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Introdução

E. B. Titchener alterou dramaticamente o sistema de Wundt, enquanto jurava ser um seguidor leal.
Ele propôs a sua própria abordagem, a que deu o nome de estruturalismo, e afirmou que ela
representava a forma de psicologia esposada por Wundt. Contudo, os dois sistemas eram
radicalmente diferentes, e o rótulo estruturalismo não pode ser aplicado à psicologia de Wundt,
mas sim à obra de Titchener.

A psicologia estrutural atingiu nos Estados Unidos uma proeminência que durou vários anos, até
ser desafiada e derrubada por movimentos mais novos. Embora Titchener fosse sem dúvida uma
influente figura da história da psicologia americana, seus contemporâneos, como veremos nos
capítulos seguintes, estavam desenvolvendo diferentes definições de psicologia.

Wilhelm Wundt reconhecia elementos ou conteúdo da consciência, mas a sua atenção se


concentrava primordialmente na organização ou síntese desses elementos em processos cognitivos
de nível superior mediante o princípio da apercepção. Para ele, a mente tem o poder de sintetizar
espontaneamente elementos, uma posição que contrariava a noção mecânica e passiva da
associação favorecida pela maioria dos empiristas e associacionistas britânicos.

Titchener aceitou o foco empirista e associacionista sobre os elementos ou conteúdos mentais e


sua ligação mecânica através do processo da associação. Descartou a ênfase wundtiana na
apercepção e se concentrou nos elementos que compõem a estrutura da consciência. Segundo
Titchener, a tarefa fundamental da psicologia é descobrir a natureza dessas experiências
conscientes elementares — ou seja, analisar a consciência em suas partes separadas e, assim,
determinar sua estrutura. Para consegui-lo, Titchener modificou o método introspectivo de Wundt,
tornando-o mais parecido com o de Külpe.

Edward Bradford Titcheiwr (1867-1927)

Titchener passou seus anos mais produtivos na Universidade Comeu, em Nova York. Para
Titchener, com freqüência retratado com as vestes acadêmicas que costumava usar nas aulas, cada
palestra era uma produção dramática. O cenário era cuidadosamente preparado pelos assistentes
sob sua vigilante inspeção. Os membros docentes mais novos, que assistiam às suas aulas,
entravam por uma porta para ocupar a primeira fila de cadeiras, e o professor Titchener entrava
por outra, que levava diretamente ao estrado do mestre.
Titchener afirmava que a beca de professor de Oxford lhe dava o direito de ser dogmático. Embora
só tivesse estudado com Wundt por dois anos, assemelhava-se ao seu mentor em muitos aspectos,
incluindo a natureza autocrática, as aulas formais e até a sua abundante barba.

A Vida de Títchener

Nascido em Chichester, Inglaterra, numa família tradicional com pouco dinheiro, Titchener
empregou suas consideráveis capacidades intelectuais para ganhar bolsas de estudo que lhe
permitissem prosseguir em sua educação. Estudou no Colégio Malvern e na Universidade Oxford,
dedicando-se à filosofia e aos clássicos nos quatro primeiros anos e tornando-se, no quinto,
assistente de pesquisa em fisiologia.

Enquanto estava em Oxford, Titchener interessou-se pela nova psicologia de Wundt, interesse que
não foi encorajado nem compartilhado por ninguém da universidade. Era natural, pois, que ele
fizesse uma jornada a Leipzig, a Meca dos peregrinos científicos, para estudar com Wundt, tendo
obtido o grau de doutor em 1892. Parece não haver dúvida de que Wundt deixou uma impressão
permanente no jovem aluno, embora Titchener, aparentemente, tivesse tido pouco contato com
ele. Os anos de Titchener em Leipzig determinaram o seu futuro na psicologia e o de seus muitos
alunos. Ele teve um impacto sobre a psicologia americana, mas dentro de pouco tempo, a
psicologia na América iria seguir seu próprio curso, numa direção que divergia da abordagem de
Titchener.

Tendo recebido o seu grau, Titchener planejou tornar-se o pioneiro da nova psicologia
experimental na Inglaterra. Os acadêmicos ingleses, no entanto, mostravam-se céticos diante da
abordagem científica de um dos seus tópicos filosóficos favoritos. Portanto, poucos meses depois
de dar um curso de extensão em biologia em Oxford, Titchener foi para os Estados Unidos ensinar
psicologia e dirigir o laboratório da Universidade Cornell. Tinha vinte e cinco anos e permaneceu
em Comell o resto da vida.

Entre 1893 e 1900, ele desenvolveu seu laboratório, comprando equipamentos, fazendo pesquisas
e escrevendo sessenta e dois artigos. À medida que sua reputação ia atraindo um número cada vez
maior de alunos para Comeu, ele ia se afastando da exigente tarefa de participar pessoalmente de
cada pesquisa; nos últimos anos, elas eram feitas quase que inteiramente pelos seus alunos. No
cômputo geral, ele ‘publicou muito poucos trabalhos experimentais com o seu próprio nome... Tal
como Wundt, pôs-se à frente de suas iniciativas de pesquisa, defendendo-as, vinculando-as com
outros empreendimentos, divulgando-as para alunos, profissionais e leigos” (Tweney, 1987, p. 40).
Assim, foi através da orientação das pesquisas dos alunos que sua posição sistemática chegou à
plenitude. Ele supervisionou mais de cinquenta teses de doutorado em psicologia ao longo de trinta
e cinco anos, e a maioria dessas dissertações traz a marca do seu pensamento pessoal. Ele exercia
sua autoridade na seleção dos tópicos de pesquisa, distribuindo os que estavam vinculados às
questões que o interessavam. Ele esperava que todos os alunos graduados trabalhassem
coletivamente a partir de suas idéias e, assim, construiu uma posição siste mática unificada, que
considerava “a unica psicologia científica digna desse nome” (Roback, 1952, p. 184).

Titchener traduziu do alemão para o inglês alguns livros de Wundt. Quando completou a tradução
da terceira edição dos Princípios de Psicologia Fisiológica, de Wundt, descobriu que este já
terminara a quarta. Ele traduziu a quarta, apenas para saber que o incansável mestre tinha publicado
a quinta.

Entre os livros de Titchener estão Au Outline o! Psychology (Esboço de Psicologia) (1896), Primei
of Psychology (Introdução à Psicologia) (1898) e a obra em quatro volumes

O estruturalismo foi estabelecido por Edward Bradford Titchener como a primeira escola
americana de pensamento no campo da psicologia.

Experimental Psychology (Psicologia Experimental) (1901-1905). Afirma-se que Külpe descreveu


este último trabalho como “a mais erudita obra de psicologia em língua inglesa” (Boring, 1950, p.
413). Mesmo hoje, a Psicologia Experimental de Titchener é incluída “entre os mais importantes
livros da história da psicologia” (Benjamin, 1988a, p. 210).

Esses ma nuais, como os volumes individuais da obra vieram a ser chamados, promoveram o
desenvol vimento do trabalho de laboratório em psicologia nos Estados Unidos e influenciaram
toda uma geração de psicólogos experimentais, incluindo os que mais tarde divergiram da psicolo
gia estrutural. Entre estes estava John B. Watson, o fundador da escola comportamental de
pensamento (Capítulo 10). Os manuais de Titchener gozaram de ampla popularidade, tendo sido
traduzidos para o russo, o italiano, o alemão, o espanhol e o francês.

Titchener dedicou-se a várias atividades que consumiram tempo e energia. Regia um pequeno
conjunto musical em sua casa todas as noites de domingo e, durante muitos anos, foi “professor
substituto de música” em Comeli, antes da implantação de um departamento de música. Seu
interesse em colecionar moedas levou-o, com dedicação típica, a aprender chinês e árabe para
entender os caracteres gravados nas moedas. Também era versado em meia dúzia de línguas
modernas. Mantinha uma volumosa correspondência com colegas; a maioria das cartas era
datilografada, mas continha acréscimos feitos à mão.
À medida que envelhecia, Titchener ia se afastando da vida social e acadêmica. Era considerado
uma lenda viva em ComeI!, embora um número crescente de professores jamais o tivesse
conhecido ou mesmo visto. Ele fazia boa parte do seu trabalho no estúdio, em casa, e passava
relativamente pouco tempo na universidade. A partir de 1909, só dava aulas nas tardes de segunda-
feira no semestre de primavera de cada ano. Sua esposa selecionava todos os visitantes e o protegia
de intrusões do mundo exterior; estava entendido que nenhum aluno devia telefonar para ele exceto
em caso de emergência extrema.

Embora fosse autocrático à maneira de um mestre alemão, Titchener também era gentil e prestativo
com os alunos e colegas, desde que eles o tratassem com a deferência e o respeito que ele
considerava merecer. Fala-se de jovens docentes e estudantes graduados que lavavam o seu carro
e instalavam cortinas em sua casa no verão — não porque alguém lhes ordenasse isso, mas por
respeito e admiração.

Um ex-aluno, Karl Dallenbach, cita uma declaração de Titchener segundo a qual “um homem não
pode ter a esperança de se tornar psicólogo enquanto não tiver aprendido a fumar” (Dallenbach,
1967, p. 91). Seguindo isso, muitos dos seus alunos passaram a fumar charutos, ao menos na
presença do mestre. Outra doutoranda, Cora Friedline, estava discutindo sua pesquisa no gabinete
de Titchener quando o seu indefectível charuto começou a queima-lhe a barba. Ele estava falando
nesse momento e sua imponência levou-a a hesitar em interrompê-lo. Por fim, ela disse: ‘Queira
perdoar-me, dr. Titchener, mas suas suíças estão em chamas.” Quando ele finalmente apagou o
fogo, este já tinha começado a queimar-lhe a camisa e a camiseta.

A atenção de Titchener para com os alunos não terminava quando eles deixavam Corneli — nem
o seu impacto sobre a vida deles. Dallenbach, ao receber seu grau de doutor, pretendia ir para a
escola médica, mas Titchener conseguiu-lhe um cargo de professor na Universidade de Oregon.
Dallenbach pensara que Titchener aprovaria sua ida para a escola médica, mas estava enganado.
“Tive de ir para Oregon, pois ele não pretendia que o seu treinamento e trabalho comigo se
perdessem” (Dallenbach, 1967, p. 91).

As relações de Titchener com psicólogos fora do seu grupo eram por vezes tensas. Eleito em 1892
para a Associação Psicológica Americana pelos membros fundadores, demitiu-se pouco depois
porque a associação se negou a expulsar um membro que ele acusara de plágio. Conta-se que um
amigo pagou as cotas de Titchener por alguns anos para que o seu nome continuasse a figurar
como membro da APA.

Em 1904, formou-se um grupo de psicólogos chamados “Experimentalistas de Titche ner”, que se


reunia regularmente para comparar resultados de pesquisas. Titchener selecionava os tópicos e os
convidados, e, de modo geral, dominava as reuniões. Uma das regras do encontro era não permitir
a presença de mulheres. Seu aluno E. G. Boring comentou que Titchener “queria relatos orais que
pudessem ser interrompidos, contestados e criticados numa sala cheia de fumaça sem a presença
de mulheres — porque, em 1904, quando o grupo dos Experimentalistas foi formado, as mulheres
eram consideradas demasiado puras para fumar” (Boring, 1967, p. 315).

Várias mulheres que estudavam no Colégio Bryn Mawr, da Pensilvânia, tentaram frequentar as
reuniões, mas eles as mandaram embora. Numa dada ocasião, elas se esconderam debaixo de uma
mesa durante toda a sessão. A noiva de Boring e outra mulher esperaram na outra sala “com a
porta entreaberta para ouvir como era a psicologia masculina livre de expurgos. Elas sairam ilesas”
(Boring, 1967, p. 322).

Afirma-se que Titchener não estava tanto discriminando deliberadamente as mulheres quanto
refletindo as atitudes patriarcais da época. Dos cinqüenta e seis doutorados que outorgou, mais de
um terço foi a mulheres, uma proporção bastante elevada para a época (Furumoto, 1988). A
primeira mulher a receber um Ph.D. em psicologia, e o primeiro doutorando de Titchener, foi
Margaret Floy Washburn. “Ele não sabia bem o que fazer comigo”, recorda-se ela (Washburn,
1932, p. 340). Ela havia escolhido a Universidade Colúmbia, mas eles não admitiam mulheres para
os cursos de pós-graduação. Titchener a aceitou, e ela, depois de receber o grau em Corneil, teve
uma bem-sucedida carreira no campo da psicologia. Suas contribuições profissionais incluem um
importante livro sobre psicologia animal e a presidên cia da Associação Psicológica Americana.

Por volta de 1910, Titchener começou a trabalhar no que concebeu como uma exposição completa
do seu sistema. Infelizmente, faleceu de tumor cerebral aos sessenta anos, antes de terminar a obra.
Algumas de suas partes foram publicadas numa revista e, mais tarde, reproduzidas num livro
póstumo. Conta-se que o cérebro de Titchener foi conservado e está em Comeu em exibição.

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