fora das

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instituições nas quais os cida- ruas, trabalhando dentro do


dãos brasileiros foram, e são, sistema prisional, trabalhando
maltratados pelas políticas do com crianças vítimas do abu-
Estado. Sabemos muito pouco so e da violência doméstica e
dos contextos comunitários. sexual, trabalhando com fron-
teiras impensáveis, tais quais
Óbvio que estou fazendo aqueles que estão assentados
uma fala que toma e dá tintas nos acampamentos do MST lu-
ao passado com vistas a com- tando pela terra, trabalhando
preender o presente. Tenho com aqueles que foram afasta-
clareza de todo esse processo dos da terra para a construção
que estou descrevendo e só de barragens e vivem uma situ-
posso estar descrevendo aqui ação de instabilidade em rela-
porque se encontra em franca ção à sua sustentação no solo,
transformação. Esse é o tema na terra. Esses trabalhos há
da nossa conversa. Estou que- vinte anos eram impensáveis
rendo carregar com tintas as entre os psicólogos.
dificuldades que temos para
fazer a reversão dessas formas Quando realizamos a Mos-
que foram, durante tanto tem- tra Psicologia e Compromisso
po, predominantes de entendi- Social, em São Paulo, há cerca
mento dos psicólogos em rela- de três anos, pudemos consta-
ção à sua própria profissão. tar mais de mil e quatrocentos
trabalhos de psicólogos que
Temos uma trajetória que estão no caminho de resgatar
cristalizou fortemente um uma condição de fazer da Psi-
certo modelo, uma certa pers- cologia uma disciplina, uma
pectiva e uma certa atitude profissão colocada a serviço
dos psicólogos em relação ao do interesse da maior parte
seu fazer profissional. Hoje dos brasileiros. Estávamos
estamos transformando essa si- diante de uma Psicologia que
tuação e já podemos encontrar compreendera, finalmente,
muitos psicólogos trabalhando que a existência de mais de
nas franjas da exclusão social e cinqüenta milhões de brasilei-
em ambientes absolutamente ros abaixo da linha da pobre-
impensáveis há vinte anos, tra- za lhe dizia, de alguma forma,
balhando com as crianças nas respeito. Enfim, a Psicologia

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brasileira, nos últimos anos, certo quadro social, omissão


tem se colocado a caminho do patrocinada pelo conforto no
resgate dessa dívida para com qual nos instalamos enquan-
a maior parte da sociedade to grupo social. Temos uma
brasileira. história que é marcada pela
alienação frente aos elementos
Insisto sempre nisso, pois que constituem a realidade
nunca valorizamos suficiente- da sociedade na qual vivemos.
mente o que é viver numa de- Essa história funciona ainda
mocracia, só mesmo quando hoje como um poderoso obs-
recordamos os tempos em que táculo para que os psicólogos
a liberdade de expressão nos possam avançar em direção à
faltava, a liberdade de organi- transformação da sua prática e
zação nos faltava, os tempos da sua profissão.
em que jamais eu poderia estar
fazendo esse tipo de fala, os Costumo dizer que os
tempos em que, se eu fizesse psicólogos não buscaram as
esse tipo de fala, certamente fronteiras da exclusão apenas
encontraria problemas sérios porque se iluminaram de re-
em relação à integridade física. pente, perceberam que a rea-
Esse tempo da redemocratiza- lidade ao seu redor era triste
ção do país oferece o leito no e doída e que tinham algo a
qual a Psicologia brasileira vem dizer sobre isso. Acho que os
estabelecendo esse resgate. psicólogos vieram pelo cami-
Portanto, é disso que se trata. nho da dor, não pelo caminho
da generosidade. Estão vindo
Temos uma história que porque, efetivamente, como
não escolhemos. Temos uma estabeleci anteriormente, as
história que é fruto de um con- possibilidades de atuação des-
junto de elementos em relação sa profissão estão vinculadas
ao quais, enquanto categoria e à capacidade de oferecer res-
grupo profissional, não pode- postas para os problemas da
mos controlar. Temos uma his- maioria da população brasilei-
tória que é de omissão. É ine- ra e não para aquela pequena
vitável que cheguemos a essa elite da qual fazemos parte, a
conclusão. Temos uma história qual conhecemos bem e com a
que é de omissão frente a um qual convivemos durante tanto

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tempo. É preciso reverter os A partir desta análise, tomo


benefícios da Psicologia para o ponto seguinte, que é o tema
toda a sociedade brasileira, específico: a protagonização
principalmente para aqueles da Psicologia. Devo esclare-
que não têm condições de cer que, nessa caminhada em
acesso à Psicologia como um direção a uma Psicologia que
recurso para o seu bem-estar. possa estar a serviço da maior
Quando falo em ter acesso, parte da população brasileira,
não estou falando que todos as entidades de Psicologia,
os cinqüenta milhões de bra- sobretudo os Conselhos de
sileiros que estão abaixo da Psicologia e as entidades, atra-
linha de pobreza tenham de vés dos fóruns de entidades de
fazer Psicoterapia. A Psicolo- Psicologia, têm buscado, nos
gia precisa, e tem feito isso, últimos tempos, estabelecer,
aprofundar a sua relação com de forma coletiva, um projeto
o desenvolvimento de ferra- para que essa Psicologia possa
mentas e habilidades para estar transformando-se nessa
intervir nesses contextos, con- direção que estabeleci com
textos estes tão estranhos para vocês. As entidades têm feito
nós, pessoas da classe média. isso através de um conjunto
Esses modos de vida parecem de recursos. Um dos recursos
tão distantes do nosso modo políticos que usamos para
de vida. Essa intervenção não traduzir para os psicólogos, a
deve ser feita de uma forma partir do Conselho Federal de
etnocêntrica, uma forma que Psicologia, essas idéias e pers-
projeta, nesses sujeitos, o ideal pectivas que estou trazendo
de que sejam convertidos ou aqui, foi a bandeira da Psicolo-
trazidos aos nossos modelos, gia e compromisso social. Há
mas feita o de uma forma que cerca de cinco anos, na busca
respeite esses sujeitos como de uma palavra, de uma fór-
portadores de uma verdade mula, de uma consigna, de um
cultural, portadores de sen- lema, que pudesse nos ajudar
tidos e significação para suas no trabalho de comunicação
vidas, que devem ser pacien- com os psicólogos em relação
temente conhecidos por nós, a essa problemática, adotamos
para que possamos trabalhar a bandeira da Psicologia do
com esses sujeitos. compromisso social.

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O que é a Psicologia do se dedicam profissionalmente


compromisso social? A Psi- a essa atividade.
cologia do compromisso so-
cial significa um projeto de Isso mostra que não há ne-
reflexividade no interior da cessariamente uma contradi-
Psicologia. É instaurar uma ção entre os nossos interesses
reflexividade que permita aos como corporação profissional,
psicólogos reconhecerem-se o nosso corporativismo, e os
como participantes de uma so- interesses da sociedade. Pelo
ciedade que é ampla, diversa, contrário, quando nos enga-
desigual e muito cruel em suas jarmos no processo de garantia
desigualdades. Que os psicó- dos direitos dos cidadãos bra-
logos reconheçam que o seu sileiros, estaremos nos benefi-
trabalho deve estar oferecido a ciando como cidadãos que so-
todos que dele precisem, que o mos e passaremos a receber os
psicólogo possa perceber que benefícios desses direitos que
todos os cidadãos brasileiros o Estado brasileiro tem de nos
têm um conjunto de direitos garantir, ao mesmo tempo em
e que a construção, a validação que, como cidadãos diferencia-
e o uso desses direitos pode dos, como grupo profissional,
beneficiar imensamente a toda também seremos beneficiados,
a sociedade brasileira, e nós, porque, enfim, teremos opor-
psicólogos, podemos tirar a tunidade de prestar os nossos
nossa casquinha nesse proces- serviços, sermos remunerados
so. Se a sociedade brasileira e contribuirmos para que a
conseguir que a sua popula- sociedade brasileira possa ser
ção tenha educação, serviços mais agradável de viver e para
de saúde e que a sua infância que todos possamos nos be-
esteja protegida, certamente neficiar de uma sociedade na
nós, psicólogos, integrantes da qual as pessoas não tenham de
sociedade brasileira, teremos viver trancadas nas suas casas,
resolvido um problemão que com grades, uma sociedade
temos neste momento, que é o onde a questão da lei e da im-
de nos colocarmos como úteis punidade possa estar mais bem
a essa sociedade e, ao mesmo estabelecida, uma sociedade
tempo, garantirmos a legítima na qual a segurança possa ser
remuneração das pessoas que estabelecida como um bem

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

universal para todos, uma so- po da produção do conheci-


ciedade em que a condição de mento. O conhecimento que
consumo de todos nós garanta temos e cultivamos e a forma
o mínimo necessário para uma como nos relacionamos com a
sobrevivência digna. importação do conhecimento,
longe de facilitarem essa tarefa
Parece-me, portanto, que tão imensa, trazem muitas difi-
a idéia de Psicologia e com- culdades.
promisso social tem sido bas-
tante feliz, porque consegue Há sempre um debate so-
traduzir toda essa perspectiva, bre a universalidade do conhe-
a perspectiva da afirmação de cimento científico o caráter
que nós, psicólogos, mudamos universal do conhecimento
de posição e não queremos científico, e o caráter constru-
continuar alienados no gueto, ído socialmente do conheci-
no grupo social do qual deri- mento científico que nos traz
vamos. Nós, psicólogos, não a questão de como os objetos
queremos continuar prestan- para o conhecimento são esta-
do serviço só para as pessoas belecidos no interior da ciên-
que falam o mesmo registro cia. Isso, sem fazer abuso ou
simbólico que utilizamos do ofensa a ninguém, faz-me pen-
ponto de vista da cultura. Nós, sar que, quando Piaget estava,
psicólogos, queremos compar- no seu país, envolvido com
tilhar com a sociedade bra- uma investigação sobre como
sileira, com todas as pessoas, as crianças se desenvolvem, as
uma melhor possibilidade de crianças que Piaget observava
existência para todos. e utilizava como referência
nas suas investigações tinham
A idéia de Psicologia e a marca da mesma cultura
compromisso social tem uma na qual Piaget estava inscrito.
outra incidência, que é no Não quero negar que as idéias
campo do conhecimento. Se de Piaget acerca do desenvolvi-
queremos fazer isso mesmo, a mento possam ser muito úteis
que me referi ainda há pouco, e tenham o seu grau de uni-
se estamos de fato com esse versalidade, mas tenho certeza
projeto, temos de reconhecer de que as crianças que cortam
que temos uma tarefa no cam- cana desde os cinco anos de

20
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

idade, no interior de Pernam- o grande volume de informa-


buco, certamente são muito ções que manipulamos nos
diferentes das crianças com centros formadores ainda está
as quais Piaget se relacionou. associado a referências que são
Quero crer que o desenvolvi- absolutamente desconectadas
mento dessas crianças também do que se passa no contexto da
seja bastante diferenciado. nossa realidade.
Não estou propondo que não
dialoguemos com Piaget, estou Portanto, a idéia de Psi-
propondo que dialoguemos cologia e compromisso social
com Piaget. Dialogar significa também nos ajuda a apontar
ter algo a dizer e oferecer ao uma tarefa no campo da in-
outro ao mesmo tempo em vestigação da produção do
que se escuta o que é ofereci- conhecimento e da formação.
do. Acho uma crueldade que É preciso mais velocidade,
a Psicologia brasileira tome as talvez, nesse campo, para que
idéias de Piaget, ou as tabelas efetivamente possamos ter
de desenvolvimento, e fique uma Psicologia que dialogue
querendo enfiar as nossas com a nossa gente. Já estamos
crianças lá dentro, reprovan- perto da nossa gente em várias
do- as porque elas não estão de frentes. Se prestarmos muita
acordo com uma tabela que foi atenção, se fizermos de fato
desenvolvida dentro de uma aquele ouvido para a escuta
certa conjuntura. As nossas - não a escuta da teoria, mas a
crianças têm a sua normativi- escuta que realmente escuta o
dade!... que o sujeito produz de singu-
lar - daqui a pouco estaremos
Neste momento, no in- produzindo a Psicologia que
terior do campo científico fala do sujeito que se produz
brasileiro, essa consciência nessas atitudes, com as carac-
está crescendo. É preciso terísticas que são próprias à
produzir referências que nos ancestralidade e à construção
permitam compreender os da cultura brasileira.
processos de subjetivação tal
como se produzem no interior Esse tema da Psicologia e
da sociedade brasileira. Isso compromisso social também
está crescendo. Entretanto, nos permite articular uma

21
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

outra questão, que é o arsenal trução nossa. Isso afirma que


tecnológico que temos para temos desenvolvido Pedagogia.
manejar as diversas situações Sempre me lembro do pouco
em que intervimos. O nosso apreço, entre os psicólogos,
repertório tem sido ampliado. pela imensa obra do nosso edu-
Tem havido uma ampliação cador maior, Paulo Freire, e do
desse repertório. A professo- quanto, em nossos trabalhos
ra. Ana Bock apontava, hoje, comunitários e em Psicologia
o quanto esse repertório de Social, poucas vezes reconhe-
interpretação de afirmação cemos a presença desse tipo
de possibilidades técnicas de de criação. Estou citando Paulo
intervenção tem crescido no Freire porque é o mesmo sen-
interior da nossa profissão. tido. Trata-se de inventar uma
Entretanto, é preciso dizer coisa que sirva para a sua gente,
que boa parte do que temos na hora em que ela precisa e do
produzido no nosso país tra- jeito que ela precisa. Tem de
ta-se de invenções nacionais. ser do tamanho dela, a serviço
No campo da Reforma Psi- dela, próprio para ela. Não se
quiátrica tem uma invenção trata de um modelo estandar-
nacional de assistência nos dizado para todos, mas de um
NAP’S e nos CAPS que não se modelo construído e dialogado
encontra em lugar nenhum do com a realidade social. Temos
mundo. É coisa do Brasil. Na produzido isso.
luta antimanicomial, o debate
político, feito a partir da nossa Essa idéia de Psicologia e
realidade, produziu um tipo compromisso social diz nos que
de unidade que dá certo, que temos de adiantar muito o lado
mantém os psicóticos fora da dessa questão. É preciso fazer
internação e estabiliza o sujei- investimentos mais intensos
to, e que vocês não vão achar nessa questão.
em lugar nenhum do mundo.
É invenção brasileira. Isso traduz um esforço
que temos feito, ao longo
Os modos de atenção à desses últimos cinco anos,
saúde mental no interior dos para enfrentar o processo de
serviços substitutivos ao mani- transformação da Psicologia
cômio no Brasil são uma cons- brasileira. Temos, entretanto,

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de avançar. “Não basta ser pai, produzir uma análise dos con-
tem que participar”: não basta textos sociais nos quais as suas
ter consciência dessas coisas!... práticas intervinham. Talvez,
Sem dúvida, através da idéia neste momento, precisemos
de Psicologia e compromisso dar uma passo à frente. É
social, nós, psicólogos, temos assim que estamos propondo,
nos tornado mais conscientes desde o movimento Para cui-
desse conjunto de elementos e dar da profissão, a partir do
contradições que constróem a Conselho Federal de Psicolo-
nossa história como profissão, gia e dos Conselhos Regionais
que constróem um certo status de Psicologia, que, no próximo
quo do presente, no qual bus- período, adotemos a idéia de
camos navegar e o que estamos Psicologia e protagonização
buscando transformar, mas isso social. Achamos que é chega-
não é suficiente. A consciên- do o tempo de os psicólogos
cia que não opera como ação saírem da posição contempla-
é uma falsa consciência. A tiva diante dessas constatações
aprendizagem só ocorre quan- para uma atitude francamente
do ocorre a transformação do proativa frente à produção dos
comportamento. No mais, é vários elementos que estão
acúmulo de informações. Só envolvidos nesse processo de
existe aprendizagem quando transformações. Essa idéia
tomo contato com algo e a de protagonismo, portanto, é
partir disso não posso mais uma fórmula política. Estamos
ser o mesmo que eu era. Esse fazendo um esforço, uma tenta-
conhecimento produz uma tiva política de nomeação. Es-
transformação que me impede tamos tentando criar um nome
de ficar na posição em que eu que possa ser utilizado para
estava. comunicação desse novo mo-
mento da Psicologia brasileira
Talvez seja dessa natureza o que está se instaurando, que
momento que estamos vivendo queremos ajudar a se instaurar
agora. Tomamos consciência e a ser bem-vindo, que está se
de que a Psicologia brasileira estabelecendo entre nós como
estava mal posicionada frente à modo, atitude, ética e forma
realidade social. Os psicólogos de os psicólogos enxergarem a
tinham poucos recursos para sua própria profissão.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

A idéia do termo “prota- o Conselho tinha de fazer lei.


gonismo” remete-nos a uma Os colegas propuseram várias
linguagem do teatro. Protago- leis: lei que obrigava o psicó-
nismo é a idéia daquele que logo a estar na escola, na em-
ocupa a cena principal, daque- presa e nos diversos conselhos
le que está na cena principal. de direitos... Era lei para todo
Remete-nos à tragédia grega, lado! Os colegas expressavam
onde havia o protagonista, o a posição do coro, reclamão.
deuteragonista, o tritagonista, Precisamos entrar nisso! Va-
o coro e a platéia. A idéia é a mos arranjar uma lei que nos
de que possamos, através dessa garanta! Vamos produzir uma
metáfora, chamar os psicólo- lei! Eu, irônico, mas manten-
gos, que até então estiveram na do a pose de sério, disse que ti-
platéia, para que venham para nha a melhor proposta. Em vez
a frente dessa cena. Não que- dessas leis todas, deveríamos
remos que eles venham roubar fazer a lei que criava o psicó-
a cena de qualquer outro ator logo condominial. Nós resol-
que seja legítimo ali, mas que veríamos todos os problemas.
saiam efetivamente da platéia, Nos condomínios estão todas
que não se contentem em ficar as clientela: o conflito de pais
no coro, no coro dos descon- e filhos, o conflito de marido e
tentes, dos reclamões, dos que mulher, os idosos. Temos todo
choram e lamentam porque a tipo de dificuldade humana
profissão não é reconhecida nos condomínios. A vantagem
pela sociedade. Somos como do psicólogo condominial é
“Bombril” e temos “mil e uma que a taxa de condomínio ga-
utilidades”, entretanto, não es- rante a remuneração. Então,
tamos em lugar nenhum. Por resolveríamos de uma vez por
que não estamos? Por que as todas o problema. Com uma
pessoas não nos amam e não lei só, atenderíamos a todas
nos querem?! as clientelas e ainda garanti-
ríamos o financiamento, que
Certa feita, num evento estaria embutido na taxa de
de psicólogos, discutia-se que condomínio. Falei isso ironica-
o Conselho tinha de fazer lei mente e, para a minha surpre-
para tudo. Para garantir que o sa, alguns colegas endossaram
psicólogo estivesse empregado, firmemente a idéia: “É isso

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

aí. É uma boa idéia. Vamos temente e os formados há mui-


propor aos deputados a figura to tempo, temos de perceber
do psicólogo condominial.” que somos co-instituidores de
Passados dois meses, recebo, um processo que, iniciado há
na minha casa, correspondên- quarenta anos, ainda está em
cia de um colega que estava curso. Não temos uma profis-
no evento, encaminhando são que tenha se estabilizado.
uma reportagem do jornal O
Globo, falando dos psicólogos A idéia de adotar o prota-
nos condomínios da Barra da gonismo social é um esforço
Tijuca no Rio de Janeiro. Ou de tradução. Arregacem as
seja, a minha ficção, na verda- suas mangas, psicólogos, e tra-
de, não era uma ficção. Isso já balhem pela construção da sua
estava acontecendo, já estava profissão, para que possam tra-
existindo. balhar na sua profissão. Muitas
vezes isso passa despercebido.
Essa é uma atitude equi- Achamos que já temos uma
vocada do ponto de vista de profissão estabelecida. Acha-
pensar como os psicólogos se mos que temos uma profissão e
relacionam com a sociedade. que basta sair da universidade
Pensam que basta o Estado que já teremos construídos os
estabelecer a necessidade lugares e as possibilidades em
ou obrigar que os psicólogos que vamos atuar. E não tem
serão assimilados. A idéia de sido assim! A história recente
protagonista nos traz a pro- tem nos ensinado que, se hoje
vocação de que os psicólogos existe uma área que se chama
devem, necessariamente, ser Psicologia hospitalar, é porque
co-construtores das condições alguns bravos pioneiros, sem
da sua prestação de serviço. nenhum preparo prévio ou es-
Estou dizendo para vocês que, pecífico da academia, sem ne-
hoje, todos nós, profissionais nhum treinamento anterior na
da Psicologia, herdamos essa sua formação regular, entraram
história. O processo de insti- no interior do estabelecimento
tucionalização da Psicologia hospitalar com o desafio de
no Brasil tem quarenta anos e instaurar uma prática, de criar
está inconcluso. Todos nós, os uma prática. E fizeram isso
estudantes, os formados recen- desenvolvendo conhecimento

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

e tecnologia. Aqueles que que- possamos implementar esse


rem fazer Psicologia hospitalar tipo de atitude dos psicólogos
ficam felizes, porque já está em relação à sua profissão. A
arrumada e querem a sua vaga. sociedade brasileira, essa socie-
As coisas não se passam dessa dade dos privilégios, das elites,
maneira. Primeiro, a Psicolo- das hierarquias, do predomí-
gia hospitalar - as pessoas que nio da “Lei de Gerson”, da
são dessa área afirmam isso vantagem, do jeitinho, disse,
- ainda está engatinhando no há bem pouco tempo, que está
conhecimento das suas possibi- cansada de ser do jeito que é.
lidades e potencialidades e no Ela disse que se cansou desse
desenvolvimento das suas fer- modo que vem sendo nos
ramentas de intervenção. Se- últimos cem anos. Ela disse
gundo, vagas em hospitais não que não quer mais ser essa
caem do céu. É preciso que sociedade na qual o elitismo
existam políticas públicas que é a ideologia fundamental
se construam nessa direção. que governa a relação entre os
E isso demanda mobilização, diversos cidadãos que a com-
participação. A protagonização põem. Essa sociedade fez uma
social da Psicologia é a idéia de escolha política, nas últimas
que abandonemos uma posi- eleições, na qual afirmou que
ção histórica dos psicólogos, quer mudar. Essa sociedade
essa posição histórica de uma conseguiu enfrentar o medo
certa passividade, de uma falta das transformações, conseguiu
de consciência do seu papel de enfrentar a resistência ao novo.
co-construtor da sua profissão, Com muita timidez, conseguiu
para que todos possamos nos dizer que não estava muito
engajar de uma forma cons- segura, mas que topava fazer
ciente enquanto indivíduos e, uma opção por um novo regi-
sobretudo, enquanto coletivo me de relações no interior da
da profissão, no processo da sociedade brasileira. Só posso
sua definição, no processo da entender assim, a eleição de
sua institucionalização. Luiz Inácio Lula da Silva para
presidente deste país, e só
Para encerrar, eu gostaria posso entender assim a vitória
de dizer que o momento nun- do Partido dos Trabalhadores
ca foi tão adequado para que para governar este país.

26
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Neste momento, não quero possibilidades que a sociedade


olhar para o Partido dos Traba- brasileira apresenta para a sua
lhadores nem para o presiden- presença não é responsabilida-
te Luiz Inácio Lula da Silva de da sociedade, mas reflete a
para definir qual deve ser a po- trajetória que fizemos no inte-
lítica da nossa profissão. Quero rior dessa sociedade. Acredito
olhar para essa sociedade que que se fizermos assim, vamos
afirmou claramente que quer dizer: “a sociedade ainda não
mudanças e transformações. nos tem da forma como gos-
Se eu pudesse falar por toda taríamos de estar presentes
essa categoria e representar o porque ainda não fizemos o su-
pensamento dessa categoria, ficiente para merecer que isso
eu diria: se a sociedade brasilei- se estabeleça desta maneira”.
ra quer mudar, eis uma grande
chance para que avancemos no Estou à disposição para
processo de transformação das eventuais debates e críticas que
próprias relações da Psicologia eu possa ter provocado pelas
com esta sociedade. É mais do afirmações que trouxe a vocês.
que chegado o momento de
mudarmos a posição dessa pro-
fissão nas relações que ela vem
historicamente estabelecendo
com a sociedade brasileira.
Para isso, temos de parar de
reclamar. Temos de sair dessa
posição estéril na qual nos res-
sentimos porque o outro ainda
não nos conhece, o outro ain-
da não nos ama, o outro ainda
não nos deseja de uma forma
explícita, o outro ainda não
nos arranjou os postos de tra-
balho em que vamos atuar.

É preciso que reconheça-


mos que a ausência dos psicó-
logos no interior dessas várias

27
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

DEBATE

Público - Eu teria uma com a Psicologia, aí, sim, a


questão para problematizar, Psicologia teria o papel de ir
basicamente em relação a duas buscar na própria comunidade
palavras da faixa, que, conse- esse conhecimento que já exis-
qüentemente, foram usadas te. Não necessitaríamos criar,
na sua fala: políticas públicas. mas aprender, codificar, trazer
Por que políticas públicas e e sistematizar. Digamos que o
não políticas sociais? Política nosso papel seja mais o de siste-
pública pode ser uma política matizar do que o de criar esse
privada com finalidade públi- próprio conhecimento e essa
ca, como conhecemos as redes própria intervenção. Teríamos
de coletivos nas cidades. É uma mais um papel de sair dessa
concessão da prefeitura ou do passividade. Aí esse protago-
Estado, explorada pela inicia- nismo teria de ser abolido no
tiva privada. Então, a política momento em que nos colocás-
pública daria essa margem de semos mais como catalisadores
também ser trabalhada dentro e facilitadores da emergência
da iniciativa privada, e não só desse conhecimento que já
de um estado do bem-estar existe na comunidade.
social. A política social, teóri-
ca e especificamente, teria de São as considerações que
ser financiada pelo estado do faço para refletirmos um pou-
bem-estar social. co mais.

A outra questão é com re- Público - Eu também me


lação ao protagonismo. Você inscrevi para colocar duas
citou o teatro. Eu estava re- questões que talvez pudessem
cordando que uma vez ouvi estar sendo destacadas aqui.
Augusto Boal falando do Tea-
tro do Oprimido. Essa questão Um pouco seria o cenário
do protagonismo não é só do internacional com relação ao
ator. O Teatro do Oprimido papel e à atividade dos psicólo-
vai justamente buscar nessa gos em outros países. Sabemos
platéia. Fazendo um paralelo que o nosso Conselho tem tido

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

relações com os psicólogos dos esperar vagas na Psicologia


países da América Latina e hospitalar, porque, enquanto
de Cuba. Como tem sido essa não há pronunciamento mais
experiência? Eu acho que o oficial, não tem jeito para se
Marcos pode trazer para nós colocar.
como eles têm se colocado em
outras sociedades ou se a mes- Como seria possível ade-
ma estrutura se repete-se. quar essas duas posições?

Acho que essa nossa pro- Por outro lado, ainda, a


tagonização talvez seja numa Solange está fazendo um tra-
perspectiva de estímulo e de balho maravilhoso, levando os
condução de processo, por- estudantes, praticamente to-
que o nosso papel é muito dos burgueses, para as favelas,
mais fazer com que a platéia a fim de verem como o povo
fale, tenha voz e vez e saia da está se virando, comendo,
opressão. Pelo menos quando dormindo e criando os seus
trabalhamos com pessoas que filhos. Esses burgueses estão
nunca puderam falar, dizer em contato com uma outra
para que vieram, alienadas de camada que está trabalhando
todo o processo social, na sua e que está precisando de um
condição de existência. apoio psicológico.

Eu queria que essa ques- Marcus Vinícius de Olivei-


tão fosse um pouco mais es- ra Silva - Boas questões. A
clarecida. finalidade da faixa e das pa-
lavras está sendo plenamente
Público - Há uma certa obtida quando o companheiro
dúvida para mim, porque, por vem aqui e faz os seus questio-
um lado, você disse que não namentos. A idéia é que essas
devemos ser psicólogos pedin- palavras sirvam para a comu-
do para fazer leis e arranjar nicação de um projeto que
lugares para trabalharmos, é muito amplo e tem de ser
porque nós mesmos temos de desdobrado. O companheiro
criar condições para criar as falou das políticas públicas e
situações. Por outro lado, você das políticas sociais. Tenho
está dizendo que não se deve acompanhado o debate seto-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

rial sobre o uso desses termos. recer assistência à saúde, é isso


Muitas vezes me preocupo, no que queremos hoje. Vamos
sentido de que não nos perca- fazer esse debate, como psicó-
mos num regime semântico. logos, e dizer que somos a fa-
Efetivamente, a distinção das vor do SUS, mas efetivamente
coisas varia de acordo com o é preciso que o Estado ofereça
que alguém pretende que seja saúde à população. Esse obje-
traduzido. Não está dado em tivo finalístico da política nos
si que a política pública seja parece mais adequado ao tipo
menor do que a política social de interesse que temos, como
ou que a política social univer- grupo profissional, porque efe-
salmente cubra o universo ao tivamente é disso que se trata.
qual o companheiro se referiu. Se o Estado oferece, por uma
Isso não está dado universal- via ou por outra, essa política
mente. Existe, efetivamente, pública, de um certo ponto de
um debate em torno disso. vista os interesses profissionais
são contemplados, porque
Eu diria que ficamos em se garante, primeiro, que a
uma posição um pouco mais população tenha esse serviço
conservadora, do ponto de e, segundo, para que a popu-
vista da nossa tarefa. Talvez lação tenha esse serviço de boa
tenhamos feito uma opção por qualidade, os psicólogos serão
uma tradução mais imediata incluídos.
do que se trata. E, efetivamen-
te, trata-se de o Estado garan- Eu topo quase que fazer
tir, neste momento, as necessi- um debate na cena em que isso
dades da população. Quando está se definindo. Acho que
o Estado estiver escolhendo as não temos de antecipar, a prio-
formas de fazer isso, podere- ri, esse debate, para atrair hoje
mos debater a opção que nos os psicólogos, colocando-o
parece mais conveniente, se como exigência prévia. Quem
estivermos participando desse quer promover a atração das
debate. Não precisamos ante- pessoas não deve criar muitos
cipar esse debate. obstáculos para que elas se
aproximem. Tenho a impres-
Estou querendo dizer que, são de que o debate ideológico
se o Estado disser que vai ofe- sobre a forma de expressão da

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

política pode ser um elemen- quais são as ações do Conselho


to a mais que pode dificultar que acham mais significativa,
essa comunicação, ainda que, os sujeitos respondem que
pessoalmente, eu defenda, são os direitos humanos e a
sempre, que as políticas pú- luta antimanicomial. Esse é
blicas sejam integralmente de um dado muito positivo, que
responsabilidade do Estado. indica que os psicólogos estão
antenados com uma certa pers-
Em relação à questão pectiva transformadora da sua
do protagonismo, estamos própria profissão. Entretanto,
usando como metáfora mes- é preciso mais do que achar in-
mo. Estamos pegando uma teressante a luta pelos direitos
metáfora que tem um poder humanos. É preciso aplicar o
de tradução. Talvez, para os operador analítico dos direitos
atores que já estão cansados de humanos no interior da práti-
viver na frente da cena ou que ca profissional de cada um.
acham que a frente da cena já
esgotou a sua possibilidade de Temos aí o deslocamento
comunicação, a idéia de prota- de uma posição do sujeito.
gonização pode ser colocada Estamos com a intenção de
de uma forma muito limitada caminhar coletivamente em
e empobrecida. direção a isso. Não estamos
falando da protagonização
Entretanto, o nosso proble- individual. Estamos falando
ma é outro. O nosso problema, da protagonização coletiva.
se analisamos as pesquisas Não estamos nos dirigindo ao
que o Conselho Federal de psicólogo individualmente;
Psicologia faz, é que os psicó- estamos nos dirigindo à pro-
logos acham que a coisa mais fissão dos psicólogos. Estamos
interessante que o Conselho dizendo que essa profissão,
Federal de Psicologia, faz hoje, nessa conjuntura, tem como
é a luta pelos direitos humanos projeto sair do lugar em que
e a luta antimanicomial. Os está para ocupar um outro
psicólogos acham isso. É mui- lugar mais ativo. Talvez o que
to legal! Quando se faz uma nos interesse, nessa metáfora,
pesquisa, no interior de cento seja a posição da atividade e da
e vinte mil profissionais, sobre própria passividade.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Uma outra discussão que Do ponto de vista das re-


construí sobre isso diz respei- lações internacionais, é inte-
to à política da representa- ressante a nossa relação com
ção. A política, tal como está o Mercosul e, posteriormente,
instituída, estabelece o lugar com a América Latina, através
dos que votam, os eleitores, da criação da Ulapsi. Convida-
e daqueles que são os repre- mos para estarem conosco, no
sentantes. Na cena política, interior da I Mostra Nacional
quando usamos a metáfora Psicologia e Compromisso So-
do protagonismo, dizemos cial, vários representantes de
que o conjunto dos protago- países da América Latina. O
nistas são os sujeitos ativos efeito foi muito interessante.
das instituições políticas par- Percebemos uma influência
lamentares e governamentais. da nossa experiência sobre os
E os demais sujeitos, que são demais países. Através dessa
apenas eleitores? Os demais caminhada, que nos parece, às
sujeitos estão previstos nes- vezes, limitada e problemática,
sa posição. Talvez também somos o país que tem o maior
queiramos debater com essa número de psicólogos na Amé-
localização dos sujeitos na rica Latina; somos o país que
cena política. Não basta votar tem os psicólogos sob a forma
num determinado governo de organização mais transfor-
para mudar a sociedade, é madora institucionalmente.
preciso se empenhar nesse De repente, descobrimos que
processo, como indivíduo e temos condições de oferecer
como organização da socie- aos companheiros da América
dade civil, como organização Latina uma experiência de
profissional. transformação da Psicologia.
A companheira Marta citou
Não sei se respondo, mas é Cuba, que talvez venha a ser
o diálogo possível, ainda que uma exceção. Na maior parte
eu ache que essa idéia do pro- dos países, a posição da Psico-
tagonismo tenha limitações e logia e a relação política da
seja um esforço de tradução Psicologia com as elites dos
para um certo nivelamento seus países é a mesma. As
ideológico dos psicólogos na característica que eu trouxe,
conjuntura atual. da vinculação da Psicologia

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

com o período ditatorial, nhada dos nossos companhei-


apenas agravaram alguns tra- ros da América Latina.
ços elitistas, individualistas e
privatistas que fazem parte de Por fim, a questão do pro-
uma certa tendência da cons- fessor. Acho que o professor,
tituição da Psicologia como na verdade, ele próprio res-
profissão. Isso está dado. pondeu à questão, na segunda
parte da pergunta. Eu acho,
Os psicólogos, em Cuba, professor, que a mudança
obviamente, têm uma posição está sendo operada em vários
um pouco diferente, sobretu- níveis. Um dos níveis é, sem
do naquilo que eu me referia dúvida, o nível da formação. É
sobre investigação, ou seja, a preciso garantir que a forma-
forma de tornar os contextos ção seja feita desde o começo,
e as problemáticas sociais em contato com os problemas
locais como objeto de inves- da realidade do país. Aí va-
tigação. Isso, por exemplo, mos formar profissionais que
aprendemos muito com os já saem da universidade com
psicólogos cubanos. O que uma leitura e uma interpre-
interessa, na investigação, tação crítica da realidade na
é aquilo que diz respeito qual vivem. O problema é que
aos problemas da sociedade a maior parte dos psicólogos
cubana num dado momento. formados no Brasil, hoje, teve
Não cabe muito, sob a alega- uma formação muito distancia-
ção da liberdade de investi- da desse tipo de experiência.
gação científica, que todas Eu assinalei que os processos
as investigações possam ter de transformação já estão em
um caráter talvez descompro- curso.
metido com as problemáticas
que fazem parte do contexto Citei a Psicologia hospita-
social. lar. Acho que temos de nos
engajar coletivamente na luta
Esse é um panorama. A pelas políticas públicas. E a
nossa construção política luta pelas políticas públicas
desse último período tem ser- tem hoje vários espaços em
vido para orientar um pouco que a posição do psicólogo
certas possibilidades de cami- tem se expressado, sobretudo

33
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

nos conselhos de controle so- melhor política para aquele


cial do SUS, da educação, da setor. A melhor política neces-
criança e do adolescente. São sariamente tem de incluir o
conselhos nos quais tem lugar a psicólogo. Nós sabemos disso.
representação profissional dos A melhor política é aquela que
psicólogos, representação que dá assistência integral e que
tem significado a possibilidade não vê apenas as dimensões
de que esse grupo profissional objetivas. Deve incorporar,
se expresse politicamente em também, as dimensão sub-
busca dessas políticas públicas. jetivas. Nós sabemos que,
para o manejo das situações
De fato a questão da estraté- que envolvem a subjetividade
gia das leis tem sido substituída humana, os psicólogos são
por uma estratégia da aliança os sujeitos mais credenciados
com o conjunto dos interessa- para trabalharem. Então, assis-
dos em que a política pública tência integral deve significar
seja efetivada, desenvolvida e sempre uma assistência incor-
patrocinada pelo governo. poradora. Não lutamos mais
por emprego. Nós lutamos
Hoje o Conselho Federal para que a sociedade brasileira
de Psicologia tem assento, tenha a política de que precisa.
por exemplo, no Conselho Quando ela tiver essa política,
Nacional de Comunicação vamos, automaticamente, ser
Social. Então, o Conselho Fe- incluídos.
deral está, de alguma forma,
participando do debate sobre Falamos muito do avanço
as políticas públicas relativas da Psicologia na saúde, no
aos meios de comunicação. O nosso país. Cerca de 5% dos
Conselho Federal de Psicolo- profissionais empregados em
gia e vários Conselhos Regio- Psicologia no país estão em-
nais têm assento nas comissões pregados na área de saúde. Os
nacional e estaduais de Refor- psicólogos entraram na área
ma Psiquiátrica. São espaços de saúde pela porta lateral da
em que o grupo profissional política de saúde mental. Eles
participa, mas não participa têm sido contratados através
defendendo uma vaga para de concursos públicos para ga-
ele. Participa defendendo a rantir a melhoria da qualidade

34
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

da assistência à saúde mental. que dizer a esses reclamões?


Então, lutar pela ampliação Escutamos o profissional re-
dos serviços de saúde mental clamando que tal coisa é cara,
hoje é, concretamente, garan- que não tem dinheiro, que não
tirem que os psicólogos este- sei o quê. Por mais que tente-
jam incluídos nesse trabalho. mos argumentar, mostrando os
Aliás, não só os psicólogos, mas avanços, eu, particularmente,
também assistentes sociais, não consigo ter esse conven-
terapeutas ocupacionais e cimento.
enfermeiros, nossos parceiros
nessa questão. Eu acho que Eu queria que você fizesse
isso muda um pouco o enfo- uma análise sobre o que temos
que da busca da viabilização da dee fazer com os reclamões,
profissão na sociedade. para que eles entendam um
pouco a importância e vejam o
Passamos a lutar pela polí- avanço que está acontecendo.
tica pública e a política pública
nos beneficia duplamente, Marcus Vinícius de Oliveira
como cidadãos e como profis- Silva - Primeiro, ouvimos, pois
sionais. não queria ser desrespeitoso.
Eu apenas quis dizer de uma
Espero ter dialogado com a atitude que é pouco produtiva.
sua colocação.
A primeira coisa é saber-
Público - Sou psicólogo mos que a identidade profis-
de Campina Grande. Marcus, sional na sociedade moderna
concordo com a sua fala e não é necessariamente a iden-
acho que maioria de nós aqui tidade principal do indivíduo,
concorda. Você foi muito feliz ainda que tenha uma grande
quando falou dos reclamões. centralidade na vida do indiví-
Eu ainda acho que pelo menos duo. Muitas vezes, para muitos
grande parcela da nossa cate- sujeitos, a sua identidade como
goria não aderiu ao discurso profissional não é a identidade
da política pública, do prota- mais significativa, onde ele
gonismo social, do cuidar da se representa melhor ou dá
profissão. Existe um abismo o melhor de si ou constrói o
que tem de ser suplantado. O seu principal projeto de vida.

35
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Efetivamente, esses sujeitos mais identificado com a sua


mantêm uma relação diferen- realidade profissional bancária
ciada com esses discursos que do que com a sua condição de
temos produzido. Temos uma portador de um título.
categoria que dispõe de limita-
da capacidade para produzir Então, eu acho que a situa-
análises dos contextos sociais. ção do desemprego tende a ser
Então temos de usar os recur- um agravante para efeito des-
sos da Ciência Política e da sas identidades. O negócio é
Sociologia. Muitas vezes as nos- fazer com quem está querendo
sas análises tendem a ter um fazer. Temos ampliado, cada
viés muito equivocado. Não vez mais, o número de psicó-
é uma despolitização. Muitas logos que estão sensibilizados
vezes é um tipo de leitura e de para esse tipo de processo.
interpretação política enviesa- Não sei dizer hoje se são 5, 20
do pela nossa contaminação ou 30%. Posso dizer com segu-
excessiva com a questão da rança que temos assistido a um
individualidade e da subjetivi- imenso crescimento disso.
dade. Muitas vezes isso limita a
aproximação e a relação desse Por outro lado, vemos com
sujeito com esses espaços de muita satisfação que aqueles
representação, porque um jovens que estão se formando
espaço de representação pola- hoje como psicólogos têm
riza aqueles que se sentem, de demonstrado um grande in-
alguma forma, identificados teresse em que essa formação
com aquilo que essa represen- já incorpore essa dimensão
tação está representando. reflexiva em torno do contexto
social de intervenção na socie-
Estou querendo dizer que dade brasileira. Possivelmente,
cerca de 40% dos psicólogos é um trabalho que tende a ser
inscritos no Conselho não cumulativo. Tendemos a cres-
trabalham como psicólogos. É cer nessa direção e, obviamen-
muito difícil para esse sujeito te, teremos de respeitar aque-
ter a identidade de psicólogo. les que fizerem a opção por
No cotidiano, ele é bancário e manter vínculos preferenciais
tem um registro de psicólogo. com o nexo da sua classe social
O cotidiano dele está muito ou com o nexo do seu grupo

36
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

social. A idéia é a de que uma


profissão é também o espaço
de expressão plural. Além
das ideologias e das correntes
teóricas, todos os sujeitos têm
o direito de se expressarem e
de exercerem a sua conduta
pessoal.

O esforço que temos de


fazer é para a produção e a
instauração do coletivo. É o
esforço de todos que estamos
construindo esse trabalho.
Temos de fazer o esforço de
instauração do coletivo. Ago-
ra, não podemos obrigar as
pessoas a fazerem parte desse
coletivo. Temos de dialogar
com elas.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

LANÇAMENTO DO LIVRO
Adolescência e Psicologia

Coordenador:
Aluízio Lopes de Brito
Conselho Federal de Psicologia

Participantes:
Maria de Lourdes Contini
Conselho Regional de Psicologia 14ª Região (MS/MT)

Monalisa Barros
Conselho Regional de Psicologia 3ª Região (BA/SE)

Cláudio Vieira
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda)

Ana Sudário de Lemos Serra


Ministério da Saúde

38
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

LANÇAMENTO DO LIVRO
Adolescência e Psicologia

Convidamos, para coor- Sudário de Lemos Serra,


denar os trabalhos, Aluízio representante do Ministério
Lopes de Brito, do Conselho da Saúde; Sílvia Koller, da
Federal de Psicologia. Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
Como participantes, con-
vidamos, para comporem Anunciamos a palavra do
a Mesa, Maria de Lourdes coordenador dos trabalhos,
Contini, do CRP-14; Monalisa Aluízio Lopes de Brito, do
Barros, do CRP-03; Cláudio Conselho Federal de Psico-
Vieira, do Conanda; Ana logia.

Aluízio Lopes de Brito


Conselho Federal de Psicologia

Boa-tarde, senhoras e contrei na platéia. Quero que


senhores. Sejam muito bem- vocês, aqui, representando
vindos a este momento, que é os diversos estados, inclusive
um marco para a prática pro- o Conselho Federal e outros
fissional e, com certeza, para tantos Conselhos, conheçam
a construção de referenciais essa pessoa que hoje é juíza
teóricos num campo extre- aposentada pela Paraíba. Nas
mamente necessário. O Con- décadas de 70 e 80, quando
selho Federal de Psicologia, ninguém se preocupava com
em parceria com o Ministério as crianças, na época chama-
da Saúde, ousou construir das, erroneamente, de meno-
referenciais teóricos, iniciais, res de rua, a Drª Rita Gadelha
sim, que irão marcar um novo propôs-se, do seu espaço e,
caminho nesta construção. por que não dizer, do seu pe-
destal de juíza de direito, a se
Quero fazer um destaque colocar ao lado dos meninos e
especial a uma pessoa que en- meninas que ficavam ao lado

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

do Tribunal e dormiam nas cal- Criança e do Adolescente e é


çadas, na rodoviária e em tantas um marco, sim, da luta em de-
outras lutas. fesa das crianças.

A Drª Rita Gadelha marcou Seja muito bem-vinda. A sua


a história da Paraíba, quando presença a este evento, Drª Rita
se colocou não só ao lado mas Gadelha, muito nos honra.
também na defesa intransigen-
te dos direitos dessas crianças. Registro também a presença
Hoje ela fez questão de estar do deputado Ricardo Coutinho
presente ao lançamento desta que tem um mandato popular.
cartilha. Ela não anda muito É um deputado que tem se co-
bem de saúde, mas está aqui, locado a favor das grandes lutas
bela. desta cidade e deste estado. É,
para nós, uma satisfação con-
Drª Rita Gadelha, eu pedi- tar com o deputado Ricardo
ria que a senhora se levantasse Coutinho neste evento.Passo
para que as pessoas pudessem a palavra ao Cláudio Vieira,
lhe conhecer. representante do Conanda e
parceiro na construção desta
A Drª Rita foi criticada por cartilha e de todo o Movimento
estar “degradando” a magis- de Meninas e Meninos de Rua
tratura da Paraíba, participou deste País e dos direitos da
da elaboração do Estatuto da criança e do adolescente.

Cláudio Vieira
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Condanda)

Muito boa tarde a todos os é um órgão que foi criado


presentes e participantes da pelo Estatuto da Criança e
Mesa deste evento de lança- do Adolescente como uma
mento da cartilha “Adolescên- forma de virar esta página
cia e Psicologia”. brasileira do abandono de
suas crianças e de seus ado-
O Conselho Nacional da lescentes.
Criança e do Adolescente

40
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Há treze anos estamos Na semana passada, o Se-


implantando esta legislação cretário Nacional de Justiça
no Brasil. Esta legislação disse que estamos vendo um
aponta para a municipaliza- genocídio da nossa juventu-
ção, para a descentralização de. De cada dois adolescentes
e, principalmente, para o mortos por causas externas
controle social. O Conselho no país, um é por assassina-
de Psicologia já foi parceiro do. Talvez sejam as crianças e
em outras atividades, prin- os adolescentes, em particu-
cipalmente há dois anos, lar os adolescentes, as gran-
destacando-se na luta contra des vítimas de uma socieda-
o rebaixamento da idade de profundamente desigual
penal, talvez um dos últimos e que aprofunda, a cada dia
argumentos dos que querem que passa, a sua hostilidade
encarcerar a nossa infância e contra aqueles que não têm
adolescência pobre. os mesmos meios para poder
desenvolver a sua vida.
O Conanda associa-se a
esta iniciativa, porque uma O Conanda - Conselho
das grandes tarefas nossas, Nacional da Criança e do
hoje, como estava sendo Adolescente associa-se ao
dito na Mesa anterior, pelo Conselho Federal de Psi-
Marcus Vinícius, é entender, cologia e ao Ministério da
enxergar e propor ações Saúde nessa iniciativa. É
de natureza integrada, que mais um passo que damos
vejam a criança e o adoles- no sentido de chamar a
cente como protagonistas atenção da sociedade para
da sua própria vida e como as múltiplas necessidades
seres capazes de dirigir, jun- que precisamos implantar,
to com todos aqueles que se do ponto de vista das po-
envolvem com eles em seu líticas públicas brasileiras,
trabalho, a possibilidade de para que possamos cons-
uma tarefa multidisciplinar e truir um projeto para essa
a possibilidade de uma visão juventude que não seja o
plural do que sejam as ne- da marginalização, o do
cessidades do atendimento à empobrecimento e o do
criança e ao adolescente. abandono de suas vidas.

41
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Por isso estamos aqui, pa- tuição -, devem estar voltadas


rabenizando o Conselho Fe- as políticas sociais básicas. O
deral de Psicologia, que hoje lançamento desta cartilha nos
também tem assento no Co- ajuda, pois propõe a criação
nanda. Juntamo-nos a essa ini- de outros espaços, para que
ciativa, pois consideramos um possamos consolidar esse ins-
instrumento de implantação trumento fundamental que
e consolidação do Estatuto tem de estar desdobrado em
da Criança e do Adolescente, ações concretas e multisseto-
para que possamos efetiva e riais, tanto do ponto de vista
concretamente mudar aquele do Estado quanto do ponto
paradigma antigo, que ainda de vista da sociedade civil.
permanece na nossa cultura, Que nós, da sociedade civil,
de que crianças e adolescen- possamos estar no controle
tes em situação irregular estão direto das políticas públicas
em uma situação ameaçadora que afetam as nossas crianças
à sociedade. e os nossos adolescentes.

O Estatuto da Criança e O Conselho Nacional da


do Adolescente vem colocar Criança e do Adolescente está
a doutrina da proteção inte- de portas abertas para o Con-
gral, porque consideramos selho Federal de Psicologia
que crianças e adolescentes - e não poderia ser diferente
são sujeitos especiais, em - para aprofundarmos essas
condições especiais de de- possíveis parcerias, com o in-
senvolvimento, e, para eles, tuito de universalizar o aten-
prioritariamente, - conforme dimento às nossas crianças e
está escrito na nossa Consti- aos nossos adolescentes.

Maria de Lourdes Contini


Conselho Regional de Psicologia - 14ª Região

Eu gostaria de fazer um Na verdade, foi uma parce-


breve histórico de como isso ria entre o Conselho Federal
surgiu. de Psicologia e o Ministério

42
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

da Saúde, na área da saúde do concepção de adolescência


adolescente e da juventude. dentro daquilo que o Marcus
Através de uma conversa, na estava dizendo: das classes
época com a Ana Sudário, re- onde nós nos reconhecemos
solvemos abrir a possibilidade como parte dela.
de uma interlocução e de uma
reflexão, que fosse tanto no Consideramos que deverí-
campo teórico quanto no cam- amos rediscutir, então, dentro
po das intervenções ou das prá- da linha editorial desse tra-
ticas dos psicólogos que atuam balho, dois eixos que seriam
com o adolescente brasileiro. fundamentais para ressignifi-
car o adolescente dentro da
Era um projeto um pouco Psicologia e intervir com esse
ambicioso, penso eu, porque adolescente - especialmente
tínhamos de dar conta de des- no caso do Ministério. Acho
montar um pouco a concep- que hoje isso já extrapola um
ção dominante na Psicologia pouco o próprio Ministério da
a respeito da própria adoles- Saúde, porque temos visto que
cência. Temos, ainda, um a repercussão está indo para
conceito, dentro da Psicolo- além da saúde. O projeto ini-
gia, de uma visão individual, cialmente era para qualificar
na qual a concepção de ado- o profissional de Psicologia
lescência está descontextua- que atua com adolescentes nas
lizada de toda uma história unidades de saúde ou na saúde
que produziu esse fenômeno, pública. Depois entendemos
a adolescência. Fica parecen- que o próprio produto acabou
do que a adolescência existiu extrapolando um pouco.
sempre, e sabemos que hoje
ela ocupa um espaço dentro Tentamos fazer uma re-
da nossa organização social, flexão que, de alguma forma,
que é esse espaço de latência construísse um olhar - não vou
social. Nós, enquanto psicó- falar em novo olhar, pois pare-
logos, temos legitimado uma ce que não teve história antes
concepção de adolescência - e uma nova forma de pensar
que tem contribuído para a adolescência dentro da Psi-
essa visão descontextualizada cologia. Isso vai um pouco na
do fenômeno e, pior, de uma contramão da própria situação,

43
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

legítima dentro da Psicologia, pa, o Conselho irá distribuir,


de dominação de uma noção para que chegue às Secreta-
de adolescência enquanto um rias de Saúde e organizações
fenômeno que é completa- não-governamentais, ou seja,
mente descontextualizado ou, instituições que atuam com
quando muito, o adolescente adolescentes em nosso país.
“padrão” da “Malhação”, da
Rede Globo. Só que não é este o Estamos tentando viabilizar
adolescente que encontramos para que, de fato, esse material
na saúde pública, não é este o não fique parado. Queremos
adolescente que encontramos que ele seja bastante folheado.
na rede pública de ensino e Inclusive há o e-mail dos auto-
não é este o adolescente que res, para eventuais contatos, e
encontramos em situações de poderemos abrir discussões.
risco e de vulnerabilidade, no
caso de estarem nas ruas, aban- A nossa pretensão é a de
donados ou fora da escola. que isso seja apenas o início de
Enfim, não é com este adoles- uma longa interlocução com
cente que o psicólogo, efetiva- os psicólogos que estão atuan-
mente, vai ter dee se deparar e do com toda gama de comple-
de dar conta de lidar. xidades que envolvem hoje a
nossa realidade, especialmente
Por conta disso, resolve- na situação do adolescente
mos ter a ousadia de tentar brasileiro.
fazer algo que pudesse rom-
per um pouco com essa prá- Houve toda uma história,
tica, ainda muito constante inclusive da própria capa.
dentro da Psicologia. Havia uma empresa que fazia
a parte gráfica. Nós nos as-
Não vou me deter aos sustamos um pouco, porque a
detalhes, por acreditar que moça que era especialista em
vocês vão ter oportunidade publicidade e comunicação...
de ler. Descobrimos, primeiro, que
queríamos que fosse um grupo
Esse material foi financia- de adolescentes com a cara
do pelo Ministério e será dis- dos adolescentes brasileiros.
tribuído. Numa segunda eta- No banco de imagens que a

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

moça tinha, com dez mil fotos lidade do adolescente, ou seja,


de adolescentes, não havia uma é normal ser problemático na
adolescente negra. Foi um pro- adolescência - é isso em que,
blema, porque não achava um inclusive, nós acreditaríamos,
negro!... Foi engraçado, por- na Psicologia, durante muito
que, inclusive, a moça da pu- tempo...
blicidade era muito nova e era
negra... A Sílvia ainda brincou Esse trabalho tem essa ousa-
que iríamos tirar uma foto dela dia de tentar romper um pouco
para colocar na nossa cartilha. com alguns estereótipos ainda
Não havia adolescente negro muito presentes na Psicologia,
no banco de imagens... na formação e, fundamental-
mente, está dentro daquilo
Houve uma história, que é que o Presidente do Conanda
muito a representação. Penso estava apontando: a crença de
que a Psicologia tem um papel que temos, sim, de atuar na
atuante, porque essa represen- direção da construção de uma
tação não surge do nada. De al- política pública, especialmente
guma forma estamos legitiman- aqui, no nosso caso, na infância
do. A primeira capa que a em- e na adolescência, por conta de
presa nos trouxe era uma capa que hoje essa política não está
sinistra. Era uma coisa escura, sendo garantida de uma forma
adolescentes descabelados, em adequada pelo Estado.
posição de grandes conflitos.
Nós ficamos assustados. O que Penso que ainda temos um
é isso?! “Isso é a adolescência”, longo caminho. Quanto mais
disse a moça. Vejam como te- parcerias e quanto mais pesso-
mos todo um estereótipo em as juntas neste projeto, quem
torno do adolescente-proble- ganhará será a infância e a
ma ou da síndrome da anorma- adolescência brasileiras.

Monalisa Barros
Conselho Regional de Psicologia - 3ª Região

Boa-tarde, colegas da Mesa Vou falar especificamente do


e da Plenária. que escrevemos nesta cartilha. Ha-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

via a preocupação de que atendês- do movimento Cuidar da Pro-


semos ao profissional de Psicolo- fissão, das pessoas que estão
gia que estivesse na unidade básica interessadas em modificar a
de saúde nos diversos municípios, sociedade, para o dia-a-dia do
principalmente do Nordeste do profissional que está ali, no
país. Era essa a direção solicitada serviço?!
pelo Ministério da Saúde.
Estamos chamando esse
Entrei para compor o gru- material de cartilha, e não de
po apenas como a psicóloga da livro ou manual, porque ele
ponta, que está lá atendendo não pretende amarrar nin-
ao adolescente que chega ao guém a nada, mas, sim, suscitar
centro de saúde, pois não es- discussões que possam fazer o
tou ligada a nenhuma universi- profissional pensar mais um
dade. Nesse sentido, tentamos pouco na sua prática e rever
nos colocar no lugar daquele alguns vícios que trazemos da
profissional que vai para a nossa formação.
unidade e não sabe por onde
começar, nem o que fazer. Tratamos do psicólogo na
saúde pública. O psicólogo é
Por outro lado, sabemos um profissional de saúde, mas,
que, na história recente da Psi- muitas vezes, vinculamos a psi-
cologia, temos travado discus- coterapia à ação do profissio-
sões importantíssimas, como nal de saúde. Ainda achamos
a da luta antimanicomial, a que ser profissional de saúde
da redução da idade penal, é ser psicoterapeuta. Quando
da justiça terapêutica, da ques- estamos trabalhando a ação do
tão das pessoas portadoras de psicólogo, estamos querendo
necessidades especiais. Essas que o psicólogo compreenda
discussões são bastante apaixo- que o papel dele, dentro da
nantes, mas precisavam ser tra- saúde pública, é muito além
duzidas, numa forma prática, da possibilidade de ter Psico-
na ação daquele profissional terapia no centro de saúde. É
que está ali, na ponta. muito além, pois há inúmeras
outras possibilidades, mas,
Como levar essa discussão para isso, ele precisa ter uma
não só teórica, mas também noção ampliada de saúde, per-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

ceber qual o lugar dele nessa naquela unidade? Ele tem


equipe e perceber que, quan- um atendimento que reflita o
do estamos no serviço, há uma nosso entendimento do ECA?
área de ação que é campo, Precisamos contribuir com in-
ou seja, é comum a todos os tervenção técnica qualificada,
profissionais que estão ali, com sem preconceitos e estigmas,
compromisso com aquela co- de forma que se respeite a sub-
munidade, e há uma área que jetividade de cada adolescente
é núcleo, ou seja, específica da em conflito com a lei. Quando
minha ação como profissional esse adolescente, por exemplo,
em Psicologia, formado num já apresenta um surto psicóti-
curso universitário para ofere- co, qual é o olhar que aquela
cer aquele olhar sobre o fenô- equipe vai despertar naquele
meno psicológico que emerge jovem? É dentro da perspectiva
naquelas emoções. que temos lutado nas questões
da Reforma Psiquiátrica, da
Como parte de uma equipe luta antimanicomial, ou vamos
multidisciplinar, propomos segregar mais uma vez e dizer
que o nosso olhar seja sobre que aquela unidade básica
a comunidade. Quem são não dá conta daquilo e que é
os adolescentes da nossa co- melhor levá-lo para um serviço
munidade? Quais são esses psiquiátrico ou para o hospital
adolescentes? Quantos são? da próxima cidade? Estamos
Quantos estão em situação de produzindo a inclusão desse
rua, por exemplo? O que essa sujeito? A nossa discussão da
unidade de saúde pode ofere- luta antimanicomial tem refle-
cer para incluir esses jovens, tido na nossa prática? Como
que estão na comunidade, na atendemos e referendamos o
assistência? Que estratégias es- sujeito, um jovem que teve um
tão sendo criadas para formar surto psicótico?
esse vínculo e fazer com eles
cheguem até a unidade? Outra questão que permeia
todas as discussões, novelas e
Quando o jovem da nossa prêmios são as drogas. Pro-
comunidade está em conflito duzimos uma discussão com
com a lei, qual a oportuni- relação a isso e percebemos
dade que oferecemos a ele que precisamos entender,

47
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

naquela comunidade em que o pedido psicoterápico? Ele


estamos inseridos, qual é a precisa aderir ao tratamento
função que a droga está ocu- e fazer uso constante daquela
pando e a conseqüência que o medicação, por exemplo, no
serviço tem tido para os nossos caso da tuberculose, por seis
adolescentes. Que olhar e que ou nove meses. Temos cons-
escuta estamos destinando ao truído a adesão ao tratamento
problema? Há questões mais naquele lugar? Que tipo de
complexas como essas que, escuta estamos oferecendo?
aparentemente, como profis- Estamos permitindo que o
sionais de saúde de unidades jovem daquela comunidade
básicas, poucas vezes enten- procure-nos para discutir, por
demos como sendo do papel exemplo, a sua “primeira vez”,
nosso, e até outras questões, o uso de um anticoncepcional,
que são inerentes ao serviço. o fracasso em uma ereção ou o
Um jovem portador de uma medo de estar impotente?
doença crônica estabelece um
vínculo de idas freqüentes e E se estivermos no papel
permanentes com a unida- curativo de intervenção para
de, por muito tempo. Por adaptar o sujeito, de que a Ana
exemplo, um jovem portador Bock falava, quando contava a
do HIV ou de uma doença história da Psicologia e a his-
crônica que exija esse relacio- tória do registro do fenômeno
namento intrínseco com as psicológico nas nossas publi-
pessoas da unidade. Como cações? Se estivermos nesse
o adolescente estrutura a vi- lugar, com certeza não vamos
vência dessa doença? Como estabelecer esse vínculo. De-
ele está organizando esses vemos ter uma preocupação
vínculos que não escolheu de não reforçar essa visão es-
fazer, com as pessoas que não tigmatizante que a sociedade
escolheu para conviver e com impõe, por exemplo, em re-
quem tem de que conviver pra- lação à gravidez na adolescên-
ticamente todo mês, ou até em cia. Temos permitido que ela
um intervalo menor? Temos seja ressignificada ou estamos
sido eficazes na construção da só reclamando, mais uma vez?
adesão ao tratamento desse su- Você engravidou de novo?!
jeito, mesmo que ele não faça Que tipo de relação estamos

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

estabelecendo com essas ques- Quando construímos essa


tões todas? cartilha, com essa linguagem
que, como o Marcus falou,
Uma outra questão muito precisava inventar uma coisa
interessante na nossa discussão para a nossa gente, que é a
seria incorporar a questão do linguagem da nossa gente,
projeto de vida, como sendo não trouxemos uma teoria que
uma pulsão de promoção de tivesse de se encaixar a uma
saúde. O jovem tem sido su- prática, mas refletimos a prá-
jeito de suas próprias ações ou tica e vimos, dentro da neces-
somente está sendo levado a sidade daquele profissional, o
reboque dos acontecimentos? que poderíamos escrever para
O jovem tem uma reflexão fa- ajudá-lo nessa ação. Há muitos
cilitada acerca de um projeto profissionais na saúde pública
de vida? Entendemos que a e há pouca normatização do
construção das possibilidades trabalho. Não falo da norma-
de se construir um sujeito so- tização como uma coisa para
cial é uma ação concreta de aprisionar, mas até para abrir
promoção da saúde e também as possibilidades de ação.
faz parte do papel que o pro-
fissional pode desenvolver na Eu contava, no grupo de
unidade. trabalho, que, onde estou
trabalhando agora, na unida-
O psicólogo, comprometi- de de saúde, a minha chefe
do com o seu trabalho, deve é bioquímica. Discutíamos
participar mais diretamente folgas, porque alguém estava
dos órgãos de controle social trabalhando aos sábados na
na efetiva construção e im- vacinação. Eu questionei que
plantação de políticas públicas eu trabalhava à noite no gru-
de atendimento à infância e à po terapêutico e nunca tinha
adolescência. Nos Conselhos percebido que poderia pedir
de Educação e de Saúde, o algumas horas de desconto
psicólogo tem um espaço a durante o dia. A chefe argu-
ocupar; abster-se desse lugar é mentou-me que reunião de
reafirmar a estereotipização a grupo não é trabalho e que
que fomos relegados durante eu ia à noite porque queria!...
anos. Ela não entendia, e não tem

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

que entender, porque não é da para escrever essa cartilha. Es-


área, que isso era um trabalho peramos que, na prática, ela
do psicólogo. Ela achou que eu possa ajudar na ação concreta
estava indo lá toda semana por- desses profissionais.
que achava gostoso ficar lá duas
horas por noite, uma vez por Nesse sentido, colocamo-
semana, com aquelas pessoas. nos à disposição para conversar.
Os nossos nomes estão ao final,
Quando temos um instru- com endereço de contato, para
mento como esse, ele não só que possamos continuar essa
serve como balizador da nossa interlocução e construir algo,
ação como também permite a partir dessa proposição, que
que outras pessoas do nosso seja realmente a nossa lingua-
serviço possam conhecer as gem, a nossa cara, e que sirva
possibilidades de ação. Com para o nosso trabalho efetivo na
esse intuito, esse grupo, maior construção de uma sociedade
do que aqui representado, tra- mais justa e mais harmônica.
balhou durante o ano passado

Ana Sudário de Lemos Serra


Ministério da Saúde

Estou representando o Lourdes, surpreendeu-nos a


Ministério e sou psicóloga do potencialidade de ela não fi-
CRP-01. Vim aqui represen- car somente na área da saúde.
tando a coordenadora da área Isso aqui já está lá em cima, no
de saúde do adolescente e do Amazonas, no Alto Solimões.
jovem, Zenilce Vieira Bruno, Já mandamos algumas carti-
psicóloga. É a primeira psi- lhas para lá.
cóloga, desde 1989, época da
criação da área da saúde do Quando viajamos por este
adolescente, que é coordena- Brasil todo, principalmente
dora nacional. para o Norte e o Nordeste,
regiões em que trabalho mais,
A cartilha já foi bem mos- conhecemos pessoas que vivem
trada. Realmente, Maria de dentro de florestas, inundadas

50
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

seis meses por ano. Elas andam novo são as revistas do CFP. Eles
de canoa da casa para a escola. têm dificuldades de encontrar
A terra que se vê é em cima de livros. Não estou falando das ca-
flutuantes. Está tudo debaixo pitais, estou falando dos lugares
d’água. São situações de vida mais longínquos.
complementamente diferentes
das que estamos acostumados. Lá no Ministério, planejan-
Aproximadamente 76% da po- do essa ação, pensamos que
pulação são indígenas, que não seria importante fazermos isso
estão mais protegidos pela sua com os psicólogos.
cultura. Estão sofrendo com
isso. Quando vamos para o Acho que isso aqui vai ter
Alto Juruá, no Acre, levamos, às uma grande aceitação no Bra-
vezes, dias, andando de canoa sil e vai nos ajudar muito no
ou na voadora, para chegar em trabalho com adolescentes.
alguns locais. Desde 1989, a Saúde do Ado-
lescente tem trabalhodo com
Começamos, então, a ver intersetorialidade, com multi-
que a capacitação dos profissio- disciplinaridade e diversidade
nais para atuar na questão da humana. O entendimento
adolescência precisava sofrer dos psicólogos e das pessoas da
uma mudança. Procuramos as área de saúde que trabalham
associações e as sociedades de com adolescentes é limitado.
classe. No início, conversamos A diversidade e o contexto
muito com a Ana Bock sobre social ficam de fora porque
essa questão e depois vocês con- assim aprendemos. Acredito
duziram o processo. Seria im- que essa cartilha vai dar as ou-
portante termos uma cartilha - tras dimensões que precisamos
nesse ponto, quero parabenizar para o trabalho.
os autores - que pudesse levar
um conhecimento para onde às Outra coisa que nos fez
vezes ele não chega. pensar na modificação da atu-
ação do nosso trabalho com os
Nos idos de 80 eu fui mui- profissionais foi uma fala, até
to ao Norte e lá ainda ouço os contei para a Monalisa, de um
psicólogos dizerem que a úni- adolescente, que disse: “Não
ca coisa que possuem de mais quero mais ser ator principal,

51
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

eu quero ser autor.” Na busca entendam essa lógica e possam


dessa autonomia, o psicólogo é trabalhar dentro dela, porque,
uma frente importante. se for bem trabalhada, real-
mente vai dar uma modificação
Tenho visto, também, grande na nossa sociedade e na
nas capacitações do Saúde redemocratização que estamos
da Família, que é a estratégia querendo para este país.
estruturante da saúde hoje,
preconizada pelo Ministério da Tenho que agradecer ao
Saúde, que vai ter um aumento Conselho Federal, que nos
- não sei bem os números - nas deu essa força, e pedir aos psi-
equipes do Saúde da Família. cólogos que leiam a cartilha,
A preocupação deles é ter tam- porque está muito boa. Como
bém o auxílio de um psicólogo. a Monalisa falou, abriu perspec-
Como o Marcus Vinícius estava tivas para gravidez e até para o
falando, é um outro mercado próprio entendimento sobre a
de trabalho que está nos espe- adolescência.
rando. Não é como temos visto,
ou seja, os psicólogos querendo Agradeço também o convite
saber onde vai ser o consultório. para estar aqui.
A lógica do Saúde da Família é
completamente outra. É preci- Espero que, futuramente, fa-
so que haja profissionais que çamos, juntos, outros trabalhos.

Sílvia Koller
Sociedade Brasileira de Psicologia do Desenvolvimento

É quase o grande momen- lhar isso com os nossos cole-


to do dever cumprido, poder gas que colaboraram com esse
olhar vocês querendo a carti- trabalho.
lha, e a cartilha passando de
mão em mão. É realmente A Monalisa apresentou
uma emoção muito grande muito bem as questões de con-
para nós, especialmente para teúdo do trabalho e a Maria
as pessoas que estão aqui. de Lourdes falou muito sobre
Certamente vamos comparti- o espírito e a ideologia que tí-

52
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

nhamos por trás da construção aula. Como professora de Psi-


desta cartilha, olhando para cologia do desenvolvimento,
palavras-chaves que, para nós, toda vez que tinha de dar aula
eram extremamente impor- de Psicologia da adolescência
tantes. Proteção, engajamento e utilizar aqueles manuais ou
político do adolescente, pro- os artigos científicos inter-
moção de saúde do adolescen- nacionais traduzidos, eu me
te, a saúde que ele realmente sentia muito hipócrita. A rea-
apresentava, como mudar a lidade dos nossos adolescentes
relação do adolescente com a - principalmente pra mim, que
vida ou garantir que as habi- trabalho com crianças vítimas
lidades, as competências e as de violência e em situação de
alegrias fossem mantidas, para rua -, eu não encontrava nos
que pudéssemos realmente livros que eu mesma indicava
pensar em projetos de vida aos meus alunos.
muito mais do que pensar em
doença. Que pudéssemos Eu até desafiava os alu-
partir do sinistro ao colorido. nos, no primeiro dia de aula,
É bem isso que aparece nessa dizendo que não existe um
cartilha: do sinistro, que é pen- livro sobre adolescência que
sado sobre o adolescente, ao eles pudessem ler para a dis-
colorido, que apresentamos, ciplina. Eu dizia, ainda, que
não perdendo de vista o risco gostaria muito que um deles,
que muitos deles estão viven- estudantes daquela disciplina,
do. Realmente apontamos situ- no futuro fosse autor. Nunca
ações de vulnerabilidade, mas imaginei que eu seria associa-
mostramos formas de proteção da a esse grupo tão rico e tão
e de saúde. importante.

A Monalisa falou muito É uma satisfação e uma


do profissional que está lá na alegria muito grande saber
ponta. Como sou professora da que isso vai lá para o Norte,
academia e com a cabeça mais como a Drª Ana falou, mas que
acadêmica, fiquei pensando também vai para o interior do
todo o tempo, durante a cons- Rio Grande do Sul, nas regiões
trução dessa cartilha, no meu em que as crianças aprendem
estudante que está na sala de português na escola, mas falam

53
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

outras línguas nas suas casas e,


muitas vezes, estão em situação
de vulnerabilidade e merecem
ser olhadas. Vai para esse pro-
fissional que está em formação,
que vai aprendendo com as
coisas que escrevemos.

Também gostei do último


desafio que a Drª Ana deixou:
vamos fazer de novo, vamos
fazer mais, vamos fazer boni-
to, vamos manter essa parce-
ria tão importante para nós,
a fim de que possamos real-
mente executar. Que possa-
mos, quem sabe, no próximo
Congresso Norte-Nordeste,
lançar outras cartilhas com
outras demandas que são im-
portantes para a nossa área e
também para o Ministério da
Saúde.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

MESA-REDONDA I
Psicologia e Direitos Humanos: Perspectiva Crítica
ou Modismo?

Participantes:
Coordenador: Marcus Vinícius de Oliveira
Presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos
(CNHD/CFP)

Heliana Conde
Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH/CFP)

Pedrinho Guareschi
Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH/CFP)

Paulo Maldos
Conselho Federal de Psicologia

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

MESA-REDONDA I
Psicologia e Direitos Humanos: Perspectiva Crítica
ou Modismo?
Marcus Vinícius de Oliveira Silva
Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH/CFP)

Comentei com alguns co- manos. Talvez eu pudesse tra-


legas que já estive com vocês zer as informações de caráter
por um tempo longo e esta- institucional. Posteriormen-
mos retomando com um en- te, teremos as contribuições
foque bastante específico em dos colegas que fazem parte
torno da questão Psicologia e da Comissão Nacional de Di-
Direitos Humanos. reitos Humanos, refletindo
sobre o tema “Psicologia e Di-
Contaremos com a com- reitos Humanos: Perspectiva
panhia da professora Heliana Crítica ou Modismo”?
Conde, que também é da Co-
missão Nacional de Direitos A primeira questão que
Humanos do Conselho Fede- devemos assinalar é a exis-
ral de Psicologia. Assim que tência de uma iniciativa do
Heliana Conde chegar ao re- Conselho Federal de Psico-
cinto, vamos convidá-la para logia, em 1996, sobre uma
se incorporar à Mesa. certa análise do processo de
desenvolvimento da profissão
Vamos dar início aos tra- de psicólogo no Brasil, pois,
balhos, visando manter a re- constatando que um núme-
gularidade do horário e não ro significativo de psicólogos
atrasar mais as atividades. tinha deslocado o seu interes-
se, o seu esforço e a sua prá-
A título de introdução, tica profissional para certas
começo trazendo, para vocês, fronteiras, em que a exclusão
um conjunto de informações social mostrava-se bastante
sobre o estado da arte da intensificada, esses profissio-
institucionalização do debate nais deparavam-se com um
entre Psicologia e direitos hu- conjunto de problemas e de

56
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

situações que remetiam à ques- que constatava que os psicólo-


tão dos direitos humanos. gos estavam trabalhando em
certas situações de fronteira,
Por um lado era perceptível onde a questão dos direitos
o fato de os psicólogos experi- humanos estava sendo muito
mentarem trabalhar em con- exigida, constatava, com muita
dições sociais e institucionais satisfação, que a Psicologia bra-
marcadas pela exclusão social sileira, ao longo das suas últi-
e, nesses lugares, a questão dos mas décadas, tinha produzido
direitos humanos colocava-se também um conjunto de des-
com bastante intensidade. Psi- tacados militantes, psicólogos,
cólogos trabalhando no sistema da área de direitos humanos.
prisional; psicólogos trabalhan- É aquela velha máxima: onde
do no sistema de liberdade as- está a carência está também a
sistida; psicólogos trabalhando fartura; onde está o problema
com o Movimento Nacional está também a solução. A mes-
de Meninas e Meninos de Rua; ma Psicologia que tinha limita-
psicólogos trabalhando com ções para enfrentar as questões
as vítimas de violência e abuso da exclusão social e fazer o de-
sexual; psicólogos trabalhando bate sobre o tema dos direitos
em circunstâncias nas quais a humanos tinha produzido, no
questão da violação dos direitos Brasil, a presença de alguns
humanos apresentava-se como destacados militantes da causa
um interrogante para o qual dos direitos humanos.
esses psicólogos careciam de
ferramentas analíticas para in- Foi a partir dessas duas
terpretarem e se relacionarem constatações que o Conselho
com isso. Federal de Psicologia insti-
tuiu uma Comissão Nacional
Estamos, neste momento, de Direitos Humanos. Para
recebendo a professora Helia- esta Comissão, foi convidada
na, que irá se juntar aos cole- a participar, e aceitou, a co-
gas da Comissão Nacional de lega, companheira destacada
Direitos Humanos. militante dos direitos huma-
nos, Cecília Coimbra. Cecília
Por outro lado, esse diag- Coimbra, obviamente, com
nóstico, ao mesmo tempo em destaque na luta contra a tor-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tura e na luta pelo resgate da nalista e uma das responsáveis


memória da violência da dita- pela organização do serviço
dura militar contra os presos da equipe clínico grupal do
políticos no Brasil. Grupo Tortura Nunca Mais,
uma das raras expressões con-
À época também foi con- cretas de uma prática psico-
vidada, e aceitou participar, a lógica direcionada, orientada
então deputada federal Marta a partir da questão da defesa
Suplicy, destacada na defesa dos direitos humanos.
dos direitos sexuais.
Estava conosco também o
Também nessa época esta- professor Leoncio Camino,
va conosco a colega Eliane Sei- da Universidade Federal da
dl, que havia sido coordena- Paraíba. O professor Leôn-
dora, no Ministério da Saúde, cio Camino tem uma história
e desenvolvido importantes de estudos em relação à dis-
aspectos da política de saúde criminação e ao preconceito
mental da Reforma Psiquiátri- e, sobretudo, à organização
ca e da Luta Antimanicomial. camponesa, às organizações
políticas dos campo.
Além dessas três compa-
nheiras, que hoje não mais Posteriormente, com a
compõem a Comissão, estava saída das companheiras a
conosco o professor Pedri- que me referi, incorporamos
nho Guareschi, conhecido a companhia do companhei-
mundialmente pelas suas ro Paulo Maldos, destacado
posições e pela sua atitude de defensor dos direitos indíge-
defesa das causas vinculadas nas e também militante dos
aos direitos humanos. Ele movimentos antiglobalização,
também é da Comissão de movimento do plebiscito da
Justiça e Paz, importante or- Alca, no qual teve destacada
ganismo brasileiro que inter- participação.
vinha na questão dos direitos
humanos. Também participava o
colega da Paraíba, vinculado
A colega Heliana Conde, aos movimentos camponeses,
destacada militante institucio- Genaro Ieno.

58
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Esses são alguns dos psicó- primeira expressão institucio-


logos brasileiros que o Conse- nal organizada, permanente e
lho Federal de Psicologia iden- sistemática de articulação do
tificou, que poderiam estar tema da Psicologia com o tema
representando, de uma forma dos direitos humanos.
muito adequada, essa militân-
cia que já havia se constituído Essa Comissão de Direitos
no interior da Psicologia, em Humanos já tem cinco anos
torno da causa dos direitos de existência e adotou alguns
humanos. dispositivos, de forma a contri-
buir com o objetivo principal
A esse grupo eu me agre- de alavancar a discussão de
guei, com muita satisfação. Psicologia e direitos humanos.
Era, à época, dirigente do Dentre esses dispositivos, deve-
Conselho Federal de Psicolo- mos destacar a realização anu-
gia e com uma militância na al de um Seminário Nacional
área dos direitos humanos, em de Psicologia e Direitos Hu-
torno da Luta Antimanicomial manos, que tem sido o ponto
e de defesa dos direitos dos de encontro de todos aqueles
usuários de Saúde Mental. interessados nessa reflexão. É
um espaço político e público
Bem, esse foi o nosso pon- em que a articulação entre
to de partida. Essa Comissão Psicologia e direitos humanos
Nacional de Direitos Humanos tem podido ser enfrentada,
certamente representa, no debatida e refletida pelos inte-
Brasil, a primeira expressão ressados. Esses seminários têm
organizada, permanente e sis- gerado, regularmente, publica-
temática de articulação entre ções de livros que têm funcio-
Psicologia e direitos humanos. nado como um dos primeiros
Outros colegas psicólogos esforços de dotar a Psicologia
importantes existem nessa brasileira de material biblio-
militância e outros trabalhos gráfico que possa orientar esse
igualmente significativos fo- tipo de debate.
ram desenvolvidos antes da
instalação dessa Comissão na Hoje, com muita felicida-
área de direitos humanos. Es- de, já assistimos a outras pu-
tou afirmando que essa foi a blicações, oriundas de outros

59
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

centros acadêmicos ou de ou- social faz sofrer”, chamando a


tros grupos, que vêm colaborar atenção para os aspectos éticos
para a construção da articula- e subjetivos envolvidos nessa
ção entre Psicologia e direitos temática.
humanos.
Então, uma caminhada
Um outro dispositivo mui- estabeleceu-se ao longo desses
to importante da Comissão cinco anos. Nessa caminhada,
Nacional de Direitos Huma- um dos efeitos mais significa-
nos, forma através da qual tivos foi a organização de Co-
tem buscado fazer um diálo- missões Regionais de Direitos
go com a sociedade e com a Humanos em todos os Conse-
categoria dos psicólogos, tem lhos Regionais de Psicologia.
sido as campanhas nacionais Hoje, temos uma rede nacio-
de direitos humanos. Houve nal de Comissões de Direitos
três campanhas e estamos nos Humanos funcionando como
preparando para a quarta cam- dezesseis organismos de direi-
panha. A primeira campanha tos humanos que articulam a
teve como foco, como alvo, a temática da Psicologia e dos
questão do manicômio judi- direitos humanos numa pers-
ciário, “o pior do pior”, com pectiva crítica.
denúncia da condição de exis-
tência dos manicômios psiqui- Um dos efeitos também
átricos. A segunda campanha bastante significativos da exis-
tomou como mote a questão tência dessa caminhada é a
da criança e do adolescente constatação de que o tema
e buscou discutir e denunciar dos direitos humanos ganhou
a morte e o aprisionamento amplitude e repercussão, a
da infância e da adolescência partir da iniciativa das Comis-
pobre, como forma de gestão e sões de Direitos Humanos dos
manejo da sociedade brasileira, Conselhos de Psicologia, em
e das situações de conflito com vários fóruns científicos e pro-
a presença desse segmento. A fissionais. Assim, Mesas sobre
terceira campanha enfrentou o tema Psicologia e direitos
o tema da discriminação racial, humanos foram realizadas em
com o lema “A discriminação congressos importantes, como
racial humilha, a humilhação o Congresso da Abrapso - Asso-

60
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

ciação Brasileira de Psicologia efetiva intervenção crítica dos


Social e o Congresso da Anpep direitos humanos no nosso
- Associação Nacional de Pes- campo profissional e no nosso
quisa e Pós-Graduação em campo disciplinar.
Psicologia, entre outros, como
o evento regional da Abrapso/ Os direitos humanos têm
Minas Gerais, que tomou os di- exatamente a característica,
reitos humanos como seu tema na contemporaneidade, de
central. serem aquele tipo de bandeira
que conduz, muitas vezes, ao
De certa forma, essa ca- campo do politicamente cor-
minhada ofereceu um certo reto, e poucas coisas podem
patamar para esse debate. Es- ser tão nefastas ao desenvol-
tamos em uma circunstância vimento da reflexão crítica
atual em que, aparentemente, sobre os direitos humanos
a Psicologia admitiu e aceitou como a adoção dos direitos
a questão dos direitos huma- humanos na perspectiva do
nos como um tema importan- “politicamente correto”.
te da sua agenda, como um
tema importante da sua pauta. Isso me faz lembrar que o
Talvez essa história bem suce- próprio Governo Fernando
dida, que estou descrevendo Henrique Cardoso, com suas
para vocês, seja o ponto de políticas devastadoras do
partida da nossa reflexão, por- ponto de vista dos direitos
que é exatamente o fato de sociais e dos interesses das
termos conseguido fazer com populações brasileiras, foi o
que hoje o tema da Psicologia primeiro governo a instituir
inclua-se na agenda dos direi- uma Comissão Nacional dos
tos humanos que faz trazer Direitos Humanos. Criou
para vocês a discussão sobre o um organismo estatal, um
modo da inclusão desse tema Conselho Nacional de Direi-
na agenda. Assimilar a idéia tos Humanos. Estou queren-
de que os direitos humanos do dizer que, muitas vezes,
são uma referência de pensa- assumir a bandeira dos direi-
mento e de articulação de prá- tos humanos pode significar
ticas está longe de significar exatamente a neutralização
que tenhamos logrado uma da potência e da candência

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

que o tema dos direitos huma- simples modismo politicamente


nos traz. correto? Qual é o limite? Como
interpretar essa fronteira entre
Essa é a questão que provoca a assunção de uma bandeira
os componentes da Mesa, essa é candente, exigente, e a frontei-
a pergunta que, afinal de contas, ra que separa essa assunção da
estamos trazendo para vocês: assunção dessa mesma bandeira
será que estaríamos entrando, apenas como forma de marketing
nesse momento, com a assimila- político, forma de dizer que
ção, no interior da Psicologia, da também somos progressistas e
questão dos direitos humanos, também estamos participando
numa perspectiva de análise crí- da luta pelos direitos humanos?
tica das nossas práticas, ou será
que a assimilação da idéia de di- Este é o tema para o qual
reitos humanos pelos Conselhos convido o companheiro Pedri-
Regionais e por parte dos psicó- nho Guareschi debater com
logos estaria representando um vocês.

Pedrinho Guareschi
Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH/CFP)

Vou falar logo, antes que um pouco. Acho que algumas


fiquemos sozinhos. Estou com provocações de vocês vão nos
medo de que falte espaço. ajudar a crescer nesse ponto.
Afinal de contas, isso interessa
Estou aqui no sentido de a todos nós.
partilhar com vocês, tentando
responder a esse questiona- Vou falar muito pouco para
mento que o Marcus colocou. expressar como estou sentindo
Parece que a questão dos di- essa situação.
reitos humanos está se desgas-
tando. Tenho certeza de que Gostei da perspectiva críti-
esta é uma questão que não ca. Não sei se todos realmente
tem solução muito fácil. Eu fi- têm bem claro o que significa
caria muito satisfeito se apenas “perspectiva crítica”. Se manti-
conseguíssemos nos inquietar véssemos bem clara essa postu-

62
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

ra crítica, em parte já teríamos de cinco anos de trabalho,


solucionado ou estaríamos temos dee parar e perguntar:
no caminho da solução desta “afinal, o que ainda está fal-
questão. tando?” No momento em que
achamos que fizemos alguma
Crítico é uma palavra que coisa, precisamos perguntar o
vem do grego e significa julgar. que está faltando.
Ela significa, no fundo, aquele
pressuposto de que tudo tem Vou arriscar e dizer o que
dois lados. Qual é essência de acho que está faltando. Direi-
um julgamento? A essência de tos humanos está na boca de
um julgamento é precisar de todo mundo. Agora, quando
um advogado de defesa e de começamos a botar os pés no
um de acusação. A essência chão, nós nos perguntamos:
de um julgamento não é o juiz. direitos humanos de quem?
Podemos decidir por votação. Direitos humanos de 1948?
A essência de um julgamento Quem fez aquilo? Eles ainda
não é também que haja o réu. servem para nós? Há outros
Não, podemos julgar uma cau- direitos? Afinal, o que é direi-
sa, uma questão. A essência to? O direito dela e o direito
do julgamento é que haja dois meu. É certo que são dois.
lados. No fundo, a perspectiva Como chegar a um acordo?
crítica quer dizer uma perspec- Começamos a perceber a com-
tiva histórica, no sentido de re- plexidade da situação.
lativo, de que nada é absoluto
e de que tudo contém a sua Nas minhas elucubrações,
contradição. Tudo é o silencia- vejo que os direitos humanos
do e o falado; é o iluminado e colocam-se dentro da grande
o ocultado. O crítico, antes de discussão da ética. Há até
ver a questão, já sabe que ela uma ligação etimológica para
tem dois lados. isso. Direito vem de jus, que
significa direito – e de jus vem
No momento em que pa- justiça. Ética é justiça e justiça
trocinamos o absolutismo ou é uma relação. Ética é uma
adotamos uma postura, sem- relação. Aristóteles já dizia
pre corremos o risco de perder isso: “ética é justiça. É uma
a dimensão de crítica. Depois relação.”

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Não existe o direito huma- dividualismo. Não quebramos,


no. Não se pode falar em di- ainda, esse individualismo,
reito humano de uma pessoa. para chegar à relação. De rela-
Temos de falar em direito hu- ção vem relativo, e relativo é o
mano de uma relação. É muito contrário de absoluto.
difícil para as pessoas sacarem
isso. Quando eu vou dizer que Então, os direitos humanos
estou sendo justo ou ético com têm a ver com relações. Agora,
ela? É no momento em que o que fundamenta um direito?
estabeleço uma relação com Vocês já se fizeram essa pergun-
ela. É essa relação - o que sai ta? Qual é o fundamento da
de mim em direção a ela - que ética? Faltam discussões sobre
é objeto da ética. Aí estaria o que fundamenta os direitos.
o direito. Vou examinar essa Falamos, falamos e, falamos e,
relação. Fundamentalmente quando apertamos, não sabe-
ética é ética de relações. Ético mos de fato o que fazemos.
é um adjetivo que só sabemos
grudar no substantivo relação. Quando vamos ver o que
Nesse sentido, vamos começar fundamenta o direito, verifi-
a questionar. Vejo aí o grande camos uma enormidade de
furo dos direitos humanos de respostas e de discussões em
1948. Consultaram e discuti- aberto hoje. Vou elencar aqui
ram, mas ficaram os direitos cinco ou seis, só para deixar a
humanos dos povos. E as rela- coisa complicada. Quem acha
ções que se estabeleceram? Se que resolveu o problema, que
um povo tem direitos às custas se cuide.
dos outros, isso é direito desse
povo? Qual é o fundamento do
direito e da ética? Alguns di-
Os direitos humanos de zem que são as crenças. Está
1948 foram feitos dentro de ainda um pouco ligado às reli-
uma visão burguesa de ser giões. É uma crença. O que é
humano, uma visão individua- uma crença? Alguém pode me
lista de ser humano. Isso ainda responder o que é uma cren-
perpassa. O individualismo, ça? Quem souber, por favor,
o fantasma de Decarte ainda ajude-me. Podemos falar de
predomina. O fantasma do in- crença, mas não conseguimos

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

explicar porque uma pessoa É um pouco por aí. Tam-


tem uma crença. Só para bém tem algum sentido. A
vermos como é complexa essa natureza pode ser iluminado-
questão, digam para mim: nós ra. Outros dizem que não. O
cremos numa coisa porque é fundamento dos direitos é o
verdade ou essa coisa é verda- contrato, o contratualismo.
de porque acreditamos nela? Tudo bem, até dá para pescar
alguma coisa aí. Que contra-
Todo cognitivismo da to? Pura e simplesmente a lei?
Psicologia ficou apenas na Agora, quem faz a lei? Os de-
questão cognitiva racional. bates se instituíram fortemente
Vou esclarecer com uma linda na questão da busca racional
frase: a desgraça do cognitivis- de uma ética.
mo não é que ele não tenha
procurado sentidos, é que O imperativo kantiano.
ele se esqueceu das crenças. Kant diz assim: a crença é um
Ora, as crenças são parte in- imperativo, é uma categoria,
tegrante do ser humano, a tal como espaço e tempo. É o
ponto que eu os desafio a me imperativo ético, o imperativo
responder. Vocês acreditam moral. O absoluto. Ultima-
numa coisa porque acham mente a questão concentra-se
que é verdade ou essa coisa é exatamente na busca de uma
verdade porque você acredi- fundamentação ético-discursi-
tam nela? Grande parte das va, na ética do discurso, tendo
pessoas acham que aquilo é como grandes protagonizado-
verdade porque acreditam e res o Apel e Habermas. São os
não vão em frente. dois pensadores mais citados
nesses campo. Eles dizem que,
Paulo Freire, quinze dias fora da comunicação, não há
antes de morrer - tenho uma salvação. Então, a comunica-
linda fala dele gravada - falava ção tem pressupostos ineren-
da crença. “Idéias, a gente tes. A ética está pressuposta na
tem. Nas crenças, se está”, própria conversação. Se você
Essas crenças mobilizam enor- negar isso, é impossível até
memente o ser humano: tem falar. Isto é uma conversação,
muita gente que faz as coisas e um discurso, e, nesse discurso,
acha que as coisas são boas. está implicada a ética, que se-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

ria a chance de cada um poder do Lévinas. Se não for assim, é


dizer a sua verdade. impossível sobreviver.

Existe uma outra corrente, Eu quis dizer aqui que nes-


a corrente da analética, que se modismo dos direitos huma-
está tendo bastante aceitação nos falamos e falamos e não
na América Latina, que vem paramos para pensar como a
de um teólogo judeu, Lévinas, coisa é complexa. Quando é
que fala da outridade. Isso, o campinho da gente, vamos
para mim, parece ser algo for- rachando: esse é meu direito,
te. Ele fala de uma nova lógica esse é meu direito, esse é direi-
para poder instituir uma nova to. Poucas pessoas começam a
ética, essa analética. Bom, a ló- se perguntar num direito ou
gica da identidade pode ser e numa ética que seja menos
não ser ao mesmo tempo. Isso possível de ser conversada em
é fundamento do indivíduo. A determinadas situações. Quan-
lógica da dialética é que um do vamos analisar isso a fundo,
está implicado com outro. Os vemos que há uma enormida-
dois estão aí. de de tentativas de explicações
dessa ética. Eu ainda fico um
Agora, a analética é um pouco com a analética. Acho
passo além da dialética. Seria que é a que mais me diz, res-
uma dialética com ética, que peitando sempre as crenças,
implica que eu encare esse ou- campo em que não podemos
tro não como diferente. “Dife- interferir. A maioria das pes-
re” significa arrancar do outro. soas não tem uma crença: as
Então, eu domino, eu arranco crenças não se explicam, “nas
do outro. Esse é o diferente. crenças se está”.
“Fere” do latim é tirar, o di é
separação. É o outro como Quando buscamos um
distinto. Então, o outro, que racionalidade, na ética do dis-
convive comigo, o outro, igual curso e na analética, podemos
a mim. Fazendo a diferença buscar luzes para isso aí. Por
entre diferente e distinto. que isso é prático? No momen-
to em que começamos a anali-
Onde estaria essa outrida- sar essas questões, vemos que
de? Essa alteridade? A lógica todos esses abusos de direitos,

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

individualismos nos direitos, voz. Automaticamente vai ser


de coisas assim, vão sumindo. perseguida, porque a insti-
tuição criou essa lacuna, essa
Para terminar, volto ao crí- falha. Então, a condição do
tico. A ética é definida como ético, de quem trabalha com
uma instância crítica. Eu diria os direitos humanos, é a de ser
que o verdadeiro ético é o pro- perseguido. Numa sociedade
feta. O profeta tem como di- em que, objetivamente há as-
mensão essencial ser persegui- simetrias e injustiças, como a
do. O ético entra no momento nossa, no momento em que
em que há uma assimetria, no os direitos humanos andarem
momento em que há uma lacu- bem, abram os olhos, pois al-
na, um injustiça na sociedade. guma coisa está errada.
A pessoa, então, coloca-se no
sentido de crítica dessa lacuna. Penso que aí está a dimen-
Ela é a voz dos que não tem são crítica da ética.

Paulo Maldos
Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH/CFP)

Eu queria contribuir com ideológico de ofensiva e, às


esse tema “Psicologia e Di- vezes, num contexto políti-
reitos Humanos: Perspectiva co, cultural e ideológico de
Crítica ou Modismo?” a partir defensiva.
da ação política onde se ins-
creve a questão dos direitos Os direitos humanos,
humanos historicamente. como conhecemos, hoje,
surgem na história política
Eu iniciaria fazendo uma recente, com a Revolução
observação. A meu ver, essa Francesa, de 1789, e com a
questão dos direitos humanos Revolução Americana, de
entra na história de uma for- 1776, com uma carta de
ma pendular: às vezes, como direitos. Naquele momento
uma ofensiva política, num esta questão entra na histó-
contexto político, cultural e ria como a ofensiva de uma

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

classe social, no caso, a bur- do que até aquele momen-


guesia ascendente, que entra to havia se instituído como
destruindo o mundo feudal civilização, entra de novo a
e os resquícios da ordem me- questão dos direitos huma-
dieval ou feudal, instituindo nos, numa atitude ofensiva,
a ordem burguesa na políti- porém, digamos, numa es-
ca, na cultura, na economia, tratégia de reorganização do
na sociedade. A questão mundo naquele momento do
entra realmente à imagem e pós-caos. Os negociadores das
semelhança do burguês, que cartas dos direitos humanos,
a institui, mas, naquele con- como conhecemos até hoje,
texto histórico, como uma tiveram um longo trabalho,
ofensiva, como um ganho, entre os países centrais, os
em termos civilizatórios, vitoriosos da Segunda Guerra
rumo a uma igualdade social Mundial, de tentar costurar e
e política. negociar o que seria possível
como direitos humanos. Se-
Depois, houve um grande ria uma referência para uma
período em que existiu uma nova ordem mundial. Essa
acomodação, uma assimila- nova ofensiva negociadora,
ção e uma institucionalização num momento histórico bas-
dessa ordem burguesa, até tante diferente daquele da
passarmos por uma fase histó- Revolução Francesa, tenta ser
rica bastante turbulenta, que a base da construção dessa
foi o século XIX e o início do nova ordem e das instituições
século XX, com as guerras e a que vieram depois, com os
Revolução Soviética de 1917, diversos organismos que a
que radicaliza a noção de ONU passou a instituir mun-
direitos no sentido do direito dialmente.
social, do direito ao trabalho
quase como um direito basi- Mesmo assim, a meu ver,
lar da sociedade. Entramos eles têm um conteúdo ofen-
numa longa fase de conflitos sivo, no sentido de tentar
e chegamos à Segunda Guerra reorganizar o mundo a partir
Mundial. No fim da Segunda daquela situação bastante des-
Guerra Mundial, depois de truidora que foi a Segunda
vinte milhões de mortos e Guerra Mundial.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Um terceiro momento, porque defendiam os direitos


para nós, na América Latina humanos.
e no Brasil, pensando direitos
humanos, é como os vivencia- Temos o caso famoso das
mos a partir dessas conjuntu- Mães da Praça de Maio, da Ar-
ras históricas e políticas. Para gentina, que começaram a sua
nós, um outro momento forte ação em nome da vida dos seus
foi o das ditaduras militares filhos e também brandindo
dos anos 60 e 70. Aí os direi- a carta de direitos humanos.
tos humanos entram numa Não é preciso lembrar que a
perspectiva defensiva, ou seja, primeira presidente das Mães
frente àquela situação que da Praça de Maio foi assas-
abrangia quase todos os países sinada pela ditadura militar
da América Latina, de tortura, argentina, e assim aconteceu
de desaparecimento de pes- com inúmeros sacerdotes, re-
soas, enfim, frente à barbárie ligiosos e militantes de direitos
institucionalizada das ditadu- humanos em toda a América
ras, era levantada a questão Latina.
dos direitos humanos como
uma salvaguarda para tentar Na pós-ditadura, a partir da
uma ação política de defesa da Nova República e dos governos
vida, denunciar as ditaduras e que se sucederam até Fernan-
ter respaldo no exterior para do Henrique Cardoso, o que
essa defesa. Isso, numa pers- vimos no Brasil foi de novo
pectiva realmente defensiva. um movimento defensivo. Os
Os direitos humanos eram a direitos humanos passaram
tábua de salvação, o mínimo a se constituir como recurso
em que se podia apoiar para humanista de defesa da vida,
haver uma ação que não fosse nas suas várias dimensões. Tí-
atacada pelo Estado. Mesmo nhamos os direitos políticos
assim, temos inúmeros casos assegurados, liberdade de
de defensores dos direitos imprensa, liberdade de or-
humanos da América Latina, ganização política e sindical,
sejam eles religiosos, políticos, Congresso em funcionamento.
intelectuais ou artistas, que Não era mais a ditadura militar
desaparecem ou morreram, em nenhum aspecto jurídico e
perseguidos por ditaduras, legal, porém existiam meninos

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de rua, assassinatos no campo, do Henrique, ao mesmo tem-


tortura nas prisões, mulheres po em que desenvolvia política
agredidas em periferias, ação para o campo, por exemplo,
brutal da polícia militar e uma expulsava e tirava milhões de
infinidade de ações de violên- famílias do campo e premiava,
cia na sociedade que não esta- no dia 10 de dezembro, pesso-
vam ligadas à situação política as que militavam pelos direitos
do país como um todo. Não humanos no campo. Ele tinha
era uma violência institucio- essa capacidade.
nalizada, como era o caso da
ditadura, do Ato Institucional Vou citar outro caso bem
n.º 5. Então, os direitos huma- exemplar: a questão indígena.
nos passaram a significar um Ele tinha a capacidade de não
instrumento de denúncia e demarcar, não homologar e
de defesa de direitos básicos. destruir a política indigenista
Frei Betto chegou a chamar e, ao mesmo tempo, instituiu
de defesa dos direitos animais, prêmios de direitos humanos
e não humanos: defesa do di- para antropólogos que lutavam
reito a morar, comer, cuidar da pelos direitos indígenas ou lí-
cria. Uma vez ele disse que, no der indígena que se destacava
Brasil, lutamos pelos direitos de alguma maneira. Ele ma-
animais, e não pelos direitos nipulava os direitos humanos
humanos. Enfim, virou uma de uma forma “marketeira” e
atitude defensiva frente a uma despolitizava e individualizava
sociedade organizada politi- os direitos humanos, persona-
camente, que funcionava sem lizando em pessoas que tinham
uma violência aberta e institu- ações pontuais, que se destaca-
cional, porém com uma infini- vam, sem pensar no contexto
dade de seqüelas de violências que ele mesmo produzia, de
alastrada em todo território. agressão coletiva aos direitos
humanos.
Particularmente no Gover-
no Fernando Henrique Cardo- Chegamos, então, ao mo-
so, como já foi citado aqui, os mento atual, em que todos os
direitos humanos foram usa- burgueses instituídos pela Re-
dos para serem neutralizados. volução Francesa e todos pós-
Foram despolitizados. Fernan- Segunda Guerra Mundial tam-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

bém estão sendo destruídos. gunta colocada pelo Marcus


Temos uma situação de um Vinícius, acho que os direitos
império norte-americano com humanos, para transcender e
uma globalização excludente. não ter conexão com modis-
Esse império recentemente mo, têm que ser articulados
fez uma ofensiva que pratica- com uma perspectiva histórica.
mente questiona ou destrói Que tipo de sociedade quere-
tudo aquilo que foi erguido mos construir? Que tipo de
de forma civilizatória após sociedade queremos denun-
a Segunda Guerra Mundial. ciar? A noção dos conteúdos e
Fez um ataque ao Iraque, não conceitos de direitos humanos
reconhecendo a existência da que defendemos tem de estar
ONU, agredindo todos os acor- articulada com a crítica a essa
dos internacionais e fugindo sociedade como ela realmente
de todas as plataformas de en- existe hoje e articula-se com
contros internacionais em que um projeto alternativo global
se decide a questão ambiental, para a sociedade. A luta con-
a questão dos direitos à água e creta e política pelos direitos
ao meio ambiente. humanos teria de estar articu-
lada com um projeto alterna-
Temos aqui uma nova con- tivo e global de sociedade, em
juntura, a conjuntura do Go- que pudéssemos aprofundar e
verno Lula, que pode acenar atualizar a noção dos direitos
para uma nova perspectiva no humanos, no nosso caso, dos
Brasil, em termos de direitos psicólogos, com a dimensão da
humanos. Esse momento ex- subjetividade.
tremamente complexo em que
vemos fatores regressivos na Neste momento, devemos
ordem mundial e perspectivas ser capazes de fazer uma aná-
que podem ser interessantes lise crítica da sociedade, dessa
no plano nacional coloca para exclusão sistêmica, por exem-
nós, então, qual o papel, nessa plo, e suas seqüelas. Devemos
conjuntura complexa, dos di- nos articular com um projeto
reitos humanos. alternativo global a essa socie-
dade, contribuir, no caso do
A meu ver, tentando contri- Governo Lula, com uma pres-
buir para responder a essa per- são social no sentido das mu-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

danças sociais, e, do ponto de tenham futuro e fecundidade


vista da Psicologia, aprofundar histórica, enquanto conceito e
a nossa conceituação de subje- arma política, se resgatarmos a
tividade. Tem que ser uma sub- força ideológica e política dos
jetividade nas condições con- direitos humanos. Precisamos
cretas da sociedade brasileira, fazer com que, no pêndulo, eles
capitalista e de terceiro mundo, voltem a ter uma direção ofen-
e a subjetividade daqueles que siva, e não defensiva, no sentido
mais sofrem nessa sociedade, de se articularem com projetos
no caso, os trabalhadores e de transformação. Nesse senti-
os excluídos do campo e da do, temos os direitos humanos
cidade. Temos que investir na se articulando com um projeto
teorização sobre essa questão de transformação e tentando
da sociedade e dos direitos e na assegurar, no interior desse
investigação prática e política e projeto, uma proposta de cons-
trabalhar a questão dos direitos tituição de garantia de direitos.
humanos numa perspectiva de No nosso caso, com a contribui-
transformação da sociedade. ção da noção de subjetividade,
sofrimento e do que seria uma
Por fim, vejo que só escapa- sociedade na qual esse sofri-
remos do modismo e faremos mento fosse minimizado.
com que os direitos humanos

Heliana Conde
Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH/CFP)

Desculpem-me pelo atraso. que foram levantadas pelo Mar-


Eu não sabia que já havia co- cus, pelo Pedrinho e pelo Pau-
meçado. Além das militâncias lo, mas de uma maneira mais
que o Marcus falou, sou uma alegórica. Acredito que isso
militante do tabagismo e sabia servirá para provocar a nossa
que aqui dentro não poderia discussão posteriormente.
fumar.
Para abordar o tema “Psi-
A minha fala vai ser breve e cologia e Direitos Humanos:
vou retomar algumas questões Perspectiva Crítica ou Modis-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

mo?”, vou trabalhar com dois Antes do segundo poema,


poemas, ambos de escritores farei a tal da fala ético-concei-
latino-americanos, e farei uma tual. Manuel, meu amigo, ce-
fala ético-conceitual, interme- deu-me, nesta noite, um escri-
diária, para tentar conectar as to do Curtis, que saiu há algum
coisas. tempo no “Caderno Mais”, que
se chama “Paradoxo dos Direi-
O primeiro poema é do tos Humanos”.
mexicano Octavio Paz e se cha-
ma “Poema Circulatório”. Ele “Enredados na visão do
vai se perder um pouco, por- mercado, que reconhece o
que graficamente ele é circu- ser humano apenas como uma
latório na posição das palavras, abstração social, organizações
e não vou poder transmitir isso de defesa e proteção às vítimas
na tradução. De qualquer ma- estão fadadas à impotência.”
neira, o poema é belo e vocês
vão perceber qual é o mote da Eu acho que, na verdade,
questão. essa fala não resume o texto
do Curtis, mas dá uma certa
entrada para a fala dele, que
vou sintetizar. É muito mais
rico do que vou trazer aqui. Se
No jardim das proibições
quiserem a referência, posso
o maravilhoso
fornecer. Vou fazer um “vôo de
canta
pássaro”.
colhe-o
está ao alcance de tua mão
O Curtis, quando escreveu
é o momento em que o homem
isso, estava falando da Guerra
é cúmplice do raio
no Iraque, que já foi mencio-
cristalização
nada pelo Paulo. Diz o Curtis
aparição do desejo
que os direitos humanos foram
desejo da aparição
mobilizados como um elemen-
nem aqui nem lá mas entre
to legitimador do massacre - va-
aqui e lá
mos dizer, pelo Bush ou pelos
porta-vozes oficiais do governo
americano - e essa mobiliza-
ção ocorria também do outro

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

lado, pelos que se opunham tros”. Esses outros não seria


frontalmente à guerra. Ele solventes. O que ele chama de
chega, em certos momentos, a solventes? Diz o Curtis que a
levar essa questão ao exagero lógica dos direitos humanos,
- é um texto provocador - ao como disse o Paulo e o Pedri-
dizer que as argumentações nho, é burguesa e capitalista.
do Bush e das organizações de Humano aí é aquilo que pode
defesa dos direitos humanos se fazer valer a uma parcela de
seriam muito parecidas. Ele capital. Com o capitalismo,
pergunta se não poderíamos tudo o que é sólido desman-
ver isso de duas maneiras. A cha-se e as coisas são todas
primeira maneira seria pensar recodificadas em porções de
que está havendo uma distor- capital. Todos têm de produ-
ção. Tanto o Bush quanto as zir alguma coisa, para com-
instâncias oficiais de propa- prar ou para vender, e ele diz:
ganda do governo americano “nem que seja os seus próprios
estariam se apropriando de órgãos”. Aqueles que não são
algo que não lhes pertence, solventes nesse mundo caem
que nada tem a ver com as na qualidade de coisas.
suas práticas, para legitimar a
sua lógica guerreira. O Curtis De alguma maneira, fize-
levanta que pode haver uma mos uma fala bastante geral
outra hipótese também. Aí e deixamos para o debate,
não se trataria de distorção. para tentar fazer as conexões
Será que a lógica das inter- entre as questões que levan-
venções guerreiras, com justi- tamos de direitos humanos e
ficativas humanitárias, não é Psicologia.
a própria lógica dos direitos
humanos? E aí ele aponta o Tentei, a partir do discurso
paradoxo. do Curtis, pensar Psicologia e
direitos humanos. Daí poderí-
Na verdade, Curtis acre- amos formular a pergunta da
dita nessa segunda hipótese. seguinte maneira: quando as
Por que motivo? Poderíamos nossas práticas psi servem para
dizer que todos somos iguais, legitimar invalidações de ou-
porque humanos, mas alguns tros, memorizações de outros,
são “mais humanos do que ou- explorações, desigualdades e

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

assim por diante, seguindo a Ele quer sinalizar essa situação


pergunta do Curtis, teríamos paradoxal e, ao sinalizar essa
uma incoerência? situação paradoxal, poderí-
amos pensar, em termos de
Todo psicólogo, a prin- Psicologia, que essa expressão
cípio, acha que é bom. Psi- “direitos humanos” não pode
cólogo é um cara visto como ser apenas uma qualificativo
bom e, portanto, defensor agradável, da moda, que jun-
dos direitos humanos. É tamos à Psicologia com um
uma incoerência quando es- “e”.
sas práticas servem para isso.
Acompanhando a segunda Temos de pensar que im-
hipótese do Curtis, se investi- plica, necessariamente, para
garmos - e aí quero fazer um nós, numa reflexão sobre o
gancho com o Paulo, porque que historicamente foi cons-
também acho que a história é truído para a nossa prática
muito importante - a história como os nossos limites. Talvez
da constituição dos nossos sa- os nossos limites sejam: somos
beres e práticas psi, será que parte dessa lógica da solvên-
não veríamos que elas são a cia, assim como todas as lutas
própria lógica da solvência dos direitos humanos são esse
que o Curtis aponta, quando paradoxo, porque também
faz uma descrição mais geral são parte dessa lógica da sol-
sobre os direitos humanos? vência. Só que - e aí recorro
ao Pedrinho - devemos pen-
Aí você diria que o Curtis sar numa perspectiva crítica
quer acabar com as organi- a partir do próprio Kant ou
zações de direitos humanos. da releitura do Foucault so-
Não é essa a questão. Ao final bre Kant, uma reflexão sobre
do artigo, ele diz o seguinte: limites. Agora, existem duas
“Não estou desqualificando, atitudes possíveis, a partir de
de maneira nenhuma, essas uma reflexão sobre limites.
ações.” O Curtis não desqua- Uma coisa é dizermos que a
lificaria a nossa luta como Co- Psicologia é assim mesmo e
missão de Direitos Humanos esse é o nosso limite, e uma
do CFP, dos CRPs e todos os outra atitude possível é: se es-
trabalhos que têm sido feitos. ses limites são históricos, eles

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

são limites contingentes. Eles não é uma rima, mas ajuda a


não são essência, eles não são pensar.
limites naturais. Então, pode-
mos tentar entender quais “Quando o Presidente
são esses limites exatamente Carter se preocupa tanto com
para transgredi-los. Aí é que a os direitos humanos, parece
questão dos direitos humanos evidente que neste caso di-
pode ficar muito interessante: reito não significa faculdade,
como transgressão. Talvez seja atributo ou livre arbítrio, e,
próximo do que foi chamado sim, destro, anticanhoto ou
pelo Pedrinho como profe- lado oposto ao coração. Lado
tismo. Talvez implicando ser direito, enfim. Conseqüente-
perseguido e ter o seu corpo mente não seria hora de que
exposto, colocar-se em uma reiniciássemos uma ampla
situação na qual estamos bas- campanha internacional pelos
tante longe do modismo ou esquerdos humanos?”
de um qualificativo agradável
associado à Psicologia. Para finalizar, quero reu-
nir o Octavio Paz lá do início,
Passando por essa fala éti- com o “Poema Circulatório”,
co-conceitual intermediária, com o poema “Agora Tudo
chego ao segundo poema, de Está Claro”, do Benedetti, pas-
um poeta uruguaio, Mario Be- sando pelo Curtis e pensando
nedetti, datado dos anos 70. mais ou menos o seguinte:
Ele está percebendo, também, uma conexão entre Psicologia
nos anos 70, que há uma série e direitos humanos precisaria
de falas amortecedoras. Ele talvez ser cúmplice do raio e
está tentando reinventar essa não serva da lei e do capital.
linguagem. O poema se cha-
ma “Agora Tudo Está Claro”. É isso.
Esse poema é uma defesa dos
esquerdos humanos, e não
dos direitos.

Ele fala do presidente


Carter e vocês podem trocar
o presidente pelo Bush, o que

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Marcus Vinícius de Oliveira Silva


Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH/CFP)

Eu gostaria de convidar tes, todas apontando para o


para estar conosco nesta seguinte: quando o debate
Mesa, matar um conjunto de pelos direitos humanos está
saudades e fazer deste convi- muito tranqüilo, algo está es-
te uma homenagem, Cecília tranho; quando o debate ou
Coimbra, primeira presidente a luta pelos direitos humanos
da Comissão Nacional de Di- não nos custa nada, algo está
reitos Humanos. Uma vez pre- problemático; quando a luta
sidente, sempre presidente! pelos direitos humanos está
colocada como o encontro da
As saudades são imensas paz, certamente uma guerra
e as oportunidades, poucas. surda deve estar acontecendo
Cecília certamente ensinou por debaixo dos panos.
muito a todos.
A palavra está franqueada
Chegamos a três apre- para as manifestações e per-
sentações bastante canden- guntas que queiram fazer.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

DEBATE
Público - Temos trabalha- humanos, como quer o Paulo,
do, não sem incômodo, com a é preciso retomar aquele sen-
questão dos direitos humanos. tido de os direitos humanos
Parece-me efetivamente muito serem o enfrentamento de
mais palco contemporâneo, um absolutismo de Estado
onde se escutam forças, pode- para proteger os indivíduos do
res e possibilidades de exercí- funcionamento desregrado e
cio de poder, do que alguma sem limites do absolutismo do
coisa que possamos perseguir Estado.
como definição. Nesse sentido,
escapar ao modismo e entrar Isso nos remeteria ao exer-
numa perspectiva crítica tem cício da função pública dentro
de passar, necessariamente, do Estado burguês. Acho que
por uma certa clareza quanto é isso que pode nos ajudar a
ao que pode ser estratégico e escapar a um modo de resis-
ao que pode ser tático. tência institucional comum -
direitos humanos de bandido,
Aproveito a carona do de direitos humanos meus, de
Pedrinho, sobre a questão da direitos humanos da emprega-
relação, achando que devemos da que foi proibida de subir no
ir um pouco mais além. Não elevador, de direitos humanos
quando a relação é algo em do patrão que foi ofendido
que termos se aproximam, mas pelo empregado ou qualquer
quando a relação é algo que coisa desse tipo - para pensar
constitui termos. nos direitos humanos só quan-
do haja uma função pública
Pergunto, então, que tipo em curso e que essa função
de relação específica é essa, pública, pela desmesura da
que deve nos interessar, quan- ordem de grandeza da sua
do lidamos com a questão dos potência por sobre as pessoas,
direitos humanos e de que seja violadora de direitos hu-
modo ela constitui termos. manos. Isso reduz o campo de
Acho que, taticamente por- modo a não nos deixar cair em
tanto, para resgatar a potência todos os outros pontos que fa-
histórica e ofensiva dos direitos zem disseminar, jogam fumaça

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

e interessam ao modismo dos com direitos humanos. São


direitos humanos. É preciso outras psicologias diferentes
dizer claramente que só temos das psicologias que nunca se
que discutir direitos humanos - preocuparam com as práticas
e vamos agora para a Psicologia dos direitos humanos.
- quando sentimos que, como
operadores de uma função pú- Do mesmo modo, essas
blica, a nossa prática tem que psicologias, que nunca se pre-
ser legitimada publicamente, ocuparam com as práticas de
antes que chegue ao usuário, direitos humanos, são aquelas
seja em que instância for. que tendem a se dizer “a Psico-
logia” e instituem um humano
Do ponto de vista estraté- abstrato do qual possam falar.
gico é mais complicado, pois
não vamos conseguir escapar Como provocação, poderí-
do dilema que o Curtis traz, amos tentar ver duas perspec-
principalmente em Psicologia. tivas de clarear o que seria o
Do mesmo modo, essa ilusão nosso problema tático e o nos-
de que os direitos humanos so princípio estratégico.
conduzem boas intenções faz-
se pela instituição de um hu- Cecília Maria Bouças
mano abstrato e a instituição Coimbra - Eu queria juntar a
desse humano abstrato, sacri- essa reflexão do companheiro
fica a vida concreta da pessoas. as várias psicologias que pro-
Para sermos só ilustrativos, isso duzimos no nosso cotidiano,
pode direcionar a escolha en- dependendo das práticas e
tre tratar da Previdência Social vetores que agenciamos.
como uma questão de equi-
líbrio financeiro e não como Eu queria que a Heliana,
a resolução de vida concreta em cima da fala do Manuel, fa-
das pessoas. Do mesmo modo lasse principalmente desse po-
a Psicologia ou as psicologias... ema do Octavio Paz. Ela pega
É essa outra coisa para a qual a questão do “entre” - estamos
precisamos prestar atenção. lá e estamos cá - e a questão do
Não é a mesma Psicologia em “raio”. Como não temos recei-
que se encontram práticas tas nem modelos, como seria
militantes que se preocupam uma determinada atuação em

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

direitos humanos e a produção os nossos mestres Deleuze e


de uma certa Psicologia que a Gatarri, eu usaria uma frase de
isso se aliasse e que pudesse Gregorio que acho linda. Num
estar nesse “entre”, ao lado texto sobre direitos humanos,
desses raios? Gregorio, diz: “No mundo há
mais respostas que perguntas.”
Heliana Conde – Cecília,
para responder de verdade Não sendo cúmplice do
o que é a história do raio, a raio, mas da lei e do capital, o
resposta seria: não sei. Eu que temos feito, muitas vezes, é
acho que trazermos a questão reduzir as perguntas, criar uma
para a Psicologia e os direitos superfície de registro daquilo
humanos, um dos grandes que pode ser perguntado e de
problemas, não sei se estraté- consumo daquilo que deveria
gico ou tático, do que temos ser feito com pessoas, com as
visto ser feito com Psicologia, relações entre as pessoas, com
é que sabemos demais. Temos a administração das pessoas,
um excesso de saber. Talvez com a vida das pessoas. Ser
ser cúmplice do raio fosse cúmplice do raio talvez seja,
dessaber, desaprender, desco- em resumo, dessaber um pou-
nhecer. Pelo que você está tra- co, através da reflexão sobre
balhando agora, você saberia esses limites constituídos, que
melhor do que eu. Cada vez somos redutores das super-
mais estamos sendo convoca- fícies, do que se registra que
dos a administrar populações, possa ser consumido, rasgar
a dizer quem ainda é humano, esse papel como um raio que
porque é solvente, quem ainda rasga mesmo.
corresponde a essa porção de
capital e quem não é mais, a Não sei se isso é estratégico
hierarquizar a separação entre ou é tático. Deixo para o meu
essas duas instâncias e, dentro amigo Marcus Vinícius, que
de cada uma dessas instâncias, entende mais dessas coisas.
fazer novas separações e hie-
rarquizações. Paulo Maldos - Agora são
as considerações finais. A meu
Se eu fosse dar uma respos- ver acho que está fazendo fal-
ta mais bonita, apelando para ta, atualmente, conseguirmos

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

proceder a uma análise global cia com os judeus que saíam


da dinâmica do mundo. Acho dos campos de concentração,
que isso está ausente. Passamos e elas são o quê? Não são nada!
a questionar os paradigmas já Não têm significado!
existentes e não construímos
nada no lugar. Aí ficamos com Essa proporção de desu-
tudo boiando: os conceitos, os manidade estende-se por não
instrumentos de luta, os instru- conhecermos a história hu-
mentos de análise. mana. Há o sistema de uma
polícia mundial: se você puser
Para termos uma estraté- no computador “Bin Laden”,
gia e uma tática em relação o Pentágono vai saber que
à ação política em geral e à o computador pessoal de al-
ação dos direitos humanos guém no Brasil, no Chile, na
em particular, temos de fazer Argentina ou em Madagascar
um exercício. Não necessaria- está se comunicando usando
mente temos de ser arrogantes essa palavra. Tem um sistema
ou prepotentes, achando que que está se concentrando de
vamos dar conta do mundo tal forma que nunca vimos
tal como ele é hoje. Precisa- ofensivas contra os direitos
mos fazer uma análise radical humanos como vimos hoje, a
e completa do mundo como partir de um centro único.
ele é hoje: a dinâmica política
e econômica, as desigualdades Temos que proceder com
talvez nunca vistas na história humildade a análise e a com-
da humanidade. preensão desse mundo hoje,
em primeiro lugar, e aí ten-
Voltando à Guerra do Ira- tar identificar os centros de
que, quando o soldado ameri- irradiação de desumanidade
cano, que temos nome, sobre- desse mundo. Temos que ten-
nome e endereço, aparece na tar identificar, nessa dinâmica
televisão, fica todo mundo pre- econômica e política, quais
ocupado com a família dele. são os centros de irradiação
Ele está lá seqüestrado pelos de processos de desumaniza-
maus iraquianos. As crianças ção radicais e, a partir dessa
iraquianas aparecem mortas análise, identificar uma agen-
aos caminhões, como aconte- da política de combate. Essa

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

agenda pressupõe hierarquia, ver exatamente o que ainda


estratégia e tática de combate está faltando, para que real-
e destruição desse mundo e mente a Psicologia esteja a
construção de outro mundo, serviço dos seres humanos.
como nas lutas antiglobaliza-
ções que tanto comentamos. Marcus Vinícius de Olivei-
Outro mundo é possível, ra Silva – Antes de encerrar,
mas precisa se concretizar. eu gostaria de comentar que
Primeiro, que mundo é esse cai muito bem essa idéia, Ma-
que rejeitamos? Qual é esse nuel, de reservarmos o uso
outro mundo possível que dos direitos humanos para
queremos construir? Nessa certa esfera do que você cha-
ponte vamos escrever a nossa mou de desmesuras do poder
luta política em geral e a luta totalitário. Que efetivamente,
pelos direitos humanos em nós, militantes dos direitos
particular, com estratégias e humanos, na linha do que
táticas, a partir da análise de colocou o Paulo, tivéssemos
conjuntura de cada situação, nossas parabólicas antenadís-
de cada país, de cada momen- simas para distinguir exata-
to histórico. mente onde essas desmesuras
do poder totalitário atuam,
Pedrinho Guareschi seja esse poder totalitário
– Vejo direitos humanos, com emanado das forças policiais
essa dimensão ética, como a do Estado, seja esse poder to-
própria consciência crítica talitário emanado dos porões
da Psicologia. Ela deve ser das instituições as mais di-
crítica de si mesma. A voca- versas, as mais duras, as mais
ção de quem trabalha com hards, as mais lights, como jus-
direitos humanos, além de tiças terapêuticas que se ins-
ser perseguido, é aquela voca- talam neste momento, onde
ção de Drumond. Acho que se materializa o psicólogo
é necessário nos colocarmos policial, o psicólogo alcagüe-
numa perspectiva, num olhar te, o psicólogo dedo-duro, o
diferente, porque todo ponto psicólogo cúmplice do apare-
de vista é a vista de um ponto. lho do Estado repressor, em
Quando nos colocamos no detrimento dos interesses do
ponto de vista crítico vamos indivíduo.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Acho que não é muito di- todo mal do mundo, por um


fícil – estou trazendo o tema momento, pudesse ser distin-
da justiça terapêutica – dis- guido com a nomeação de um
tinguirmos esses aspectos em mal da ausência dos direitos
que efetivamente a ordem do humanos.
poder que se absolutiza sobre
o indivíduo é bastante grande. A questão é que os direitos
Ocorre que nós, os militantes humanos são uma formulação
de direitos humanos e os mi- que se produz no interior de
litantes de direitos humanos uma sociedade humana, e não
que o fazem numa perspectiva conheço a época em que a
crítica, não somos os únicos sociedade humana foi harmo-
que julgamos o jogo e temos o nia, igualdade e justiça. Ainda
monopólio semântico. O mo- não conheço a época em que
nopólio semântico não está estabelecemos e instituímos
dado a nenhum dos grupos um reino da igualdade, da
que manejam o código. Acho liberdade e da justiça entre
que, nesse sentido, além dessa os homens. Parece-me que a
perspectiva de distinguir as condição de produção da so-
forças, temos de fazer o deba- ciedade tem historicamente se
te de cada caso singular, cada constituído como a produção
caso em que a expressão “di- de violência de um grupo de
reitos humanos” esteja sendo humanos contra outros hu-
empregada. É preciso exercer manos.
essa reflexividade crítica.
Percebo a expressão “di-
Participamos, e você esteve reitos humanos” como uma
conosco, de uma reunião das expressão guarda-chuva, que
Comissões de Direitos Huma- cada época histórica tem re-
nos dos Conselhos Regionais, cheado. O Paulo trouxe-nos
discutindo o tema da campa- a modulação pendular do
nha do próximo período. Im- ofensivo e do defensivo, mas,
pressionou-me muito a quan- para além dessa modulação
tidade de situações que, de pendular, a questão dos di-
certa forma, são identificadas reitos humanos está sempre
como de violação aos direitos recebendo, albergando e abri-
humanos. É quase como se gando aquelas questões que,

83
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

num determinado momento, Social da Psicologia na Defesa


parecem ser as questões da dos Direitos Humanos”, com
injustiça e da desigualdade no Cecília Coimbra aprofundan-
interior de uma determinada do esse tema.
sociedade.

Sei também que, nessa


sociedade, os que lutam pela
reversão da desigualdade, da
ausência de liberdade, da ti-
rania e do absolutismo estão
sempre, sempre e sempre sen-
do perseguidos pelos donos
do poder.

Concordo também com


o profetismo do Pedrinho
Guareschi e acho que nós,
psicólogos, estaremos tra-
balhando com Psicologia e
direitos humanos numa pers-
pectiva crítica quando isso nos
custar cortar alguma coisa da
nossa própria carne. Talvez aí
possamos ter a certeza de que
estamos trabalhando numa
perspectiva crítica.

Agradeço a presença de-


todos os componentes da Co-
missão Nacional de Direitos
Humanos, a todos vocês e à
querida companheira Cecília
Coimbra.

Amanhã haverá uma Mesa,


cujo tema é o “Protagonismo

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

CONFERÊNCIA II
Protagonismo Social da Psicologia no Campo da
Circulação Humana
Palestrante:
Zulmira Bonfim
Universidade Federal do Ceará

Debatedora:
Gislene Maia Macedo
Conselho Federal de Psicologia

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

CONFERÊNCIA I
Protagonismo Social da Psicologia no Campo da
Circulação Humana
Gislene Maia Macedo
Conselho Federal de Psicologia

Eu estava vindo agora, leiro, pensamos em construir


com a Zulmira, para a nossa uma outra possibilidade de
Mesa de “Protagonismo So- intervenção da Psicologia na
cial da Psicologia no Campo área do trânsito, pois perce-
da Circulação Humana” e a bemos que esse trânsito está
primeira coisa que percebe- inserido num contexto muito
mos é que esse termo está tão mais amplo, como um fenô-
novo e tão recente que, antes meno social que, na verdade,
de passar a palavra para a Zul- acontece em função da nossa
mira, achamos melhor fazer necessidade de circular pelos
uma breve introdução sobre espaços.
como esse termo surgiu e por
que o Conselho Federal de Temos tentado construir,
Psicologia está propondo essa há uns três anos, uma con-
discussão. centração mais clara do que é
circulação humana, pensando
Esse termo derivou um em como a Psicologia pode
pouco da questão da Psico- desenvolver intervenções di-
logia de trânsito, em função ferenciadas nessa área: o que
das atividades que a Psicologia significa as pessoas estarem
vem desenvolvendo desde a circulando, o que isso traz
década de 40 nessa área, mui- para a nossa dimensão sub-
to voltada à aplicação dos tes- jetiva e como atuamos nesse
tes psicológicos para a obten- universo tão complexo que
ção da carteira de habilitação. é circulação no trânsito, des-
Em decorrência dos muitos locamento, locomoção, movi-
atropelos que essa Psicologia mento. Essa é a tentativa que
vem passando, políticas públi- vamos fazer hoje, para tentar
cas, Código de Trânsito Brasi- construir algo mais concreto.

86
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Não temos, ainda, um con- duíche na Universidade de


ceito formulado. Estamos fa- Barcelona, trabalhando com
zendo uma construção do que espaço público e regeneração
seja essa circulação humana e urbana. A tese da Zulmira é
como a Psicologia, dentro dis- sobre cidade e afetividade.
so, pode desenvolver práticas Ela estima a construção dos
transformadoras para as con- mapas afetivos de Barcelona e
dições de vida das pessoas. de São Paulo.

Zulmira Bonfim é pro- Não é exatamente da


fessora do Departamento de tese que ela vai falar, pois vai
Psicologia da Universidade Fe- apresentar o que significa essa
deral do Ceará; mestre em Psi- questão do homem na cidade,
cologia Social, pela UnB; dou- vez que, para nós, é funda-
toranda em Psicologia Social, mental discutir circulação hu-
pela PUC de São Paulo, onde mana a partir desse eixo.
também fez o doutorado-san-

Zulmira Bonfim
Universidade Federal do Ceará

Eu gostaria de agradecer o sobre essa relação da subjeti-


convite de estar neste seminá- vidade na cidade, achei inte-
rio promovido pelo Conselho ressante contribuir um pouco
Federal de Psicologia, apren- com o que venho investigan-
dendo com a reflexão deste do. Na verdade, o tema de
momento que estamos viven- investigação da minha tese de
do ao procurarmos colocar a doutorado tem sido a relação
Psicologia como protagonista entre cidade e afetividade.
dentro da nossa sociedade e
das suas áreas de atuação e Vamos, hoje, suscitar uma
comprometida com a nossa reflexão sobre como a ques-
realidade. tão afetiva relaciona-se com a
circulação humana na cidade
Quando a Gislene convi- e qual é essa relação da cons-
dou-me para falar um pouco trução dos espaços afetivos e

87
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

da circulação. Isso se insere parte do seu tempo deslocan-


dentro da perspectiva de um do-se para o trabalho ou para
novo debate da Psicologia, suas atividades diárias. Os
sabendo que a Psicologia, tra- deslocamentos empreendidos
dicionalmente, na sua ênfase pelo transporte público e pelo
de atuação e teoria, está mais carro particular mostram a
voltada para a questão clínica inconveniência de viajar várias
ou para a visão de uma subjeti- horas do dia como um dos
vidade psicológica, distante de aspectos mais estressantes do
uma subjetividade que se faz ambiente urbano. O des-
na construção do cotidiano, locamento do dia-a-dia é uma
na cidade e no espaço urbano expressão dessa circulação e
também. É muito distante da uma expressão dos contrastes
Psicologia ver que estar no aos quais estamos submetidos.
espaço urbano e na cidade é
também uma área de atuação. Fazem parte da grande
É também uma possibilidade cidade, do urbano, ritmos con-
de construção, de teorização e trastantes, alta aglomeração,
de prática. ruídos, ansiedade gerada por
essa situação ou, como foi mui-
A nossa reflexão vem do to bem colocado pelos teóricos
urbano, palco em que muitos da Sociologia Urbana, uma
de nós estamos todos os dias, atitude em que os indivíduos
submetidos a situações muitas tornam-se escravos dos estímu-
vezes estressantes, a situações los. Eles passam a responder de
de atratividade que a cidade uma forma cristalizada, pois
gera e, ao mesmo tempo, as si- não têm mais uma expressão
tuações de angústia. Isso tudo, da sua criatividade. Então, esse
relacionando-se com a questão cotidiano engole-nos, faz-nos,
da circulação humana. É esse todos os dias, repetir as mesmas
o debate que gostaríamos de atividades e não nos permite a
começar hoje. criatividade, a elaboração da ci-
dade e a elaboração das nossas
Por que é importante co- atividades como uma obra.
locarmos a Psicologia nessa
questão do espaço urbano? O Esses deslocamentos diá-
homem urbano passa grande rios são expressões das contra-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dições geradas pelo modo de população passa grandes horas


vida urbano. O modo de vida do seu tempo nos transportes,
urbano e a urbanização são as- no caso, o transporte público.
pectos que se retroalimentam. Quanto às pessoas que têm
Esse modo de vida urbano, carro, algumas estão fugindo
suscitado pelas transformações da cidade, atitude atualmente
da sociedade industrial e por muito encontrada nas grandes
uma série de movimentos do cidades. Já que a cidade é
capitalismo, gera atitudes de tão aversiva, tão ameaçadora,
uma busca incessante do lucro vamos formar ilhas, os con-
e de comportamentos mais domínios fechados, para que
utilitaristas do que afetivos ou possamos nos defender dessa
próximos. Esses deslocamen- ameaça que é viver na cidade.
tos constantes mostram que as Para isso, muitas horas do dia
pessoas perdem parte do seu são passadas no deslocamento.
tempo livre. O indivíduo não As pessoas pensam que estão
tem só a necessidade de lutar tendo uma qualidade de vida
pela sobrevivência, ele tem ,por morarem em um condo-
também a necessidade de cria- mínio fechado, com natureza,
ção. Ele tem necessidade de mas estão totalmente alijadas
atividades lúdicas e prazerosas. da situação pública, do que é
viver na cidade. A cidade, a sua
O tempo que poderia estar maior essência, é justamente o
cuidando de si mesmo e de público; a vida urbana é a vida
uma construção coletiva é o pública, e nós perdemos isso.
tempo que está sendo gasto
nos deslocamentos. Isso atinge O espaço público passou a
a todos, atinge tanto as pessoas ser algo ameaçador, algo que
que têm condições e estão den- não faz mais parte do nosso
tro do sistema, que não estão cotidiano. Essa atitude con-
totalmente dentro da exclusão trastante dos deslocamentos,
social, como aquelas que estão de conflitos nas cidades gran-
submetidas a situações de se- des, gera, então, essa metáfo-
gregação socioespacial. Então, ra do metrô de Urry. Urry foi
uma população que vive na pe- um teórico da Sociologia Ur-
riferia, por exemplo, todos os bana, do início do século, que
dias tem que se deslocar. Essa estudou modos de vida urba-

89
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

nos e contribuiu para mostrar Tempo livre e distância da


isso. O modo de vida urbano residência ao trabalho. Falei
é diferente do campo. A pes- há pouco da questão de cada
soa que mora no campo tem vez mais as pessoas fragmen-
atitudes e estilos de vida di- tarem-se na cidade. As suas
ferentes da pessoa que mora atividades estão distantes. O
na cidade. Ele fala dessa trabalho está num lugar e a
metáfora. A metáfora é uma residência, em outro. Ao fazer
forma muito interessante de isso, elas diminuem a existên-
chegarmos perto da realida- cia dos espaços relacionais.
de cotidiana, porque trabalha Os espaços relacionais neces-
com imagens. Essa metáfora sitam de tempo, necessitam
do metrô reflete essa situação de cuidados, necessitam de
do deslocamento nas grandes uma construção. Se você se
cidades. desloca o tempo todo, você
não cria. É a idéia das cidades
O metrô é a alta densida- menores ou dos bairros; é
de populacional, é o contras- colocar a cadeira na calçada,
te próprio da modernidade, conversar e ver o tempo pas-
velocidade e aglomeração. sar. Um dos temas principais
Hoje, vivemos na sociedade das grandes cidades é que o
da informatização e da ve- tempo não existe na medida
locidade. Como é o metrô? em que a velocidade é o gran-
Todos fazem tudo para não de tema.
se comunicar. Estamos todos
alheios. Se possível, olhamos Algumas cidades, como
para um espaço que não te- São Paulo, têm como marca,
nha, por nenhum minuto, o a construção de uma cidade
olhar do outro. Inutilidade sobre a outra. Em um século,
do tempo empregado. foram construídas três cida-
des. Isso quer dizer que a
Insegurança dos túneis. cidade de São Paulo perdeu a
Essa visão claustrofóbica de sua fisionomia. Qual é a fisio-
estar por baixo. Espaços fora nomia da cidade? As pessoas
e espaços dentro. É outra de mais idade perguntam:
imagem muito presente nas “Onde está a minha cida-
grandes cidades. de?” As pessoas precisam do

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

espaço para se identificarem espaços em lugares. Eu posso


e para construírem as suas transitar pelos espaços, mas
identidades, mas a velocida- posso transitar pelos espaços
de sempre impede que isso e deixar a minha marca neles.
aconteça. O ser humano necessita, como
expressão da sua relação com
Ao mesmo tempo, os cen- o espaço, de uma territoriali-
tros de trabalho, lazer e com- dade. Há estudos sobre terri-
pras estão distantes da área torialidade tanto dos homens
residencial. quanto dos animais. Há uma
necessidade de marcar e de
Perda da qualidade psico- demarcar os territórios. Quan-
lógica dos lugares – residên- do perdemos esses territórios,
cias, bairros e comunidades. perdemos também a nossa
A Psicologia tem um papel segurança psicológica e os sen-
importante de confrontar tidos que nos fazem criar raízes
qual é essa qualidade de vida nesse mundo.
quando não criamos vínculos
e não transformamos espaços O que estou falando diz
em lugares. É um conceito respeito ao espaço urbano
importante na Psicologia Am- como expressão de um sim-
biental. Transformar espaços bolismo. Isso quer dizer que a
em lugares é dotá-los de valor. Psicologia, quando estudou o
Se você não cuida de um lugar, ambiente, ficou muito voltada
se você não se apropria de um a ver o ambiente como pano
lugar, esse lugar perde signifi- de fundo, como cenário. O
cado, e, perdendo significado, ambiente, nessa perspectiva
os cidadãos não constróem a que estou falando, é parte da
sua cidadania. A cidadania é identidade do indivíduo. Al-
o indivíduo num lugar. É por guns conceitos desenvolvidos
isso que, quando falamos de na Psicologia Ambiental, com
um processo de deslocamento a identidade social urbana,
como aprisionador, estamos dizem respeito à uma identi-
falando da não possibilidade dade formada a partir de uma
de apropriação dos espaços e identificação com o lugar. Eu
da não possibilidade de as pes- posso me identificar com o
soas criarem e transformarem bairro, eu posso me identificar

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

com a minha cidade, eu posso Agora, um espaço sobre


me identificar com o meu país. o qual passo com o qual não
Todas as possibilidades de me identifico, porque não
espaço e de ambiente geram transformo, dele eu não me
identificações. Alguns indiví- aproprio. Se fizermos a rela-
duos, algumas comunidades ção de um microespaço com
ou alguns grupos identificam- o macroespaço, isso também
se mais com uma categoria do acontece. Os cidadãos apro-
que com a outra. priam-se ou não da sua cidade
e do seu bairro. Isso vem tanto
Quando mexemos com na relação com as políticas
o bairro e com a sociedade, públicas quanto nas atitudes
estamos mexendo também do indivíduo. O indivíduo já
com a identidade das pessoas. se distanciou tanto disso que,
O espaço não é só a estrutura apesar de o espaço criar signi-
que dá forma. Ele não é uma ficados, passa a deixar também
caixa onde as pessoas estão esse espaço como algo alheio a
contidas. O espaço sobrepõe- ele. Aí as ideologias de domi-
se com o social, pois social e nação tomam conta, porque o
espaço fazem parte de uma espaço é a expressão de uma
mesma realidade de constru- ideologia. O espaço presta-se a
ção dos indivíduos. Nisso está desigualdades sociais e à segre-
o conceito de apropriação, gação socioespacial. Nós vemos
que falei há pouco. Apropriar- isso e ficamos, muitas vezes, de
se é tanto identificar-se com braços cruzados, legitimando
o lugar quanto transformá-lo. essa construção.
Quando você se apropria de
um lugar, dá vontade de mexer Gestores públicos, ar-
nele. Vamos ver a nossa casa. quitetos e especialistas são
Quando mudamos de casa, co- formadores desse cenário do
locamos esse quadro nesse lu- espaço, e nós não somos só
gar. “Não, gosto mais desse sofá aqueles que nos identificamos
aqui”. Por que não mudo isso ou não. Somos aqueles que
e aquilo? Quando estou trans- também devem estar juntos,
formando o meu espaço, estou na construção dessas políticas.
dotando-o de valores e, assim, O cidadão é o indivíduo no lu-
é possível eu me identificar. gar, como dizia Milton Santos,

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

geógrafo brasileiro conhecido angústia que ela gera? Estamos


mundialmente. Poucos de subjugados a ela ou podemos
nós conhece a Psicologia como ver que a nossa emancipação
Milton Santos, grande teórico depende da forma como nos
do espaço. Ele conseguiu jun- inserimos nesse debate da
tar a Geografia, a Psicologia e a construção da cidadania? É
Sociologia. essa questão que queremos
discutir.
No momento vivemos sob
a égide da globalização. A glo- Opção pelo fenômeno da
balização sobrepõe o modelo vida urbana, da convivência
econômico ao modelo cívico. nas cidades como caminho
Então, o que vale é o indivíduo possível de emancipação, de
que consome, é aquele que retorno à vida e de revitaliza-
pode pagar pelo espaço que ção das grandes metrópoles. É
cada vez se torna mais segre- urgente concentrar a atenção
gado do que outros. O espaço dos diversos âmbitos sociais
valorizado é o espaço investido no fenômeno urbano, tema de
pelas políticas públicas, e só vários estudos desenvolvidos
quem pode pagar por ele é em diversas áreas acadêmicas
aquele que tem condições. que, na atualidade, orientam
algumas ações em organiza-
Espaço urbano como forma ções não-governamentais,
de emancipação. Nessa altura a movimentos sociais e culturais
questão vai se juntar bem com e, ainda, precariamente, nor-
a circulação. A cidade pode teiam ações no âmbito gover-
ser um local da emancipação namental.
humana? Podemos colocar a
cidade e o espaço como pro- A cidadania, o direito
tagonistas? Podemos colocar a a ter direitos, é um desafio
Psicologia dentro da perspec- para os cidadãos nas cidades
tiva do protagonismo social ou pós-modernas, tão fortemente
não? Temos mesmo que fugir marcadas pela hegemonia do
da cidade? Temos que estar na processo de globalização que
cidade com todas as atrações e carrega, em si, processos de
oportunidades que ela tem e, desigualdades e de exclusão
ao mesmo tempo, com toda a socioespacial. Atualmente o

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

debate sobre as cidades é um na levou-nos a isso. É a noção


dos tentáculos mais desen- de que a história chegou ao
volvidos na discussão sobre a fim. Só podemos cruzar os
exclusão social. No Fórum de braços e olhar estupefatos esse
Porto Alegre, houve a partici- movimento inexorável que nos
pação de várias autoridades e leva a desigualdades sociais,
pessoas importantes, na dis- exclusão e vida nas grandes ci-
cussão sobre as cidades, como dades. É preciso desestabilizar
Boaventura de Souza Santos, essa noção de que já estamos
que trabalha muito a questão no caos ou em uma situação de
da emancipação humana. desestabilização. Esse caos é
No momento, ver a exclusão ordenado, é um caos que pro-
social na cidade seria um dos move muito bem o controle
grandes eixos aglutinadores social. Precisamos desestabili-
nos debates de alternativa ao zar no sentido de propor novas
projeto neoliberal. Não é à formas de estar na convivência
toa que hoje temos, no Brasil, humana e dentro das cidades.
o Ministério das Cidades. Esse Então, precisamos sair do con-
ministério vem dentro dessa formismo e colocar a Psicolo-
perspectiva de que a cidade gia nesse debate. Para isso, a
pode ser um recurso emanci- Psicologia tem de romper com
pador, na medida em que os algumas dicotomias.
cidadão podem apropriar-se
dessa possibilidade. O nosso grande desafio,
como psicólogos, é sair des-
Para fazer isso é preciso sa noção social e individual.
rompermos com as amarras do Sujeito, subjetivo, objetivida-
conformismo. O Souza Santos de. Espaço coletivo e espaço
fala isso. É muito importante individual. Essas dicotomias
romper com o contrato social aprisionam-nos dentro da Psi-
onde haja maior envolvimento cologia.
do cidadão nos rumos da eco-
nomia e na defesa de uma eco- Eu poderia dizer que o nos-
nomia solidária e dos direitos so interesse, nesse movimento,
humanos. É necessário sairmos é de acentuar a participação da
da idéia de que nada podemos Psicologia na busca de teorias
fazer. A racionalidade moder- e métodos que tragam alterna-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tivas de emancipação para o São Paulo, junto com o núcleo


urbano, colocando em relevo de inclusão e exclusão social,
o macro e o microssocial como que é a categoria afetividade,
cenários psicossociais. É uma categoria-síntese entre a Psico-
perspectiva interdisciplinar. logia Social e a Psicologia Am-
Aí vem a necessidade de a biental. Essa contribuição de
Psicologia sair da situação de reflexão eu gostaria de trazer
poder. Esse é o meu pedaço aqui, hoje, vendo a afetividade
e não posso me misturar com como uma possibilidade de
outras áreas. O urbano, an- expressão da necessidade dos
tes de qualquer coisa, é você indivíduos. A afetividade diz
se despojar dessas couraças respeito a todos os sentimentos
que a Psicologia carrega. Eu e emoções do indivíduo com a
vou trabalhar com clínica. A cidade e com o seu espaço.
subjetividade é da Psicologia. Não significa só o vínculo. En-
Por que a subjetividade não é tão, afetividade pode ser raiva,
da Arquitetura e da Geografia amor, ódio, tristeza, sabendo
também? Temos que nos abrir que esses sentimentos podem
ao interdisciplinar, e essa expe- ser libertadores ou aprisiona-
riência não é fácil. Como estu- dores. Como eu posso, a partir
dar o urbano? Como olhar e dos sentimentos, avaliar a rela-
não perder as especificidades? ção dos indivíduos com a cida-
Seria um grande desafio tra- de e, a partir dessa avaliação,
balhar na perspectiva de o in- fazer propostas de intervenção
divíduo ser uma cidade e uma urbanas?
cidade ser um indivíduo. Seria
romper com uma dicotomia Por que a afetividade? Ela
subjetividade e objetividade. É é uma categoria da Psicologia
um movimento que permite o Social e da Psicologia Ambien-
entrelaçamento dos processos tal e consegue romper com
vitais de ambos, pois espaço e uma racionalidade instrumen-
homem compartilham a mes- tal. Estamos acostumados a ver
ma materialidade e a mesma a modernidade como grande
subjetividade. exemplo da racionalidade, e é
mesmo, só que a racionalidade
Aí está a categoria que te- não deu respostas às necessida-
nho investigado, na PUC, de des humanas. O mundo con-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tinua pautado no sofrimento nos baseando em Spinoza, fi-


que chamamos, nos nossos lósofo do século XVI, pois até
estudos, de sofrimento ético- hoje temos possibilidade de
político. O sofrimento ético- refletir a partir das suas cate-
político é o sofrimento de você gorias. Ele fala que podemos
ser forçado ao sofrimento. Ele estar nos relacionando com o
é gerado por situações éticas e outro, sabendo que o nosso
políticas. Então, não sofremos maior bem é quando temos
só no nosso mundinho indivi- o bem do outro. Ele fala das
dual, nós sofremos dentro de emoções e paixões alegres ou
um contexto social e histórico. tristes. As paixões alegres são
aquelas que potencializam a
Por que a afetividade é im- ação do indivíduo. As paixões
portante para avaliar a relação tristes são aquelas que geram
das necessidades dos indivídu- potência de padecimento. A
os na cidade? Porque a afetivi- potência de padecimento cris-
dade pode ser traduzida como taliza as nossas ações. Nós cru-
a implicação do habitante com zamos os braços e nada pode-
a cidade. Sentir significa estar mos fazer. A potência de ação
implicado em algo. E se existe nos faz ver, através da alegria e
algo que nos implica é a relação da felicidade, que podemos ser
com o outro, pois os indivíduos muito mais do que somos. Spi-
nunca se afetam sozinhos. Isso noza fala de uma positividade
é muito importante. Para você do homem. É diferente da no-
se afetar com algo, vincular-se ção de que homem é, de ante-
a algo, é preciso haver o outro, mão, ruim. O homem carrega
o outro sendo o grande en- a possibilidade de construção
grandecedor do encontro do de uma cidadania.
indivíduo com a cidade. Por
isso a afetividade é ética. Prio- Nas palavras de Sawaia,
rizamos a afetividade como a professora da PUC que tem
categoria síntese porque ela desenvolvido vários estudos
gera uma potência de ação ou na afetividade, potencializar
uma potência de padecimento. pressupõe o desenvolvimento
Existem afetos que promovem de valores éticos na forma de
a ação do indivíduo na cons- sentimentos, desejos e necessi-
trução da cidadania. Estamos dades para superar o sofrimen-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

to ético-político. Segundo Spi- então, o lugar do encontro.


noza, a ética só aparece no ho- Como uma cidade promove
mem quando ele percebe que o encontro entre as pesso-
o maior bem que faz para o seu as? Esse movimento não é
ser é outro ser humano. Dessa só circular, não é você estar
forma, o homem torna-se ético circulando sem fazer lugares,
em função dessa paixão. como já falei. Você pode estar
circulando nos espaços, mas a
Em outras palavras, a iden- cidade-movimento é você po-
tificação com a cidade seria der se movimentar nos luga-
estar implicado com ela, e não res, dotá-los de valor, dotá-los
subjugado a ela. Quando a de significados e interagir na
circulação é o aprisionamento intersubjetividade.
e quando a circulação pode ser
uma libertação? Possibilidade Essa seria a argumentação
de ir e vir. Todos nós teríamos de por que a afetividade pode
direito de ir e vir na cidade, ser uma categoria de análise e
mas sabemos que isso não de síntese na relação do indi-
acontece. Os shoppings, por víduo com a cidade e na ava-
exemplo, espaços atualmente liação de políticas públicas na
do público, estão voltados para intervenção do urbano.
quem consome. Em Fortale-
za já presenciei, várias vezes, Para ilustrar o que estou
crianças ou pessoas pobres que falando, vou apresentar alguns
não podem entrar em shopping. estudos de investigação desen-
Elas são expulsas. Então, o di- volvidos em algumas cidades do
reito de ir e vir, a circulação, Brasil - São Paulo e Fortaleza - e
seria um direito do ser huma- em Barcelona, como parte do
no dentro da cidade. Nós sabe- meu estudo de doutorado,
mos que os espaços segregado- mostrando essas imagens de
res, de antemão, aprisionam, movimento. Vou mostrar algu-
dentro de uma estrutura, essa mas metáforas que ilustram
possibilidade de circular. como as pessoas sentem-se nas
cidades. As metáforas, como
Como seria uma cidade falei, são interessantes, porque
no processo de emancipação? são formas de síntese. Os sen-
A cidade-movimento seria, timentos não são facilmente

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

acessados porque são subtexto alegria, eu gosto, me dá prazer,


da nossa linguagem. Vygotsky, mas, ao mesmo tempo, eu me
importante teórico soviético sinto um cidadão de terceira
da Psicologia, fala justamente categoria, quando vejo que
que, por trás das nossas fun- posso desfrutar dessa cidade
ções psicológicas superiores e e o outro não pode, já que o
cognitivas, há uma coisa que outro está submetido a desi-
nos leva a estar no mundo, que gualdades sociais.”
é a nossa motivação, são os nos-
sos afetos. São esses afetos que Essa metáfora da maçã ver-
vão construir as nossas funções melha com pontos de podri-
psicológicas superiores. dão é aquela que se contradiz
entre o bem-estar de viver nela
Então, é exatamente por com o mal-estar de conviver
isso que as metáforas falam com as desigualdades sociais.
do sentimento sem falar lite- Todos nós sofremos isso.
ralmente do que é. Se eu per- Quando você está aqui no seu
guntar o que você sente sobre carro, com ar condicionado,
determinado lugar ou sobre e vem o menino pedir algo,
determinado espaço, isso não você olha para ele e quase
é tão facilmente acessado. pede desculpas: “Por que eu
Imediatamente você remonta estou aqui e você está aí? Eu
a uma linguagem literal. A posso desfrutar do carro, com
metáfora quebra a linguagem ar condicionado, e você está aí
literal e forma um outro signi- na rua.” Esse é o sofrimento da
ficado, por analogia. Por isso criança, por estar na situação
eu utilizei a metáfora como em que está, e o nosso próprio
um recurso de imagem. São sofrimento, de nos sentirmos
recursos imagéticos. aprisionados em não poder-
mos fazer nada para resolver-
Por exemplo, a pessoa fala: mos aquela situação.
“A cidade é para mim uma
maçã vermelha com pontos Essa é a “cidade maçã
de podridão.” O contraste da vermelha com pontos de po-
cidade pode ser observado nes- dridão” porque mostra todas
sa metáfora quando a pessoa as oportunidades que ela
diz: “Tenho um sentimento de pode dar. Essa resposta foi

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dada em Barcelona, cidade a cidade que é o símbolo da


símbolo e modelo de urbaniza- estrutura urbana, mas não é só
ção. Barcelona é uma cidade disso que as pessoas precisam.
construída com planejamento Como uma pessoa pode dar
estratégico, que se reurbaniza uma resposta dessas? Como as
e intervém no seu espaço urba- diferenças surgiram? Hoje Bar-
no, a partir dos eventos, mas, celona atrai muitos imigrantes
ao mesmo tempo, está baseada africanos e marroquinos, que
nas imagens, em vender uma vão atrás de melhor situação de
imagem para o exterior, a fim vida. Barcelona tem toda essa
de atrair investidores. Esse é infra-estrutura, mas, ao mesmo
o tema do planejamento estra- tempo, segrega o imigrante.
tégico das cidades atuais. Você
quer que a cidade crie atrati- A cidade-chiclete é inte-
vidades para que o investidor ressante. A cidade-chiclete
possa investir na cidade, mas é aquela em que o indivíduo
você não se preocupa com as gosta muito do chiclete, mas
pessoas que vivem nela. São cansa quando está mastigando
as cidades que se preocupam por muitas horas. Então, é a
com o turismo, com o externo, cidade que tem a beleza, mas
com a imagem, mas não se pre- que chega num ponto em que
ocupam com o habitante que não constrói algo significativo
cotidianamente está lá, com as para as pessoas.
questões sociais.
Cidade-abacaxi. Qual é a
O que seria a cidade- cidade-abacaxi? Quem pode-
museu? É aquela em que os ria me dizer? É uma cidade
contrastes impossibilitam os do Brasil? São Paulo. Os sen-
seus habitantes de viverem a timentos característicos dessa
solidariedade, pois convivem cidade são prazer, agradabi-
com a satisfação e o prazer da lidade e alegria e, também,
harmonia urbana e a tristeza e tristeza e raiva. Os contrastes
a dor do fechamento às dife- e sentimentos encontrados
renças. Essa cidade é Barcelo- podem ser de euforia e depres-
na. Há várias respostas de Bar- são, aceitação e distanciamen-
celona que mostram a cidade to, liberdade e prisão, amor e
da agradabilidade, da atração, ódio, frieza e calor, prazer e

99
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

pressa. Por que é a cidade-aba- como algo interessante, por-


caxi? A cidade-abacaxi é aque- que é uma cidade-pessoa. É
la que consegue juntar o doce uma cidade como uma pes-
e o azedo. Tem o doce, que é soa, com os seus sentimentos
bom, e o azedo, que é ruim, e, e em constante mudança.
ao mesmo tempo, é uma cida-
de que gera pertinência. Uma cidade-projeto que
não se acaba. Então, algumas
Vemos, então, que, em pessoas compararam Barce-
uma cidade como São Paulo, lona com a Sagrada Família,
apesar dos contrastes, foi en- que é um grande monumen-
contrado muito sentimento de to, uma igreja, que estará
pertinência das pessoas, apesar pronta em 2025, arquitetada
do sentimento de destruição, por Gaudi, um grande arqui-
de violência e de tudo o mais. teto modernista. Ao mesmo
Este é contraste do paradoxal. tempo, essa cidade-projeto
que não se acaba gera tam-
A cidade-liquidificador é bém muitos obstáculos de
aquela em que tudo se mistura circulação. Na cidade que
e tudo se embola. Misturam-se está sempre se regenerando,
os sentimentos de desesperan- sempre trabalhando, os seus
ça, ódio, revolta, confusão. cidadãos também sofrem
com esses bloqueios. Algumas
Essas são as imagens de pessoas falam que é bom ter
contraste, mas temos as ima- Barcelona assim, mas tem
gens de movimento. As ima- hora que cansa haver tantos
gens de movimento são uma obstáculos.
categoria encontrada, por
exemplo, nas cidades de Bar- A cidade-ser-vivo também
celona e São Paulo. O movi- faz essa relação da cidade
mento é visto como a possibi- com o aspecto do ser vivo em
lidade desses deslocamentos, constante movimento e em
que, ora são positivos, ora são constante crescimento.
negativos.
A cidade-coração-de-mãe,
O movimento, por exem- que também foi encontrada
plo, em Barcelona, é visto em São Paulo, é aquela ci-

100
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dade que recebe todos, mas Ainda Barcelona, mostra-


você tem de entrar no ritmo da como a cidade-mercado.
dela. Ela acolhe a pessoa, mas Entrada e saída de pessoas.
a pessoa tem de seguir a risca Aí tem o sentimento poten-
o que ela é. cializador da atratividade, da
esperança, da alegria e do
Como ilustramos com as bom humor.
metáforas, vou ilustrar com
algumas imagens de desenhos Temos também, em São
com que trabalhei. Os recur- Paulo, a cidade-liquidificador.
sos imagéticos são os que mais É essa cidade marcada pela
afetam os sentimentos. verticalização, pela metropoli-
zação, onde tudo se mistura e
Aí podemos ver Barcelona se embola.
com todos os seus monumen-
tos e parques. É uma cidade Essa é a grande imagem
que causa alegria, orgulho, de São Paulo. Foram encon-
tranqüilidade, respeito e, ao trados poucos ícones. Se
mesmo tempo, é comparada fizermos uma comparação
com uma cidade menu: você entre São Paulo e Barcelona,
pode escolher muitas coisas, os ícones de São Paulo estão
mas, ao final, a conta é muito esquecidos, porque a cidade
cara. Poucas pessoas podem destruiu os seus símbolos.
ter acesso a elas. Como falei, foi construída
uma cidade sobre a outra.
Aí mostramos a questão Essa é a imagem de São Paulo.
ambiental. Não podemos A pessoa desenhou uma pes-
dividir o ambiente e a estru- soa despedaçada, mostrando
tura urbana. A paisagem da a destruição da cidade.
cidade está envolvida nesses
aspectos. Então, essa pessoa Aí mostramos um pouco
está mostrando a árvore e o essa relação entre o alegre e
machado, justamente a des- o triste, a vida e as possibilida-
truição da natureza, que gera des. Também é São Paulo.
a impotência. Tem felicida-
de e orgulho, mas gera a im- Imagens fortes de São Pau-
potência. São os contrastes. lo: antenas, Avenida Paulista,

101
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

prédios. A Avenida Paulista é o fora, mas não para quem vive


principal ícone de São Paulo. nelas. Aqui estamos mostran-
do a separação. Fortaleza é a
Fortaleza é a cidade dos separação. Tem uma grade
contrastes socioeconômicos. que separa as misérias das
Fortaleza compara-se a um mansões e da riqueza.
jarro de porcelana, cuja água
não é trocada há muito tempo: Vou concluir com alguns
é bonita por fora, mas, por eixos orientadores desse urba-
dentro, há contradições. É no. Como podemos, a partir
uma pessoa com muitas cáries, dos sentimentos, investir numa
necessitando de uma reabilita- intervenção urbana? Protago-
ção oral. nismo e as políticas públicas
na questão da circulação hu-
A maçã com um lado mana, colocando a afetividade
podre que encontrei em e a intervenção. A afetividade
Barcelona foi encontrada em - as emoções e os sentimentos
Fortaleza. Aí está uma imagem - como referência de avaliação
de Fortaleza: é o jarro de por- do processo de percepção, co-
celana. É bonita por fora, mas, nhecimento, orientação e éti-
por dentro, tem zonas fétidas, ca nas cidades. Apropriação,
mosquitos. identificação, transformação
e identidade social e urbana
Fortaleza também é a ima- como categoria de referência
gem das filas: filas nas escolas, para avaliação da percepção
nos hospitais, nos postos de ambiental.
saúde. Tudo isso confirma a
imagem que está sendo vivida Uma proposta de inter-
pela saúde lá. Várias pessoas venção deveria estar orientada
morreram por falta de UTI. a partir de instrumentos que
induzam a imagem de síntese
Fortaleza é também a cida- como as metáforas e os dese-
de-formigueiro. É a cidade dos nhos. As imagens refletidas
prédios, da verticalização e dos nos desenhos e metáforas são
pontos turísticos. Esta é a con- importantes instrumentos ava-
tradição das cidades turísticas: liadores dos aspectos afetivos e
são feitas para os que vêm de emocionais e da estima, como

102
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

indicadores da participação dos Políticas de participação da


habitantes na cidade. Então, população nas intervenções e
cheguei à afetividade como projetos de qualificação urba-
uma grande categoria-síntese. na. Para isso, é necessário ter
Quando as pessoas vinculam-se a participação das pessoas. En-
à cidade, a partir da agradabili- tão, em todas as intervenções
dade e do sentimento de per- urbanas, os gestores públicos
tinência, elas sentem a cidade precisam saber que o espaço
como estima positiva. Esta es- urbano é a identidade dos
tima positiva pode ser um fator indivíduos. Eles não podem
de participação das pessoas. mexer numa praça ou numa
rua como se estivessem me-
Foi confirmado que a esti- xendo numa estrutura física.
ma de São Paulo estaria bem As pessoas usam aquilo, criam
negativa em relação à de Barce- um significado, criam um sim-
lona. Foi confirmado também bolismo. Então, elas precisam
que a estima positiva relaciona- estar juntas na construção des-
se com a participação. Quanto se urbano.
mais a cidade for estimada,
tanto do ponto de vista da sua Superar a dicotomia cog-
estrutura urbana, que gera nitiva e afetiva é o grande
imagens, quanto do ponto de desafio da Psicologia. Como
vista da forma como as pessoas trabalhar a relação entre a
se relacionam com ela, mais se cognição e os afetos? Seria um
pode gerar mais políticas e pro- eixo de análise e reflexão para
tagonismo social que tenham a nossa intervenção urbana
legitimidade subjetiva. Não participativa.
adianta só ver as políticas pú-
blicas isoladas da subjetividade. Como eixos teóricos, a Psi-
Então, o modo de vida urbano cologia Social. A afetividade
é uma expressão, assim como como eixo orientador e inte-
as políticas públicas são uma grador de observação e análise
expressão desse modo de vida ética; a Psicologia Ambiental
urbano. Não é só mexer com as como expressão do simbo-
políticas, é mexer na base, nos lismo dos espaços. Os mapas
sentimentos, nas contradições cognitivos e afetivos são uma
psicossociais. outra teorização que fiz.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Lynch é um importante autor A Gislene vai colocar algu-


americano que fez estudos sobre mas questões. Seria muito im-
algumas cidades dos Estados Uni- portante o envolvimento das
dos, mas os mapas cognitivos do pessoas. Daqui eu só vejo uma
Lynch não desenvolveram a idéia luz enorme e umas cabecinhas.
dos afetos. Então, eu proponho É difícil fazer uma interlocução
os mapas afetivos como orienta- sem estar vendo as pessoas.
dores dos indivíduos na cidade e
como articuladores de sentidos.

Gislene Maia Macedo


Conselho Federal de Psicologia

Anotei várias coisas que po- É interessante também que,


deríamos estar discutindo, mas nesse vínculo que podemos
antes vou tentar trazer algo estar fazendo entre trânsito e
mais específico sobre o que circulação humana, pensando
estamos pensando a respeito a cidade, estamos submetidos,
da circulação humana que es- de uma forma ou de outra, a
tamos falando. uma série de leis. Então, além
de serem tolhidos pela constru-
Em primeiro lugar, é con- ção do ambiente, também nos
textualizar essa circulação que sentimos tolhidos pela forma
se dá também no ambiente ur- como as leis configuram-se pe-
bano. Ela se dá em outros luga- los significados que atribuímos
res, mas estamos optando por a elas. A lei é algo que medeia
discutir como isso acontece no essa relação do homem na
ambiente das cidades, como circulação, dentro da cidade,
esse movimento é gerador de ao mesmo tempo em que pro-
fragmentação das subjetivida- porciona a possibilidade de
des e como essa circulação, direitos amplos de circulação
ao invés de promover a liber- para todos, embora saibamos
dade do homem nos espaços, que, na prática, não é isso que
aprisiona cada vez mais. Esse acontece. A segurança não é
é o primeiro pressuposto que para todos, a circulação não é
podemos pensar. para todos, o acesso não é para

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

todos. Nem todos nós, apesar acaba sendo um ambiente de


de dotados da possibilidade de forte conflito entre as necessi-
nos locomovermos, temos mo- dades individuais desses espa-
bilidade para isso. Portanto, os ços ao mesmo tempo em que
bens e serviços que a cidade se choca com todo um coletivo
pode proporcionar não estão que diz respeito à mobilidade
à disposição de todos. das pessoas na cidade.

Como a Zulmira havia É interessante contextua-


mencionado no começo, a lizarmos a circulação humana
dimensão de espaço e de dentro das cidades. Não é à toa
território está promovendo que o Departamento Nacional
também a exclusão social. A de Trânsito saiu do Ministério
demarcação do território é da Justiça e passou para o Mi-
inclusive simbólica. Como as nistério das Cidades. Trânsito
pessoas apropriam-se desses não precisa ser uma questão de
espaços? Na verdade, quando segurança. Trânsito pode ser
atravessamos esses espaços, algo que proporciona a vida
estamos sempre pensando no nas cidades. A própria noção
tempo que estamos perdendo, de circulação, termo que vem
na velocidade que temos de associado à construção dos
alcançar, no ritmo de vida que ambientes urbanos em função
temos de manter e, conseqüen- da circulação sangüínea no
temente, no afastamento que corpo, é uma apropriação do
temos em relação aos outros modelo médico-biológico de
que estão conosco nesse mes- como o nosso corpo funciona
mo espaço público, que deixa e da noção de cidade como or-
de ser público no momento ganismo. A circulação, nesse
em que atribuímos a ele um sentido, é a vida. Então, se a ci-
significado privado. Esse es- dade apresenta alguns nós que
paço não é de todos: é meu e, impedem esse movimento, ela
sendo meu, posso fazer o que obstrui. Não circulando, in-
quiser. Fazendo o que quero, chamos; inchando, podemos
perco a noção desse grande co- explodir.
letivo. Existem esses outros de-
sejos, essas outras necessidades Então, vamos pensar um
e, por isso mesmo, a circulação pouco como a Psicologia,

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dentro dessa questão da cir- das subjetividades parece limi-


culação, pode estar propor- tada a dirigir veículos, como se
cionando a construção de o espaço da circulação fosse
processos de cidadania e de destinado apenas ao uso dos
emancipação, como a Zulmira automóveis.
mencionou, que contemplem
a significação desses espaços Algumas projeções do de-
urbanos e proporcionem o en- senho mostram claramente as
raizamento do sujeito, ao invés ruas, os prédios. A representa-
da fragmentação dele nesses ção social das pessoas em rela-
ambientes todos. ção à cidade são avenidas, ruas
e casas. A prática da Psicologia
Temos, sim, um desafio corrobora um pouco essa ima-
muito grande, que é o de gem. Então, dirigir parece ser
como a Psicologia, tradicional- um ato de emancipação, que
mente associada ao trânsito, forma o cidadão, quando ele
pode estar se referendando tem a carteira de motorista e,
em outras práticas e em outras finalmente, vai poder ter liber-
correntes. dade, no ilusório, e um espaço
que, na verdade, proporciona
O que a Psicologia tem a limites o tempo inteiro. O
ver com a circulação humana? tempo inteiro nós temos limi-
Será que, na prática dos psicó- tes. Os carros superpotentes
logos, a aplicação de testes tem são fabricados com possibili-
sido tradicionalmente utiliza- dade de alcançar velocidades
da demarcando essa prática? extremas e maravilhosas, mas
Será que é isso mesmo? Será nas grandes cidades, a velo-
que, ao fazer isso, estamos cidade média é de 50 ou 40
fazendo uma Psicologia que quilômetros por hora. Em São
se compromete com a trans- Paulo, nos horários de pico, é
formação social? Será que até menor. Que circulação é
estamos mantendo novamen- essa? Como a Psicologia tem
te a classificação das pessoas, fortalecido esse modelo de cir-
a partir dos parâmetros que culação, que privilegia aqueles
são determinados por esses que têm acesso a um veículo?
próprios testes? Como somos? Como ela pode proporcionar
Essa radiografia dos sujeitos e momentos de contato das

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

pessoas através de intervenção aprisionamento que temos na


com grupos? prática da Psicologia de trân-
sito.
Que se formem também
protagonistas da sua cidade, Ontem uma pessoa rela-
dos seus passos e da sua pró- tava uma experiência: “Não
pria circulação. Por si só isso é agüento mais fazer o que estou
algo contraditório no momen- fazendo. Não agüento mais re-
to que estou só na cidade. Mes- petir o que faço todos os dias.
mo que eu esteja rodeada de Quero fazer algo diferente.”
outras pessoas, estou só. Essa Isso, de certa parte, expressa
solidão pode me desagregar. uma vontade de protagonizar
Como eu me mantenho comi- outros temas.
go e com os outros? Como a
Psicologia pode proporcionar Como a Zulmira mencio-
momentos de contato e de des- nou no início da fala, a cidade
contato? Como isso pode ser é esse grande palco. Esses
importante para subjetivarmos inúmeros atores podem ser
as relações que pretendemos protagonistas, coadjuvantes ou
estabelecer, quando estamos espectadores. É um palco dinâ-
circulando? mico, no qual cada um pode
escolher a forma de protagoni-
Temos, na verdade, um zar essa história.
grande desafio. É um espaço
novo na Psicologia. Percebe- Seria interessante, agora,
mos claramente na literatura abrir um pouco para as pessoas
que trata de espaços. Milton falarem. Eu pretendia provo-
Santos, Paulo César Gomes car o debate, mas concordo
e Paulo Casé vão escrevendo muito com a Zulmira.
sobre espaços, arquitetura, ci-
dades, circulação, transporte,
deslocamento, locomoção e o
tempo inteiro vão deixando os
espaços vazios que poderiam
ser perfeitamente preenchidos
pela Psicologia. E até então
temos calado em função do

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

DEBATE

Público - Nós, que fazemos do interior é ruim, porque as


política partidária, pergunta- pessoas carecem de bens cultu-
mo-nos se é bom quando uma rais e de mercado de trabalho
cidade cresce muito e, digamos e pensam que encontram isso
assim, a ideologia dominante nas cidades grandes. Esse pode
dá a entender que a cidade ser o “abacaxi”. Então, vamos
não pode mais receber mi- continuar tendo problemas na
grantes. Aí, essa cidade, que se cidade que inchou e na cidade-
desenvolveu econômico, social vila que precisa crescer?
e culturamente, que é grande
e ainda pode crescer muito, É bom que asseguremos
passa realmente a tratar mal o o respeito a ambos os sexos,
migrante. para que a mulher possa ter
a mesma liberdade que o ho-
Vamos, agora, para o inte- mem, que ela possa existir en-
rior: cidades e municípios pe- quanto indivíduo separado do
quenos que não cresceram. As homem, ou com ele, quando
pessoas são levadas a achar que for possível conviver com ele.
a qualidade de vida nesses luga- Nessa luta, a cidade grande
res é melhor. São aqueles que não pode existir separada das
defendem a contracultura. cidades-vilas, por causa de bens
e valores humanos, dos quais às
Muitas vezes, ao fazer vezes não consegue se separar,
política no interior, nós nos pelo intercâmbio necessário
deparamos com talentos. São que tem de existir. Então, faz-
pessoas que têm talento para se necessário, acima de tudo,
artes cênicas, canto, escrita. valorizar o respeito a ambos os
São pessoas que têm talento. sexos. O Napoleão ou a Napo-
Aí você precisa ajudar essas leoa que chega ao interior, com
pessoas a se desenvolverem, a proposta de acasalamento de
pois alguns querem ir para a pessoas vindas do litoral, ou
cidade grande, inclusive para a com diplomas, no sentido de
indústria cultural. De repente, que é necessário se acasalar
pensamos que viver na cidade para ficar, é uma postura a que

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dizemos “não”. As pessoas que as associações hoje estão mui-


fizeram isso precisam reagir to largadas. O controle social
e retroagir. Não é suportável, do SUS, nos conselhos locais
não. de saúde, não tem sido traba-
lhado da forma que poderia
Público - Eu me senti muito ser. É muito difícil trabalhar
contemplada dentro do tema nessa parte. O psicólogo pode
porque percebo que estaría- ser um protagonista nessa si-
mos indo avante na questão tuação. Estamos diretamente
do protagonista. Ficamos na ligados a isso.
compreensão do psicológico
daquele que vive na cidade. Dentro dos outros con-
A cidade extrapola, e muito, selhos estaduais, em todas as
a nossa possibilidade de nos áreas, estamos sempre lidando
sentirmos dentro dela. Penso com a circulação humana. Ela
o psicólogo, como cidadão, e o está em todas as coisas.
psicólogo, como profissional.
Começar a dar “bom-dia” e es- Eu queria pegar um outro
tar em torno do lugar em que aspecto. Primeiro, essa ques-
se vive é uma boa forma de ser tão de que não circulamos só
cidadão, de estar dentro e de dentro das cidades. Bóia-fria
poder cuidar do seu espaço. circula horas a fio dentro do
transporte e não está dentro da
Eu queria falar que temos cidade. No Império Romano,
duas formas de tensionar, para um filósofo fala da velocidade
podermos ser protagonistas: do mundo moderno. Os caras
uma delas é o controle social corriam, de bigas, do campo
sobre o Estado. Sabemos que para a cidade, de Roma para
as associações de bairro tive- o campo ou para a praia. É o
ram uma participação muito mesmo problema. Para nós,
grande no final dos anos 80 e parece que é muito devagar,
no começo dos anos 90. Não mas eles já sentiam isso.
sei se isso ocorreu em todas as
cidades brasileiras, porque não Na obra do Eça de Quei-
existe uma realidade brasileira roz, a cidade é a serra onde,
única. Nas cidades grandes de uma forma brilhante, o
foram movimentos fortes, mas tempo todo ele coloca essas

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

diferenças, falando da polui- fazer com que a sociedade


ção, do tempo livre, do ócio no saiba o que o psicólogo pode
campo. Esse problema não é fazer. Temos, como grande
novo. Só muda o jeito de confi- acesso à sociedade, a universi-
gurar. Para nós parece que, às dade. Na universidade forma-
vezes, as pessoas não sentiam mos psicólogos. Dependendo
a rapidez. As pessoas sempre das estratégias e das diretrizes
sentiram a rapidez. Como ago- que colocamos como sendo
ra é mais rápido, achamos que importantes para a formação
o nosso problema é maior. dos psicólogos, já estamos
dizendo qual é a tendência
Quanto a essa protagoni- da atuação. Cada vez mais é
zação, eu queria perguntar à necessário sair da formação
Mesa como podemos ir além clínica individual e promover
do controle social. De que for- a formação do psicólogo para
mas podemos intervir na mu- o debate e a importância da
dança das políticas públicas e participação do psicólogo nas
na intenção dos psicólogos que questões urbanas, nas políticas
sequer têm emprego? Quando públicas ligadas ao urbano.
fazem a Avaliação Psicológica,
são prestadores de serviço Por exemplo, quando se
ao cidadão, cidadão este que fala do urbano, são chamados
é obrigado a pagar por este os geógrafos, sociólogos, o pla-
serviço, para poder ter a Car- nejador urbano e o arquiteto.
teira Nacional de Habilitação. O psicólogo não está nisso.
Sabemos que não há Departa- Devemos formar opiniões,
mento de Trânsito em todas buscar espaços, criar situações,
as cidades. Em Santa Catarina, em primeiro lugar, para co-
existem dois. Imagino que seja locar o psicólogo como uma
um pouco essa a realidade do necessidade. Como fazemos
Departamento de Trânsito. isso? No meu caso, na Uni-
Então, como podemos inter- versidade Federal do Ceará,
vir na mudança das políticas estamos fazendo intercessões
públicas? de trabalho da Psicologia com
a Geografia. Essa área de Psico-
Zulmira Bonfim – O pri- logia Ambiental, com que te-
meiro passo é formar opiniões, nho trabalhado, faz muito essa

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

interface. Alunos da Geografia res, capital e municípios. Em


vão para a minha disciplina. Fortaleza estamos vendo, cada
Fazemos trajetórias na cida- vez mais, uma descentralização
de, orientados pelos alunos e das atividades do psicólogo em
professores da Geografia. Os prefeituras. As pessoas que se
alunos de Psicologia vão para formam vão para as cidades
a rua. Participamos de algumas menores e falam da impor-
trajetórias. Os alunos vão olhar tância disso para a vida delas,
o movimento das pessoas nas da mudança do estilo de vida.
praças. Sentamos no banco e Morar numa cidade peque-
ficamos olhando. Isso é fazer na. Há pessoas que mudaram
Psicologia. Que tipo de estraté- completamente as suas vidas,
gia muda na cabeça do aluno, ao viverem em municípios
quando ele vê que não pode pequenos. A prefeitura passa
estar só na sala de aula, que a colocar os psicólogos dentro
não só vai encontrar essa sub- da gestão da saúde, da gestão
jetividade, numa compreensão urbana, da gestão do turismo.
individual ou restrita? O aluno O psicólogo dentro da interse-
fala: “Professora, como foi im- torialidade. Se eu pudesse di-
portante aquele senhor que se zer como o psicólogo vai entrar
aproximou de nós. Eu soube nisso, eu diria que é se abrindo
mais a história de Fortaleza.” ao interdisciplinar. Para isso,
é necessário sair da condição
A formação do psicólogo é do modelo médico que ainda
um espaço para isso. Que tipo é priorizado. É o modelo do
de prioridades e ênfase esta- poder.
mos dando à nossa formação?
Eu diria que seria uma for-
A partir dessa compre- ma de descentralizar da capital
ensão, gerar, nessas políticas e poder ocupar vários espaços
públicas, a participação dos da Psicologia nas comunidades
psicólogos nas prefeituras. Atu- e nas diversas interfaces com
almente temos vários alunos e o urbano, quando se fala da
psicólogos que trabalham nos circulação humana na cidade.
municípios, voltando à questão Você mesma falou que não se
que foi colocada da relação das circula só na cidade. Descen-
cidades com as cidades meno- tralizar, fazer com que se mude

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

o estilo de vida. É o estilo de Obviamente, falar de cir-


vida do urbano. culação não é só falar de cir-
culação urbana. Ao pensar a
Sair do conformismo. Por Psicologia como protagonista
que, ao estar na cidade, tenho dessas cenas, acho que passa
de estar submetido? pela formação, em como po-
demos intervir nas políticas
Gislene Maia Macedo públicas e também passa por
– Eu teria a acrescentar os uma mobilização do psicólo-
interesses, que considero im- go em redirecionar as suas
portantes, quando falamos práticas, repensar o que está
de circulação, e não falo só fazendo no momento e ver os
de circulação urbana ou nas resultados que está produzin-
cidades. do com o que está fazendo.
Com o que estou compro-
Há um pesquisador de São metido no momento em que
Paulo, Dirceu Scali Júnior, desenvolvo essas práticas? O
que trabalha com a migração que eu quero? Tem de haver
do homem do campo para a uma utopia para sustentar o
cidade e com os retratos da protagonismo. Não pode ser
subjetivação desse homem, um protagonismo que é ape-
quando ele vai de um lugar nas uma produção de outras
para o outro e vai se desterri- idéias. Tem de haver texto.
torializando. A circulação, na Tem de haver uma noção de
verdade, é tudo isso. direcionamento dessa utopia
que leva a produzir ações
Um outro psicólogo, José diferenciadas que podem
Sterza Justo, para tratar de transformar alguma realida-
saúde mental, fala da ques- de social. Então, trabalhar
tão da transitoriedade, da no protagonismo social da
loucura e da condição de Psicologia, nesse campo da
itinerância, na sociedade circulação humana, é, acima
contemporânea, para carac- de tudo, produzir uma prática
terizar também os aspectos diferenciada que tem de rever
de circulação e como a saúde as utopias com que o psicólo-
mental compromete-se, quan- go que atua nesse campo com-
do nos desenraizamos. promete-se e saber valores vai

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

atribuir, na sua prática, para te quando trabalhamos com


ressignificar isso de forma di- as pessoas. Vemos que elas
ferente. pedem isso. Vamos trabalhar
na reunião, mas não vamos
Era isso o que eu queria apenas trabalhar na reunião.
dizer. Vamos fazer outras coisas que
trabalham também a impor-
Zulmira Bonfim - Um pou- tância do prazer, do relaxar,
co em cima do que você colo- do poder criar, fazer a busca.
cou, do controle social sobre
o Estado ou da importância Como Spinoza fala, o mo-
dos movimentos sociais, eu vimento não é feito pelo pra-
acredito que o psicólogo zer, pela felicidade, pela ale-
pode dar uma conotação um gria, ele é paixão triste. Que
pouco diferente da que vem subjetividade e construção
sendo dada aos movimentos política não dicotomizem.
sociais, no sentido de privile- Talvez uma questão impor-
giar, muitas vezes, as questões tante para o psicólogo seja
reivindicativas e se distanciar como voltar à legitimidade
da subjetividade. Às vezes, da subjetividade. Como fazer
quando você trabalha com as essa relação, esse subjetivo e
pessoas, na comunidade, no coletivo? Como promover
campo, nas cidades grandes políticas públicas que não se
ou pequenas, as pessoas têm distanciem da necessidade
necessidade não só da busca socialmente elaborada, da
da sobrevivência. Vamos tra- criatividade, das necessida-
balhar na reivindicação, mas des que vão além? A neces-
vamos trabalhar no outro sidade de poesia. O que é a
pólo também. Como Lefebvre poesia? Vamos ler livros de
fala, são as necessidades so- poesia também. Necessida-
cialmente elaboradas. Preci- de de informação, de criar
samos não só lutar pelas ques- significados nessas cidades.
tões básicas da sobrevivência, Criar significados no espaço é
mas também precisamos de também criar legitimidade de
criação, de informação, de mobilização. Como promo-
simbolismo, de atividades ver a apropriação do espaço,
lúdicas. É muito interessan- nas diversas formas, e como

113
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

essa apropriação promove


mobilização? Eu poderia di-
zer que essas políticas públi-
cas não estão distantes da sub-
jetividade ou da legitimidade
subjetiva. Por isso, coloco os
afetos e os sentimentos como
instrumentos de aproxima-
ção com as necessidades mais
básicas, com a realidade que
não podemos deixar de ver
como construtora dessas polí-
ticas. Então, enquanto pensa-
mos política só na perspectiva
de uma determinada classe
ou população e não vemos a
outra, não estamos indo em
direção às necessidades so-
cialmente elaboradas.

114
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

CONFERÊNCIA III
Protagonismo Social da Psicologia na Reforma
Psiquiátrica

Palestrantes:
Pedro Gabriel Goldinho Delgado
Coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde

Debatedora:
Marta Elizabeth de Souza
Conselho Regional de Psicologia 4ª Região (MG/ES)

115
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

CONFERÊNCIA II
Protagonismo Social da Psicologia na
Reforma Psiquiátrica
Pedro Gabriel Godinho Delgado
Coordenador de Saúde Mental do Ministério da Saúde

É uma satisfação, para ção da política de substituição


mim, estar aqui, com vocês, dos hospitais psiquiátricos por
para discutir a Reforma Psiqui- outros recursos assistenciais
átrica e o protagonismo social de promoção dos direitos dos
do psicólogo neste processo. pacientes e dos seus familiares
e de inclusão social radical das
Considero que o processo pessoas que têm transtornos
de reforma é um dos processos mentais. Podemos considerar
sociais mais importantes que que completamos um ciclo de
vem se dando no Brasil. Recen- implantação e agora a tarefa é
temente, nesta semana, o pro- a de consolidação.
cesso da Reforma Psiquiátrica
esteve presente, nos meios de Digo um ciclo de implanta-
comunicação, através de uma ção no sentido de implantação
grande e simbólica cerimônia não só no imaginário social,
realizada com o Presidente da mas também como política
República. Todo o Governo, pública. Agora se tornou uma
através do Presidente da Repú- política de todo o Governo. Na
blica, assumiu seu compromis- maior parte dos estados brasi-
so com o princípio da reforma, leiros tem sido uma política da
fazendo com que possamos, de área estadual. Estou falando
alguma forma, imaginar e pen- que é na maior dos estados
sar que completamos um ciclo brasileiros porque alguns não
importante. Talvez não seja têm implantadas as diretrizes
um ciclo de consolidação, por- da reforma.
que essa consolidação ainda
está longe de ocorrer, mas um Eu trouxe a projeção de
ciclo importante de implanta- alguns dados de que vou uti-

116
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

lizar para que possamos ter saúde, permitindo uma inte-


uma visão de conjunto, tendo gração maior. Até o Governo
em vista que esse tema é muito anterior, havia uma dicotomia
extenso e amplo. Vou utilizar evidente, visível, entre aquilo
as transparências para que pos- que era atenção à comunida-
samos ter uma visão de con- de, atenção básica ou atenção
junto do processo de Reforma primária, e as outras formas de
Psiquiátrica no Brasil. Feita atendimento, da média e alta
essa visão de conjunto, acho complexidade, como se diz no
que fica colocada a questão do jargão do pessoal do Ministério
protagonismo, conforme esta da Saúde.
Mesa solicita. Enfim, trata-se
do papel que os profissionais, Visão de conjunto da situ-
dentre os quais os psicólogos, ação da área de saúde mental.
têm a desempenhar nesse tipo Trata-se de uma área que tem
de processo. um grupo de transtornos de
alta e crescente prevalência e
A idéia da minha contribui- baixa cobertura assistencial.
ção é tomar essa questão do Esse é o problema número um,
ponto de vista de implantação o principal. Os transtornos têm
de políticas públicas no Brasil. alta prevalência e a cobertura
ainda é insuficiente. Quando
Vamos à primeira transpa- no início mencionei que fecha-
rência. Essa é a minha marca, mos o ciclo da implantação,
a origem, onde estou situado: não significa que consolida-
Coordenação de Saúde Men- mos o processo. Na verdade,
tal, na estrutura atual do Minis- a questão principal ainda é a
tério da Saúde. Essa estrutura baixa cobertura assistencial.
atual é diferente da anterior. Trata-se também de um mo-
Houve uma importante mo- delo assistencial que está em
dificação na estrutura do Mi- transição, do hospitalar para o
nistério da Saúde e, por isso, comunitário, ainda refletindo
eu mostrei. Essa modificação, as graves distorções do modelo
hoje, junta o que se chamava asilar. Acho que não podemos
de atenção básica, Programa dizer que estamos no modelo
Saúde da Família etc., com as hospitalocêntrico, mas não
outras áreas de assistência à saímos dele completamente.

117
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

A característica do processo álcool e outras drogas. 12%,


de implantação dessa política nos quais estão incluídos os
pública, no Brasil, produz uma 3% anteriores, necessitam de
configuração de transição. Es- atendimento, seja contínuo ou
tamos passando de um modelo eventual.
para outro. Estamos, na verda-
de, no meio desse caminho, na Se vocês pensarem a popu-
implantação dos serviços extra- lação brasileira com 176 mi-
hospitalares. lhões de habitantes, cerca de
20 milhões de pessoas necessi-
Trata-se de uma política tam ter, à sua disposição, a pos-
pública necessariamente inter- sibilidade do atendimento em
setorial, com interfaces funda- saúde mental, seja contínuo,
mentais com a assistência so- seja eventual, e cinco milhões
cial, direitos humanos, justiça, necessitam de um atendimen-
trabalho, habitação etc. to diário, de um atendimento
continuado e permanente. Se
Dentro do cenário atual, não for diário, pelo menos se-
eu disse que era um grupo guido, continuado, cuidadoso,
de transtornos de muito alta permanente.
prevalência. Prevalência, na
linguagem técnica da epide- Esse dado é a proporção
miologia, significa o total de de epilepsia. É muito elevado.
casos de uma determinada Eu coloquei a taxa de suicídio
enfermidade na população ,para fazermos comparação
naquele momento. Incidência com outros países. Não é eleva-
são os casos novos. Então, são da, mas os dados também não
casos com alta prevalência de são muito precisos.
tal sorte que 3% da população
precisam de um tratamento Em relação aos dados da
continuado em saúde mental. política, é importante discutir
Essa cifra é muito elevada. 3% o financiamento. Cerca de 580
da população têm transtornos milhões de Reais anuais são
mentais severos e persistentes. utilizados no programa de saú-
6% da população geral têm de mental, sendo que 79% são
transtornos mentais graves de- gastos, ainda, com pagamento
correntes do uso prejudicial de de hospitais. Isso corresponde

118
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

a 2,3% do orçamento anual do suporte psicossocial. Os qua-


SUS, o que é uma cifra baixa. dros podem ser graves, mas a
A OMS, no relatório de 2001, evolução depende do modelo
sugere o percentual de, pelo de tratamento e da existência
menos, 5% do total da saú- de suporte social.
de sendo destinado à saúde
mental, principalmente tendo A evolução de um caso de
em vista a alta prevalência dos esquizofrenia, no modelo ma-
problemas. nicomial, é mais grave do que
no modelo comunitário. Por-
Portanto, os recursos de- tanto, a ausência de suporte
vem ser ampliados, de modo social e o modelo da longa in-
a atingirem, pelo menos, o do- ternação agravam os quadros,
bro dos valores atuais a médio mas ao reverso podemos ler
prazo. Então, além de não ter que vale a pena investir no mo-
muito dinheiro, esse dinheiro delo da atenção psicossocial,
é gasto incorretamente, inade- pois ele produz bons resulta-
quadamente, porque 79% ain- dos e produz uma evolução
da são gastos com pagamento clínica mais favorável, mesmo
de internações psiquiátricas. para as situações muito graves.

A tendência mundial é do Isso aí é para vocês terem


crescimento dos quadros de uma idéia sobre o que eu ti-
sofrimento psíquico, especial- nha mencionado: ainda temos
mente aqueles ligados à crise poucos recursos e eles são mal
urbana, violência, desemprego gastos. De qualquer modo,
e outros fatores culturais e so- quero mostrar uma tendência,
cioeconômicos. porque estou defendendo o
argumento de que estamos
Um dado muito interessan- completando um ciclo de
te, que é muito importante para implantação. Vejam que cla-
levarmos em conta, pois tem a ramente aquilo divide gasto
ver com a questão do protago- hospitalar na saúde mental, e
nismo do trabalhador de saúde o gasto extra-hospitalar. Mos-
mental, é que a evolução clíni- tro, com isso, a concentração
ca depende muito diretamente dos gastos nos hospitais. Pe-
do modelo de tratamento e do guei uma série histórica dos

119
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

últimos anos. Vejam que, em Eu estava comentando,


1997, chegamos a ter o absur- numa rápida entrevista, a si-
do de 93% dos recursos gastos tuação do estado da Paraíba,
só para pagar internação em que é bastante desfavorável no
hospital psiquiátrico. Agora cenário brasileiro. É um esta-
esse quadro vai se revertendo. do que está andando a passos
Fechamos o ano de 2002 com muito lentos em relação à im-
79%. Vejam que, de fato, há plantação desses serviços, mas
uma evidente curva de substi- já temos, no cenário brasileiro
tuição. Há uma evidente curva como um todo, uma ampliação
de declínio na concentração bastante significativa desse tipo
do recurso na área hospitalar, de serviço.
mas ainda mostrando uma
elevada concentração no seg- Vamos, agora, às diretrizes
mento hospitalar. gerais dessa política. Eu sepa-
rei as diretrizes para dar uma
Quando falamos de Refor- visão de conjunto da política.
ma Psiquiátrica, não se trata
apenas de redução de leitos. A primeira é a redução
A Reforma Psiquiátrica é um progressiva dos leitos psiquiá-
caminho de mão dupla. A tricos, a desinstitucionalização;
redução de leitos tem de ser segunda, expansão dos CAPS;
acompanhada da criação de terceira, inclusão nas ações
alternativas assistenciais que de saúde mental na atenção
estão colocadas ali. Os leitos básica. Essa deve ser a nossa
vêm diminuindo. Hoje es- grande tarefa agora. Implan-
tamos com 54 mil leitos. Já tação do programa De Volta
houve um decréscimo do final Para Casa, lançado anteontem
de dezembro até agora, maio, pelo Presidente da República.
com 424 serviços incluídos, os Expansão das residências te-
CAPS e serviços para usuários rapêuticas; formação e quali-
de álcool e drogas, que cons- ficação de recursos humanos;
titui uma novidade no cenário promoção dos direitos dos
da saúde pública brasileira. usuários e familiares; incentivo
Eles existem há apenas um à participação dos familiares
ano. São os CAPS para usuá- no cuidado. Há uma tarefa
rios de álcool e drogas. de inclusão dos familiares no

120
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

processo de tratamento. Re- são social no paciente. É um


orientação dos manicômios processo que está seguindo um
judiciários e qualificação do ritmo que considero desejável.
existente, isto é, os hospitais É o ritmo possível de se fazer.
existentes têm que ser subs-
tituídos progressivamente e Como eu disse logo no
os ambulatórios têm que ser início, temos alta prevalência,
aperfeiçoados. Há uma tarefa, gravidade nos transtornos e
uma espécie de dever de casa baixíssima cobertura assisten-
inevitável, que é fazer com que cial. Portanto, não temos con-
essas instituições já existentes dições de fazer fechamentos
funcionem melhor do que es- bruscos de leitos e de hospitais
tão funcionando. psiquiátricos. Não podemos
e não estamos fazendo. Em
Vou passar, rapidamente, alguns casos, estamos até impe-
um por um esses pontos, para dindo o fechamento de leitos
termos uma idéia geral. de hospitais que querem, de
uma hora para outra, encerrar
Quanto à redução progres- as suas atividades, porque se
siva dos leitos, há uma redução cansaram daquilo ou porque
programada de quatro mil lei- acham que não estão ganhan-
tos em 2003. Foram reduzidos do o que deveriam ganhar do
onze mil e trezentos leitos nos SUS. Temos que dizer que não
últimos quatro anos e isso tem é bem assim. Se você quer en-
sido acompanhado certamen- cerrar as atividades, vamos pla-
te da criação dos serviços e das nejar isso e você terá seis, oito
residências terapêuticas. No meses, para se retirar do siste-
processo de redução de leitos, ma. Ainda assim, com toda essa
a parte mais visível da reforma cautela, estamos fazendo uma
é a desospitalização, que não redução que neste ano será de
deve ser desospitalização, mas quatro mil leitos. Não é pouca
desinstitucionalização, com coisa nesse cenário de desassis-
toda complexidade que essa tência que ainda temos.
palavra exprime, porque signi-
fica não apenas reduzir leitos, Os hospitais psiquiátricos
mas também produzir ações hoje são 244, porque tivemos
integrais e complexas de inclu- o fechamento de quatro hospi-

121
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tais no último ano. Eles se con- proposta para esses dois anos é
centram, como todos sabem, de criar mais duzentos e trinta
pela região Sudeste. Aqui CAPS em regiões estratégicas,
no Nordeste, a concentração sendo que seis já estão sendo
maior é em Pernambuco. Esse criados no ano de 2003.
estado tem uma alta concen-
tração de leitos nos hospitais. Consolidação, suporte,
A Paraíba tem seis hospitais. avaliação e supervisão dos
Tem uma concentração muito quatrocentos e vinte e quatro
grande de hospitais em São CAPS existentes. Não sei se al-
Paulo, no Rio de Janeiro, no gum dos presentes trabalha em
Paraná e em Minas Gerais. São CAPS. Temos, hoje, por falar
onde estão concentrados os em protagonismo dos profis-
leitos psiquiátricos. sionais e dos psicólogos, seis
mil profissionais incorporados
Se pensarmos a propor- a esse trabalho dos Centros de
ção de leitos por habitante, a Atenção Psicossocial. Esse nú-
maior concentração é no esta- mero está crescendo e ficando
do do Rio de Janeiro. cada vez maior. Esses profis-
sionais enfrentam um cenário
Esse quadro está muito difí- de adversidades. Na verdade,
cil de ver. Estou distribuindo os eles são chamados a um de-
leitos pelos estados para vocês safio que é o de atender bem
terem uma idéia da distribui- pacientes muito graves, numa
ção da máquina manicomial. situação de rede de atenção
Cinqüenta e cinco mil leitos. ainda insuficiente e num cená-
Os dados são de dezembro do rio, do ponto de vista cultural,
ano passado. Já estamos com de baixíssima inclusão social
cinqüenta e quatro mil e pou- e de grande rejeição a esses
co. São Paulo tem dezesseis mil pacientes. A rejeição que eu
e duzentos leitos. Tem mais digo não significa uma crítica
que os outros, mas também simplista a familiares ou à pró-
tem uma população de trinta e pria comunidade. É a ausência
seis milhões de habitantes. de mecanismos sistemáticos e
regulares de inclusão social.
Expansão dos CAPS - Cen- Isso vale para várias minorias e,
tros de Atenção Psicossocial. A no caso dos pacientes mentais,

122
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

que vivem uma experiência Muitas vezes as pessoas


trágica de inclusão de vida, iniciam esse trabalho sem ter
essa situação se torna mais um suporte de orientação e de
evidente. supervisão garantido. O nosso
grande investimento, agora,
Então, os companheiros é não só aumentar os CAPS,
que são protagonistas desse mas também fazer com que
trabalho nos CAPS estão fa- essas pessoas tenham super-
zendo um trabalho admirável. visão permanente. Queremos
Estão fazendo esse trabalho que todo CAPS tenha o seu
admirável sob condições ad- supervisor e queremos que
versas. Nós admitimos isso! todo profissional de CAPS es-
São condições adversas de teja incluído num programa
remuneração, são condições permanente de formação, atra-
adversas, muitas vezes, de vés de pólos de formação em
reconhecimento social. Por saúde que estão sendo criados
exemplo, temos dificuldade em todos os estados. Claro que
de inclusão do profissional depende do estado. Tem esta-
de Psiquiatria nesses servi- do que demora mais do que
ços, porque no cenário da os outros, e não estamos es-
Psiquiatria ainda existe uma perando para fazer tudo igual
certa valorização maior a um em todos os lugares. Depende
certo modelo de atendimento muito do protagonismo da ins-
que é o convencional, num tituição universitária, dos pró-
certo cenário ergonômico e prios profissionais. Quem não
arquitetônico muito próprio: se mexer vai ficar no mesmo
ou é o ambulatório ou é a lugar. Estamos trabalhando
emergência ou é a enferma- um pouco com essa coisa do
ria. O CAPS não é nada disto: protagonismo também.
não é nem ambulatório nem
emergência nem enfermaria. Quem ficar reclamando do
É tudo isso ao mesmo tempo. SUS, do Ministério da Saúde,
O CAPS III, inclusive, pode que não tem recursos e não
ter pequenas e curtíssimas in- apresentar as alternativas con-
ternações. É principalmente cretas não vai sair do lugar.
um espaço de intervenção, de Agora, quem se move de fato
atuação clínica. tem conseguido. Há uma linha

123
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de financiamento para forma- CAPS infanto-juvenis. Não


ção continuada dos profissio- sei se vamos atingir essa meta
nais do CAPS. neste ano. Também é uma no-
vidade na saúde pública brasi-
O estado da Paraíba não vai leira. As crianças com autismo,
bem nesse aspecto. Não sei se a psicose infantil, deficiência
maioria das pessoas é do esta- mental e com quadros psicóti-
do da Paraíba. Estou dizendo cos eram atendidas nas APAES,
isso porque estamos no estado que faziam uma função impor-
da Paraíba. Em relação ao Nor- tante, pois supriam a ausência
deste, certamente a situação de uma instituição adequada
é bastante diferenciada. Que para o atendimento da psicose
fique claro que todo cenário é na infância, ou eram enca-
de insuficiência. minhadas para educandários
ou abrigos, nos quais viviam
O Ceará é o terceiro estado uma situação de abandono.
com a melhor distribuição de Agora estamos implantando
CAPS por habitante. O pri- os CAPS infantis, que têm tido
meiro é o Rio Grande do Sul; um desempenho muito bom
o segundo, Santa Catarina; o e muito interessante, enfren-
terceiro, um estado nordesti- tando situações gravíssimas do
no, o Ceará. Funcionam com autismo, das psicoses infantis
problemas, têm dificuldades, e da deficiência mental, con-
estão sempre em conflito com comitantes e que precisam de
as normas do Ministério da um tratamento intensivo.
Saúde, o que é absolutamente
normal e natural. As normas Neste ano serão implan-
estão aí para serem aperfeiço- tados setenta e oito novos
adas pela realidade também. CAPS/AD. Os CAPS Álcool e
O Ceará tem um bom desem- Drogas são um capítulo à par-
penho em termos de criação te, porque entram no cenário
de serviços e já está tendo um do atendimento na rede públi-
bom desempenho em termos ca como uma novidade absolu-
de formação de pessoal. ta. Já temos as comunidades
terapêuticas ou a internação
Ampliação de trinta e dois em hospital psiquiátrico. O
para sessenta, no caso dos CAPS/AD se coloca na comu-

124
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

nidade e, de certa maneira, Havia uma resistência muito


busca construir uma relação grande para a implantação
de confiança com o usuário de dos serviços. Vejam que a Pa-
drogas, de modo que ele pos- raíba, com dois serviços, tem
sa aceitar o tratamento e não um desempenho muito baixo.
temer as implicações da busca Um dos serviços funciona em
do tratamento num país que condições bastante insatisfató-
tem uma legislação inadequa- rias, porque ainda está muito
da, que criminaliza o uso da marcado por um certo modelo
droga. A questão do CAPS AD de ambulatório. Não é ambu-
é de se construir na contramão latório, mas é um CAPS cuja
de uma cultura da penalização avaliação não é muito favorável
do uso de drogas, cultura esta neste momento.
que temos que transformar,
sobretudo nos seus aspectos Esta é a distribuição que
legais, tal como prevê a lei n.º eu estava falando para vocês.
6.368. Alguns têm contato Cobertura assistencial do
com essa questão em seu traba- CAPS por dez mil habitantes.
lho clínico. Eu iria dizer que Construímos esse indicador
a lei é ambígua, mas, na ver- simples para poder ver como
dade, ela não é ambígua. Ela os estados estão e podermos
é perversa no sentido de que dialogar. Vejam que, de 2001
parece distinguir o usuário do a 2002, alguns estados mudam
traficante, mas penaliza o uso de posição no sentido do
também. É crime o uso, não é desempenho. O Ceará está
só o tráfico. em terceiro lugar na relação
CAPS por dez mil habitantes.
Distribuição dos quatrocen- Hoje os estados com melhor
tos e vinte e quatro CAPS. Ali já desempenho são Rio Grande
podemos tirar aquele zero do do Sul, Santa Catarina e Cea-
estado do Acre e colocar um. rá. Está errada a parte final,
Tem um CAPS/AD lá. O Ama- porque, em último lugar, é
zonas é o estado, do ponto de o Amazonas. Alguns estados
vista da relação CAPS/popu- conseguem ir implantando os
lação, de pior desempenho. seus serviços e conseguem um
Espero que a coisa mude, pois desempenho bastante razoá-
houve mudança de governo. vel, vencendo diversas dificul-

125
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dades. O estado de São Paulo atender intensivamente o pa-


tem cento e cinco serviços, mas ciente. Aquele projeto vale,
fica em oitavo lugar porque lá no caso dessa norma, por
a baixa cobertura é maior em um mês. Essas três categorias
função da grande população e - intensivo, semi-intensivo e
do grande parque manicomial não-intensivo - tentam dar
que ainda tem. conta de três configurações
do projeto terapêutico. Claro
Vamos ver a localização da que não há como transformar
Paraíba. A Paraíba está em vi- em procedimentos adminis-
gésimo terceiro lugar no ano trativos a complexidade da
de 2002. clínica, mas é a primeira vez
que essas vicissitudes da orga-
Esse indicador é bom - nização da clínica entram na
não é um indicador sensível, normatização.
logicamente - porque dá um
idéia de como as coisas estão Certamente essas propos-
indo em cada estado. tas podem ser aperfeiçoadas,
e serão, mas só serão pela
Fizemos um redesenho experiência prática. Estou
dos serviços, num grande dizendo isso porque são
debate com os profissionais feitas muitas críticas. Essas
da área, e hoje temos esses críticas são bem-vindas, mas
tipos de serviços. Vou passar têm que se basear também na
isso muito rapidamente. São experiência empírica. Se for
os três tipos de CAPS, mais o apenas uma crítica com base
CAPS infantil, mais o CAPS/ no fato de que a norma reduz
AD, fazendo essa modalidades a três possibilidades o proje-
de atendimento: intensivo, to terapêutico, ela é pouco
semi-intensivo e não-inten- significativa. É um problema
sivo. Foi uma maneira de também geral na questão da
tentar introduzir a clínica na forma de financiamento do
administração SUS. Esse é um Sistema Único de Saúde no
esforço que precisa ser aper- Brasil. Temos que transformar
feiçoado. Essa normatização as coisas em procedimentos.
distingue quando você faz Até mudar essa forma de fi-
um projeto clínico e precisa nanciamento, temos que ficar

126
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

nos adaptando a essa questão chegar a sessenta, mas não sei


de procedimentos. se chegaremos a este número
ainda neste ano.
Agora vou passar rapida-
mente. CAPS I é para os mu- O CAPS/AD é para atender
nicípios de 20 a 60 mil habi- pessoas com transtornos por
tantes. É uma estrutura menor, uso de álcool e drogas. Esses
pequena. O CAPS II é para são os dados, com o número de
municípios maiores. Já é uma profissionais mínimo etc.
estrutura maior É aquele que é
mais numeroso no Brasil e é o O outro ponto é a inclusão
CAPS mais típico. das ações de saúde mental
na atenção básica. Esta pro-
O CAPS III talvez seja a es- posta é fundamental. Se não
trutura estrategicamente mais conseguirmos, de uma forma
importante. É um serviço 24 cuidadosa e competente, fazer
horas, aberto, para os pacien- com que as equipes dos Pro-
tes graves e permite que o pa- gramas Saúde da Família (de-
ciente tenha uma acolhida no- zesseis mil equipes) e agentes
turna. Permite que o paciente comunitários de saúde (cento
possa ficar, se necessário, tam- e sessenta mil pessoas traba-
bém durante o fim de semana. lhando) assumam também as
Ele pode ter até quatro leitos, ações de saúde mental, não
mas é um serviço aberto. resolveremos o problema da
cobertura só com CAPS ou só
O CAPS infantil. O parâ- com ambulatórios. É preciso,
metro de duzentos mil é um de fato, fazer uma inserção e
parâmetro que estamos co- uma iniciativa mais agressiva
locando agora, mas eu acho e mais enérgica de inclusão
que todo município de até das ações de saúde mental na
100 mil habitantes vai precisar rede básica. Há problemas,
de um serviço desses. É um certamente há problemas até
CAPS para atender crianças teóricos, da maneira como
com transtornos mentais se- vamos desenhar o tipo de in-
veros e persistentes. Temos tervenção que o profissional
hoje no Brasil apenas trinta e da rede básica terá, em termos
dois CAPS infantis e queremos de saúde mental.

127
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Há um levantamento feito Família e para a expansão des-


pelo Departamento de Ações se programa para os grandes
de Atenção Básica, que cuida municípios. Vocês sabem que
do PSF - Programa Saúde da esse é um programa que ficou
Família e 56% das equipes de meio interiorano, de cidades
saúde da rede básica declaram pequenas. É importante que
realizar ações de saúde men- ele seja um programa também
tal, sem supervisão, sem saber nas regiões metropolitanas.
como. Elas declaram realizar, A intervenção que o PSF po-
e realizam, não tenho dúvida, derá ter no cenário da saúde
porque as demanda estão colo- mental será extremamente
cadas. Os problemas de saúde significativa e terá um impacto
mental estão colocados o tem- na cobertura assistencial de
po todo em todos os cenários. muita relevância e de muita
importância.
Fizemos um seminário, há
dois anos, para definir quais Eu coloquei a sigla do Pro-
seriam as prioridades para esf para dizer que este Gover-
inclusão da saúde mental na no vai investir. Obviamente a
rede básica. Número um, negociação desse investimento
pacientes mais graves, para já vinha sendo feita no Gover-
impedir que fiquem nos hos- no anterior, mas este Governo
pitais psiquiátricos. Portanto, assumiu esse financiamento e
é preciso fortalecer essas vai investir na consolidação do
equipes nos lugares em que Programa Saúde da Família.
existam hospitais psiquiátricos. As metas do Governo anterior,
Número dois, todas aquelas de expansão, foram diminu-
situações relacionadas com a ídas em partes, porque havia
violência urbana. Mencionei umcrescimento desordenado
no final a questão do Proesf. das equipes do Saúde da Famí-
O Proesf é um programa que lia, numa baixa qualidade do
está começando agora. É uma atendimento e com ausência
sigla que representa, na ver- de supervisão. É preciso aper-
dade, quinhentos milhões de feiçoar e consolidar o PSF.
dólares. É um financiamento
do Banco Mundial para conso- Implantação do progra-
lidação do Programa Saúde da ma De Volta Para Casa, que

128
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

foi esse que o Presidente ano vamos incluí-los, se for


Lula lançou na quarta-feira. aprovado no Parlamento.
Não sei se vocês viram. A Não é possível fazer essa bolsa
Rede Globo, não sei por que sem aprová-la como lei. A es-
cargas d’água, resolveu dar timativa, como não é uma lei
importância ao fato de uma que será polêmica, é de que
senhora evangélica entrar no seja aprovada em três meses.
momento do lançamento do Então, já poderemos incluir
programa e fazer um discurso dois mil pacientes que hoje
dizendo que a Bíblia estava vivem em residências tera-
salvando os grandes crimino- pêuticas. Serão os primeiros
sos, que eles estavam se con- incluídos. O que significará
vertendo. Enfim, pelo menos que os próximos já vão en-
na Rede Globo o destaque foi trando, aqueles que já estão
para a falha da segurança e sendo, neste momento, nos
para o erro do cerimonial. hospitais, identificados como
Eu peguei o clipping de todos pacientes capazes de serem
os jornais do Brasil e todos incluídos neste programa.
fizeram uma cobertura muito
interessante sobre o fato de As residências terapêuti-
que o Brasil está criando um cas, digamos, são uma espé-
programa que vai dar uma cie de calcanhar-de-aquiles
bolsa mensal para auxiliar do processo da reforma. É
objetivamente a inclusão so- muito difícil implantá-las.
cial de pessoas, com rondas Há uma resistência muito
permanentes, em hospitais grande. Há uma dificuldade
psiquiátricos. Essa é uma as- real e concreta de se criar
piração antiga do movimento esse dispositivo. Temos ape-
da Reforma Psiquiátrica. Des- nas dois mil pacientes, dos
de 1993 tentamos implantar quais setecentos e cinqüenta
o PAD - Programa de Apoio à estão no estado de São Paulo.
Desospitalização, e agora ele No resto do Brasil há mil e
se materializa através desta trezentos pacientes em resi-
proposta. dências terapêuticas. É um
número bastante baixo, se
Ao todo serão quinze mil considerarmos que temos
beneficiários e ainda neste cinqüenta e cinco mil pacien-

129
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tes internados. Muitos desses dades estratégicas para servi-


pacientes que precisam da rem, principalmente, de apoio
residência terapêutica vão para os CAPS Álcool e Drogas,
sair da sua vida no hospital para impedirem a internação
psiquiátrico. em hospital psiquiátrico nas
crises e na necessidade de
É interessante, pois, cada atendimento de emergência
vez que se cria uma vaga em álcool e drogas.
de residência terapêutica,
é fechado, no sistema, um Essas quarenta unidades
leito. Fazendo assim, vamos vão ser localizadas estrategi-
reduzindo os leitos criteriosa- camente nas grandes regiões
mente. Criou-se o serviço, a metropolitanas e nos lugares
residência, bloqueia-se aquela de grande concentração po-
vaga e não existe mais aquela pulacional. Esse é um grande
vaga no hospital psiquiátrico. ponto de interrogação. Será
que realmente o hospital geral
Qualificação dos serviços tem uma grande função a fazer
nos hospitais gerais. Isso aí ou, de fato, não tem muito a
certamente é o desafio mais ver com o atendimento ao pa-
difícil para a nossa capacida- ciente grave? É claro que todo
de. Os hospitais gerais não hospital geral tem que ter aten-
gostam de atender em saúde dimento em saúde mental, mas
mental. Quando atendem, estou falando do atendimento
não atendem bem. Os dados aos pacientes psicóticos, aos
do levantamento que fizemos, pacientes mais graves, aos de-
Pinash, em todos os hospitais pendentes químicos etc.
psiquiátricos e também nas
unidades psiquiátricas de Regulamentação do hospi-
hospital geral, mostram que tal de custódia. Estamos con-
os poucos serviços de saúde seguindo fazer isso. Desde o
mental em hospitais gerais ano passado trabalhamos com
- ao todo são mil e setecentos o louco infrator, com paciente
leitos no Brasil inteiro - não que comete delito, da mesma
realizam um bom atendimen- forma que com os outros pa-
to. Estamos trabalhando na cientes. Em alguns lugares
implantação de quarenta uni- estamos fazendo projetos-pilo-

130
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tos para impedir a criação de É um grupo de trabalho que


manicômio judiciário e, em vai propor mudanças na lei de
outros, estamos fazendo um execuções penais, justamente
programa de desinstitucionali- para permitir que o atendi-
zação, com toda a dificuldade mento ao louco infrator não
que esses serviços têm. O Con- seja submetido às mesmas re-
selho Federal de Psicologia gras do sistema penitenciário
fez uma campanha em que o e à essa perversidade de uma
cartaz dizia: “o pior do pior”. instituição que diz que é hos-
Esses manicômios judiciários pital mas, na verdade, é uma
são horrorosos, são lugares de cadeia, uma cadeia pior que as
mortificação. outras cadeias.

O manicômio da Bahia, Assegurar que todo recur-


nos últimos quatro meses, so da internação permaneça
teve quatorze mortes. Nós na área da saúde mental. Se
fomos lá. Nem é tarefa do Mi- não, vamos ficar sem dinhei-
nistério da Saúde, é tarefa do ro. Ficamos sem hospital, mas
Ministério da Justiça. Fomos ficamos também sem recursos
junto com a Justiça. Foi criada para os programas assisten-
uma comissão. O governador ciais extra-hospitalares. Agora
assinou ontem a Portaria, em maio o Conselho Nacional
criando a comissão. Demorou de Saúde aprovou a Resolução
três meses, mas criou a comis- que foi encaminhada para a
são. Agora, tem que chegar e Comissão de Saúde Mental. É
ficar dentro do hospital traba- uma Resolução recomendan-
lhando. Ela já está instituída e do a todos os gestores - secre-
é uma comissão da qual fazem tários municipais e estaduais
parte militantes da Reforma e ao gestor federal - que utili-
Psiquiátrica e da Luta Antima- zem todos os recursos de AIH
nicomial. - Autorização de Internação
Hospitalar, de hospitais que
Tem também um grupo de tenham os seus leitos fecha-
trabalho que inicia o seu tra- dos, na área da saúde mental.
balho no mês que vem. Ele foi Entretanto, é apenas uma Re-
tirado de um seminário que solução e não há uma garantia
fizemos sobre louco infrator. legal. Temos que construir

131
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

essas garantias no plano da Incentivo à participação


política. de familiares dos pacientes.
Acho que lidamos mal com
Programa de formação. a questão dos familiares. Não
É a criação de pólos de for- sabemos lidar com os familia-
mação continuada em saúde, res no processo da reforma.
que terão a parte de saúde Por isso existem associações
mental. Já estão funcionando. de familiares, especialmente
No Rio de Janeiro está exis- aqui no Nordeste, em São
tindo um curso para Rio de Paulo, no Rio de Janeiro e
Janeiro e São Paulo e Espírito em Minas Gerais, contrárias
Santo. Em Santa Catarina tem à reforma e muito ligadas
um curso de especialização aos hospitais psiquiátricos.
que está sendo feito com a Temos que tomar isso como
Universidade Estadual para um fracasso nosso. Não esta-
todo o estado. O Rio Grande mos sabendo lidar com essas
do Norte está para começar pessoas.
um curso, com a Universida-
de Federal do Rio Grande do Fui à Bahia recentemen-
Norte. Mato Grosso do Sul te, a uma audiência pública
já está fazendo a seleção dos da Câmara de Vereadores, e
alunos para o programa de es- fiquei muito impressionado
pecialização. No Rio Grande com a situação de miséria
do Sul existem programas de pessoal, de abandono e de
atualização em vários municí- desespero dos familiares de
pios do interior. pacientes mentais. É claro
que eles estão sendo, em
Na verdade, precisamos parte, instrumentalizados
fazer uma coisa sistemática. pelos donos de clínicas, que
Não adianta ficarmos fazendo são contra a reforma, mas
cursinhos e capacitação. Pre- existe um desespero real e
cisamos de pólos sistemáticos existe um abandono real.
de formação que incluam não Temos que saber falar para
só cursos mas também super- eles e temos que saber escu-
visão. A supervisão tem que tá-los. De alguma maneira
ser uma tarefa continuada e não estamos conseguindo
permanente. escutá-los, porque eles falam

132
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

em uma direção e falamos experimentais especialmente


em outra. Talvez tenhamos para o atendimento das crises
que rever profundamente o e dos quadros mais graves dos
nosso fracasso em lidar com pacientes que fazem uso de
os familiares de pacientes drogas de uma forma preju-
mentais graves no Brasil. Tal- dicial, trazendo problemas à
vez precisemos redesenhar saúde. Não temos uma meta
a estratégia de intervenção claramente estabelecida, mas
nessas situações. queremos acabar com essa
questão da internação do alco-
A noção do conceito de olista em hospital psiquiátrico.
parceiro no tratamento é útil. Entre 15 e 20% da população
É proposta pela OMS. Ela é útil do hospital psiquiátrico são
porque chama o familiar para alcoolistas. Estão internados
fazer parte da equipe de cuida- pelo alcoolismo. Esse número
dos, sabendo que, na verdade, ainda é muito elevado. Não
o mandato terapêutico é da adiantam medidas do tipo
equipe de cuidados, mas pode, “proibida a internação”. Isso
de fato, participar do grande não resolve. Temos que dizer
projeto de inclusão social dos onde a pessoa será atendida e
pacientes. criar uma alternativa de aten-
dimento que seja eficaz.
Investimento nos ambula-
tórios públicos: aperfeiçoá-los Em síntese, de uma manei-
e fazer com que funcionem ra geral, esse é o panorama do
melhor. Não podemos pres- processo de reforma. Como eu
cindir deles, porque temos disse, é um processo que está
aquele grupo de 12% da implicando um número muito
população que necessita de grande de profissionais. Eu
cuidados, e esses cuidados são acho que se cria um campo de
ambulatoriais. trabalho muito significativo,
muito importante. Tenho visto,
Investimento no aperfeiço- com muita satisfação, em diver-
amento dos já existentes ser- sos lugares, essa clínica amplia-
viços de saúde mental no hos- da da Reforma Psiquiátrica co-
pital geral. Faremos a criação locar-se como objeto de desejo
daquelas quarenta unidades de profissionais de Psicologia,

133
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de Terapia Ocupacional, de que estuda inovações tecno-


Serviço Social, que estão se for- lógicas em políticas públicas,
mando e estão buscando esses que tomou o caso dos CAPS
lugares para trabalhar. Isso é como exemplo de inovação
interessante e é fundamental tecnológica. Você inventa uma
que façamos com que o pro- nova coisa para tentar resolver
tagonismo desses profissionais e suprir problemas. Já estão
e desses estudantes consiga, tomando isso como uma inova-
de fato, manter e aperfeiçoar ção tecnológica que responde
esses novos serviços de aten- e tem respondido com efici-
dimento no campo da saúde ência ao problema da baixa
mental. Eles constituem, de cobertura do atendimento em
fato, uma inovação tecnológica saúde mental para os doentes
radical. mentais graves, psicóticos e
neuróticos graves. Essa é uma
Tem uma pesquisa em cur- visão de conjunto.
so, pelo pessoal da Unicamp,

Marta Elizabete de Souza


Conselho Regional de Psicologia - 4ª Região

Eu queria agradecer ao O Pedro colocou os rumos,


Conselho Federal de Psicolo- o cenário e a conjuntura da
gia por ter me colocado como reforma e, diante desse qua-
debatedora dessa questão do dro, temos grandes desafios.
protagonismo social da Psico- Acredito que aqui e agora,
logia na Reforma Psiquiátrica. neste momento, a questão que
Talvez isso seja até pela história fica mais emergente para mui-
que o Sistema Conselhos tem tos colegas psicólogos é esse
na construção da Reforma Psi- cotidiano do nosso trabalho.
quiátrica e, não posso deixar Trata-se do cotidiano do tra-
de dizer, até pela história da balho, lá na ponta, no serviço
qual venho participando na que chamamos de substitutivo
construção da Reforma Psiqui- ao hospital. Como o Pedro
átrica brasileira. colocou, não podemos deixar

134
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de pensar que os hospitais têm garam ao Brasil. Podemos di-


uma história, no mundo oci- zer que, nos serviços substituti-
dental - não conheço a história vos, essa prática tem uns treze
do mundo oriental em relação anos, embora pudessem existir
à saúde mental -, de duzentos anteriormente tentativas ou
anos de uma prática hospitalar. experimentações no interior
Quando vamos vendo a histó- das instituições, um incômodo
ria da Psiquiatria, é uma práti- com essa forma de tratamento,
ca que tem essa concepção, e com essa clínica. Essa experi-
não tem como fugirmos disso, ência vai se conformando de
do que se a acreditava sobre a uma maneira mais coletiva e
doença mental, a sua evolução ampliada, com a criação dos
e o caminho que o paciente serviços.
ia tomando, na sua vida com
aquela doença. Nessa prática, nesses novos
serviços, às vezes vemos que se
A Psicologia e os outros repete o modelo tradicional de
conhecimentos vão para essas assistência, ainda o psiquiatra
instituições também com uma no centro. Tenho escutado a
concepção sobre loucura. Medicina dizer que compete
Há uma certa atuação que a ela o diagnóstico nosológico
caminhava, e ainda caminha, das doenças e que nenhuma
para uma destinação da qual outra profissão pode fazer
o paciente não tem muita saí- diagnósticos. Estou falando
da. “Ah, ele é esquizofrênico!” isso porque estou falando
Fazemos intervenções, atende- do ato médico. Tenho visto
mos, mas ele vai ficar esqui- muitos profissionais, de todas
zofrênico e talvez não tenha as áreas, também submetidos
muitas possibilidades. É assim às indicações terapêuticas ou
que, sabemos, foi a história e possível tratamento passado
tem sido. pelo modelo médico. Nós, os
psicólogos, temos um papel
Depois desse processo essencial, porque muitos de
todo, depois da Segunda nós estamos trabalhando nos
Guerra Mundial, todos esses serviços e estamos na gestão e
processos que foram sendo no planejamento dos serviços.
construídos na Europa e che- Estamos, na verdade, fazendo

135
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

uma condução pioneira do tra- novos serviços e outros dispo-


balho dos psicólogos na saúde sitivos, como centros de convi-
pública. Os nossos processos vência, ambulatórios e mora-
de formação não permitem dias, e até outros dispositivos
que tenhamos uma visão mais de inclusão social nas cidades,
ampla da pessoa, que contex- de lazer e de participação, mas,
tualizemos a pessoa e que nos se não mudarmos a nossa prá-
coloquemos diante de desafios, tica, a nossa concepção, e não
perguntando mais sobre a vida buscarmos a desalienação, seja
dessas pessoas e de onde vem dos profissionais, dos usuários
esse sofrimento, para construir e dos familiares, poderemos
com essas pessoas projetos de ter uma Reforma Psiquiátrica
vida, a fim de que tenham pos- implantada, com desospitaliza-
sibilidades de viver nesse mun- ção ou desinstitucionalização,
do tão adverso em que estamos Entretanto, sem que a desos-
vivendo. pitalização seja feita no sentido
de colocar para as pessoas por
Estou dizendo isso porque, que elas estão ali, como é esse
se ficarmos, mesmo nesses ser- processo de adoecimento da
viços, com o discurso de que o vida delas, como elas vão bus-
serviço tem que ser aberto e car e fazer o enfrentamento
que os pacientes têm que ser permanente, junto ao Estado,
incluídos na sociedade, mas, sempre na busca dos seus
na nossa prática cotidiana, da direitos e das suas responsabi-
segunda-feira, quando chegar- lidades. Isso é um desafio. Há
mos ao serviço, não fazemos uma tendência, às vezes, a uma
essa pergunta e não colocamos cisão, que vejo no interior do
o nosso corpo e o nosso conhe- trabalho dos profissionais. Eu
cimento na construção dessas venho, atendo muito bem, o
outras possibilidades, vamos médico vai medicar muito bem
repetir o modelo. a pessoa, ela vai ter uma orien-
tação e vai ser encaminhada
Eu nunca vou deixar de di- para um serviço e pronto. Fica
zer que o discurso sobre a ques- estagnado aí. Eu acho que não
tão da loucura é atravessado é esse o trabalho que devemos
por pensamentos ideológicos. ter. É um trabalho cotidiano e
É claro que é. Podemos criar permanente das equipes, que

136
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

têm que estar se perguntan- sabe e, com esse conhecimento


do sobre a administração dos nosso, vamos beneficiá-lo. É
serviços. A gestão nos serviços claro que em algum momento
tem que ser democrática e isso existe, mas é muito pouco.
tem que ser feita em equipe. A prática dos nossos serviços
Temos que incluir os usuários tem que se voltar a um fazer
e os familiares na gestão desses constante e cotidiano.
serviços. Eu, pelo menos, não
tenho conhecimento de algum Eu coloco para o Pedro,
serviço que faça esse tipo de que está aqui representando
trabalho. Fazemos assembléia o Governo brasileiro, o Estado,
com os usuários, assembléia uma questão que considero
com os familiares, mas não os muito importante. O Pedro
incluímos. falou da formação e dos pro-
gramas que estamos fazendo.
A socialização do nosso As pessoas já foram formadas.
conhecimento – o Pedro falou Elas já saíram das universida-
isso – com os familiares é pe- des e foram para o serviço. Eu
quena. Quando muito, convo- acho que temos dois desafios
camos e chamamos os familia- na reforma. Um deles é fazer
res, falamos das doenças. Isso uma articulação do Ministério
tem que ser feito, pois é um da Saúde com o Ministério da
processo. Mas realmente não Educação - e não sei como va-
trocamos a experiência sobre mos construir isso, mas temos
a doença nem com o próprio que construir - para mudar
paciente que tem algo a dizer os currículos, a formação das
sobre a sua doença. Temos pa- pessoas nas escolas. Esse é um
cientes com muita dificuldade, ponto que temos que pensar.
que vêm de uma classe social
que não teve acesso à própria O outro ponto, Pedro, é
linguagem e a muitos dos be- que o Sistema Conselhos este-
nefícios da sociedade. Temos ve no Ministério discutindo a
usuários que têm condições de questão dos planos de saúde.
dizê-lo e não fazemos isso efeti- Tem gente que até hoje pensa
vamente. Ainda somos atraves- que a Reforma Psiquiátrica é
sados por um olhar ou um ima- do SUS e não atinge os con-
ginário de que o paciente não sultórios privados ou o sistema

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

conveniado. É como se a Lei fazer o lançamento dessa pes-


n.º 10.216, que fala dos direi- soa para um tratamento. Trata
tos humanos, e as leis estaduais com muita displicência e com
não dissessem respeito a isso. pensamento muito moral. Te-
Elas dizem respeito aos usuá- mos que estar preparados para
rios que estão no Sistema Úni- atender a essas pessoas.
co de Saúde e à forma como
os psicólogos, psiquiatras e Os nossos pacientes crôni-
psicanalistas vão atuar dentro cos, seja pela instituições, seja
dos seus consultórios. Essa coi- pela própria doença, são um
sa de encaminhar o paciente, outro desafio. Esses pacientes
de fazer o paciente aumentar que dão mais trabalho, que
a sua convivência, lidar com são muito graves e estão muito
a medicação e o trato com a comprometidos, são pacientes
família tem que ser feita na com os quais as equipes às
reforma, no SUS, pois aqui no vezes sentem dificuldades em
meu consultório eu não tenho lidar.
que saber disso.
Pela minha experiência de
Hoje esse é um desafio trabalhar na Sersam, a Psiquia-
para a reforma. A reforma tem tria imediatamente quer en-
esses desafios do cotidiano. tregar esses pacientes para os
demais profissionais, porque
A questão do álcool e acha que não tem muito o que
drogas é um desafio enorme. fazer. Os outros profissionais
Na saúde mental, por tantos não têm dispositivos instru-
debates, mesmo que não se mentais técnicos, teóricos e
apresente com muito vigor, práticos para fazer propostas.
pois fica mais na prática, o Vemos experiências. Esse é um
tratamento que damos para o desafio. Não podemos recuar
alcoolista e dependente quí- diante desses pacientes. Hoje
mico é um tratamento moral. em dia eu brinco que todos
Essa é a nossa formação. A querem o psicótico normal.
saúde geral lida com usuário É uma brincadeira, é claro.
de álcool e droga no momento É aquele psicótico que está
da crise intensiva e depois há muito bem integrado, traba-
um despreparado total para lha e, mesmo que tenha uma

138
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dificuldade e um estigma, fora caso, os usuários - devemos me-


da crise consegue voltar rapi- diar essa possibilidade, com o
damente para o capitalismo, nosso conhecimento e saber,
para a firma, para o sistema. para que essa platéia efetiva-
Aí é bom trabalhar com esse mente seja protagonista dessa
paciente. Aquele paciente que história. Acho que estamos
tem um transtorno persistente, buscando isso.
severo, como o Pedro chama,
um quadro clínico mais grave, Era isso que eu tinha a
comprometido, é um paciente dizer.
que ficamos meio assim: será
que tem jeito? Esse é um desa-
fio para nós.

O Ministério tem que


buscar a reforma. Temos que
construir estratégias e respos-
tas para esse enfrentamento.

Nós, psicólogos, estamos,


sim, à frente dessa luta em
muitos momentos, mas não
temos a pretensão de sermos
protagonistas, porque a pró-
pria concepção da reforma
pressupõe vários atores. Deus
me livre! A Psiquiatria esteve à
frente, foi protagonista das do-
enças mentais por muitos anos,
e vimos no que deu. Pessoal-
mente não tenho essa preten-
são. Somos parceiros, estamos
em muitas linhas de frente,
mas temos que estar sempre
buscando essa protagonização
compartilhada. Mais do que
isso, como foi dito ontem - no

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

DEBATE

Público - Bom-dia a todos. soal, talvez já tivéssemos uma


Eu queria fazer uma pergunta ampliação imediata desses
ao Pedro. serviços. Não estou excluindo
o Programa Saúde da Família,
Ele falou da inclusão da mas gostaria de também, com
saúde mental nas unidades o serviço de Psicologia dentro
básicas. Vim de Vitória da Con- da coordenação de Aids, de
quista, na Bahia, onde tem um incluir no rol de serviços de
CAPS II, um hospital psiquiá- saúde mental e também fazer
trico, um centro de referência parte da qualificação.
e outros serviços que atendem
saúde mental e crianças em Eu gostaria de saber o que
situação de rua. Se houvesse está sendo pensando pela Co-
uma unificação na coordena- ordenação de Saúde Mental
ção da saúde mental desses ser- com relação a isso. Essa é uma
viços já existentes: por exem- sugestão para que possamos
plo, sabemos que os serviços ampliar ainda mais o acesso da
de Psicologia estão presentes comunidade e haver responsa-
em 86% dos serviços de Aids, bilização desses outros serviços
enquanto o infectologista só com relação à saúde mental.
está em 57% dos serviços. Tem Caso contrário, ficamos só
sido um serviço com resulta- atendendo ao particular e,
dos bastante interessantes no quando acontecem os surtos,
sentido da inclusão da família encaminhamos para o CAPS.
no tratamento do paciente
portador. Público - Nós, psicólogos
clínicos e sociais, estudamos
Se incluíssemos esses servi- a diferença entre o tratamen-
ços que estão em outras esferas to que o psicólogo pode dar
especializadas ou em outras a uma pessoa que esteja em
secretarias, como é o caso da sofrimento ou em crise e o
Secretaria de Desenvolvimento que o psiquiatra pode fazer
Social, em relação à criança em dentro da instituição pública
situação de risco social e pes- ou privada.

140
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Nós, psicólogos, temos nem todo mundo é protago-


experiência. Por sermos da nista social. Precisamos real-
raça humana, nós nos dife- mente defender a consciência
renciamos dos outros animais humana, que significa a saúde
porque temos a consciência. mental. Aí é quando realmente
Essa consciência é o que dá a encampamos a ideologia ou a
dignidade ao ser humano. Só proposta de se enfraquecer
que na nossa cultura humana, o hospital psiquiátrico para
facilmente passamos a ser ob- que o hospital geral possa ser
jeto de desrespeito à família e respeitado e o posto de saúde
à consciência. A família é uma também.
instituição que não é tão sábia.
É uma instituição complicada, Era isso que eu queria dei-
talvez a menor instituição da xar: a defesa do posto de saúde
sociedade que tenta ser a mais e da saúde como um todo.
importante. Na família, as pes-
soas são desrespeitadas na sua Público - Em primeiro
consciência. lugar eu vou dizer que hoje à
tarde vamos dar continuidade
Bom, sabendo que o so- à discussão desse tema, com a
frimento do ser humano tem questão dos direitos humanos
várias antologias, são várias e da violência psiquiátrica, e
fontes de dor, que o hospital depois vamos dar continuidade
psiquiátrico, por ser especiali- à discussão sobre a Psicologia e
zado, se propõe a ser o hospi- os novos perfis profissionais na
tal de dar a saúde que supõe clínica da reforma.
possível, como psicólogos res-
ponsáveis pela raça humana, Eu queria colocar uma coi-
temos que defender o ambu- sa pontual aqui.
latório. Isso significa defender
o posto de saúde, para o ser Vim da administração de
humano que sabe que existe um CAPS em Goiânia. Havia
no conflito. O conflito faz a uma dificuldade muito grande
consciência ou perde a cons- na relação com os profissio-
ciência. Precisamos realmente nais. Os profissionais naquele
respeitar o homo sapiens dando momento eram muito esfor-
a ele seguridade social, porque çados, mas não tinham capa-

141
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

citação. Estavam entrando no encara agora. Na outra vez


trabalho naquele momento. que nos encontramos, Pedro
Eles queriam o CAPS para Gabriel estava num encontro
eles. Eles não queriam o CAPS de reabilitação psicossocial em
para atender aos usuários, eles Salvador, onde eu o ouvi, mas
queriam organizar o serviço de não o vi.
forma a ter uma certa tranqüi-
lidade no trabalho. A primeira questão é exa-
tamente sobre o título do en-
Fiquei muito preocupada, contro de Salvador, apesar de
e fico até hoje, pois, na me- saber que nem tudo se resume
dida em que vamos criando pelo nome: reabilitação psicos-
CAPS, há essa possibilidade social. Estou lembrando dessa
de as pessoas quererem tudo questão que a Marta, como
muito bem normatizado, com debatedora, coloca, ou seja,
muita rotina. Tem o horário de sabemos muito bem que lidar
funcionamento e não se pode com assistência psiquiátrica e
fazer nada que fuja da rotina assistência em saúde mental
estabelecida. Estou com muita não passa puramente por uma
preocupação nesse sentido. De questão técnica. Nesse campo,
repente tiramos as pessoas dos não há como dissociar: a ideo-
manicômios e levamos para o logia tem uma preponderância
serviço aberto, mas o funciona- e tem uma implicação direta
mento dele é manicomial. na prática. O professor Ama-
do, militante do movimento
Público - Fica difícil falar da Luta Antimanicomial - é
depois que a Marta sintetizou importante lembrar - diz que
quase tudo. não adianta quebrar muro
de hospital, no concreto, en-
Vou direcionar duas ques- quanto os muros continuam
tões básicas para o Pedro Ga- na cabeça. Acho que esse é o
briel. Talvez seja a primeira grande passo. Na fala do Pedro
vez que eu esteja conseguindo Gabriel isso também apareceu.
estabelecer uma interlocução
com ele depois que o Gover- Eu também fico pensando
no mudou. Acho que é outra sobre uma das coisas que o
a posição que a saúde mental Pedro colocou. Tem que haver

142
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

pólos sistemáticos de capaci- atores sociais no sentido de


tação, como referências, para sermos atores principais dessa
cuidar das pessoas que cuidam cena. Se há um tipo de palco
da saúde mental. nesse jogo, não queremos pal-
co italiano, queremos palco de
Você se referiu duas vezes arena, onde todo mundo pode
ao caso da Bahia em relação comandar a cena. Acho que é
à situação de miséria pessoal, este o sentido da Luta Antima-
meio que fazendo uma crítica, nicomial: a cena é comandada
como se não houvesse um cui- principalmente pelo ator prin-
dado com as famílias. Eu acho cipal, que não são os técnicos.
que as famílias, principalmente Os técnicos também não estão
daquele caso da Bahia, não es- no lugar de diretor.
tão mal cuidadas. Ao contrário,
elas estão bem cuidadas por É essa questão que eu falei
aqueles que você lembrou de- para você, principalmente no
pois. Estão bem cuidadas e es- caso da Bahia, onde os atores,
tão bem formatadas intelectual que agora se apropriam do
e ideologicamente pelos donos discurso da Luta Antimanico-
dos hospitais psiquiátricos. mial, passaram todo o tempo
Nesse sentido, faço a questão: e não fizeram a Reforma Psi-
como o Ministério pensa em quiátrica.
priorizar localidades, situações
políticas específicas, como no Fico pensando se são esses
caso da Bahia, onde não há, atores e diretores que agora
historicamente, atores sociais vão fazer esses pólos sistemáti-
no campo da saúde mental, cos. Estamos pensando que es-
com algumas exceções? Há sas pessoas vão agora ajudar na
diretores no campo da saúde quebra ideológica dos muros?
mental. São diretores em todos
os sentidos. Outra questão mais enxuta
é quando você fala dos CAPS/
Eu acho que é esse tipo de AD. Na sua fala, há um posicio-
participação, usando essa me- namento de contraposição ao
táfora de palco, diretor e ator que tem mudado de nome. O
social, que a Marta aponta na nome inicial é justiça terapêu-
fala dela. Não queremos ser tica e o nome originário são as

143
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

drug courts, as cortes de drogas que é um bom exemplo para


ou tribunais de drogas ameri- fazer a articulação com a ques-
canos. Na fala da Marta, ela tão da atenção básica. Eu acho
falou do trabalho, que sempre que existe aí uma questão teó-
tem sido, na vertente moral. rica importante.
Será que podemos entender
que o Ministério da Saúde, A organização do serviço
através de uma política inter- de saúde mental tem que bus-
setorial, como você colocou car, de fato, essa integralidade,
inicialmente, tem um posicio- esse funcionamento em redes
namento contrário a essa ten- de construções e desconstru-
dência que tem acontecido, ções sucessivas. Não tem que
principalmente no âmbito do ficar só em áreas especializa-
Judiciário, de estabelecer uma das. O exemplo dos programas
justiça terapêutica que, às ve- de Aids, com o apoio da saúde
zes, não coloca mais o nome mental, é importante e ilustra
no papel e nos projetos, mas o desafio da atenção básica. A
quando vai ver sempre há, atenção básica é, de fato, o de-
ao final, a comunicação de safio principal agora.
qualquer desses serviços para
a Justiça? A proposta que eu men-
cionei, do Proesf, é que os
O CAPS/AD corre o risco municípios com grandes po-
de fazer isso também, ou seja, pulações invistam, agora, no
de não dizer que é justiça te- Programa Saúde da Família,
rapêutica, mas de fornecer a tomando o PSF como um pro-
informação para o Judiciário? grama capaz de organizar - é
um organizador - a rede como
Pedro Gabriel Godinho um todo e, num certo sentido,
Delgado - Não entendi com- até como organizador da de-
pletamente algumas das inter- manda. Aí a inserção da área
venções. da saúde mental seria também
no sentido da organização da
Primeiro, o exemplo que demanda.
foi colocado. A Monalisa dá
o exemplo da saúde mental Enfim, ela traz a questão
no serviço DST/Aids. Eu acho da integralidade, que é central

144
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

para a área da saúde mental. Temos que pensar que, de


Todo mundo que não é da fato, devemos ter um ponto
área da saúde mental, e é da de ancoragem, que não seja
saúde pública, costuma dizer individual, para as políticas
que a saúde mental dentro sociais, em função da crise
da saúde pública é, digamos, dramática e trágica da cultura
um segmento que resolveu o neste momento. Por exemplo,
desafio da integralidade, dessa isso está expresso na questão
integração produtiva e signifi- da violência. Teríamos que
cativa das várias formas de in- pensar, primeiro, em uma
tervenção no campo da saúde. nova configuração de família.
É a maneira mais abrangente e Certamente! São novas famí-
mais holística de intervenção. lias. São outras famílias. Não
Eles acham que a saúde men- existe mais a família que é a
tal já fez isso. Você apontou, configuração usual de família.
e foi muito interessante, que Existem novas familiaridades
esse é um desafio para a área e existem formas de articu-
da saúde mental. Vai funcio- lação coletiva, que se dão no
nar como uma especialização. espaço da comunidade, que
precisam ser potencializadas.
Em relação ao comentário
que foi feito, sobre a questão O Programa Saúde da Fa-
da família, no que entendi, mília padece dessa má formu-
vou externar uma preocupa- lação teórica sobre o conceito
ção. Também acho que há um de família. Entretanto, tem
discurso estranho de família um excelente impacto sobre
nos programas sociais do nos- a realidade. Ele aumenta a
so Governo. Há um discurso cobertura e produz resultados
sobre família que precisa ser interessantes em alguns indi-
submetido a um necessário cadores sociais de violência.
crivo antropológico. Primeiro, Por incrível que pareça, já
essa família não existe. Parece existem algumas experiên-
uma família de Viena, no iní- cias. Há um bairro carente,
cio do século. Falo das famílias na periferia de Vitória, com
que estão sendo mencionadas grande problema de crimi-
nos programas sociais. O nú- nalidade, elevados índices de
cleo é a família etc. homicídios, elevados índices

145
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de tentativa de homicídio e na cultura de uma cidade


agressão, violência sexual. Es- manicomial, como Goiânia, a
ses indicadores reduziram-se partir da implantação dos no-
de uma maneira muito expres- vos serviços. Enquanto se fazia
siva, depois da implantação do apenas uma crítica ao manicô-
Programa Saúde da Família e mio, essa cultura não se modi-
Agentes Comunitários de ficava. A partir do momento
Saúde. que se acompanhou essa
crítica da construção efetiva
O que aconteceu, de fato, de alternativas de assistência,
não sabemos, mas parece que o protagonismo dos próprios
esse investimento na própria pacientes tornou-se evidente.
coesão da comunidade, um
investimento produzindo ou Nessa audiência pública,
reforçando laços sociais, que os pacientes e os familiares
não sejam esses laços perver- foram as pessoas que mais
sos da marginalidade e do falaram. Os familiares, num
crime, aponta uma luz para as contexto completamente di-
populações que são margina- ferente, que o Marcelo men-
lizadas e que estão num beco cionou, de passagem, na fala
sem saída. Não tem Estado. dele sobre a Bahia, em Goiás,
Onde tem o Estado, ele é pu- querem CAPS melhores. Que-
ramente repressivo. E não tem rem mais CAPS, residências
a tal família, que se diz que terapêuticas etc. Lá não há fa-
tem. Não tem laços sociais, miliar dependendo de hospi-
não tem vinculação. Vejam: tal psiquiátrico e defendendo
um CAPS, por mais que tenha hospital psiquiátrico.
funcionamento manicomial, é
completamente diferente do A questão das famílias, o
ponto de vista da produção da Marcelo mencionou. Marce-
subjetividade e da cidadania lo, eu sei que essas pessoas
do sujeito do que qualquer são ligadas aos hospitais e
manicômio. Então, a questão instrumentalizadas pelos hos-
é relevante porque temos que pitais. Algumas delas são mal
pensar mesmo na cronificação financiadas pelos hospitais.
dos serviços. Mas é importan- É uma relação de miséria e
te testemunhar a mudança de exploração. Nós temos

146
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

responsabilidades com elas e Finalmente, justiça tera-


não conseguimos estabelecer pêutica. Recife tem uma expe-
uma relação de confiança. riência de justiça terapêutica e
Elas ficam repetindo reitera- as pessoas gostam dessa expe-
damente o discurso do aban- riência lá. Uma vez, eu parti-
dono, chegando ao ponto do cipava de um evento que iria,
patético. O discurso delas é o na verdade, consagrar uma
do abandono, da pessoa que experiência desse tipo. Eu es-
se coloca na posição do aban- tava lá para outras situações e,
donado permanentemente. dentro da agenda, entrou uma
Dirigem-se ao Estado sempre história desse tipo.
com a estereotipia do discur-
so do abandono e agarram-se O Ministério da Saúde tem
aos proprietários de clínicas hoje uma posição explícita,
psiquiátricas, que funcionam em documentos, contrária ao
como protetores de ocasião. modelo da justiça terapêutica.
São falsos protetores. Eu vi, O Ministério da Justiça tem
inclusive, situações, naquela uma posição explícita na de-
audiência pública, de pessoas claração do Ministro Thomaz
com um desamparo evidente Bastos, contrária ao modelo
em relação à habitação, mo- da justiça terapêutica. Existe
radia e alimentação, que esta- um órgão, chamado Senad
vam lá, agarradas, de maneira - Secretaria Nacional Anti-
desesperada, à defesa do drogas, também do mesmo
hospital psiquiátrico. É como governo, que é absolutamente
se estivessem defendendo favorável e defensora da justi-
alguma coisa essencial à sua ça terapêutica. Então, temos aí
sobrevivência. um problema. Não é o primei-
ro nem é o único, e sequer é o
Na verdade, estavam sendo mais grave.
profundamente ludibriadas
naquele processo todo, mas Temos dois modelos de
são pessoas que precisam... compreensão da política das
Sei lá. Precisamos conseguir drogas no mesmo governo.
ouvi-las. De alguma forma elas Melhor! No governo anterior
precisam acreditar que esta- só havia um modelo, que era
mos conseguindo ouvi-las. o da Senad. Pelo menos agora

147
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

há dois modelos que se digla- vés da Anvisa. A saúde mental


diam da forma mais civilizada nunca entrou nesse Conselho.
possível nessas situações. Agora, o conselho, que define
a linha da Senad, pode sofrer
A proposta de criação de as suas modificações. Se não
uma nova lei sobre drogas é da sofrer, o Ministério da Saúde
saúde, justiça e direitos huma- vai continuar, com a Justiça
nos. Não é uma proposta da e com os direitos humanos, a
Senad. Vamos resolver isso no política de reformar a legisla-
plano do debate. ção. A justiça terapêutica não é
modelo que nos interessa.
Agora, pela primeira vez,
represento o Ministério da Público - Sou professora
Saúde no Conad - Conselho da Universidade Federal do
Nacional Antidrogas. Fui à Rio de Janeiro, do Instituto de
primeira reunião do Conad há Psiquiatria. Sou psicóloga de
poucos dias. Coloquei as posi- formação.
ções do Ministério da Saúde.
Temos lá algumas parceiras Eu queria falar brevemen-
institucionais e conseguimos, te na questão da universidade,
também, que o Ministério da ponto que a Marta tratou. Não
Cultura passasse a fazer parte vou fazer pergunta ao Pedro,
do Conselho Nacional Anti- porque trabalho muito próxi-
drogas. Na próxima reunião, ma a ele e não tenho nada a
um baiano inglês, Edward perguntar. Somos parceiros.
MacRay, vai participar, pelo
Ministério da Cultura. Vai dar Protagonista nesta história,
o que falar naquele Conselho, evidentemente, é o chamado
em função das posições que paciente, que tem a paciên-
tem em relação às drogas e ao cia de esperar que façamos
manejo da política de drogas. alguma coisa para ele poder
Conseguimos, em uma vota- se mexer melhor no mundo,
ção apertadíssima, com um na sociedade etc. Então, não
voto, trazer a Secretaria Espe- é a questão do protagonismo,
cial de Direitos Humanos ao não. A partir de uma fala
Conad. O Ministério da Saúde da Marta Elizabete, de que é
na verdade só participava atra- preciso uma parceria do Mi-

148
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

nistério da Saúde com o MEC, para depois ir para o cotidiano.


na questão da universidades: O cotidiano já está lá.
trabalho em uma universida-
de. Se há algum protagonis- Nesse sentido, trabalhamos
mo, em algum momento, da inclusive com profissionais de
universidade, nessa história, nível superior, com profissio-
é exatamente não ficarmos nais de nível médio e com pro-
esperando reformas curricula- fissionais que não têm sequer
res e não ficarmos esperando formação acadêmica regular.
que os cursos de graduação Por exemplo, artistas plásticos,
formem melhor os médicos e artesãos, oficinas de dança.
os psicólogos, ou sei lá o quê. Vários trabalhadores não têm
Não podemos ficar esperando formação universitária, mas
que essa coisa toda da forma- isso não quer dizer que a uni-
ção seja preparação para um versidade não possa fazer uma
dia nós fazermos. parceria na formação perma-
nente, através da preparação
A universidade tem um dessas pessoas para uma men-
compromisso - eu queria mar- talidade antimanicomial que
car isso - importante, imediato vamos formular na parceria
e ativo de estar aí, exatamente com a sociedade. A universida-
porque pesquisa, porque ensi- de está nessa aí.
na, porque lida com o saber na
Antropologia, na Sociologia,
na Ciência Política, na Psico-
logia e, muito recentemente,
a Psicanálise está podendo ser
pensada dentro das universi-
dades, o que mudou o perfil
do pensamento da Psicanálise
dentro da clínica. Precisamos
estar nessa formação perma-
nente, continuada, com os
profissionais que trabalham no
cotidiano, porque o cotidiano
aqui é a “batata quente”. Não
é fazer o curso de graduação

149
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

MESA-REDONDA II

Protagonismo Social da Psicologia na


Democratização das Comunicações

Debatedores:
Marcos Ribeiro Ferreira
Conselho Regional de Psicologia - 12ª Região (SC)

Ricardo Moretzsohn
Conselho Federal de Psicologia

150
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

MESA-REDONDA II
Protagonismo Social da Psicologia na Democratiza-
ção das Comunicações
Ricardo Moretzsohn
Conselho Federal de Psicologia

Depois dessa bela apresen- para esse assunto e esperáva-


tação com a qual fomos brin- mos contar com ele, mas, in-
dados, vamos tentar conversar felizmente, perdeu o horário
um pouco sobre democratiza- do vôo hoje. Estava indo para
ção da comunicação e protago- o aeroporto quando houve
nismo social dos psicólogos. um congestionamento, ou um
acidente, e não pôde chegar
Tenho uma triste informa- a tempo. Ele poderia vir hoje,
ção para passar a vocês. Espe- mas chegaria aqui às 15 horas.
rávamos contar, nesta Mesa, Dessa forma, ficou inviabiliza-
com Daniel Hertz, jornalista da a participação.
que faz parte da Confedera-
ção Nacional dos Jornalistas. Eu e o Marcos Ferreira
É uma pessoa debruçada, há conversamos e tivemos que
vários anos, sobre a concentra- inventar um plano B. Vamos
ção da mídia no Brasil e a de- tentar, então, conversar com
mocratização da comunicação vocês a respeito desta questão.
e tem diversos artigos e livros Após a fala do Marcos, faremos
publicados. É uma referência um diálogo.

Marcos Ribeiro Ferreira


Conselho Regional de Psicologia – 12ª Região

Vou pedir licença ao Ricar- há pelo menos quinze anos.


do para dizer que esse assunto Como eu seria debatedor do
do qual vamos tratar não é Daniel, antigo companheiro
novidade para nós. Temos tra- de luta pela democratização da
balhado com esse tema da de- comunicação, vou expandir a
mocratização da comunicação minha fala, tentando resolver

151
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Vou pedir licença ao Ricar- produzida neste local. Essas


do para dizer que esse assunto aberturas de cada evento, em
do qual vamos tratar não é que vamos fazer debates sobre
novidade para nós. Temos tra- política e sobre dimensões téc-
balhado com esse tema da de- nicas da nossa atuação profis-
mocratização da comunicação sional, têm sido muito impor-
há pelo menos quinze anos. tantes, não só do ponto de vista
Como eu seria debatedor do de serem agradáveis, mas do
Daniel, antigo companheiro ponto de vista de permitirem
de luta pela democratização da que possamos nos reconhecer
comunicação, vou expandir a como brasileiros, latino-ame-
minha fala, tentando resolver ricanos, nordestinos. Neste
três diferentes questões que Congresso já encontrei música
tentarei esclarecer com vocês. e dança indígena, apresenta-
ção de jazz, ouvi apresentações
Vou tentar contribuir um do que há de mais erudito
pouco para esse debate da na música popular brasileira.
caracterização do protagonis- Ontem, a pessoa que estava se
mo para poder tirar as decor- preparando para tocar violão
rências disso para uma outra ficava dedilhando o Elomar,
pergunta: como acontece que é certamente uma referên-
esse encontro de Psicologia e cia de caráter erudito da mú-
comunicação de massa? Por sica popular brasileira, apesar
último, vou tentar apontar al- de não ser tão conhecido na
gumas dimensões que, penso, minha região. As músicas que
podem ser aproveitadas por acabamos de ouvir, algumas
nós quando, a partir da Psico- mais recentes e outras mais
logia, olhamos para a constru- antigas, estão profundamente
ção de uma política pública de relacionadas a essa idéia de
comunicação. uma produção genuinamente
brasileira de cultura e têm uma
Vou me permitir fazer uma qualidade assombrosa. Os
saudação ao Conselho Regio- grandes músicos do mundo e
nal da 13ª Região, Paraíba e os grandes músicos brasileiros,
Rio Grande do Norte, pela como Villa-Lobos e Nepomu-
excelente iniciativa de garantir ceno, apontavam esse chori-
que tivéssemos acesso à cultura nho como uma das peças mais

152
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

importantes da musicografia numa música indígena, nem


mundial. Nós é que achamos no Brasileirinho, nem nas
que chorinho é para ouvir de músicas do Elomar. Não nos
vez em quando. É de uma qua- reconhecemos sequer nas mú-
lidade muito grande. sicas do Chico Buarque, que é
bastante divulgado nos meios
Então, eu queria saudar a de comunicação, pois acabam
iniciativa, do Conselho Regio- tendo uma distorção. Acaba-
nal do Rio Grande do Norte e mos não sabendo quem é o
da Paraíba, que promoveu esse brasileiro, quem de fato somos
tipo de apresentação no Con- e que possibilidades temos de
gresso, e agradecer pela possi- desenvolvimento cultural.
bilidade que nos ofereceu, de
aprendermos a nos reconhe- A discussão que estará sub-
cer, apesar dos nossos cora- jacente a todos os argumentos
ções, por vezes, empobrecidos é a de que os meios de comu-
pela ênfase técnico-racional, nicação de massa precisam ser
como pessoas que precisam, o tratados, para serem levados à
tempo todo, estar fazendo um condição de propiciar à popu-
diálogo com a cultura nacio- lação brasileira uma possibili-
nal, na hora em que discutem dade de auto-reconhecimento
a nossa própria prática e as como nação e uma possibili-
linhas de conduta política. dade de auto-reconhecimen-
to como potentes pessoas e
O fato é que os meios potentes cidadãos que têm o
de comunicação social, que dever de produzir não só ações
deveriam ter o papel de pro- de cidadania, mas também
piciar a possibilidade de um ações que conjuguem a cidada-
auto-reconhecimento por nia com a prática profissional.
parte da população brasileira,
não cumprem este papel. Os A nossa tradição é - não es-
meios de comunicação, que tou dizendo que todos os que
deveriam nos permitir esse estão aqui façamos isso o tem-
espelho, na verdade têm o po todo - dividir claramente o
papel de distorção do espelho que é ser cidadão do que é ser
e acabam fazendo com que profissional. Esta passagem
nós nem nos reconheçamos ,de uma situação para outra, é

153
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

muito complicada. Na acade- defesa que faço, da caracteri-


mia isso é impressionante. Há zação do protagonismo social,
uma ênfase muito grande no passa pela idéia de que deve-
papel do professor como pro- mos nos cansar de ser postes
fessor e no papel do professor no cenário. Vamos imaginar
como um cidadão que está um cenário. Há um poste e
atuando politicamente, por- há uma bandeira no cenário.
que política e profissão não A bandeira fica ali, mas não é
se misturam. Muitos de nós uma protagonista. Ela faz par-
já aprendemos que esse é um te do cenário, faz parte dessa
outro discurso, é só uma outra paisagem que está criada. O
política. Fazer a distinção é só protagonismo social implica
uma outra política. não querermos ser poste ou
bandeira. Queremos ser al-
Aí vou introduzir a minha guém que tome uma iniciativa
primeira questão: o que será e protagonize no sentido do te-
mesmo essa idéia de prota- atro. Deixamos de ser cenário
gonismo social? Para mim, e passamos a ser protagonistas,
a idéia de protagonismo está no sentido de intervir para que
implicada na decisão de deixar alguma coisa mude.
de ser paisagem ou cenário.
Estamos acostumados a deixar Trata-se de um tipo de
de ser paisagem só na hora em intervenção pela qual o sujei-
que fazemos política. Então, to individual ou coletivo dá
na hora de fazer uma mani- conseqüência à compreensão
festação política, na hora de ir que tem da inserção do seu
para a frente do MEC em cima saber, técnico ou não, no te-
de um carro de som dizer que cido social em que vive. Vou
não queremos tais diretrizes, me referir ao conhecimento
na hora de fazer uma manifes- técnico. Penso no protagonis-
tação a favor disso ou daquilo, mo como essa conseqüência.
pensamos que estamos fazen- Eu atuo porque percebo que
do política e sendo cidadãos. o meu conhecimento me dá
Quando começamos a tratar uma possibilidade de com-
da prática profissional, a nossa preensão sobre o contexto da
tendência é de pensar que isso minha atuação profissional e
não pode estar misturado. A exige que eu dirija a minha

154
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

atuação profissional de forma organização da polícia militar


diferenciada, ao mesmo tempo e silenciar sobre o resto do
em que conjuga iniciativas não que seja a polícia militar - vou
profissionais em relação a esse explicar aos gaúchos que me
contexto. refiro aos “brigadianos” - e
cuidar, ainda, de um detalhe,
Isso significa que esse sujei- que é a participação do psicó-
to é capaz de identificar as suas logo dentro dessa progressão,
possibilidades de atuação pro- estaríamos legitimando todo o
fissional e de avaliar o impacto, resto sobre o qual não estáva-
as limitações e, principalmente, mos falando. Aquele Plenário
o modo de apropriação dessa dizia que pode ser importante
atuação ou das conseqüências ter avaliação, mas não é possí-
da sua atuação profissional por vel nos manifestarmos apenas
diferentes atores sociais. sobre isso sem falarmos sobre
o conjunto do que seja a nossa
Vou aproveitar que o Da- preocupação com a polícia
niel não veio e vou expandir militar. Isso é compreender
um pouco isso. que a atuação profissional tem
um contexto e esse contexto é
Tivemos um debate, de responsabilidade dos pro-
durante o IV Congresso Na- fissionais que estão discutindo
cional de Psicologia, sobre essa atuação profissional. Não
polícia militar. Havia uma podemos continuar naquela
proposta de tese que dizia lógica de fazer o que nos pe-
assim: vamos defender o uso dem. Temos isso muito forte
de Avaliação Psicológica para na Psicologia. Tenho que ser
progressão na carreira dos quase que subserviente a um
profissionais militares. O Ple- outro profissional e prestar
nário do Congresso, que não um serviço que me cabe, e a
tinha nada contra a utilização discussão do conjunto não é
da Avaliação Psicológica na um problema para mim.
progressão dos oficiais mili-
tares, teve a clarividência de Isso acontece em todas as
dizer que não poderia aprovar nossas áreas de atuação. Se
essa tese. Ao aprovar uma tese alguém quiser debater um
que fala sobre um detalhe da pouco sobre isso será gostoso.

155
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Não vou exemplificar para livro que denuncie a institui-


não criar inimizades, antes de ção como sinistra. Há muitas
chegar ao fim da minha fala. formas de se fazer isso.

A idéia de protagonismo Estou pegando o livro


exige que saibamos o que Instituição Sinistra para dizer
devemos fazer como profissio- que a organização do livro
nais e como cidadãos deten- foi uma prática profissional.
tores de um conhecimento Estamos de acordo com isso?
típico da nossa profissão. Se você organiza um livro
sobre um assunto que tem a
Vou usar um exemplo do ver com a sua área técnica
pessoal da Luta Antimanico- de atuação profissional, você
mial e, aí, volto a descrever está fazendo uma atuação
essa relação. profissional. Ao mesmo tem-
po, é absolutamente política.
Como profissionais de Estou pegando a prática pro-
Psicologia, sabemos que o ma- fissional de uma pessoa que
nicômio, além de ser ineficaz, a maioria de nós conhece.
perpetra ataques aos direitos A organização do livro é evi-
das pessoas que tem sob seu cui- dentemente a conjugação de
dado. Além de buscar desenvol- uma intervenção profissional
ver novas formas de atendimen- com a intervenção política.
to, como conseqüência desse Está na mesma ação, está no
reconhecimento da ineficácia mesmo fazer. Não dá para dis-
e da agressão aos direitos, é tinguir e dizer que isso aqui é
preciso atuar politicamente profissional e isso aqui é polí-
,visando o fim desse tipo de tico, ainda mais que a pessoa
instituição. A busca do fim que organizou é professor
desse tipo de instituição pode universitário. A produção de
ser através da participação no livros, especialmente de livros
movimento social - por exem- que dizem respeito à práti-
plo, a Luta Antimanicomial ca profissional, faz parte da
-, pode ser através da pressão atuação profissional também.
sobre as pessoas que produ- Está conjugada aí a dimensão
zem e operacionalizam as profissional com a dimensão
leis; pode ser organizando um política.

156
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Esse tipo de engajamento política à sociedade, de tal


político na busca de soluções modo que essa colaboração
para problemas sociais com os seja de caráter profissional
quais o profissional trabalha e, evidente, politicamente
muitas vezes exige que ele atue inserida na mudança de al-
profissionalmente sem que guma dimensão social. Assim
alguém queira remunerá-lo compreendo o protagonismo
para fazer isso. É o caso desse social e, acho que é claro
livro. A pessoa que organizou o para todos, estou debatendo
livro “Instituição Sinistra” não com a tese do voluntariado.
ganhou um centavo para fazer Distingo essa posição do pro-
isso. Era uma atuação política, tagonismo social em relação
mas era uma atuação profissio- ao voluntariado exatamente
nal sem remuneração. pela dimensão de militância
política que está posta na
Sabemos que não há pro- prática profissional da pessoa
ventos nem pro labore para o que se dispôs a colaborar com
exercício da cidadania. No a solução de um problema so-
momento em que aparece a cial urgente, que pode ter um
possibilidade de se fazer uma caráter demonstrativo sobre a
tese política - e para isso é pre- possibilidade de intervenção
ciso que um cidadão coloque à da Psicologia nesse problema
disposição da sociedade, even- que esteja sendo tratado.
tualmente, sem remuneração,
o seu saber profissional - a re- Espero fechar aqui o
cusa a oferecer esse saber fica, primeiro ponto, que seria,
para mim, incompreensível. então, o que é protagonismo
social. No debate poderemos
Estou caracterizando o voltar a esse ponto.
protagonismo social como a
vontade de sair da paisagem, O segundo bloco sobre o
não só no plano da atuação qual queria tratar é a inter-
política, mas também no pla- face entre Psicologia e co-
no da atuação profissional;mas municação social. Ainda que
essa atuação profissional tem tenhamos no Brasil mais de
que estar profundamente in- cem profissionais que já pu-
serida dentro de uma crítica blicaram artigos científicos e

157
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

profissionais sobre comuni- de uma política pública de co-


cação de massa, esse é um as- municação social.
sunto razoavelmente pouco
tratado no nosso meio. Essa Vou usar o pressuposto da
interface entre Psicologia nossa profissão. Em geral, en-
e comunicação, portanto, tendemos que a nossa profissão
precisa ser construída. O é vinculada ao desvendamento
que dizer, então, sobre a das condições que impedem as
interface entre Psicologia e pessoas de produzirem uma
democratização dos meios de vida autônoma, uma vida au-
comunicação? É um assunto togerida.
ainda menos tratado por nós e
precisa da nossa atenção. Poderíamos dizer que
uma dimensão importante
Vou pular um pouco esse para uma política pública de
bloco e voltarei para ele em comunicação é a de desmistifi-
seguida. Vou reconhecer que car o sistema de circulação de
esse é um assunto que pre- informação. Reconhecemos
cisamos construir, pois não que um assunto é importante
está posto no nosso meio, e quando ele é apresentado nos
vou entrar em uma discussão meios de comunicação. Apro-
sobre a contribuição que te- veitando que o Chico foi can-
ríamos para a formulação de tado há pouco, vou lembrar
uma política pública sobre da música em que ele fala que
comunicação de massa, sobre aconteceu isso e aconteceu
comunicação social. Estou aqui, mas a Globo não deu. O
pulando porque o segundo que o Chico está apontando?
bloco era muito dirigido para É uma música mais antiga do
o Daniel. Eu conheço as teses Chico, Notícia de Jornal. Atentou
que o Daniel tem defendido contra a existência, num humil-
e eu iria me dirigir a algumas de barracão... Lá, no final da
teses que, imaginei, ele apre- música, diz o Chico: Depois de
sentaria. Vou pular isso e pro- medicada, retirou-se pro seu lar.
por uma discussão relacionada Aí a notícia carece de exatidão. O
ao que poderíamos apontar lar não mais existe, ninguém volta
como importante, a partir da ao que acabou. Joana é mais uma
Psicologia, para a construção mulata triste que errou. Errou na

158
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dose, errou no amor, errou de João. a isso. Como esse fato não saiu
Ninguém notou, ninguém morou no jornal, ninguém sabia disso.
na dor... A dor importante foi das pesso-
as que tiveram os seus móveis
Chico conclui: A dor da gen- estragados, as suas casas amea-
te não sai no jornal. çadas e não levadas, porque foi
essa imagem que os meios de
O que ele está dizendo? comunicação divulgaram. Não
Ninguém notou, ninguém per- sabiam que esse cara que estava
cebeu, ninguém reconheceu a lá no sítio teve a sua casa leva-
dor da Joana, porque a dor da da com a mulher e as crianças
gente não sai no jornal e o que dentro. Isso não sai no jornal.
não sai no jornal não tem va- Nessa cidade, as pessoas con-
lor comum. O que não sai nos tam o que saiu no jornal, e a
meios de comunicação não dimensão relevante para dizer
tem valor comum. É claro que que houve sofrimento é que a
isso não é verdade universal. televisão foi lá gravar. Já houve
É claro que reconhecemos a uma dúzia de enxurradas na-
dor de quem está próximo, de quele lugar, mas o sofrimento
quem enxergamos e de quem todo é sempre relacionado a
conversamos. esse evento, que não foi o mais
grave. Foi o que saiu nos meios
Quando há uma enchente de comunicação. Eles ligaram
numa região e há entrevistas a televisão no Jornal Nacional e
com as pessoas. Lá em Santa lá estavam eles sendo apresen-
Catarina há enxurradas. Quan- tados como a população que
do chove muito intensamente havia sofrido o acidente.
,reúne um tanto de água e
aquilo desce numa enxurrada Há uma naturalização no
que leva casas, bichos e quem sentido de que o que sai nos
está dentro das casas. meios de comunicação é im-
portante. Deveríamos exigir
Havia uma família em que a construção de uma política
o marido saiu da casa para pública de comunicação que
soltar os bichos e viu a casa fosse capaz de desnaturalizar
ser levada, com a mulher e as a importância de um evento só
duas filhas dentro. Ele assistiu porque saiu na mídia.

159
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

O Ricardo está me orien- da noite, há uma série especial


tando para concluir. que apresenta um texto do
Suassuna ou alguma coisa mais
Um segundo elemento erudita, e a segunda apresenta -
relevante para pensarmos e é o mais freqüente - de forma
uma contribuição a partir da jocosa. Não sei se para os com-
Psicologia é preciso declarar panheiros nordestinos isso é
que a comunicação é um bem claro. É sempre uma tiração de
fundamental. Logo, precisa sarro em cima de um jeito de
ser regulada por instâncias falar que é considerado exótico
sociais. Atualmente a comuni- e, por vezes, esdrúxulo. Não há
cação é regulada pela lógica de um tratamento sistemático res-
mercado. No limite, quando peitoso em relação ao jeito de
há um sinal que atravessa o falar nordestino. É interessante
campo eletromagnético, ele que também não há em relação
tem algum tipo de regulação ao jeito gauchesco de falar. O
por parte do Estado, porque jeito gauchesco é tratado pelo
se entende que haveria uma Chico Anísio, sempre de forma
confusão insuportável se não jocosa e desmerecedora. Não é
houvesse essa regulação. A só isso. Quem produz imagens,
lógica mais forte é a lógica de no Rio Grande do Sul, para
mercado. Nessa lógica de mer- a Rede Globo, é uma empresa
cado há o reconhecimento de gaúcha, de gente gaúcha, e
que os proprietários dos meios você não encontra isso. Lá em
de comunicação têm direito Florianópolis o jeito manezi-
de decidir o que os meios de nho de falar é absolutamente
comunicação vão informar e ridicularizado. Ele só entra em
aceita-se, inclusive, uma certa propaganda para tirar sarro do
seletividade da informação jeito manezinho de falar. Os
que circula. meios de comunicação cum-
prem um papel absolutamente
Por exemplo, a Rede Globo moralista, que renega a chance
inclui falas nordestinas. Ela de reconhecermos como vá-
inclui o sotaque nordestino lida a diversidade dos modos
em que condições? Em duas de falar o português. Existem
condições. A primeira é quan- dois modos aceitos. Há o modo
do, às dez e meia, onze horas paulista, mas não pode ser do

160
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

interior. Ninguém de Piraci- necessidade da regionalização


caba apresenta jornal. Podem da produção nos meios de co-
olhar. Nenhum piracicabano municação social. A regionali-
apresenta jornal nem em São zação da produção é uma tese
Paulo. Ou é o jeito médio, geral dos profissionais da área
paulista.É anormal você falar de comunicação. Hoje é um
de forma nordestina, manezi- Projeto de Lei. Durante uns
nha, gauchesca, nortista ou do dez anos discutimos isso como
centro-oeste. É anormal! E o importante, quando não havia
jeito mineiro, então? Nem os Projeto de Lei. Hoje há um
programas da rede local, em Projeto de Lei, da Jandira Fe-
Minas, que produz bastante gali, para que 30% sejam pro-
programas mineiros, encontra- dução nacional; 30%, regional;
mos aquele jeito mastigadinho e 30%, local. Aliás, 70% podem
e cortadinho dos mineiros ser nacional e 30%, regional.
falarem.
Por que nós, da Psicolo-
Os meios de comunicação gia, deveríamos exigir isso?
são, hoje, um instrumento Porque a escassez de acesso
de demonstração da inacei- aos meios é uma forma de
tabilidade da diversidade dos dominação e domesticação. Os
modos de falar. Não estou grupos sociais não têm acesso
falando sobre cheirar, estou a comunicar, a tornar comum
falando sobre o jeito de falar. aquilo que lhes interessa e que
Quem é, no Sul, que sabe que acham importante. Aí caímos
se dá cheiro ao invés de beijo de novo no caso da Joana. Se
em várias situações no Nordes- o meu sofrimento não sai no
te? Não se sabe e não é aceito jornal, ele não é importante
como normal. Não nos reco- e não pode ser reconhecido
nhecemos apenas na música, pelos meus vizinhos. É preciso
mas nas práticas cotidianas: que a produção seja local para,
forma de falar, forma de fazer inclusive, o meu sofrimento ser
carinho etc. reconhecido.

Vou pegar mais duas di- Por último vou pegar a


mensões e vou parar. Devería- dimensão que aponta para a
mos ser capazes de apontar a necessidade de uma política

161
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

pública de comunicação, com parece ridículo, nos meios de


canais visíveis de controle so- comunicação parece aceitá-
cial sobre a circulação da in- vel! Se temos uma percepção
formação. Temos aquela idéia da importância dos meios de
de reconhecer que o dono do comunicação para o auto-re-
meio de comunicação pode, conhecimento das pessoas e
eventualmente, decidir o que da coletividade, não podemos
vai sair nos meios de comuni- admitir a seletividade do aces-
cação. O Brizola, por exem- so à informação. Temos que
plo, quando foi governador garantir uma política pública
pela segunda vez no Rio de em que os meios de comunica-
Janeiro, se não estou engana- ção possam ser levados a uma
do, saiu duas vezes em maté- postura de reconhecimento do
rias da Rede Globo. Em quatro que é relevante ser divulgado e
anos de gestão, o governador garantam o espaço para isso.
do estado em que a emissora é
sediada saiu duas ou três vezes Eu acho que a pessoa que
na televisão. As pessoas aceita- mais contribui hoje para a
vam isso como normal. Claro, democratização dos meios de
ele briga com o Roberto Ma- comunicação é o Presidente
rinho e não sai na televisão! Lula. Quando o Lula perdeu
Não é verdade que aceitamos a eleição, empatado com o
isso como uma coisa razoável? Collor, ele sumiu da mídia. Em
Nós aceitamos que o dono do 1989, o Lula quase ganhava as
jornal decida que alguém não eleições, esteve empatado com
pode sair como matéria ou o Collor. Acabou a eleição,
como fotografia no jornal. houve uma entrevista coletiva
com o Lula, em que anunciou
Isso é mais ou menos como o governo paralelo. Depois
dizer que o dono da empre- sumiu da mídia. Você encon-
sa de ônibus pode andar na trava o Lula nas televisões
porta do ônibus dizendo: eu públicas. As televisões privadas
carrego este aqui, mas não não mostravam o Lula de jeito
carrego aquele ali. É como se nenhum.
a empresa de ônibus dissesse
que pode escolher quem pode Agora, como o Lula ga-
andar de ônibus! No ônibus nhou as eleições, quem per-

162
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

deu eleição continuou tendo ma coisa de mais importante e,


cobertura. O Serra teve mais por isso, fulano está saindo, ou
de uma dúzia de matéria na não aconteceu e beltrano não
primeira semana após perder está saindo. A criação de canais
as eleições. O Fernando Hen- visíveis de controle social sobre
rique tem cobertura estável. Ele os meios de comunicação é um
fala qualquer coisa e aparece. elemento indispensável para
Como não existia um projeto uma futura possível política
de exclusividade em torno da pública de comunicação, desde
Presidência sobre as matérias, o o ponto de vista da Psicologia,
fato de o Lula não ser do ninho reconhecendo a importância
dos produtores de informação dos meios de comunicação não
está permitindo um comporta- só como circulação de informa-
mento muito mais razoável dos ção mas também como oferta
meios de comunicação do que de subsídios para a produção
esses meios tinham quando, de uma auto-imagem da nação
por exemplo, o Lula era o der- e da população brasileira.
rotado nas eleições.
Vou parar aqui a minha
Nós não conseguimos pres- fala para termos tempo para o
tar atenção nisso porque natura- Ricardo e podermos debater.
lizamos a informação. Achamos Espero que possamos conversar
que, na certa, aconteceu algu- um pouco.

Ricardo Moretzsohn
Conselho Federal de Psicologia

Vou tentar dar uma certa sive, que o Daniel mandasse


seqüência ou explicar melhor um texto para podermos ler,
alguma coisa em relação ao mas ele não tinha prepara-
que o Ferreira está colocando. do. Vou falar a partir de um
texto do Pedrinho Guareschi,
A função principal desta outro companheiro nosso que
Mesa era do Daniel e, como estava aqui e tem produzido
o Ferreira disse, tivemos que em relação a essa questão da
rearranjar. Tentamos, inclu- comunicação.

163
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Se verificarmos o que está uma forma geral - um nicho da


escrito nas Constituições de sociedade civil organizada tem
diversos países considerados se preocupado com isso -, não
democráticos, veremos que a percebeu, ainda, a dimensão
comunicação quase sempre é de termos uma política pública
definida como um serviço pú- de comunicação que deveria
blico. A Constituição de 1988 ser a mãe de todas as políticas.
avançou muito em relação a Não adianta a nossa tentativa
isso. Ou seja, como serviço de intervir em quaisquer polí-
público tem por objetivo fun- ticas públicas. Se elas não fo-
damental estar a serviço de rem acatadas por uma política
pessoas e grupos, para que pública da comunicação que
cheguem a conseguir os seus conceda isso, a tarefa de imple-
objetivos pessoais e sociais. mentar essas políticas torna-se
infinitamente mais difícil ou
O fato de a comunicação praticamente impossível, de-
ser considerada um serviço pú- pendendo do ponto de vista
blico não impediria, a princí- que percebamos.
pio, que fosse propriedade de
pessoas ou de grupos, contanto No Brasil, a comunicação
que estivesse servindo aos inte- em geral constituiu-se num
resses da coletividade. Pode bem privado, numa proprie-
ser propriedade de grupos dade particular que passou a
desde que possibilitem canais seguir apenas alguns interes-
de expressão ou de intercâm- ses específicos. Nesse sentido,
bio entre as pessoas, ou seja, tornam-se um poder a serviço
que as pessoas tenham direito de apenas alguns.
de anunciar o seu projeto, que
as pessoas tenham direito de A concentração dos meios
manifestar, organizadamente, de comunicação no Brasil é
aquilo que acham projeto co- uma das mais escandalosas do
letivo, aquilo que acham do lu- mundo. Nove famílias - às vezes
gar, da cidade em que vivem. falam em seis famílias, porque
há um tipo de sociedade que
O problema é que no Bra- torna difícil caracterizar - são
sil a coisa é indecente. A maior donas de 95% de toda a comu-
parte da sociedade, talvez de nicação no Brasil. Apenas uma

164
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

organização, a Rede Globo, é comunicação, entre televisões,


responsável por algo em torno rádios e jornais. Através desses
de 70% de toda comunicação aliados locais, os donos contro-
no Brasil. lam 294 emissoras de televisão -
significa 90% do total de emis-
Aí vamos para um estudo soras do país -, 122 emissoras
feito pelo Daniel. O Daniel de rádio AM e 184 rádios FM,
coordena uma ONG, no Rio duas rádios de onda tropical e
Grande do Sul, que se cha- 50 jornais diários.
ma Instituto de Estudos e
Pesquisas em Comunicação Israel Bayma, assessor do
- EPCOM. Então, o Daniel, PT e um dos principais res-
juntamente com Pedro Luiz ponsáveis pela formulação da
Osório e James Görgen, fez política de comunicação do
uma análise da democracia na Governo Lula, tem um outro
área das comunicações e cons- estudo, no qual aponta algo
tatou que, no Brasil, vinte anos interessante. Ele mostra que
depois da redemocratização, das 3.315 concessões de rádio
o sistema de comunicação de e televisão distribuídas pelo
massa continua intocado. Se- Governo Fernando Henrique
gundo eles, a falta de uma in- Cardoso, 37,5% pertencem a
termediação efetiva do Estado políticos filiados ao PFL; 17,5%
permitiu o rígido controle pe- a políticos do PMDB; 12,5 a po-
los principais proprietários de líticos do PPB, hoje PP; 63%,
veículos de comunicação sobre PSDB; e PDT detém 3,8%. O
as redes. Tornou-se o cadea- estudo mostrou também que
do que restringe a liberdade cinco governadores de estado
do setor. Esse estudo, que se e 47 deputados federais são
chama “Os Donos da Mídia”, proprietários de emissoras de
mapeou a configuração do se- rádio e televisão.
tor no Brasil.
Há coisa de dois meses,
Pela pesquisa do EPCOM, saiu uma denúncia: 26% dos
seis redes privadas nacionais deputados que fazem parte
de televisão aberta e seus da Comissão de Comunicação
138 grupos regionais filiados da Câmara dos Deputados são
controlam 667 veículos de donos ou representam inte-

165
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

resses de donos de veículos de possuírem um meio, também


comunicação no Brasil. É uma controlam todo o conteúdo.
situação gritante, escandalosa. Algumas chegam a produzir
É como colocar a raposa para quase totalmente o que trans-
tomar conta do galinheiro. mitem. A sociedade quase
inteira fica, assim, sem voz, e
Tem algo na comunicação somente consegue transmitir
que eles chamam de proprie- o seu pensamento, expressar
dade cruzada. Nos Estados a sua opinião, pronunciar a
Unidos, até agora, há um sua palavra e ouvir a sua voz
rígido controle sobre isso. se submeter-se ao ditames dos
Se você é dono do canal de donos do meio de comunica-
televisão de um determinado ção.
lugar, você não pode ser dono
do jornal, ou vice-versa. Curio- Temos que estabelecer
samente, depois do Bush, esse uma diferença entre o direi-
controle norte-americano to à informação e o direito
está sendo sucateado, deli- à comunicação. O direito à
beradamente sucateado. Os informação é aquele direito
próprios Estados Unidos vão que todos temos de ser bem
partir para o vale-tudo. Te- informados, de haver uma
mos Murdoch, dono da Fox, informação imparcial, séria
maior empresário do mundo e precisa. Isso é diferente do
de redes de comunicação. O direito à comunicação. Direito
próprio Governo norte-ame- à comunicação não é usar o
ricano está interessado em dial da televisão ou o controle
acabar com esse controle da remoto e mudar de emissora,
comunicação cruzada. porque quer outra informa-
ção. Direito à comunicação é o
No Brasil, torna-se mais direito que a sociedade tem de
grave quando constatamos se expressar. Se pensarmos em
que essas empresas não são democratização dos meios de
apenas donas dos meios de co- comunicação, temos que pen-
municação. Isso não seria tão sar que o direito fundamental
sério se essas empresas esti- à comunicação é o direito de
vessem efetivamente a serviço as pessoas expressarem os seus
de toda a sociedade. Além de projetos de vida. Podemos fa-

166
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

zer uma analogia com os gre- vir, como é a construção da


gos da ágora, onde não bas- subjetividade? Que modos
tava as pessoas participarem. de subjetivação estão sendo
Para que fossem consideradas realizados, com um conteúdo
efetivamente cidadãs, tinham totalmente extemporâneo? É
que anunciar o seu projeto o que o Marcos Ferreira está
naquele espaço. falando. Você precisa de um
Projeto de Lei para que haja
Hoje, o que acontece? O regionalização da progra-
espaço público transformou- mação. Esse Projeto de Lei
se no espaço da comunica- existe desde 1992. Há onze
ção. Se você não tem como anos não conseguem colo-
anunciar o seu projeto pu- car esse projeto na pauta do
blicamente, porque você não Congresso Nacional. É um
tem acesso, podemos fazer boicote atrás do outro. Não
uma articulação disso com há interesse em fazer produ-
a questão do massacre da ção local, não há interesse em
subjetividade. A nossa sub- veicular algo que não atenda
jetividade é constituída em ao dono.
relação ao outro. É a cultura,
é a sociedade, são as relações Falou-se da história do Bri-
sociais. É assim que moldo zola e do Roberto Marinho. A
a minha subjetividade, é o tese de mestrado do Daniel
espaço público. Se, ao me re- era sobre a Rede Globo. “A his-
lacionar com esse espaço pú- tória secreta da Rede Globo”.
blico, a subjetividade é algo Ele cita no livro essa histó-
que vem de lá para cá, eu não ria do Brizola e do Roberto
tenho defesa. Marinho. Não só o Brizola
não podia aparecer, como a
Nós, que temos uma certa Globo tentou fraudar as elei-
experiência de vida, talvez ções. Os repórteres davam
tenhamos passado uma boa os flashes. A Globo adotou a se-
parte da infância sem sermos guinte metodologia: como no
submetido a essa ditadura interior o Brizola era menos
dos meios de comunicação. votado, contavam dois votos
Se pensarmos em todas es- do interior e um, da capital.
sas gerações que estão por A prévia era do Brizola sendo

167
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

derrotado. Houve até uma poderíamos agregar essa con-


denúncia disso na época. O versa à história da Campanha
Brizola conseguiu eleger-se. da Baixaria.

Ele denunciou, nos meios Não sei se vocês conhecem,


de comunicação internacio- mas hoje existe uma campa-
nais, para fazer frente a isso. nha da Comissão de Direitos
Humanos da Câmara dos De-
Além de ser um serviço putados, que é “Quem financia
público, a comunicação é a baixaria é contra a cidada-
um serviço público especial. nia”. Essa campanha foi fruto
Ele tem uma especificidade. da VII Conferência Nacional
Não é como uma estrada, um dos Direitos Humanos, onde
telefone, um correio. Esses mais de 900 entidades deter-
serviços não transmitem, dire- minaram que deveria haver
tamente, nenhuma doutrina, algum tipo de enfrentamento
nenhum valor, não induzem à em relação à questão do avil-
execução de nenhuma ação. A tamento dos direitos humanos
comunicação, por outro lado, na mídia. Essa campanha é
traz em si uma capacidade, uma tradução, uma ação desse
um poder de levar as pessoas a eixo da conferência de direitos
pensarem de um determinado humanos. Essa campanha,
modo e agirem de determina- hoje, conta com 50 entidades
da maneira. A comunicação co-parceiras, inclusive o Con-
cria representações sociais e, selho Federal de Psicologia. O
conseqüentemente, leva a um que essa campanha pretende?
estabelecimento de atos, com- Ela tem a pretensão de ser um
portamentos, ações que têm a organismo social que acolha as
ver com a vida na sociedade. denúncias de qualquer cida-
dão que se sinta humilhado,
Eu queria tentar fazer um prejudicado ou aviltado pela
gancho, entrando na questão TV. A campanha começa com
de que temos a ver com isso. a televisão e depois vai passar
O Marcos trouxe para nós, para rádios. Por que a televi-
inicialmente, a concepção são? Porque uma parcela de
do protagonismo social, e eu cerca de 87% deste país pos-
queria estar pensando que suiu televisão.

168
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Faço parte do Comitê de Esse parecer é submetido


Acompanhamento de Mídia, à apreciação do Comitê e a
representando o Conselho Comissão de Direitos Huma-
Federal de Psicologia, que faz nos entra em contato com a
parte dessa campanha. As 19 emissora. Diz para a emissora
pessoas que fazem parte desse que recebeu tantas denúncias
Comitê, oriundas de diversas contra o programa. O pare-
entidades, têm como função cer é enviado às emissoras. A
acolher a denúncia feita. Essa emissora pode dizer que não
denúncia é enviada a um dos está nem aí. “Vou continuar
19 componentes do Comitê, fazendo o que eu quero, quem
que formula um parecer. Há manda aqui sou eu.” A segun-
toda uma metodologia que da etapa estratégica aborda os
construímos, para a elaboração os patrocinadores. Procura-se
desse parecer. A pessoa tem quem patrocina o programa
que ver, no mínimo, quatro e tenta-se demonstrar a esses
sessões do programa. Enfim, patrocinadores que o progra-
verifica se a denúncia proce- ma que estão financiando é
de e o que está infringindo. um programa considerado de
Trabalhamos com o Estatuto baixaria. Aí tem toda essa argu-
da Criança e do Adolescente, mentação, parecer etc. Se não
com a Declaração Universal der certo, a terceira alternativa
dos Direitos Humanos, com a é divulgar amplamente uma
Constituição brasileira. São os lista, chamada de lista suja,
documentos que temos como para toda a sociedade brasilei-
referência. ra, pela qual vão ser denuncia-
dos programa e patrocinador.
É impressionante como Ou seja, é mexer na questão
a população tem sabedoria. do conteúdo da programação
Imaginávamos que as queixas pelo bolso do próprio dono da
seriam do tipo “não gosto de televisão.
tal apresentador e, então, vou
fazer uma queixa contra ele”. Ao final, há uma represen-
Eventualmente isso aparece, tação enviada ao Ministério
mas é raro. As queixas são per- Público. É impressionante
tinentes. São extremamente como o Ministério Público
pertinentes. abraçou isso. O Ministério

169
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Público Federal e os Ministé- dia de semana, vendo progra-


rios Públicos Estaduais são os mas de televisão, não tem saí-
maiores parceiros que temos. da. Uma pequena parcela da
população tem acesso à TV a
Divulgamos, recentemen- cabo, TV por satélite, que tem
te, no final de abril, o segun- outro tipo de programação.
do ranking dos programas Agora, quem só utiliza a TV
considerados de baixaria. aberta não tem saída. A pro-
O programa do Gugu Libe- grama vespertina deveria ser
rato foi o campeão e o João veiculada depois de 23, 24 ho-
Kleber, com dois programas, ras. São programas que fazem
ficou em terceiro lugar. Na discriminação social.
semana passada, tivemos in-
formações de que, tanto o É impressionante como a
Gugu Liberato quanto o João representação do homossexu-
Kleber, procuraram a coorde- al, nos programas de televisão,
nação da campanha. O Gugu é feita, seja num programa
mandou o assessor, que é o cômico, seja nas pegadinhas.
braço direito dele, conversar, Ele é sempre colocado como
querendo discutir o programa aquele sujeito que, no final
e dizendo que gostaria que da situação, é ridicularizado
o Comitê fosse balizador da ou, às vezes, apanha. Em uma
programação, pois não queria pegadinha, um homossexual
ser considerado programa de tenta abordar algum cidadão
baixaria. Contratou mais dois e, ao final, apanha. Isso cria
diretores e jornalistas. O João um caldo de cultura extrema-
Kleber, que é aquela baixaria mente fascista. Desde cedo as
em si mesmo, também anun- crianças começam a pensar
ciou publicamente que está que quem tem uma orienta-
revendo toda a programação ção sexual diferente tem que
e que agora vai trabalhar com apanhar. Isso é passado ves-
programas dirigidos às crian- pertinamente.
ças. Estamos aguardando para
ver o que virá. Sem contarmos as cenas
gratuitas de violência, agres-
Se alguém já teve a oportu- são. Eu tenho conversado
nidade de ficar à tarde, num com o Ferreira nesses dias

170
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

e pensado que, estrategi-


camente, essa campanha é
um lugar muito importante
para que articulemos. Quan-
do chamamos para discutir
a democratização da comu-
nicação, todo mundo acha
que não tem nada a ver com
isso. Ah, isso é questão téc-
nica, deve ser uma coisa de
engenheiro, deve ser coisa
de político. Não tem a ver
comigo.

Agora, quando você co-


meça a discutir a baixaria
na televisão, todo mundo
conhece o programa. Quem
tem filho sabe do que você
está falando. Você concorda
que o seu filho fique exposto
a esse tipo de situação? Aí as
pessoas são sensibilizadas de
alguma forma.

Começamos a pensar que


talvez esse seja um bom cami-
nho para começarmos a discu-
tir a questão da democratiza-
ção da comunicação. Nesta
Mesa de hoje, o que isso tem a
ver com o protagonismo social
dos psicólogos?!

171
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

DEBATES

Público - Eu acho muito Também me preocupa a


oportuna essa discussão por- formação dos comunicado-
que também tenho essa an- res sociais, das pessoas que
gústia. Escrevo em um jornal fazem os cursos de Comu-
on-line, uma coluna semanal, nicação Social e o encami-
e já escrevi sobre esse aspecto, nhamento dessa formação.
ou seja, o quanto a mídia dis- Concordo que possam ser
torce e está dessintonizada da desenvolvidos mais estudos
realidade. Todo aspecto que é ou mais discussões de psicó-
trazido na mídia ou é sensa- logos com os comunicado-
cionalista ou é muito afastado res sociais. Parece-me que
do que realmente acontece. há um afastamento muito
grande da essência e da rea-
Quando vocês levantam lidade da vida.
esse aspecto, sinto uma angús-
tia, porque verifico isso. Fico Achei muito oportuna
muito à vontade para irmos ao essa Mesa. Queria dar esse
âmago da questão rapidamen- depoimento. Toquei-me
te no sentido das soluções que principalmente com essa
podem ser encaminhada. Nós, questão de os proprietários
psicólogos, temos um espaço dos meios de comunicação
muito grande para ocupar. bloquearem a comunicação
Por exemplo, uma coisa que e fazerem-na de forma que
me preocupa é a pouca di- os jornalistas muitas vezes fi-
vulgação das ações voltadas cam manietados - expressão
para a ciência. Para o futebol gaúcha -, presos à condução
e para a violência são imensos do empregador e sem a liber-
os espaços, seja na televisão dade de poderem ser eles.
seja nos jornais impressos. Ao longo dos anos as pessoas
Fico vendo quanto espaço se entram numa pressão muito
dá para o futebol e que peque- grande e isso é grave. Os
no é o espaço que se dá para jornalistas, às vezes, correm
as questões atinentes à preven- o risco de ficar sem a liber-
ção da saúde e à saúde. dade de expressão.

172
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Eu também me preocupo do sistema prisional. Estamos


com esses aspectos. corroborando com esse siste-
ma, quando estamos lá dentro
Público - Há vários aspec- fazendo um trabalho para ma-
tos. Vou reduzir algumas das nutenção daquele sistema, e
coisas. Fiquei imaginando o o jornalista hoje também está
que seria mais importante para fazendo isso. Da mesma forma
estar levantando. que estamos falando da nossa
profissão, é bom falar da profis-
Estamos falando de prota- são dos jornalistas, quando eles
gonismo social dos psicólogos. não mudam a forma de fazer,
Eu acho que os jornalistas quando eles estão mantendo o
também estão precisando cui- seu emprego e fazendo contra
dar desse assunto. Afinal, eles a sua própria profissão. Eles
precisam se dar conta disso. têm tão pouca força hoje que
Quando acabou a ditadura, pa- perderam a própria lei da pro-
recia que todo problema estava fissão. Eles nunca tiveram leis e
vinculado a uma censura. Aí hoje não precisam ser jornalis-
se passou a uma manipulação, tas para serem jornalistas. Eles
que sempre houve, que está estão em uma situação muito
muito mais poderosa nesses difícil hoje.
últimos anos, dos donos dos
meios de comunicação. Conversar com jornalistas
ou fazer um seminário que
Eu queria lembrar que os cruze psicólogo, jornalista, his-
meios de comunicação, de tele- toriador, sociólogo e filósofo,
visão, são concessões do Gover- enfim, todos que lidam com o
no e o Governo paga para fazer ser humano, seria uma coisa
campanha. Então, nós, que interessante.
pagamos impostos, estamos
pagando campanhas das coisas Eu queria lembrar que o
que a população está precisan- que chega para todo mundo
do. Isso é uma coisa muito não é a televisão, é o rádio.
esquisita da comunicação. O rádio é o instrumento pelo
qual você fala para a comunida-
Falamos que estamos fa- de. O rádio está perto. Como
zendo um trabalho dentro muitos somos de cidades gran-

173
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

des, não estamos vivendo isso. dentro da televisão, que são


Existem muitos atores sociais os “arautos” de Deus, e que
que chegam a uma pequena fazem sessão de exorcismo,
cidade, conseguem um es- pregação moral, extorsão de
paço no rádio e falam assim: dinheiro do público e lavagem
“Comunidade, vem aqui falar cerebral. Temos exorcismo de
qual é o seu problema.” Tem madrugada na televisão!!! Eu
gente fazendo isso pelo Brasil só queria lembrar que isso é
afora. Sobral, no Ceará, é um muito grave, pois é uma forma
lugar em que aconteceu isso horrível de lidar com o sofri-
nos anos 80 com uma força mento humano que está na
enorme. É aberto um espaço televisão. Isso vai bem além da
e as pessoas vêm falar disso. baixaria.
Essa rádio comunitária é um
lugar muito importante. Público - Esta Mesa é apai-
xonante. O tema da comuni-
Há um afunilamento e os cação é importantíssimo, já
caras não conseguem ter esse foi dito, e daria “pano para a
espaço. Esse é um espaço do manga”. Quando pensei em
ator social. O ator social chega falar, queria pautar o protago-
lá e abre um espaço para tra- nismo social.
zer a comunidade para dentro
da rádio. Ao longo desse dia vi que
ainda está havendo confusão
Em Florianópolis, os usu- entre os nossos colegas sobre
ários do NAPS estão com um entendimento da questão do
programa na rádio univer- protagonismo social. Achei
sitária e dão espaço. Ainda fantástica a forma como o
não consegui ouvir, mas eles Marcos apresentou.
dizem que estão falando sobre
a loucura deles. Estão com Eu estava me lembrando
um espaço no rádio para falar do livro “Raízes do Brasil”,
disso. de Sérgio Buarque de Holan-
da, que diz que temos uma
Sobre essa coisa da baixa- tendência ao personalismo.
ria, temos um problema mui- Quando fazemos uma compa-
to sério e que nos diz respeito, ração do protagonismo com a

174
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

cena teatral, algumas pessoas a discussão do protagonismo


entendem que ser protagonis- social, para um entendimen-
ta é ser um personagem ou ser to mais amplo. Quem traba-
o personagem. Não se trata lha com adolescente não faz
do psicólogo ou da Psicologia tanto essa confusão, porque
brasileira. Aí chegam depoi- trabalhamos com protagonis-
mentos equivocados, como mo juvenil há muito tempo.
houve na Mesa anterior, quan- Então, o conceito já está mais
do disseram que a Psiquiatria incorporado. Há conscienti-
foi o ator principal na saúde zação de que não é uma cena
mental e que não queremos na qual, de repente, o psicó-
esse lugar. Não estamos que- logo vai estar. Se não, vamos
rendo que o psicólogo seja estar repetindo a mesma coi-
o ator, mas que a Psicologia sa. Vamos estar construindo e
construa um olhar coletivo. atuando.

Nesse aspecto, a compara- A discussão sobre a comu-


ção com o teatro é perigosa. nicação é fundamental para
Devemos ter cuidado para todas as outras discussões
as pessoas não entenderem que vimos tendo. Quando o
como uma versão personalista. Pedro Gabriel diz que há uma
Não vamos estar ali para dizer falha da nossa comunicação
o que a Psicologia quer corpo- com as famílias dos usuários
rativamente naquela situação. dos serviços de saúde mental,
Não queremos puxar o poder estamos falando de uma falha
para a Psicologia, não. Que- de comunicação também, de
remos usar o nosso saber para um outro tipo de comunica-
construir essas cenas. Foi mui- ção. Não é a comunicação
ta apropriada a sua forma de que estava sendo tratada com
abordar essa questão. relação à televisão e aos meios
de comunicação. É uma co-
A minha idéia de falar municação na nossa prática.
aqui era para voltarmos a essa Quando começarmos a comu-
discussão. Eu estava falando nicar o nosso saber de uma
com a Ana Lima e com o forma efetiva, em todos os lu-
Ricardo, antes da Mesa, que gares, vamos estar exercendo
precisamos aprofundar mais o protagonismo social.

175
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Público - A minha fala tem trabalhando com uma coisa


um viés completamente dife- que não tinha nada a ver com
rente das demais. É o viés da a profissão.
interface.
Há a resistência dentro da
Quando o Ricardo assu- própria categoria dos psicó-
miu a cadeira no Comitê, eu logos de entender os espaços
vibrei, porque há cinco anos que o psicólogo tem. A gran-
venho estudando a Psicologia de maioria dos psicólogos fica
da Comunicação. Estou en- restrita à clínica e ao hospital.
trando no mestrado em comu- O estágio hospitalar em todas
nicação, com a tese da Psico- as universidades é muito con-
logia envolvendo os processos corrido. O estágio de clínica é
cognitivos. Desde o Fórum da concorrido. Agora, vá buscar
Psicologia no Trânsito venho estágio de Psicologia do Trân-
batendo nas propagandas. sito, vá buscar estágio de Psico-
logia da Comunicação... Não
Se não me engano, o Fó- sabem nem do que se trata.
rum da Psicologia no Trânsito Como trabalho na graduação,
foi há cinco anos. Naquela com percepção e motivação,
época, quando escrevi a tese fica mais fácil para mim, pois
para o Fórum Regional da Psi- faço essa junção.
cologia do Trânsito, encontrei
uma colega, psicóloga há vinte Outra resistência que
e tanto anos, que disse: “Cláu- estou encontrando, nessa in-
dia, tenha cuidado. Você está terface, é no lado dos comu-
entrando nas alternativas da nicadores sociais. Não sei se
Psicologia.” Eu disse que não você está encontrando isso lá
estava entrando nas alternati- no Comitê. Já fui orientada: se
vas, eu estava dentro da Psico- você escrever sobre isso, não
logia Social. Está no Catálogo vai encontrar um orientador
Brasileiro de Ocupações do capaz de acompanhar o seu
Ministério do Trabalho. Pe- trabalho. Se você colocar isso,
guei o livro da legislação e vai derrubar toda a mídia, por-
fui mostrar, pois ela disse que que isso é o que mais vende na
iria me processar, que iria ao televisão. Imprimi a folha do
Conselho dizer que eu estava Comitê e ando com ela. Eu

176
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

digo que é uma diretriz, uma tes, e a imagem que a televisão


abordagem do Conselho. Al- cria da beleza não reconhece
guns dizem que o Conselho nenhum traço étnico como
não tem nada a ver com isso. traço de beleza. Isso cria sofri-
Eu digo que tem, porque tam- mento, inferioridade e várias
bém sou o Conselho. dificuldades para as pessoas
estarem se desenvolvendo.
Eu queria saber como você
se sente e como é a recepti- Eu queria ouvir uma dis-
vidade dos comunicadores cussão um pouco no campo
nesse Comitê do qual você faz da estratégia. Estou traba-
parte. lhando agora com um projeto
que tem a ver com a violência
Público - Eu queria estar urbana. Temos tido, como
falando da importância desta estratégia importante, a pos-
Mesa no Seminário de Políti- sibilidade de trabalhar com
cas Públicas, e não em outro a mídia. Só que estamos com
lugar dentro do Congresso. muita dificuldade de pensar
Tenho sentido falta de espaço a forma de aproximação da
para conversar sobre esse as- grande imprensa. Estamos
sunto e acho muito oportuno até construindo estratégias
podermos estar fazendo um para a mídia comunitária.
pouco essa conversa. Estamos, em São Paulo, com
uma instituição que trabalha
Gostei muito da imagem com a mídia comunitária. Es-
que o Marcos usou para falar tamos pensando algumas es-
da distorção do espelho. Essa é tratégias mais regionalizadas
uma das coisas mais inteligen- e centralizadas de trabalho.
tes orquestradas pelo campo Há muito tempo não consigo
dos donos de comunicação de acompanhar as discussões do
massa no Brasil. Percebemos Fórum, mas lembro-me que o
isso no cotidiano do nosso Fórum fazia uma discussão so-
trabalho profissional, quando bre produção de matérias, de
trabalhamos, por exemplo, notícias e de textos. Estou um
com adolescente. Outro dia pouco distante e queria ouvir
estávamos trabalhando a ques- as estratégias de interferência
tão da beleza com adolescen- e de trabalho possível com a

177
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

grande imprensa que têm sido meios de comunicação, é mais


discutidas. do que necessário que a cate-
goria entenda que, quando um
Público - Enquanto psicólo- colega está queimado por usar
gos, temos uma imagem social aquele instrumento, é porque
e correspondemos a essa ima- está brigando realmente com
gem. As pessoas sabem que, se outros profissionais, que são
somos psicólogos, somos seres os legítimos no uso daquele
comunicativos. instrumento.

O trabalho do psicólogo, no Ricardo Moretzsohn – Não


uso dos veículos de comunica- temos mais muito tempo. Eu
ção, é árduo e, às vezes, volta-se queria fazer um comentário
para o próprio profissional. Ele geral sobre as falas.
não tem tanto respaldo ou um
feedback positivo. Precisamos A história da censura que a
ocupar a comunicação, mas Ana Lima coloca é um negócio
você briga com os profissionais, interessante. Os empresários
que são os jornalistas e os comu- da comunicação dizem que
nicólogos. Se você vai trabalhar essa campanha é censura. Eles
com as comunidades interiora- hoje estão se sentindo censura-
nas, que têm uma rádio peque- dos, como se quiséssemos fazer
na, enfrenta o dono da rádio, censura. Quer dizer, eles des-
que é o prefeito, e os represen- qualificam qualquer tentativa.
tantes diretos da comunidade, Com isso, estamos criando, de
que têm a posse daquele instru- forma embrionária, controle
mento. Então, ao trabalhar em social do conteúdo. Daqui a
determinados espaços que não pouco queremos chegar ao
são próprios da sua categoria, controle social da política
você pode ficar queimado tam- pública de comunicação deste
bém na categoria. país.

Aí há experiências próprias Censura é o que os empre-


e a aceitação é chave. sários fazem com a população
brasileira, pois só mostram à
Concluindo, se estamos fa- população o que ela pode ver,
lando da democratização dos ouvir e ler. Isso é censura.

178
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Em relação à história da mas coisas vêm à mente, mas


rádio, acho fundamental. Há preciso de um tempo para
oito mil pedidos de rádios elaborar.
comunitárias protocolados no
Ministério das Comunicações. A história do exorcismo
Demora mais de dois ou três na televisão entra no que o
anos, porque não há vontade Marcos estava falando do es-
política de haver rádios co- pelho. Hoje o que temos é o
munitárias. Eu faço parte do exorcismo versus a umbanda,
Conselho de Comunicação que é tradição africana. Ou
Social do Senado. Recente- seja, na realidade estão exor-
mente o Presidente da Anatel cizando uma tradição que
foi dizer que não pode haver temos, uma raiz da cultura
rádio comunitária porque o africana. O exorcismo é para
espectro interfere na aviação dizer que fulano ficou com
comercial, na aviação civil. É encosto porque foi ao terrei-
mentira! É balela dizer que ro. “Vocês, que freqüentam
rádio comunitária derruba terreiro, isso é coisa do capeta,
avião. Isso é balela! Isso não é muito ruim”. Aí, cria-se toda
existe em lugar nenhum do uma cultura fundamentalista
mundo. evangélica, que é a cultura im-
portada principalmente dos
Rádios e televisões comu- Estados Unidos.
nitárias seriam o que poderí-
amos pensar de mais próximo Sinto-me muito bem no
de rádios e televisões públicas. Comitê. Todas as 19 pessoas
Na rádio comunitária há um que estão lá, Cláudia, têm uma
conselho que cuida e que dá posição ideológica colocada.
notícias de interesse da comu- Todas essas pessoas que estão
nidade. lá fazem essa crítica. Esse Co-
mitê foi feito por pessoas que
Aí, pega um pouco o que estão querendo defender os
você está pensando, para direitos humanos nessa área.
termos uma conversa e ten-
tarmos uma estratégia de tra- Marcos Ribeiro Ferreira
balho para o que vocês estão – Só vou dizer a vocês que o
pensando. De imediato, algu- maior risco que temos é de

179
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

achar que o importante é Marinho, do Civita, do Sílvio


criar meios de comunicação Santos e de outros que estão
como nós queremos. Esse é aí, capaz de ser abrangente
maior risco. Infelizmente socialmente e capaz de ser um
alguns brizolistas pensavam bom espelho para a nação.
que não fazia mal ter a Rede
Globo. Era só tirar o Roberto Como fazer isso? Podemos,
Marinho e botar o Brizola no dentro da idéia de protagonis-
lugar do Roberto Marinho mo social, criar coletivos de
que o problema da democra- apoio a essa campanha que
tização estaria resolvido. Não está sendo feita contra a baixa-
é verdade. ria. Ela é excelente para orga-
nizar controle social sobre os
Precisamos procurar uma meios de comunicação, mas,
política pública de comunica- para isso, é preciso gente ca-
ção social capaz de abranger paz de dar laudo e parecer so-
a nós mesmos. Os jornais que bre os programas de televisão.
publicamos estão dentro de Estou propondo que seja um
uma política pública de comu- dos projetos do Banco Social
nicação social? Vou afirmar: de Horas. Esse projeto identi-
não, não estão. Discutimos ficaria pessoas que, tendo dis-
políticas públicas de comu- posição, ao serem acionadas
nicação social e dirigimos os pela comissão da campanha,
meios de comunicação aos fizessem exames e pareceres.
quais temos acesso da maneira É preciso que haja grupos em
nem sempre a mais compatí- todos os estados.
vel com uma possível política
que devemos formular. Segundo, é preciso nos
organizarmos no único mo-
Quero resgatar que esta vimento social que existe no
Mesa tem uma importância de país para enfrentar esse assun-
continuidade que diz assim: é to, que é o Fórum pela Demo-
preciso que descubramos, des- cratização da Comunicação.
de o nosso ponto de vista, qual É preciso que forcemos a
é a contribuição que podemos participação das entidades em
dar para criar uma política cada cidade e em cada Estado,
superior a essa do Roberto organizemos comitês regio-

180
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

nais do Fórum pela Democra- de: a de proliferação de fon-


tização da Comunicação no tes de informação. O jornal
Brasil. Haverá plenária no mês “Brasil de Fato” tem chance
de agosto. Até lá, é preciso re- de não ser tão quadradinho,
organizar comitê onde não não está sendo, e poderá ser
houver, tirar delegados e levar uma alternativa importante
ao Fórum para, lá, enfrentar de informação para todos nós
outros problemas. Quando e de comunicação também.
nos encontrarmos em agosto, Ele pretende, dentro de uma
em Brasília, eu conto. É pre- política pública, dar acesso a
ciso estarmos lá para fazer o todos, para comunicarem o
movimento social pela demo- que lhes pareça importante.
cratização acontecer.
Ricardo Moretzsohn – Eu
Terceiro, é preciso que queria dar um endereço. A
nos preparemos para intervir campanha da baixaria pode
sistematicamente nos meios ser acessada pela internet no
de comunicação. A criação site www.eticanatv.org.br. Ali-
de uma agência de notícias ás, o site do Conselho Federal
no nosso campo é uma pro- de Psicologia está linkado nes-
posta absolutamente viável e se site.
indispensável para podermos
exercitar essa política pública Além dos comitês do
de comunicação e disputar, Fórum Nacional para Demo-
desde esse ponto de vista, es- cratização da Comunicação,
paço nos meios. colocar os corpinhos para
fazer parecer, como o Marcos
Evidentemente não po- está propondo, nessa pos-
demos terminar essa sessão sibilidade que a campanha
sem nos referirmos ao jornal abre. De forma alguma está
“Brasil de Fato”. Há uma ini- confrontando com o FNDC.
ciativa hoje no Brasil, jornal Muito pelo contrário, está
“Brasil de Fato”, que precisa somando. É a possibilidade
ser conhecida por todos nós de se criarem comitês estadu-
e, dentro do possível, apoiada ais da campanha. São Paulo
como uma iniciativa que, no criou recentemente, em Mi-
mínimo, tenham uma virtu- nas Gerais está sendo criado

181
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

e no Rio Grande do Norte já


tem.

Esses comitês são fó-


runs de acompanhamento.
A programação nacional
já está sendo vista por essa
campanha da Comissão de
Direitos Humanos. Agora,
há “n” programações locais
e não temos acesso a todas.
Não há nenhum outro tipo
de fiscalização e não há como
denunciar.

Eu queria agradecer a
presença de todos. É sem-
pre bom, para mim e para
o Marcos Ferreira, estarmos
falando disso.

Estávamos preocupados.
Se hoje não tivesse ninguém
aqui, seria um lucro, porque,
se, na próxima reunião, hou-
ver dez pessoas, então seria
mil por cento de participa-
ção! Temos que conversar
sobre isso.

182
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

MESA REDONDA III

Protagonismo Social da Psicologia na Área da


Criança e do Adolescente

Palestrante
Cláudio Vieira
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente

Debatedora
Carla França
Conselho Regional de Psicologia – 3ª Região (BA/SE)

183
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

MESA REDONDA III


Protagonismo Social da Psicologia na Área da
Criança e do Adolescente
Carla França
Conselho Regional de Psicologia – 3ª Região

Boa-tarde a todos. no papel de debatedora, depois


da fala do Cláudio, para que ga-
Quero agradecer o convite nhemos tempo e recuperemos
para fazer parte desta Mesa. Não um pouco este atraso. Tenho
é um lugar em que eu me sinta visto que os debates têm ficado
muito à vontade, pois não tenha comprometidos e as pessoas
a prática de estar falando nesses não têm as questões totalmente
espaços. Pela minha militância respondidas. Se, durante a fala
na área, vou tentar fazer deste dele, vocês já quiserem ir fa-
lugar o mais próximo possível zendo as perguntas por escrito,
do lugar que costumo trabalhar. isso me ajudaria bastante e eu
me sentiria mais à vontade para
Peço licença para o Cláudio, fazer a intervenção.
para falar um pouco, antes dele,
porque vou pedir para distribu- Passo a palavra ao Cláudio,
írem alguns papéis, já recortei, representante do Conselho Na-
inclusive para que eu possa cional dos Direitos da Criança e
construir a minha intervenção, do Adolescente.

Cláudio Vieira
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Condanda)

Muito boa-tarde a todos e, principalmente, nesta parte


vocês. para a qual fomos especial-
mente convidados pelo Conse-
Como já disse ontem, é lho Federal de Psicologia, que
com satisfação que o Conanda é para refletir sobre o papel da
faz-se presente neste Congresso Psicologia e do psicólogo den-

184
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tro das políticas públicas, no também tinha a sua legislação


viés do protagonismo social. específica representando a
mentalidade e a postura políti-
Agradeço profundamente ca da Lei de Segurança Nacio-
esse convite para estarmos aqui. nal. Era o Código de Menores.
Esse Código de Menores, como
Vamos tentar fazer uma todos sabemos, foi promulga-
reflexão, enquanto profissio- do em 1979 e dividia claramen-
nais dessa área também. Estou te a população infanto-juvenil
no Conanda representando em duas categorias distintas.
a sociedade civil. O Conselho Eram os menores que viviam
Federal de Psicologia, nesta em situação irregular. Situa-
gestão, é conselheiro, na pes- ção irregular valeu todo tipo
soa do Miguel. Faz um pouco de situação, desde estar nas
essa história de tentarmos - e ruas e nas calçadas de chinelo
estamos conseguindo - virar de dedo, que, naquela época,
a página da área de políticas não tinha o status de moda que
públicas para a criança e para tem hoje, de bermuda e sem
o adolescente. camisa. Era possível ser clas-
sificado, dependendo do juiz
Dividi essa colocação inicial de plantão ou dependendo da
em duas partes. Vou falar um cidade em que acontecia esse
pouco do histórico do Estatuto fato, de menor em situação ir-
da Criança e do Adolescente e regular e, então, passível de ser
depois levantar algumas ques- recolhido.
tões sobre o nosso entendi-
mento do papel da Psicologia O braço que executava tudo
e do profissional da Psicologia isso era a Política Nacional de
nesse reordenamento que está Bem-Estar do Menor, concebi-
em pleno andamento, para da na Funabem e pelas Febens
que possamos ter uma qualida- nos estados. Já nessa época en-
de de vida melhor e para que a tão, final dos anos 70 e início
população infanto-juvenil seja dos anos 80, veio o movimento
atendida em nosso país. de redemocratização do nosso
país. Eleições de prefeito da
Na ditadura militar, a área capital, processo constituinte,
da criança e do adolescente eleições de governador. É bom

185
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

lembrar que nenhum prefeito o adolescente. Não sei se hoje


de capital era eleito. Nenhuma conseguiríamos colocar isso no
capital, considerada área de texto constitucional. É eviden-
segurança nacional, tinha pre- te que não podemos fazer uma
feito eleito. Foi se constituindo comparação sem ver o ambien-
o movimento, uma frente de te de uma nova constituinte,
defesa dos direitos da criança e mas não sei como seria a nossa
do adolescente. Isso teve o seu mobilização política hoje.
cume, o seu ápice, nas denún-
cias, no exterior, daquele con- Naquela oportunidade,
tingente enorme de crianças todos os movimentos comu-
e adolescentes assassinados no nitários, pastorais, igrejas e
Brasil, mortas por homicídio. instituições que atendiam aos
chamados menores de rua, en-
Esse movimento veio sendo fim, todo esse movimento que
criado ao largo da política ofi- foi se costurando por todo este
cial. A política oficial, baseada país, conseguiu fazer a maior
no Código de Menores, dividia emenda popular da Constitui-
e estancava, dentro dos gran- ção brasileira. Logo depois,
des internatos, das Febens, no ano de 1989, depois de um
todo tipo de criança e de ado- longuíssimo período, conse-
lescente, não só aqueles que guimos retomar o processo de
estavam em conflito com a lei, eleger o Presidente República.
como falamos hoje, mas, pelo Foi naquelas condições, há
simples fato de a autoridade pouco relembradas pela Mesa
judiciária determinar que esta- anterior. Houve uma participa-
vam em situação irregular. ção ativa dos meios de comuni-
cação social, inclusive da Rede
Ao longo desses anos, o Globo, definitiva, no último fim
país foi assinando os grandes de semana.
acordos internacionais em vis-
ta dos direitos da criança e do Chegamos ao ano de 1990,
adolescente. Tivemos a Consti- com esse Estatuto escrito por
tuição de 1988. Fomos a maior várias mãos e fruto desse mo-
emenda popular da Constitui- vimento social em torno dos
ção, no art. 227: prioridade direitos da criança e do adoles-
absoluta para a criança e para cente. Dessa forma, qualquer

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Presidente que fosse eleito e 1988, para a descentralização


qualquer Congresso que fosse político-administrativa, para a
eleito, em 1989, esse Projeto municipalização das ações e
de Lei estaria com uma con- para o controle social.
juntura absolutamente favorá-
vel para ser aprovado dentro Desde 13 de julho de 1990,
do Congresso brasileiro e temos uma legislação que fala
sancionado pelo Presidente que o Brasil não pode ser mais
que vencesse as eleições. Esse definido, do ponto de vista das
processo de redemocratização políticas públicas para a crian-
na área da infância e da adoles- ça e para o adolescente, como
cência caminhou muito nesse um único órgão. Ele tem que
período, do final dos anos 70 ser direcionado a partir dos
em diante, e, ao mesmo tempo municípios. Agora, estamos
em que o país ia se redemo- falando de um processo de
cratizando, do ponto de vista municipalização e não de pre-
político-partidário e das garan- feiturização. Para isso precisa-
tias individuais, conseguimos mos executar o que colocamos
essa importante vitória, que sobre o controle social. Isso
foi a promulgação e a sanção está baseado no que o Estatuto
desse instrumento que com- prevê, que é o sistema de ga-
pleta, neste ano, treze anos de rantia de direitos. Esse sistema
existência, que é o Estatuto da de garantia de direitos, que
Criança e do Adolescente. perpassa todo o Estatuto da
Criança e do Adolescente, tem
O Estatuto muda esse para- um tripé de funcionamento,
digma, que era a situação irre- que é a defesa dos direitos, a
gular, para a proteção integral. promoção dos direitos e o con-
Então, passamos a entender, na trole social.
nossa legislação, fruto de todo
esse movimento, que criança e Esse movimento propôs-se
adolescente são sujeitos que, a colocar uma nova legislação
em primeiro lugar, precisam para o país, pois não mais
das políticas sociais básicas para bastava executarmos aqueles
terem garantida a proteção in- programas alternativos, enfim,
tegral a suas vidas. Ele aponta, todas aquelas iniciativas válidas
no rastro da Constituição de que fizemos no período do

187
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Código de Menores. Vimos Evidentemente não acontece


que tínhamos que transformar minimamente bem nesses três
a legislação, diante da nova mil municípios esse sistema
Constituição. Esse movimen- funcionando.
to tomou para si a tarefa de
implantar essa nova legislação. Os profissionais que esta-
Então, a partir de 13 de julho vam envolvidos num atendi-
de 1990, não era estalar os mento e numa percepção de
dedos e dizer que a legislação que a culpa era da família, a
automaticamente seria implan- responsabilização única era da
tada neste país. Tinha que ser família, o único que poderia
implantada. ter a capacidade para avaliar e
julgar a situação de uma crian-
Esse conjunto de força ça e de um adolescente era o
social que se articulou para a juiz, passam a ter a tarefa de,
emenda constitucional e para em conjunto, com todo esse
escrever essa nova legislação sistema articulado, refazer o
- técnicos, juízes, promotores, atendimento para a criança e o
defensores, muitos educado- adolescente, sob o paradigma
res, muitas instituições, mui- da proteção integral. Isso tem
tos profissionais envolvidos que mudar completamente
nisso - tinha que implantar a a concepção daqueles que
legislação. Por quê? Para con- atuam diretamente, daqueles
cretizar a municipalização, a que atuam profissionalmente
descentralização e o controle e daqueles que atuam politi-
social temos que construir os camente para implantar essa
mecanismos de controle nos legislação no nosso país.
municípios. São os conselhos
de direito, os conselhos tute- Temos que falar do reor-
lares, os fundos municipais, denamento do atendimento
os fundos estaduais e os con- à criança e ao adolescente. Aí
selhos estaduais. Tínhamos, temos que recorrer aos arts. 86
então, que passar a implantar a 89 do Estatuto. O Estatuto re-
esse sistema nos municípios. serva prioritariamente à crian-
Hoje, treze anos depois, temos ça e ao adolescente o direito à
em torno de três mil municí- convivência familiar e comuni-
pios com esse sistema criado. tária. As outras medidas podem

188
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

e devem ser aplicadas, quando ao adolescente que entra em


não couber mais, por alguma conflito com a lei, hoje vivemos
situação qualquer, esse princí- uma barbárie em nosso país. É
pio. Não é à toa que o primeiro uma verdadeira barbárie de
artigo do Estatuto coloca para negativa de todo e qualquer
todos nós que atuamos na direito que está manchado
área da criança e do adoles- e amarrado como se fosse o
cente: “essa lei dispõe sobre a nosso sistema carcerário para
proteção integral à criança e o adultos.
ao adolescente”. A primeira
parte do Estatuto vai dizer das Ao longo desses treze anos,
políticas gerais, dos direitos ge- teve muita força, neste ano
rais que toda criança e adoles- de 2003 um pouco menor, a
cente tem. Quando entra na questão do rebaixamento da
segunda parte, no art. 86, fala idade penal. Isso é engano-
da política de atendimento. A samente vendido à população
política de atendimento come- brasileira, como se rebaixando
ça pela criação dos conselhos a idade penal fôssemos estar
controladores sociais. Depois enfrentando os altos índices
vamos falar da medidas prote- de violência que assolam to-
tivas, que são aquelas que têm das as nossas cidades, e isso
que ser aplicadas na medida não é verdade. Não é verdade
que algum fato pode presumi- do ponto de vista ideológico
velmente prejudicar ou violar e de princípio, mas do ponto
o direito de uma criança ou de de vista matemático, pois 90%
um adolescente. dos adolescentes que estão
privados de liberdade no Bra-
Depois vamos falar das sil hoje, cerca de 8 ou 9 mil, é
medidas socioeducativas, que porque o delito que cometem
é uma chaga que ainda, infe- é contra o patrimônio, não é
lizmente, continua, nos porões contra a vida.
da nossa democracia plena,
de opinião, de escrever, de É evidente que esse siste-
falarmos o que quisermos, de ma de garantia de direitos vai
discutirmos o que quisermos exigir de nós - vou relacionar
do ponto de vista político. Do isso no final, na segunda parte
ponto de vista do atendimento - um outro profissional. É um

189
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

outro profissional que não fica ção de renda e riqueza do país.


contente só de atuar e aí estou O nosso país é um dos campe-
falando de psicólogos, assisten- ões mundiais de concentração
tes sociais, advogados, promo- de renda e riqueza.
tores, defensores. Não pode
ser aquele técnico, naquela Esse profissional, e aí
visão antiga, técnica e estrita, emendo com a segunda parte
que só atua do ponto de vista dessa exposição inicial, tem
do conhecimento técnico espe- que enxergar essa criança e
cífico dele. Não estamos mais esse adolescente como sujeitos
falando disso. Isso valia para da história deles. Não é um
um outra lógica, a lógica ante- objeto a ser recolhido e feita
rior, a lógica da segregação, a uma avaliação sobre ele. É um
lógica do confinamento. Você ser humano que tem direitos.
aplicava o teste, via o desvio de As nossas políticas, prioritaria-
personalidade naquela criança mente, devem estar voltadas
ou adolescente internado nes- para ele e ele tem o direito de
se sistema e ali, dentro daquele também co-participar das defi-
sistema, por 10, 12 anos a fio, nições da sua vida. Ele é um
trabalhava aquela personalida- sujeito que está em condições
de dentro de uma lógica carce- peculiares: não é adulto, não
rária e punitiva, porque aquele está na fase produtiva da vida,
adolescente ou aquela criança não está na fase de produzir
estava em uma situação irregu- economicamente para a vida.
lar diante da sociedade.
Há programas que per-
Quando você muda isso e sistem até hoje, lamentavel-
coloca que o prisma de atua- mente, com a visão de que
ção é a proteção integral, esse as crianças e adolescentes
profissional tem que ser reade- também podem contribuir
quado. Ele tem que olhar para com programas de geração de
aquela criança e aquele adoles- renda. Não, senhor. Lugar de
cente como a primeira vítima criança é na escola; lugar de
de toda essa desregulação criança é na formação; lugar
social que estamos vivendo no de criança é no lazer. Essas são
país e que se aprofunda a cada políticas públicas que este país
ano, com a enorme concentra- tem que levar a sério e colocar

190
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

em prática. As políticas dos di- da Criança e do Adolescente


versos partidos têm que entrar de João Pessoa; quem manda
em sintonia, para que esses na política pública da assistên-
direitos básicos de qualquer cia social é o Conselho Munici-
pessoa neste país possam ser pal da Assistência Social; quem
atendidos. manda na política pública da
área de saúde é o Conselho
Tem que ser um profissio- Municipal da Saúde. Esse,
nal que possa atuar em rede. sem dúvida alguma, é um dos
Quando falo em rede, não grandes avanços que estamos
estou falando só do ponto de construindo ao longo desses
vista técnico. Isso, já aprende- anos. A Constituição de 1988
mos na nossa formação. Há consagra esse direito a nós. A
necessidade da complemen- democracia no Brasil pode ser
taridade técnica do ponto de exercida tanto do ponto de vis-
vista do médico, do assistên- ta representativo, com os parti-
cia social, do sociólogo, do dos políticos e eleições, que é o
advogado, do psicólogo. Isso que fazemos a cada dois anos,
nós aprendemos na nossa for- quanto do ponto de vista da
mação universitária. Quero democracia participativa, que
falar em rede do ponto de vista são as entidades, as pessoas,
político. Quando o psicólogo os organismos que querem
estiver atuando como técnico participar e têm o direito de
ou como agente, dentro de um participar politicamente da
conselho de direitos, tem que vida de uma cidade, de um es-
se correlacionar com esse con- tado ou do país como um todo,
selho de direitos. Os conselhos mas, não necessariamente, do
de direitos na área da infância ponto de vista político-parti-
e da adolescência, seja do dário. Querem fazer isso do
menor município deste país, ponto de vista da sua atuação
seja do Conselho Nacional da profissional, de sua atuação de
Criança e do Adolescente, são articulação política. É o que
os órgãos máximos de delibe- vimos fazendo ao longo desses
ração. Quem manda na políti- treze anos.
ca pública de atendimento na
cidade de João Pessoa é o Con- Não comporta mais um
selho Municipal dos Direitos profissional, que atue nessa

191
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

área, que seja um profissio- assistentes sociais, advogados


nal desligado desse conjunto. e psicólogos, defendendo os
Tanto assim que temos muita seus interesses particulares e
dificuldade, hoje, quando li- corporativos, que vamos con-
damos com o titular da Justiça seguir avançar na sociedade
da Infância e da Juventude para regular o nosso mercado
que ainda tem a compreensão de trabalho ou de avançar no
superada do juiz de menores, mercado de trabalho, onde
que era aquele que mandava, tenhamos absoluta certeza
aquele que definia, aque- da necessidade desses profis-
le que encaminhava e não sionais para a efetivação das
precisava ouvir. Era no juiz políticas públicas. É um mo-
que se encerravam todas as vimento diferente. Ao nos in-
questões referentes à criança tegrarmos a essa rede, vamos
e ao adolescente. Hoje não nos tornando importantes so-
é mais desta forma. Hoje há cialmente e vamos nos tornan-
um outro órgão que é esco- do necessários para que essa
lhido pela comunidade, em rede funcione plenamente.
cada município, que são os
Conselhos Tutelares, que são Não há Conselho Tutelar
fiscais, também, da aplicação neste país que vá funcionar
do Estatuto da Criança e do decentemente, se não tiver
Adolescente. assessoria técnica pelo menos
de um especialista na área do
Então, tudo isso remonta Direito, na área da Psicolo-
para nós, profissionais, numa gia e na área da Assistência
nova forma de compreensão Social. Não tem como! O
da política pública. Tudo isso fazer diário de um Conselho
chama os profissionais da Psi- Tutelar exige essa assessoria
cologia a integrarem essa rede técnica. A pessoa que enten-
como “mais um”. de tecnicamente vai efetuar
aquele atendimento ali.
Ontem eu estava assistin-
do a uma Mesa - foi muito Essa implantação do sis-
bem colocado pelo Marcus tema de garantia de direitos
- e não é do ponto de vista foi nos levando a criar, ao
das corporações de médicos, longo desses anos, programas

192
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

específicos para enfrentar as A universidade, com todo


principais mazelas da nossa esse movimento que fizemos
sociedade no que diz respeito dos anos 70 para cá, lamenta-
à criança e ao adolescente. velmente foi uma das últimas a
Então temos, nos municípios, chegar. Hoje em dia, não. Hoje
os conselhos de direitos, que em dia as diversas unidades
deliberam sobre as políticas de universidade têm centros
públicas para os municípios, de pesquisa e os cursos estão
os Conselhos Tutelares, que antenados com essa nova reali-
atuam na estrutura da fisca- dade. Não estou falando só dos
lização do atendimento e da cursos de Psicologia, não, mas
implantação da legislação nos de Direito, Assistência Social,
municípios, e temos, ainda, Serviço Social, Pedagogia.
esses programas específicos,
como, por exemplo, para Esse profissional que sai
enfrentar os gravíssimos pro- dos cursos de graduação, hoje,
blemas de exploração e vio- tem um rápido contato com
lência sexual, os vitimizados, esse novo marco legal que está
os adolescentes em conflito colocado para a sua atuação.
com a lei, a população de rua.
São alguns exemplos. Esses Mesmo nas faculdades
programas de natureza públi- de Direito, quando se fala
ca, seja de governo, seja com do Estatuto da Criança e do
organizações da sociedade Adolescente, quanto muito,
civil, só têm funcionamento são seis meses. Se couber na
garantido se tiverem profis- carga horária obrigatória, que
sionais qualificados dentro já é complicada, ele consegue
dessa nova lógica da garantia incluir por algum interesse
de direitos, da nova lógica específico.
de políticas públicas perma-
nentes. Trabalho numa insti- Acho que ainda estamos
tuição educacional que lida devendo uma ação mais con-
muito com assistentes sociais tundente na formação de
e psicólogos da rede pública todos os profissionais e, em
que trabalham nessa rede de particular, ao profissional de
atendimento à criança e ao Psicologia. Estou nesse pro-
adolescente. cesso de organização da socie-

193
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dade civil, de participação, e o quantitativo, a maioria dos nos-


Estatuto da Criança e do Ado- sos profissionais vai estar traba-
lescente tem várias virtudes. Se lhando nessa rede balizada,
tem uma virtude, é essa de não pela busca da universalização
ser filho desse ou daquele. Ele das políticas públicas.
não é filho nem do Congresso
brasileiro. Ele é filho de várias Para terminar, na última as-
mãos e faces que contribuíram sembléia do Conanda, tivemos
de forma diferente, acentuada acesso a alguns dados que eu
e competente, para a formação gostaria de passar para vocês,
desse grande instrumento que porque sustentam essa afir-
o Estatuto é. Ele é muito mais mação que vimos fazendo ao
do que uma lei. Antes de mais longo desses anos.
nada, é um projeto de socieda-
de para que consigamos ven- O IBGE, em 2000, trouxe
cer as desigualdades e garantir para nós o seguinte: 30% das
os direitos universais. famílias com crianças de até
6 anos de idade ganham até
A minha impressão é de meio salário mínimo per capita.
que esse profissional não pode Se formos para o ensino médio,
sair de um curso de graduação dos 8 milhões de adolescentes
sem uma boa dose de forma- e jovens de 15 a 29 anos, 18%
ção nesse novo marco legal vão ficando no meio do cami-
que está colocado para as po- nho, pela repetência, e 16%
líticas públicas brasileiras. Aí deles abandonam. A estima-
estou falando do Estatuto da tiva de jovens e adolescentes
Criança e do Adolescente, da fora do ensino médio brasilei-
Lei Orgânica da Assistência So- ro é de 6,9%. Estamos falando
cial, da Lei Orgânica da Saúde de 40% dos jovens brasileiros e
e da Lei de Diretrizes e Bases dos adolescentes em relação à
da Educação. É aí que o psicó- escolaridade do ensino médio.
logo preferencialmente vai es- Estão defasados, fora da escola
tar trabalhando. Fora aqueles ou abandonam a escola.
que se colocam em uma outra
atividade, que é muito menos Se formos para o ensino
numerosa e tem um impacto fundamental, uma estimativa
muito menor do ponto de vista do INEP e do MEC coloca

194
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

que 4,8% das crianças, adoles- balha nesse Brasil afora. São as
centes e jovens, de 7 a 29 anos oitenta e poucas unidades que
de idade, estão fora do ensino temos, de privação de liber-
fundamental. A população to- dade dos adolescentes. É um
tal é de 35 milhões nessa faixa lugar, naquela figura bíblica,
de idade. de choro e ranger de dentes.
Da menor unidade, de 40 ado-
Se pegarmos a faixa de ida- lescentes, ou da maior, como
de de 7 a 14 anos, temos uma em São Paulo, de 200, 250, 400
população total de 27 milhões adolescentes, a nossa atividade
de pessoas. Desses 27 milhões, profissional é absolutamente
temos 4,6% excluídos. O que cerceada por conta do prisma
são 4,6%? 1.250.000 pessoas, de atuação do sistema que não
de 7 a 14 anos, estão fora do conseguimos desmontar ao
sistema de escola. São estima- longo desses treze anos do Es-
tivas em cima dos dados do tatuto. É um sistema que ainda
INEP e do MEC. Temos uma está fundamentado na prisão,
população de 1.250.000. no cárcere, no desrespeito ab-
soluto às condições mínimas
Se pegamos a população de desenvolvimento humano
de 4 a 6 anos de idade, temos de qualquer pessoa que depen-
6.000.191 crianças fora do sis- da daquela ação estatal para se
tema. recuperar ou se reintegrar à
sociedade de forma diferente,
Por esses dados todos, e por como vinha fazendo até então.
tudo isso que fizemos ao longo
desses treze anos, eu acho não É o lugar para o qual temos
que há como, hoje, conceber que olhar fortemente. Estamos
um profissional que atue nessa trabalhando um pouco nisso,
área que não tenha o seu olhar dentro do Conanda. Era uma
voltado para a universalização prioridade do ano passado e
desses serviços, para a univer- do ano retrasado, e volta a ser
salização do atendimento à deste ano. Precisamos de mui-
criança e ao adolescente. to apoio de toda a rede social,
para que possamos reordenar
Por último, tem um lugar definitivamente o atendimen-
específico que o psicólogo tra- to ao adolescente que se en-

195
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

contra em conflito com a lei. nosso trabalho como técnicos,


Como eu já falei, 90% estão e o viés do atendimento que se
ali dentro por conta de crimes faz ali dentro.
contra o patrimônio, não é por
conta de crimes contra a vida! Fico por aqui para os nos-
Mais do que qualquer outro sos debates.
lugar, precisamos reordenar o

Carla França
Conselho Regional de Psicologia – 3ª Região

Ainda não recebi nenhum como a Psicologia contribuiu


papelzinho. Se alguém puder em todos esses momentos. Na
trazer até aqui, o Cláudio vai vigência do Código de Meno-
nos ajudando. res, mais fortemente numa
perspectiva controladora, dis-
Fiquei com a responsabili- criminatória e de higienização
dade de problematizar. Posso da sociedade. Não é nada do
dizer que, de ontem para hoje, que possamos nos orgulhar,
nas várias Mesas a que pude as- mesmo que a Psicologia no
sistir, a cada momento pegava imaginário coletivo seja reco-
um pedacinho e pensava que nhecida como uma profissão
serviria para pensarmos um que contribui muito para a
pouco a questão da criança área de educação e, principal-
e do adolescente. Cheguei à mente, de crianças e jovens.
conclusão de que, para iniciar
a minha reflexão do trabalho Como pensar, então, sobre
do psicólogo nesses espaços, o protagonismo social da Psi-
eu estaria repetindo, pois não cologia? Não podemos nos es-
é uma história da qual pode- quecer que, para abordar esse
mos nos orgulhar. tema, temos que nos reportar
à lei, e lei nada mais é do que
Cláudio, quando você his- uma forma de violência e de
toriou a questão do Estatuto controle de comportamentos
e do Código de Menores, que e atitudes. É o Estado dizendo
o antecedeu, eu fui vendo o que pode e o que não pode,

196
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

como deve ser o que é crian- da situação irregular para a


ça, o que é adolescente, o que doutrina da proteção integral
deve ser feito. O Estatuto tem quando a prática e a interven-
dois livros. Um é o que deve ção não mudaram. Ainda hoje,
ser feito e o livro dois é o como se formos revirar os arquivos
pode ser feito. É meio que uma das instituições e verificar as
receita de bolo. contribuições dos psicólogos,
assistentes sociais e de toda a
Nós aliviamos um pouco equipe, ainda tratam a criança
essa angústia quando você e o adolescente e dão os seus
muito bem colocou a traje- pareceres, aparentemente
tória, a construção desse ins- neutros, escondendo-se na
trumento, que foi feito a mil neutralidade da ciência, como
mãos. Eu acrescentaria que se nada tivessem a ver com essa
houve, inclusive, a participa- situação que você colocou.
ção das próprias crianças, atra- Definem com quem a criança
vés das entidades e das escolas. fica, para onde vai.
Houve um movimento que, eu
diria, foi um dos maiores des- Assisti à Mesa da justiça
te país, na construção de um terapêutica e consegui fazer
instrumento legal. Isso alivia uma associação. No caso de
um pouco, mas não resolve. É alguns tratamentos compul-
uma lei e nós, que somos mili- sórios, vemos, ainda hoje, na
tantes, saímos por aí com esse área de abuso e exploração
livrinho. sexual, que a algumas crianças
é imposto o tratamento. Não
Nesse cenário que você acho que não deixe seqüelas.
apresentou, com dados atuais, Refiro-me à forma como tem
a Psicologia tem que prota- sido feita a obrigatoriedade
gonizar. Quero lembrar da do tratamento, a violência
Monalisa, dizendo que é Psi- desse tratamento. Alguns
cologia e psicólogos, porque o slogans são do tipo “esquecer
protagonismo social de alguns é permitir”, “lembrar é com-
psicólogos tem nos deixado de bater”. É um lema para lidar
certa forma receosos com essas com abuso e exploração se-
determinadas intervenções. xual. A criança tem que estar
Não adianta mudar a doutrina lembrando o tempo todo e a

197
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

ênfase é na responsabilização. um envolvimento político.


As intervenções têm sido mui- Não vejo como ficarmos só
to na área de responsabilizar no campo técnico. Houve res-
os culpados, colocar na cadeia trições a esse tipo de postura.
e encerra-se ali. “Não gosto de política. Acho
que a nossa intervenção tem
Nós, profissionais, temos que ser no campo técnico.”
entrado nessas “canoas fu- E as pessoas que fazem isso
radas” e temos nos prestado não estão fazendo Psicologia,
a esse tipo de coisa. Recen- o que é mais grave. O que é
temente, uma entidade na fazer Psicologia? É ser neutro?
Bahia, como protagonista É não se implicar? É não colo-
nessa área, gabou-se de con- car o corpinho? É não defen-
seguir, junto à Vara da Infân- der? É ficar do lado de quem?
cia, que o depoimento dos Está na hora de começarmos a
psicólogos fosse considerado pensar de que lado realmente
como peça do processo. En- pensamos estar.
tão, o psicólogo falava pela
criança. Tudo foi feito no Protagonismo, diante do
discurso de proteger a crian- que ouvi na Mesa anterior,
ça. É lógico que deve haver muito bem colocado pelo
outras formas mais humanas Marcus, pareceu-me algo no
de não expor uma criança a campo de intervenções cole-
contar várias vezes essa histó- tivas. Não sei se captei bem,
ria. Agora, dar ao psicólogo o mas pareceu-me que a Psicolo-
direito de falar pelo sujeito, gia pode contribuir mais nes-
parece-me uma forma violen- se campo. Em determinados
ta e demonstra que as nossas lugares, ouço dizerem que de-
intervenções ainda não avan- veríamos sair. Não tenho a me-
çaram no campo da doutrina nor dúvida de que, se as nos-
e da proteção integral. Ainda sas intervenções no campo do
vemos criança e adolescente Judiciário continuarem sendo
simplesmente como alvo da nessa perspectiva, é melhor
nossa intervenção. que saiamos desse lugar para
que possamos ir para outros
Acho que temos que refle- lugares, mais confortáveis, tal-
tir como atuar nessa área, sem vez, do que esse. Ainda é hoje

198
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

o atendimento à demanda do diferentes. Do lado de lá,


juiz. O juiz baseia-se totalmen- governamental, do lado de
te nos laudos e nos pareceres cá, sociedade civil. Brinca-
dos psicólogos, e os psicólogos mos uns com os outros. Hoje
têm se sentido confortáveis estou do lado de lá, hoje do
nesses lugares. lado de cá. Não nos sentimos
governo, mas somos.
Ações coletivas eu pos-
so trazer mais no campo Agora, uma coisa é ser o
da autarquia que estou re- Conanda e outra coisa é ser
presentando nesta Mesa, o governo da Bahia. É diferente.
Conselho Regional de Psi- É muito diferente. Se temos
cologia. Temos tido, a partir um governo que realmente
dos dois últimos congressos prioriza a criança e o adoles-
nacionais de Psicologia, um cente e entende que é neces-
indicativo de que ocupar es- sário atender ao princípio da
ses lugares de controle social incompletude constitucional,
dos conselhos de direitos é ou seja, todas as outras polí-
uma alternativa. É um lu- ticas têm que estar alinhadas
gar em que podemos estar no desenvolvimento de ações
prestando algum tipo de e programas no atendimento
contribuição junto a outros integral à criança é uma coisa.
movimentos sociais na cons- No outro, ficamos fazendo
trução das políticas públicas o esforço, em governos que
para crianças e adolescentes. usam apenas a bandeira do
Agora, não vamos achar que Estatuto, o discurso, mas não
esse lugar não é cooptação, priorizam uma série de ações
de governo. Conselhos são de atendimento à criança e ao
órgãos de governo. E tem adolescente. É um outro tipo
que ser. Eles estão aí para de intervenção. Aí vai mais no
definir políticas. Às vezes campo da denúncia mesmo,
vemos intervenções como se de representação e de ações
estivéssemos no campo da públicas, que é o que se pode
militância ou da denúncia, fazer.
e não queremos nos envolver
com a parte governamental. Nesses espaços, temos
Até sentamos em lugares aprendido que cada vez mais

199
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

podemos estar contribuindo instrumento de transforma-


com algo que nos é caro: es- ção da realidade, e não de
tar discutindo a questão da manutenção desse estado de
subjetividade. Não podemos coisas.
mais estar nesses lugares com
discursos corporativos, que- Não quero também ficar
rendo fazer leis que insiram o fazendo discurso. Eu gostaria
psicólogo no atendimento de que as pessoas que fizessem
crianças de zero a seis anos. perguntas. Talvez nas respostas
possamos contribuir um pouco
Eu vi com tristeza, recen- mais. É importante a participa-
temente, um grande evento ção de vocês.
da área de educação, na
Bahia, um clamor, não diria Há uma pergunta: “Como
generalizado, para isso. Va- ver a existência de programas
mos criar leis que insiram o sociais contra o trabalho infan-
psicólogo. Eu acho que te- to-juvenil e a violência sexual
mos que parar, desconstruir dentro do projeto do Governo
tudo o que fizemos até agora, Lula? Como seria essa assesso-
principalmente no campo da ria aos Conselhos Tutelares a
educação e do atendimento que você se refere? Seria um
à criança e ao adolescente, e grupo de apoio ou o Conselho
ver de que forma podemos re- deveria ser formado por esses
construir essa nossa história, profissionais: psicólogos, advo-
essa nossa profissão, fazendo gados e assistentes sociais?”
com que seja realmente um

Cláudio Vieira
Conselho Nacional da Criança e do Adolescente (Conanda)

O que tem funcionado é de Psicologia, da Assistência


os Conselhos Tutelares terem Social. Às vezes, consegue-se,
uma assessoria técnica de para esse Conselho Tutelar,
um corpo mínimo que seja, uma assessoria de um advo-
geralmente o que consegue gado. É um corpo técnico, que
fazer é psicólogo, profissional não faz o atendimento que

200
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

o Conselheiro Tutelar, que é uma equipe técnica de suporte


o fiscal, que pode requisitar, para a sua atividade. Ah, mas
fazer o processo de fiscalização o município, na saúde, tem
e aplicar medidas de proteção. assistente social, na saúde e
Isso já está escrito no Estatuto. na educação, psicólogo. É um
Isso é específico do Conselhei- trabalho diferente, específico.
ro Tutelar. O Conselheiro Tutelar atende
todos os dias. Todos os dias
Porém, o Conselheiro Tu- ele precisa de apoio à sua ação
telar não é médico, não é en- como Conselheiro Tutelar.
genheiro. Mesmo que seja um
engenheiro, um médico, um O Conselheiro Tutelar
psicólogo, um assistente social, também faz um trabalho de
um advogado, quando passa a fiscalização às entidades de
ser Conselheiro Tutelar, ele é atendimento, aos programas
Conselheiro Tutelar. Ele foi de atendimento. Ele não tem
escolhido por aquela comuni- obrigação de saber, para ser
dade para exercer a função de Conselheiro Tutelar, como se
Conselheiro Tutelar determi- naquele programa, concebi-
nada no Estatuto da Criança e do de determinada maneira,
do Adolescente. Ele necessita, aquele profissional específico
no trabalho diário, atendendo deve ou não estar atuando. En-
a crianças violentadas, crianças tão, ele precisa de uma assesso-
que não têm direitos garan- ria técnica naquela área. Todo
tidos e resguardados, enfim, programa de atendimento tem
uma infinidade de violências que ter um trabalho de edu-
à vida da criança ou do adoles- cação, de formação, de aten-
cente, em muitos momentos, dimento à família, de atendi-
todos os dias, ele precisa do mento aos próprios atendidos
trabalho técnico de um psicó- nas diversas áreas. Então, ele
logo, de um assistente social e, tem que ter uma leitura, um
muitas vezes, de uma assessoria apoio para a leitura do atendi-
na área do Direito. mento institucional.

A idéia que está permane- Agora, como Conselheiro


cendo nos municípios é que Tutelar, não precisa saber isso.
cada Conselho Tutelar tenha Ele precisa ter alguém que

201
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

saiba para dizer a ele que ali atua nessas áreas todas. Se não
e ali as coisas não estão fun- forem lastrados nessa rede, vão
cionando de acordo com o ser só programas. Vai ter um
que o programa se propõe, de orçamento, no outro ano não
acordo com o que o paradigma tem, quando o governo acaba
da proteção integral pressupõe ele também acaba. Aí, demora
para esse atendimento. Os seis meses para repassar, demo-
juizados têm as equipes mul- ra não sei quantos meses para
tiprofissionais para auxiliar o decidir se vai ficar ou se não vai
juiz, assim como todo mundo ficar. Então, ele não tem força
tem que ter e tem. Então, esse em si mesmo. Programa só tem
órgão de fundamental im- força, dentro do ponto de vis-
portância para a implantação ta da reflexão que estávamos
do Estatuto também tem que fazendo da nossa atividade
ter. Conselheiro Tutelar faz profissional, quando é tomado
uma entrevista absolutamente como uma política pública por
diferente do que faria um as- essa rede que delibera, fiscaliza
sistente social, um médico ou e exige recursos públicos para
um psicólogo. Absolutamente que possa continuar.
diferente.
Ninguém questiona um
Agora, ele precisa desse programa da natureza do
apoio e dessa assessoria técnica bolsa-escola. Questionamos
para que possa exercer a sua o financiamento que tem, a
função. relação que estabelece com a
comunidade. Por exemplo,
O Conanda já aprovou, há sempre questionamos o pro-
algum tempo, o Plano Nacional grama bolsa-escola porque
de Erradicação do Trabalho In- não respeitou os conselhos de
fantil, o Plano Nacional Contra direitos, nem os da criança e
o Abuso e a Exploração Sexual. do adolescente que já existiam
O nosso receio é o seguinte: nos municípios, nem os de
que fique só nos programas. assistência social. Criou um ou-
Programas pontuais, desar- tro. Ora, sabemos que 90% dos
ticulados, tanto do ponto de municípios brasileiros têm até
vista dos governos, quanto do 50 mil habitantes. Não pode
ponto de vista dessa rede que haver tanto Conselho que

202
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

controle a aplicação e a devida diante das três milhões de


coerência de todas as políticas crianças e de adolescentes que
e os recursos que chegam ali. estão envolvidas no trabalho
Por que não aproveitar o que já infantil, assumidas pelo Minis-
existe? Por que não aproveitar tério do Trabalho, sem falar no
Conselhos que têm natureza trabalho doméstico, que não se
deliberativa, que são os Conse- tem nem idéia do que isso sig-
lhos de Assistência Social e da nifica em termos do nosso país
Criança e do Adolescente? Aí como um todo.
entra uma concepção de Esta-
do de que não se quer dividir Então, os programas
o poder com a sociedade or- devem ser vários. Agora,
ganizada. Então, funda-se uma na nossa concepção, cons-
outra coisa que seja consultiva truída pós-Constituição de
e que tenha uma outra caracte- 88, eles têm de estar dentro
rística que não essa que garan- desses Conselhos, discutidos
timos na saúde, na assistência e avaliados e, digamos as-
social e na área da criança e do sim, bancados politicamen-
adolescente. Então, os progra- te por esses Conselhos que
mas têm que existir. reúnem, de forma efetiva e
concreta, com natureza de-
O Programa de Erradi- liberativa, normativa e con-
cação do Trabalho Infantil é troladora, as ações públicas
tímido. Infelizmente, é tímido. nesses níveis.
Tem um financiamento pífio,

Carla França
Conselho Regional de Psicologia – 3ª Região

Eu complementaria dizen- cretizado é dessa interlocução


do que vimos, nos últimos anos, com a sociedade civil.
uma desresponsabilização do
Estado em relação a políticas É preciso que haja políti-
básicas de atenção à criança cas, e não apenas programas.
e ao adolescente. Acho que Deve haver uma política nacio-
a expectativa que tem se con- nal de erradicação do trabalho

203
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

infantil, contra o abuso e a ex- temos contribuído historica-


ploração sexual. Eu não avan- mente para a produção de
cei muito no protagonismo, infâncias desiguais. Isso nos
quando falei da participação alerta para que não reprodu-
dos Conselhos de Psicologia zamos a mesma história do
nesses espaços, e falei de Código de Menores, passando
ações coletivas, porque en- da situação irregular para a si-
tendo que essas contribuições tuação de risco, que é a figura
individuais dos psicólogos do Estatuto da Criança e do
têm nos colocado, às vezes, Adolescente. Se não muda-
em contradição com o nosso mos a nossa prática, simples-
próprio discurso institucional. mente muda o nome. O que
Fazemos protagonismo social era antes situação irregular é
da Psicologia quando lança- agora situação de risco, e te-
mos uma campanha, como mos uma lei que é para crian-
houve a de direitos humanos. ças pobres. Ela é aplicada aos
Uma das campanhas que mais adolescentes em conflito com
trouxe psicólogos aos Conse- a lei, pobres, na sua maioria, e
lhos de Psicologia foi a das isso não transformou muito a
nossas crianças em cadeias e realidade.
em caixões. Essa campanha
realmente mobilizou a catego- Acho que fazemos prota-
ria. Foram produzidos vários gonismo social quando nos
textos. Houve contribuições recusamos a dar entrevistas
significativas da profissão nes- nos meios de comunicação
se campo. Isso é protagonismo para explicar algum tipo de
social da Psicologia. comportamento de criança
e de adolescente, de falar de
Eu tive o prazer de rece- algum fenômeno. Nós nos
ber, antes desta Mesa, o livro arvoramos em trazer para a
“Pivetes”, que é um programa Psicologia a explicação para
da Universidade Federal Flu- algumas atitudes. Com outro
minense. Isso é protagonismo nome, ainda é aquela coisa
social da Psicologia. Isso é a do comportamento desvian-
Psicologia botando a mão nas te, marginal. Não estarmos
suas feridas, numa atitude dig- nesses lugares é fazer prota-
na de mostrar de que forma gonismo.

204
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Com relação à pergunta a esta Mesa, a fim de encer-


referente aos Conselhos Tu- rarmos, se não houver mais
telares, sempre recebemos perguntas.
consultas de psicólogos: vo-
cês não acham que, para ser
Conselheiro Tutelar, tem que
ser psicólogo? É um campo de
trabalho. Aí vemos a psicologi-
zação das relações. A figura do
Conselheiro Tutelar é a figura
de um defensor do direito da
criança e do adolescente. Ele
não tem que ser um técnico,
tem que ser um profissional.
Tem que ser uma pessoa que
tenha isso como objetivo de
vida, como princípio, como
projeto de vida, sendo sensível
a essa área. Ele tem, sim, que
ser assessorado naquilo que
é necessário. Hoje é comum
ouvirmos: “vou levar você para
o Conselho Tutelar”. Alguém
ontem dizia que Conselho Tu-
telar é lugar de ameaça. Meni-
no nenhum quer ir a um lugar
que deveria ser de proteção.

Em treze anos, avançamos


em algumas coisas, mas a nos-
sa prática ainda é de trazer
para o indivíduo a culpa pela
sua situação irregular.

Eu adoraria se a Cecília, ou
se alguém do projeto “Pivete”,
pudesse dar uma contribuição

205
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

DEBATE

Público - Trabalho na 2ª A Comissão de Direitos


Vara da Infância e da Juven- Humanos, há três meses,
tude de João Pessoa, na área fez reunião com o juiz da
infracional. infância. O que aconteceu?
Quando houve essa rebelião
Eu queria passar alguns em novembro, o CEA estava
dados para vocês da realida- com uma superlotação de
de de João Pessoa e da região quase 200 adolescentes - era
metropolitana - João Pessoa, para ter, no máximo, 70. Em
Santa Rita e Cabedelo. medida de emergência, o que
foi determinado? Ficaram
Tínhamos, em média, 200 apenas 56 adolescentes no
adolescentes em medidas so- CEA, porque este tinha sido
cioeducativas, liberdade as- parcialmente destruído e não
sistida, aqui na grande João havia condições de eles fica-
Pessoa. Temos um órgão do rem lá. Uma parte foi para a
chamado CEA - Centro Edu- Central de Polícia, no centro
cacional da Adolescência, de João Pessoa, outra parte
pertencente ao Governo do foi deslocada para a cadeia
Estado, ao Poder Executivo, pública antiga de Santa Rita,
e em média há 200, 220. cidade perto de João Pessoa,
e outra para a cadeia nova,
Farei um pequeno histó- um modelo de Santa Rita.
rico do CEA. São os adoles-
centes infratores que estão Independentemente des-
internos. O CEA deveria ter, sas transferências, houve re-
em média, 70 adolescentes beliões nesses locais de trans-
internos, mas estava com ferência. O juiz determinou
quase 200. De novembro uma vistoria na Delegacia da
de 2002 até maio deste ano, Infância e da Juventude, há
houve sete rebeliões. O CEA quatro meses, porque já tinha
foi parcialmente destruído, esse problema de superlota-
aliás, foi quase totalmente ção, para colocar 25 adoles-
destruído. centes.

206
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Eu coloquei no meu re- socioeducativas, quando o


latório que as condições não juiz determina, muitas vezes
eram viáveis. Precisava pintar vão para o CAO. Há cursos
a cadeia, fazer revisão das ins- de informática, de mecânica
talações hidráulicas e elétricas, e outros, durante seis meses.
reforço. Eles colocaram os O CAO - Centro de Atividades
25 lá, como medida paliativa, Ocupacionais é mantido pelo
mas houve também rebeliões Tribunal de Justiça da Paraíba.
na Delegacia da Infância e da
Juventude. Um outro órgão que é man-
tido pelo Tribunal de Justiça
Então, há um problema da Paraíba é o Ceta - Centro
sério de superlotação. Parece Terapêutico do Adolescente.
que o Governo do Estado, o Fica numa cidade a 30 quilô-
Poder Executivo, está pensan- metros de João Pessoa. É uma
do no sentido de regionalizar a espécie de granja, onde se dá o
questão do CEA. Por exemplo, internamento, algumas vezes,
na região do Brejo, aqui em dos menores infratores, droga-
Guarabira, havia um CEA, mas dos. O Ceta pode abrigar, no
estava parado. Em Souza, esta- máximo, 25 adolescentes do
vam construindo o CEA, mas sexo masculino. Aí entra uma
ninguém estava usando. Estava questão: João Pessoa carece,
se acabando, por falta de uso. urgentemente, de um centro
Parece que agora o Governo de tratamento para o sexo fe-
do Estado está trabalhando em minino. É uma carência muito
cima disso. grande essa questão do trata-
mento contra drogas para o
A realidade de João Pessoa, sexo feminino. Lá no Ceta só é
no momento, é esta. atendido o sexo masculino, de
12 a 18 anos.
Outra questão: aqui em
João Pessoa, financiado pelo Há uma outra coisa que
Tribunal de Justiça, tínhamos também me angustia muito.
o CAO - Centro de Atividades Na semana retrasada conver-
Ocupacionais. Esses adoles- sei com o juiz da infância,
centes que estão em liberda- da área infracional. Fizemos
de assistida ou em medidas um projeto - nossa equipe

207
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

psicossocial. Temos duas pes- Público - Agradeço ao


soas pela manhã, de 7 às 13 marketing feito do livro “Pi-
horas, uma assistente social e vete”.
uma psicóloga. À tarde, temos
três psicólogos, um assisten- Eu queria fazer algumas
te social e uma pedagoga O observações até em cima da
movimento à tarde, com au- fala do companheiro ante-
diências, é maior do que pela rior e das outras colocações.
manhã. Fico muito angustiado Infelizmente não pude ouvir
porque, na minha visão, não toda a fala do companheiro.
podemos ficar só na aplicação Esse quadro que ele relatou
de testes. Lá, aplicamos o tes- da Paraíba não é diferente do
te projetivo, diante da nossa quadro do Rio de Janeiro.
própria limitação técnica e de
espaço. Criamos um grupo Eu queria falar duas
de apoio psicossocial familiar coisinhas muito rápidas, no
para trabalhar com as mães sentido de podermos pensar
dos adolescentes que estão em um pouco. A minha grande
liberdade assistida, para tentar preocupação é justamente
recriar um pouco o vínculo o que estamos produzindo,
afetivo entre a mãe - o respon- enquanto profissionais psi-
sável legal geralmente é a mãe cólogos, e o que o curso de
- e esses adolescentes. Isso fica formação de Psicologia tem
difícil, muitas vezes porque te- produzido, o que nós, pro-
mos vários atendimentos para fessores responsáveis por essa
fazer e temos prazo de avalia- formação, temos produzido
ção psicossocial. Eu cheguei no nosso cotidiano. Somos
e externei para o juiz que não responsáveis por isso tam-
podemos só ficar na aplicação bém. Há esse quadro dantes-
de testes. Temos que ir além co com relação à criança e
disso. De uma maneira geral, ao adolescente de população
temos essas dificuldades, mas subalternizada, essa situação
estamos tentando fazer algu- em que ele não é visto como
ma coisa por esse menor. Não humano, é visto como uma
é fácil. coisa. Eu acho que a questão
da política pública, que se
Muito obrigado. coloca, é fundamental. Sem

208
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

vontade política não consegui- sado como tal, serve, porque


mos avançar. essas pessoas são menos hu-
manas.
Há uma outra questão,
aliada à questão da vontade Eu só queria levantar essa
política, das políticas públi- questão. Acho que tem muito
cas efetivamente voltadas a ver conosco, enquanto pro-
para essa questão da prote- fissionais psicólogos. Temos
ção integral da criança e do que nos preocupar com isso.
adolescente, especialmente Estamos sendo responsáveis
os empobrecidos, que é uma também, no nosso cotidiano,
massiva e competente produ- não são só as redes e os gran-
ção de subjetividade: como des dispositivos de produção
encaramos essas nossas crian- de subjetividade em termos de
ças e esses jovens pobres? equipamentos sociais. As nossas
Como encaramos a pobreza? práticas cotidianas estão forta-
Como o tempo todo desuma- lecendo essas visões de que há
nizamos essa pobreza? segmentos da nossa população
que são menos humanos do
No momento em que esse que nós. Em especial, as crian-
outro que está ali é menos hu- ças e os jovens subalternizados.
mano do que eu, eu acho que
isso aí é da área da Psicologia, Era essa questão que, eu
sem dúvida. É da nossa com- acho, tem tudo a ver com o que
petência e temos que estar vocês colocaram.
muito alertas para isso. Essa
questão passa naturalmente. Cláudio Vieira – Acho que
Acabamos aceitando que o ainda permanece uma idéia
outro é menos humano que forte dentro de nós associada
nós; ele sente diferentemente a essa questão do mercado. O
de mim. Isso produz efeitos mundo parece querer confir-
perversos seríssimos, porque mar que é um grande merca-
aí vem a questão das políticas do e o pobre é, antes de mais
públicas: para esses segmen- nada, um incompetente. É
tos, qualquer política pública pobre porque é incompetente.
serve. Qualquer coisa que Ele não conseguiu ser melhor,
seja benesse e favor, e é pas- ser rico, ser isso ou aquilo. En-

209
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

tão, temos isso muito arraigado população são associados à


e, por conta disso, temos essas incompetência mercadológi-
discrepâncias, como foi coloca- ca e a uma visão de que são
do aqui. menos pessoas do que as ou-
tras pessoas.
Há duas instituições aqui
na Paraíba que ainda são exe- Público - Eu não iria falar
cutadas pelo sistema de Justi- nada, mas a fala da Cecília me
ça. Isso, em tese, não caberia trouxe uma questão sobre a
mais. Tinham que ter sido qual ando pensando muito.
absorvidas por aqueles que Tenho que dizer a vocês que
são executores das políticas não é em relação à criança e
públicas de maneira eficien- ao adolescente. É em relação
te e eficaz, sem interrupção. a um outro campo que tenho
Isso acontece de uma forma tentado produzir em cima da
geral. circulação humana.

O subemprego prevalece Juntando o que a Cecília


em primeira linha nessas ins- está falando - que esse outro é
tituições. Pessoas trabalham menos humano do que eu -, eu
ali - todas, nível superior, estava me lembrando do que
nível médio e secundários temos tentado produzir e arti-
- com subcontratos. São cular em relação à Psicologia,
contratos temporários e, às psicólogos, políticas públicas e
vezes, não têm nem garantias protagonismo social. Tem algo
sociais de trabalhadores co- errado nas políticas públicas.
mumente aceitas nas outras Tem algo errado. As políticas
relações de trabalho. Para públicas podem ser feitas com
quê? Para executar atendi- a melhor das intenções, por
mento para aqueles que têm pessoas que estão muito bem
de ter qualquer ação de polí- preparadas e são muito compe-
tica. Pode ser qualquer coisa. tentes, mas tem um segmento
Se vai ficar numa delegacia enorme da nossa população,
superlotada, numa entidade esse segmento que está literal-
superlotada, se vai ficar num mente à margem das cidades e
órgão, isso não importa mui- da sociedade, que não tem voz.
to, porque esses estratos da É um segmento que não tem

210
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

voz. Ninguém pergunta para Talvez caiba a nós, psicólo-


esse segmento o que ele quer. gos, transformar esse saber e
fazer isso gerar política. Esse
Ando pensando que talvez é um segmento que não tem
o papel do psicólogo seja ser como falar. Preocupa-me mui-
um mediador. Talvez seja fa- to que as políticas públicas não
zer falar, no espaço público, consideram uma especificida-
aquele que não tem a menor de deles. Eles têm que dizer o
condição de falar, porque está que querem.
segregado. Ele não tem tempo
para pensar na política. O úni- Eu me senti provocado. De
co tempo que ele tem é para uma hora para outra, de estar
pensar na própria sobrevivên- trazendo isso, porque acho
cia. Sem pensar na criança que encaixou com o que seria
e do adolescente, que estão um protagonismo social e uma
nessa situação de risco. Esse possibilidade da Psicologia e
outro menos humano é menos dos psicólogos. Seria exata-
humano e só pode pensar na mente ser voz, fazer falar no
sua própria sobrevivência. espaço público aqueles que, no
massacre da sua subjetividade,
Nós, psicólogos, quando principalmente não são escuta-
começamos a trabalhar com dos. Nós podemos falar e nós
esses segmentos que estão à podemos ser escutados.
margem, o que fazemos? Não
estou falando de uma questão Público - Uma provocação
clínica. Eu, particularmente, puxa a outra.
trabalho na perspectiva da
clínica. Temos um caso a caso Não sei se não entendi
que começamos a escutar aqui direito a fala do colega, e isso
e ali. Isso nos traz um certo sa- não pode ficar ambíguo. Con-
ber sobre essa situação. Quem cordo que é preciso reativar
está nessa situação de risco os espaços públicos em que
sabe o que é estar nessa situa- se possa dar voz, mas como
ção de risco. Só que eles não canal, ou seja, que possamos
podem anunciar isso. Eles não nos transformar em canais de
podem anunciar o projeto de anunciação. É completamente
vida deles. diferente de ser a voz, ou seja,

211
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de tomar-se como represen- nem o papel da mídia e da co-


tante. Acho que precisamos municação, mas a responsabili-
prestar um pouco de atenção dade dos órgãos de comunica-
porque, nesse espacinho, po- ção, quando contribuem para
demos deixar escorregar tudo. as representações sociais com
Se topamos nos nomear como relação à infância, daquelas
porta-vozes, como represen- classes perigosas da infância,
tantes, voltamos a escorregar marginal, adolescente infrator.
para aquele lugar que conside- Mesmo na vigência da nova lei,
ra menos humano o outro, que é ainda assim que nos referi-
acha que isso é, de fato, assim. mos ao adolescente.
E isto não é de fato assim!
Como o Cláudio colocou,
É urgente a reativação a maior parte dos adolescentes
dos espaços públicos. Quem está cumprindo pena de inter-
trabalha na perspectiva de nação por crime contra o patri-
direitos humanos, dando um mônio, pela ausência de outras
chute para a Cecília entrar alternativas de cumprimento
daqui a pouco, trabalha muito dessa medida. Está preso, in-
nessa perspectiva de reativar os ternado, porque não há outros
espaços públicos, de reativar serviços que deveriam haver.
espaços em que a discussão da Isso é grave. É uma infância e
natureza pública dessas ques- uma adolescência que está lá
tões possa sair de um processo impedida do seu desenvolvi-
de privatização permanente, mento saudável.
diferente da privatização que
estamos acostumados a pensar, Deixamos alguns desafios
no sentido de privatização de que ainda temos na implanta-
quem controla a organização ção do Estatuto. Precisamos de
e a gestão. uma política que sirva para to-
das as crianças, trazendo inclu-
Chamo a atenção dessa sive a ação da intervenção do
história. psicólogo na clínica particular.
Parece que só psicólogo que
Carla França – Eu acho que trabalha nas políticas públicas
o debate começou a esquentar é que tem que conhecer o Esta-
na hora de acabar. Não seria tuto da Criança, pois a criança

212
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

que está lá no seu consultório Monalisa falou, sabe o que é


particular é outra criança. Há protagonismo. Entretanto,
crianças violentadíssimas, com em nome de protagonismo
sobrecarga de atividades, estu- juvenil cabe tudo. Cabe bo-
dos e cursos que também es- tar os adolescentes à frente
tão sofrendo. Parece que essa da entidade, reproduzindo
criança não é alvo do Estatuto o discurso da entidade. Eles
ou que temos esse Estatuto estão falando que isso é pro-
para criança pobre. tagonismo juvenil. Onde estão
os adolescentes nesses espaços
Nos anos 80, tínhamos de controle social? Nos con-
a questão da educação pelo selhos de direitos, decidimos
trabalho. Tínhamos que políticas para eles, e eles não
ocupar os adolescentes pobres estão lá. Durante a última con-
para eles não vagabundearem. ferência, houve uma conferên-
Era a síndrome de São José, a cia paralela. Juntos, não! Não
proliferação de carpintarias. podemos sentar junto com
Todo menino pobre iria ser eles e discutir o que é melhor?
marceneiro. Agora, digo que Que partamos, a partir dessas
estamos vivendo a síndrome reflexões, orientando um pou-
do Bill Gates: a informática co melhor as nossas práticas e
resolve tudo. Bota um compu- os nossos discursos.
tador e qualquer coisa serve.
Nesse sentido, não estamos Público - Eu agradeço ao
avançando muito. Fazemos colega por ter vindo aqui di-
reflexões sobre as formas de zer que discordava de mim.
interferir na formação. Te- Eu também discordo de mim
mos que pensar no psicólogo se falei isso. Evidentemente
daqui para a frente. Para trás, não disse que vamos ser voz,
não sei se vamos conseguir al- no sentido de haver tutela des-
guma coisa. Vamos investir na se segmento.
formação das novas gerações.
A minha preocupação é
É fundamental a questão estar tentando passar, aqui,
do protagonismo juvenil. Nós como possibilidade, que te-
falamos muito nisso. Quem mos que denunciar, falar des-
trabalha nessa área, como a sa técnica que não considera

213
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

esse segmento e o que tem que brasileiro - que nunca serviu


ser anunciado. Essa voz, que é como Estado para as popula-
calada, que é silenciada, que ções mais necessitadas - para
não é escutada hoje, penso dentro das discussões, para
que a Psicologia hoje poderia dentro do financiamento des-
ter uma função de denunciar sas ações. Devemos discutir,
e possibilitar, brigar para que no cerne do Estado, a desti-
esses segmentos sejam atores nação dos recursos públicos,
nessa cena. as necessidades daqueles que
se chamam 53 milhões de pes-
É brigar o tempo inteiro, soas que estão abaixo da linha
dizendo que são tão humanos da pobreza.
quanto nós. Têm que ser escu-
tados. É o primeiro movimen- Esse é o nosso movimento.
to, principalmente de denún- Acredito que o Estatuto é uma
cia. Política pública que não bela ferramenta para alcan-
contemple esse caldo do saber çarmos isso.
que está aí é política pública
que tem algo a desejar. Muito obrigado.

Agradeço ao colega. Fiquei


preocupado por entenderem
que eu estava propondo uma
tutela da Psicologia sobre a
criança e o adolescente.

Cláudio Vieira – Mais uma


vez agradeço ao Conselho Fe-
deral de Psicologia.

Reforço essa última refle-


xão. Realmente esse foi o mo-
vimento de redemocratização
que ainda tem que persistir
na área da infância e da ado-
lescência, que é trazer para
o espaço público, o Estado

214
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

CONFERÊNCIA IV

Protagonismo Social da Psicologia na Defesa dos


Direitos Humanos

Palestrante:
Cecília Maria Bouças Coimbra
Grupo Tortura Nunca Mais – RJ

Debatedora:
Maria de Nazaré Zenaide
Conselho Regional de Psicologia – 3ª Região

215
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

CONFERÊNCIA III
Protagonismo Social da Psicologia na Defesa dos
Direitos Humanos
Cecília Maria Bouças Coimbra

(Lamentavelmente foi perdida, por falha de gravação, a intervenção


feita pela convidada Cecília Maria Bouças Coimbra. Transcrevemos a
fala de Maria Nazaré e os debates, em que ambas participaram).

Maria de Nazaré Tavares Zenaide


Conselho Regional de Psicologia – 13ª Região

...permitiu que iria ter uma ce dos conselhos de defesa. Foi


eleição do Conselho Municipal através do Conselho Estadual de
dos Direitos da Criança e do Defesa dos Direitos Humanos
Adolescente, e ela fez a análise que pudemos ter essa interven-
de uma casa-abrigo, aqui em ção. Queriam desqualificar o
João Pessoa. Nessa monografia trabalho dela, como se fosse de
ela constatou abuso e violência, uma militante do Partido dos
por parte daqueles que eram Trabalhadores. Era uma denún-
os gestores da instituição. Foi cia. Tentaram desqualificar o
graças à pesquisa dessa meni- trabalho.
na, que fizemos uma queixa e
conseguimos que o presidente Coloco como é importante,
do Conselho Municipal dos nas universidades, fortalecermos
Direitos da Criança e do Ado- os setores de pesquisa e estudos.
lescente não fosse alguém que Quando há um setor de estudos
tivesse uma mentalidade puni- e pesquisas sobre criança e ado-
tiva e uma prática de abuso e lescente na universidade e nesse
violência. setor há tanto a pesquisa como
a extensão universitária, isso faz
Vejam só como a pesquisa e com que não se descole a ques-
a intervenção podem ser instru- tão da investigação da questão
mentos fundamentais no alicer- da intervenção. É fundamental

216
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

que nós, da Psicologia, esteja- É muito importante como


mos fortalecendo essa questão. vamos pensar essa relação com
a academia. Na questão das
É muito importante que políticas públicas, temos que
esses setores não sejam de um pensar na formação dos novos
departamento, mas que sejam profissionais. Questiono como
setores que envolvem serviço nós, nos conselhos profissionais
social e Psicologia. Vemos a de Psicologia, podemos tam-
ausência dos nossos psicólogos bém estar nos articulando com
nesses espaços. Eles precisa- a academia e com os órgãos da
riam estar olhando para a in- área de defesa, para pensarmos
tervenção sobre a questão do na formação do profissional
adolescente, de modo que a que já está no campo das po-
pesquisa e a extensão estejam líticas públicas, mas que não
de fato transformando menta- teve essa formação de direitos
lidades. Nesse caso a pesquisa humanos.
teve o impacto na questão. Foi
fundamental. Há profissionais, que estão
no sistema penitenciário, nas
A nossa preocupação não delegacias da mulheres e da
é de transformar em especia- criança e do adolescente e em
lismo, mas que o olhar possa programas de segurança públi-
ser feito vinculando os outros ca, que não passaram por esse
saberes. É muito importante, processo de reflexão crítica.
por exemplo, uma experiência Eles vêm da mentalidade do
que temos aqui. Na Comissão senso comum, de que direitos
de Direitos Humanos, fazemos humanos é defesa de bandido,
um trabalho de educação e de de que direitos humanos não
formação, com vários olhares têm a ver comigo, estão no
sobre a questão: filósofo, pro- outro e que nenhum de nós,
fessor de Direito, pesquisador se fizermos uma retrospectiva
da área de Sociologia, Antro- de vida, tem implicações com a
pologia, Psicologia, Assistência questão dos direitos humanos.
Social. Isso faz com que possa- Tem muito a ver com a vida de
mos ver sobre vários ângulos da cada um! Isso não é uma coisa
questão e sobre várias implica- estrangeira: é uma coisa que faz
ções da realidade. parte da gente.

217
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Temos que pensar, sim, na tenciária começou a reduzir o


formação desse profissional da tempo do banho de sol e modi-
Psicologia que já está fora da ficações até ao ponto de tomar
universidade. Ele já está nas ins- a sala dos técnicos. Tomou a
tituições e faz intervenção nas sala e disse que a sala passaria a
políticas públicas. De repente, ser dos agentes penitenciários.
eles vêm com a questão da justi- Quando os técnicos chegaram
ça terapêutica. Na cabeça deles, ao presídio, a sala não era mais
estão preparados e não preci- deles. Todo mundo estava assis-
sam de reflexão crítica. Vêm, tindo, sem fazer nada. Um dia,
também, as questões da milita- as presas resolvem fazer alguma
rização e da segurança pública. coisa. Quando elas berraram,
Essas pessoas estão desprepara- gritaram e tomaram o policial
das para terem uma postura crí- como refém no momento da
tica diante disso daí. É mais fácil rebelião, disseram que estavam
que entrem no jogo da tentativa utilizando o policial porque
de justificar a visão penalista da precisavam falar do que estava
atuação profissional. acontecendo lá. Todo mundo
estava vendo, mas ninguém es-
Quando nos aproximamos tava reagindo. Todo mundo es-
dos psicólogos que atuam no sis- tava ficando igual. Não estamos
tema penitenciário, por exem- presos nas celas, mas estamos
plo, vemos que a prática deles aprisionados. Nossas mentes,
está reduzida ao laudo. Esse é nossas emoções, nossos afetos
um problema sério. A visão ju- estão todos aprisionados. Es-
rídica estreitou tanto a atuação tamos como que adormecidos.
do psicólogo que ele se limita ao Alguém tinha que reagir, e as
laudo. Ele não tem mais tempo presas reagiram. Nossa cela está
de fazer outra coisa, porque tem acinzentada e estamos adorme-
tempo limitado e prazos defi- cidos. Alguém tinha que reagir,
nidos. Isso faz com que fique e as presas reagiram.
estritamente nessa questão.
O que acontece depois da
Aconteceu um caso que gos- rebelião? Apenas aumentou a
to de exemplificar. Houve uma pena das apenadas. Ninguém
rebelião no presídio feminino questionou a responsabilidade
de João Pessoa. A agente peni- dos profissionais, dos gestores, a

218
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

ética dos psicólogos, dos defen- tem a ver conosco a violência. É


sores públicos, dos assistentes problema dos que botam a mão.
sociais. Nossa ética ficou toda É do agente penitenciário que
guardada nos livros, na acade- se corrompe e fica no processo
mia. Isso aumentou a pena das do comércio ilegal dentro da
meninas. E teve mais: reinaugu- prisão. Nós lavamos as mãos,
raram um presídio em Campina porque não tem nada a ver co-
Grande, para onde as levaram. nosco. Não queremos ver e nos
Colocaram lá uma profissional distanciamos, ficando nas nos-
para dirigi-las e, um ou dois me- sas salas. Não vamos à cela, não
ses depois, foi constatado que es- entramos lá para não nos sujar,
tava havendo abuso e violência. e fazemos de conta que não está
Além de terem sido afastadas, a acontecendo nada.
nova gestão teve problemas de
violência institucional. Quando há rebelião, nós
nos afastamos e corremos, antes
E a nossa responsabilidade que aconteça algo conosco.
como profissionais? A professo-
ra muito bem coloca a questão Essa é uma questão séria.
do trabalho de um psicólogo, Temos que pensar qual é essa
do papel da Psicologia, refletin- Psicologia. Como cuidar desses
do essa questão penal o Brasil. profissionais? Como trazê-los a
Que sistema penitenciário é nós, para que possamos fazer
esse, que faz com que fiquemos com que encontrem nos Conse-
aprisionados? Até a sala dos lhos e na academia um espaço
psicólogos era cheia de poeira, em que possam se recuperar? O
suja. A sensação deles era a de que senti, nessa prática, é que os
estar presos. nossos psicólogos também esta-
vam desumanizados. A essência
A saúde do trabalhador, nes- de humanidade dessas pessoas
sa área do sistema penitenciário, estava totalmente desmontada.
é uma questão muito séria. Esse
processo de aprisionamento é Então, professora, eu fico
tão sério que eles vão começan- me questionando. A senhora
do a naturalizar qualquer práti- falou da formação que devemos
ca de violência e ninguém vê a pensar em construir. Quando
violência que lá acontece. Não falarmos em direitos humanos

219
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

para esses profissionais, que o preso não como um sujeito de


comecemos com o processo de direitos.
humanização. Não podemos
chegar para esses profissionais Outra coisa que observei
apenas com a lei, apenas com entre os profissionais é uma
a versão jurídica. Temos que postura de rivalidade. Eles não
pensar as dimensões, as mais se percebem como atores de
amplas possíveis, para fazer uma construção de política pú-
com que esses profissionais da blica. Cada um vê o seu pedaço.
Psicologia possam recuperar Chega ao absurdo de os laudos
esse seu elemento de humani- serem colocados para os presos.
dade e de cidadania, porque, A rivalidade entre os profissio-
se não, eles não vão agir como nais chega ao ponto de mostrar
protagonistas, não vão se sentir para os presos o laudo de outro
como sujeitos de direitos, eles profissional. Estão degradadas
não vão atuar como cidadãos, as relações institucionais. Um
nem como atores institucionais nível de competitividade e de
que vão pensar em construir degradação cuidou das mentes
uma outra política de seguran- e dos corações e fez com que as
ça e de justiça para esse país, pessoas se desmontassem como
porque estão apenas reprodu- pessoas e como sujeitos, como
zindo um tipo de modelo que atores institucionais. Elas não
a senhora muito bem colocou, se vêem como construtoras de
ou seja, tudo voltado para a uma política pública.
punição e nada voltado para
a reeducação ou um processo Outra questão que a pro-
de reabilitação ou de direitos fessora colocou, que considero
humanos. fundamental, é a questão da
militarização da segurança pú-
Senti na pele que, ao tratar blica. Se percebermos, profes-
do tema dos direitos humanos, sora, a maioria dos dirigentes do
se não formos com um traba- sistema penitenciário - aqui na
lho de vivência, de um processo Paraíba vivemos muito isso - tem
demorado que vai limpando formação militar. Ora, sabemos
e cuidando, as pessoas ainda que há defensores públicos,
estão muito impregnadas dessa advogados, assistentes sociais e
questão da penalização, de ver psicólogos com experiência de

220
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

gestão na área de segurança. o livro sobre os maus-tratos.


Esses profissionais nunca foram Nesse mesmo período estáva-
olhados, para serem colabora- mos fazendo um trabalho com
dores no processo de gestão. o sistema penitenciário. Aqui
Colocam militares. na Paraíba, houve um massacre.
Oito presos foram assassinados.
Quando os conselhos de Se não chamarmos a atuação
defesa começam a fazer o do Ministério Público, articular-
controle externo, de averiguar mos-nos com os órgãos de defe-
quando há abuso e denúncia de sa e pensarmos um conjunto de
violência e de violação, ficamos ações, a denúncia vai fortalecer
nos portões. Quando há, de as resistências. Se não fortale-
fato, uma violência, conseguem cemos esses profissionais den-
encobrir. Passamos um tempo tro do sistema penitenciário,
fora dos portões, até usarmos o fortalecendo os conselhos de
recurso jurídico para a entrada. defesa e ampliando essa rede de
Então, vemos uma grande con- defesa, com estudos, pesquisas,
tradição. dados e reflexões, o poder de
intervenção é muito pequeno.
Avança-se no processo de
democratização, por um lado Uma coisa interessante é
e em algumas questões, mas os que eles odeiam a pastoral car-
órgãos que poderiam exercer cerária, mas é a pastoral carcerá-
o controle social ainda ficam ria que está nos presídios todas
nos portões dos presídios, na as semanas. É a única que está
hora em que precisam exercer todas as semanas nos presídios,
a sua função de fiscalização do e é a única que está, de fato,
Estado na questão da violência olhando e ouvindo. É a única
institucional. que escuta a voz dos presos.
Por que incomoda tanto? Por-
Quando estive no Conselho que no sistema penitenciário
Estadual, perguntei: “como ninguém quer uma política de
entrar nesse campo das insti- trabalho. Não há uma política
tuições”? Se só chegamos na de trabalho lá dentro, assim
hora da denúncia, eles não nos como não há política de educa-
deixam entrar. Por exemplo, a ção. No entanto, há um rede de
Anistia Internacional publicou comércio ilegal e muitas vezes

221
II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

vemos os agentes penitenciários mídia que possam construir, co-


devendo a presos. A relação é nosco, um olhar crítico. Temos
tão deformada que se inverte que pensar que o protagonismo
qualquer relação de autoridade tem que ser aliado a uma rede
e o processo de pensar essas de outros profissionais. A comu-
instituições como um processo nicação também tem que entrar
de uma intervenção de política conosco nesse processo. Temos
pública com respeito e com que pensar nessa articulação
dignidade. com a comunicação, não só
naquele momento da denún-
Temos muito o que discutir cia, mas também prepará-los
na questão penitenciária. antes. Vemos que até a forma de
escrever as matérias reproduz
Na questão da militarização um tipo de discurso penalista.
da segurança pública, uma das Vemos a fragilidade da relação
coisas que observamos é que com a comunicação.
ainda não conseguimos aproxi-
mar a mídia, no sentido de que Na questão da segurança
ela esteja nos nossos seminários, pública, vemos que todo mun-
nas nossas pesquisas e nas nos- do sente pena quando acontece
sas intervenções, para que tenha uma violência que atinge a clas-
uma postura mais bem formada se média ou os setores mais pri-
da questão. vilegiados economicamente. Os
meios de comunicação vendem
Na questão do adolescente bastante nesse período. Eles
em conflito com a lei, apesar utilizam a questão da segurança
do que o Conanda tem feito e da insegurança como mer-
aqui na Paraíba, precisamos da cadoria. Vemos como é forte
capacitação da mídia. A própria essa utilização da insegurança,
mídia está despreparada com do terror. A formação de uma
relação ao Estatuto da Criança subjetividade em segurança é
e do Adolescente. Muita vezes, tamanha que começamos - vejo
quando vêm as ondas de reto- muito isso na universidade - a
mar a discussão da responsabili- pagar guardas, porque, se não
dade penal, temos que ter uma pagarmos, vamos ser assalta-
interlocução com a mídia, para dos. Não conseguimos discutir
a produção de profissionais da política de segurança pública e

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

entramos na onda do comércio a política de segurança pública


da segurança. Todos estamos que queremos.
pagando segurança privada,
quando não discutimos a segu- Se o Conselho de Comuni-
rança pública numa perspectiva cação Social é um dos mais atra-
comunitária, de uma política sados, imaginem o Conselho de
pública de segurança que dis- Segurança. Como discutir segu-
cuta a questão do conselho de rança em política pública? Até
segurança e modelos de ação pouco tempo atrás era questão
preventiva. Que não separe- de polícia. Temos que discutir
mos a questão das segurança da como democratizar a política de
questão da educação, da saúde, segurança. Temos que construir
do trânsito. política de segurança, se não
quisermos ficar reféns da pri-
Por que faltam recursos? Se vatização da segurança pública.
formos ver o orçamento utili- Aqui em João Pessoa tem bairro
zado nas seguranças privadas, em que, às sete horas da noite,
perguntaríamos por que não as pessoas já não podem mais
há orçamento para a segurança voltar para casa. Fizemos um
pública. Quando tem orçamen- curso de polícia comunitária e,
to, é para armar homens, não para o pessoal do bairro poder
é para qualificar ou implantar voltar para casa, tivemos que dar
polícia comunitária, não é para toda a segurança. Caso contrá-
formar uma rede alternativa. A rio, as pessoas não poderiam
sociedade está um pouco refém fazer parte do curso.
disso, quando só atua na hora da
confusão. Quando tem um caso Vou citar duas experiências,
absurdo, ficamos na postura de para vocês verem como a ques-
vítima, que é muito passiva. Só tão da militarização acontece.
atuamos na hora da caminhada Houve uma caminhada pela paz,
pela paz. Vamos todos para a com jovens da escola. Quando
rua. Enchemos as ruas com ca- chegamos a um determinado
minhadas pela paz. Não discuti- setor da rua, nós nos deparamos
mos mais a atuação da delegacia com a segurança privada. Os jo-
no bairro, não discutimos a atu- vens, irreverentes, iam na frente
ação da delegacia da criança e e os pais e os professores, atrás.
do adolescente, não discutimos Era uma caminhada bastante

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

longa e os jovens foram na fren- las. Mais uma vez, não convoca-
te. “Corram porque o pessoal da mos a polícia para nos proteger
segurança privada está agredin- e para atuar conosco em uma
do os meninos.” De repente, caminhada, quando estamos
estava lá, a polícia militar, ao querendo reivindicar políticas
lado da bendita segurança pri- públicas.
vada, tomando conta do relógio
da Globo. Foi nessa justificativa Quando falamos de uma
de não quebrar o relógio que experiência de polícia comuni-
tentaram agredir as crianças e tária, de um trabalho de polícia
os jovens. interativa, de um trabalho de
polícia discutindo com a escola,
Nesse momento, a escola ou polícia com conselhos dis-
pôde chamar a polícia para dis- cutindo, começamos a reverter
cutir essa questão de, nas cami- esse papel de militarização e
nhadas, convocar a polícia para começamos a fazer com que o
nos proteger. Vejam só, a Globo policial passe a dialogar com os
convocou a segurança privada e a atores, com os educadores, com
polícia militar para proteger o re- os jovens, com a associações de
lógio. Ainda estamos com aquela bairro. As pessoas não precisam
postura de convocar a polícia ter medo da polícia. O pessoal
pública para nos proteger. de uma secretaria daqui disse
que policial não poderia dis-
Numa comunidade aqui do cutir com educadores e jovens,
bairro, as escolas fizeram uma porque eram apenas para repri-
caminhada pela paz no trânsito. mir. Queremos que os nossos
Os empresários convocaram a filhos tenham medo de polícia
polícia para cuidar dos ônibus, ou queremos reverter isso?
porque disseram que os jovens Queremos trazê-los para a cena,
iriam depredar os ônibus. Ora, para a discussão da política pú-
era uma caminhada para as pro- blica, para as questões do bairro
fessoras discutirem a questão e das escolas! Eles não precisam
do trânsito, porque no bairro provocar medo nos jovens.
estava havendo muita violência
no trânsito. Depararam-se com A professora disse que é pre-
policiais fortemente armados ciso fazer essa leitura, e não ficar
enfrentando os jovens de esco- na posição de vítima, agindo na

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

hora do caos. Precisamos atuar retomar a discussão da priva-


muito mais e pensar ações con- tização, reforçar esse discurso,
jugadas com uma rede de atores essa onda do tráfico de drogas.
sociais. Se não, não fazemos Até que ponto temos conheci-
protagonismo e não consegui- mento dessa questão do tráfico
mos mudar o quadro. A socie- e do crime organizado, para
dade reage naquele momento e que não entremos no jogo do
faz a caminhada. Depois, temos sensacionalismo e nesse engo-
dificuldades. do de chegarmos ao ponto de
ter que justificar uma ação de
Nessa questão da caminha- violação de direitos para poder
da, foi possível juntar as escolas, justificar a incompetência do
os diretores de escola e o bata- Estado na questão do sistema
lhão de polícia, para discutir penitenciário? Há quanto anos
qual é a atuação de cada um. A não se investe? Há quantos
partir daí, o que podemos fazer anos sabe-se o que acontece,
para não ter mais essa postura? ao juntar as pessoas numa mes-
ma prisão? Há quanto tempo
As empresas de segurança e há tantos abusos e não se faz
as empresas comerciais utilizam nada?
a polícia para os interesses priva-
dos e nós, comunidade, escola, O caos é a ausência do Esta-
sociedade, não a utilizamos para do nas políticas públicas. É isso
nos proteger. Nós os deixamos que temos que discutir. Não
hegemonicamente atuando, em podemos entrar nesse engodo,
função dos interesses privados. por conta dessa cultura do ter-
É momento também de pensar ror, que nos faz ficar inseguros,
nisso daí. cada vez mais trancafiados e
trancafiando nossos corações,
Mais uma questão que a pro- nossas mentes e nossa capaci-
fessora colocou que é importan- dade de atuar como protago-
te - vou abrir os debates porque nistas sociais.
falo demais - é ter muito cuida-
do nesse momento histórico Para provocar, eu gostaria
em que estamos vivendo. Não que a Plenária levantasse ques-
podemos pensar só nessa onda, tões para dialogarmos com a
antes das eleições, de tentar professora.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

DEBATES

Público - Pegando a chama- passar a proposta de uma pes-


da da colega e amiga Nazaré, quisa de um mote que possa
da necessidade de refletirmos orientar o protagonismo social
sobre as nossas práticas coti- da Psicologia relacionado com
dianas, na medida em que as a questão dos direitos huma-
reproduzimos, principalmente nos. Acho que talvez possamos
em Psicologia, vou aproveitar procurar exatamente na natu-
para uma restituição, a ela ralização do individualismo.
própria, e falar um pouco de
como podemos nos espantar, A Psicologia tem sido
pois a violação dos direitos eficientíssima em produzir
humanos vem dos pontos mais conhecimentos sobre os indi-
inesperados. víduos. Talvez uma postura de
reexistir como campo de saber
Participávamos de um pro- em Psicologia, que possa atu-
grama de educação na área de alizar a potência dos direitos
segurança pública e, muito humanos, seja esse indicativo
preocupados em como entrar firme, em nos negarmos a pro-
nas organizações policiais, fo- duzir conhecimento sobre os
mos surpreendidos por uma indivíduos e nos empenharmos
atitude do gestor financeiro em produzir conhecimento so-
do programa. Quando questio- bre o modo de funcionamento
nado sobre a absoluta falta de das instituições que articulam
transparência, reagiu pedindo esse controle e essa disciplina-
o nosso afastamento. Graças rização.
aos companheiros da equipe
de Sergipe e da Paraíba, com a Para começarmos, talvez
professora Nazaré, foi mantido um bate-papo, vou ficar espe-
o espaço público democrático rando a resposta da Cecília,
na condução do término do que talvez não mude.
programa.
Para finalizar, ilustro o
Aproveitando o espaço ponto a que estão chegando
para restituição, isto é, para os mecanismos de controle.

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

Noutro dia, a imprensa estava amento dessa tecnologia, para


comemorando a utilização do controlar, pelo sistema GPS de
sistema GPS, sistema de locali- satélite, aqueles que poderão
zação por satélite, individual. ser os perigosos.
No início, para proteger do se-
qüestro quem possa pagar. Aos Obrigado.
poucos, financiando o barate-

Cecília Maria Bouças Coimbra


Grupo Tortura Nunca Mais – RJ

É uma pena haver tão pou- é uma coisa neutra, é uma coi-
cas pessoas. Devemos pensar sa superior. Eu me lembrei de
não só o esvaziamento com um trechinho do Foucault que
relação à questão dos direitos abre exatamente para o nosso
humanos, mas também o fato nível. Foucault, diz o seguinte,
de haver muita coisa junta. pensando essa questão: “Que
Devemos pensar sobre isso no tipo de saber vocês querem
próximo encontro. desqualificar, no momento em
que dizem que é uma ciência?
Fechando, eu queria fazer Que sujeito falante, que sujeito
algumas colocações muito rá- de experiência ou de saber vo-
pidas sobre o que foi dito pela cês querem minorar, quando
Nazaré. Achei algumas coisas dizem: eu formulo esse dis-
muito interessantes e impor- curso, enuncio esses discurso
tantes. porque sou cientista?”

Logo no início, ela falou Eu acho que é isso que você


das pesquisas, das dissertações, está colocando. Não é por aca-
das pesquisas, em como é im- so que somos vistos como não
portante a academia pensar fazendo Psicologia. Fazemos
sobre essas questões. O tempo de tudo. Eu faço política, mi-
todo essas questões, dentro da lito nisso e naquilo, mas não
academia, são desqualificadas. faço Psicologia. É uma questão
Não é uma ciência. Isso é uma para pensarmos. Que Psicolo-
militância, é política. A ciência gia é essa? Que modelo é esse

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

de Psicologia que querem que nas prisões tem como subtítulo


façamos? o seguinte: “Me tratam pior
que um animal”. É a frase de
Quando você fala das um presidiário. Eles colocam
agentes penitenciárias que como subtítulo do relatório da
foram tomando uma série de Anistia Internacional.
medidas, inclusive arbitrárias,
não permitindo banho de sol Em cima da questão que
e tomando a sala dos técnicos, você e o Manuel trouxeram,
lembrei-me de um poema do a questão da polícia é um
Bertolt Brecht sobre a ascen- negócio muito sério. Trazer
são do nazismo na Alemanha. a polícia até nós é fundamen-
Badaladíssimo esse poema do tal, agora é fundamental pen-
Brecht. “Uma vez vieram bus- sarmos e questionarmos que
car os homossexuais. Como eu tipo de formação é dada para
não era homossexual, eu nada esses policiais, especialmente
fiz. Outra vez vieram buscar os os policiais militares. Que tipo
comunistas. Como eu não era de treinamento é dado a eles?
comunista, eu nada fiz. Outra Um aluno meu é soldado da
vez vieram buscar os católicos. PM, no Rio de Janeiro. “A pri-
Como eu não era católico, eu meira coisa que querem fazer
nada fiz. Quando vieram me com a gente, e que fazem, é
buscar, não havia mais nin- tirar a nossa condição de cida-
guém.” dão civil. Somos militares.”

Fazemos de conta que É uma outra coisa “ser mili-


nada está acontecendo. Não é tar”! É fundamental pensarmos
trabalho nosso. Sou psicólogo. no tipo de formação que eles
É essa Psicologia que querem têm. Algumas músicas, canta-
colocar como modelo, e está das durante os treinamentos,
sendo colocada o tempo todo são hinos ao extermínio: “Eu
como modelo. Eu acho im- vou na favela, mato um. Chupo
portante que estranhemos isso o sangue... Chupo o coração...”
efetivamente. São impressionantes as músicas
que a polícia militar do estado
O relatório da Anistia Inter- do Rio de Janeiro utiliza nos
nacional sobre os maus-tratos treinamentos, não só dos sol-

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

dados mas também dos oficiais. esse aqui que laçamos no Rio,
Temos que pensar na formação chamado “Clínica e Política”.
deles e neles como cidadãos. É Este aqui é do Tortura Nunca
a questão da segurança desse Mais. Cada um custa vinte reais.
policial, tanto civil quanto mili- Esse aqui, inclusive, tem o Pro-
tar, é a questão dos seus salários, tocolo de Istambul, totalmente
pois não é por acaso que se paga traduzido. Ainda não havia
tão pouco ao policial. tradução para o português. O
Protocolo de Istambul é uma
São questões importantes a convenção internacional que
serem pensadas. É pena sermos trata de maus-tratos e tortura
sempre tão poucos a pensar so- em estabelecimentos. Como
bre isso. denunciar a questão dos maus-
tratos e da tortura em estabele-
Agradeço a vocês a presença cimentos? É o chamado Proto-
e agradeço o convite. Vou dei- colo de Istambul. Pela primeira
xar no Conselho um exemplar vez foi traduzido.
de cada livro que estou trazen-
do. Estou deixando um exem-
plar para o Conselho.
Para a Comissão de Direitos
Humanos ficou apenas um. É Muito obrigada.

Maria de Nazaré Tavares Zenaide


Conselho Regional de Psicologia – 13ª Região

Vimos a importância de Que possamos estar nesses


a Psicologia pensar, nessa diversos espaços sociais e ins-
perspectiva do protagonismo titucionais com uma postura
social, a questão da segurança crítica de mudar essa interven-
como direito de cidadania, e ção que até então se colocou
direitos só são conquistados para nós como a única inter-
se estivermos devidamente venção na segurança pública.
preparados e discutindo com Talvez seja por isso que está
uma postura crítica a atuação tão ausente da academia e dos
do Estado e da sociedade. conselhos. Essa ausência faz

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II Seminário de Psicologia e Políticas Públicas: Políticas Públicas, Psicologia e Protagonismo Social

com que fiquemos inseridos nicação, direitos humanos,


nessas políticas públicas de segurança pública. Cada área
forma refém, porque estamos dessas merece outros momen-
atuando de uma forma limita- tos de aprofundamento.
da, reproduzindo uma deter-
minada atuação. Precisamos Que possamos fortalecer
aprofundar, na nossa catego- essa rede com os Conselhos
ria, nos conselhos e nas várias e com a academia e que, no
instâncias que atuam com Psi- próximo seminário, possamos
cologia, essa discussão sobre a estar aqui, trazendo outras
segurança pública, para que experiências e outras falas,
possamos, de fato, ter uma numa perspectiva diferente,
inserção na perspectiva de a fim de construir um prota-
mudança social. gonismo efetivamente crítico
e transformador para a nossa
Gostaríamos, então, de sociedade.
encerrar o II Seminário de
Psicologia e Políticas Públicas Gostaríamos de convidar
- Psicologia e Protagonismo a todos para participarem do
Social. lançamento de alguns livros e
assistirem à apresentação de
Em nome do Conselho Tiago Santos. Ele tem livros e
Federal de Psicologia e do vídeos, veio do Ceará especial-
Sistema Conselhos, agrade- mente para contribuir com o
ço a todos que colaboraram nosso congresso. Gostaríamos
com este seminário e fizeram que todos pudessem prestigiá-
com que este momento fosse lo.
ímpar. Sabemos que é um es-
paço de discussão política que Que, nos próximos encon-
o Sistema Conselhos e o Con- tros possamos estar, cada vez
selho Federal fazem, para que mais, fortalecidos, para apre-
possa haver uma inserção dos sentarmos novas práticas da
psicólogos nas políticas pú- Psicologia.
blicas. Este seminário trouxe
oportunidades ímpares, pois Boa-noite.
trabalhamos diversas áreas:
crianças e adolescente, comu-

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